A questão do método – 1.
Para
quem pretende enveredar pela produção do conhecimento dispõe, em última
análise de duas vias básicas de
aproximações do objeto em causa. Francis Bacon os definiu como sendo o método
“sintético-dedutivo” e o
“analítico-indutivo”. O primeiro, o sintético-dedutivo, parte do todo,
do grande conjunto para, dessa perspectiva analisar e interpretar as partes. O
método analítico-indutivo faz a aproximação pelo lado oposto, pela
identificação das partes. Teilhard de Chardin classificou-o como “esse maravilhoso
instrumento de investigação, ao qual devemos todos os nossos progressos ...”
Chamou, porém, a atenção para as limitações e os riscos quando se exagera na
aplicação, e principalmente, nas conclusões que se tiram dos resultados.
Teilhard completou a frase interrompida logo acima: “ ... mas que de, síntese
em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e
fragmentos que se esvaem”. Cabe então a
pergunta. Considerando a natureza de cada um dos métodos, qual dos dois merece
ser privilegiado, qual dos dois oferece potencial mais rico para o
investigador? A resposta é complexa pela sua própria natureza. Depende de uma
série de fatores que dizem respeito ao objeto e os objetivos perseguidos pelo
investigador. Filósofos e Teólogos não
hesitam em se decidir pela síntese e pela dedução como método reitor dos seu
trabalho. Para Tales, por exemplo, a
água representou o princípio universal
no qual as demais realidades encontram a devida explicação. Alexandro S.
Caldera condensou num diálogo imaginário entre Tales e Anaximandro, o
pensamento do filósofo grego. “Não te esqueças
desta lição, Anaximandro. O que verdadeiramente importa é aptidão para
captar o abstrato; a possibilidade de um pensamento sem imagem, como o reconheceu Nietzsche em
começos do século XX, várias décadas antes de se instalar no mundo o reino da
imagem sem pensamento. O importante é a unidade do múltiplo. (Todo Tempo futuro
foi melhor. Caldera. P. 18)
Num
outro diálogo, agora entre Parmênides e seu discípulo Zenon, faz o primeiro
afirmar. “(...) pois, eu sustento que o ser é uno, imóvel e indivisível, que o
múltiplo é uma ilusão e, portanto, não existe”. E um pouco mais adiante
continua no mesmo dialogo. “Toda a aparência é falsa, Zenon, o mundo sensível é
o não ser. O único real é o pensamento. O pensamento é o ser”. (idem. P. 31.) A
essa afirmação categórica de Parmênides, Zenon recomendou cautela ao mestre.
Num salto de visionário de três mil anos para o futuro, lembrou que então “se
dirá que o único verdadeiro é a aparência; e a única realidade é a imagem que
se projeta na pequena tela de um estranho aparelho que denominarão televisor”.
- A essa observação Parmênides contrapôs a sua opinião. “Nada deverá mudar,
pois se o ser é uno, não pode ser outro; se é imóvel, não pode transformar-se. Além do mais, é único e
unitário e a unidade é eterna”. – Zenon não se deu por satisfeito e fez o
mestre preocupar-se com o futuro. – “Não obstante, Parmênides, alguém chegado
desse futuro distante e remoto disse-me que não somente o ser não existe, como
que ninguém lhe importa se o ser existe
ou não. Não há realidade real nem essencial, o único que existe é a realidade
virtual das redes de computadores; e afirma, além disso, que a imagem que criam
os televisores é mais certa e verdadeira
que os seres de alma, carne e osso”. – Parmênides repreende o discípulo pela
afirmação afoita. – “Fazes muito mal, Zenon, em prestar atenção a esses
disparates, pois segundo o que tu dizes deveríamos concluir de que o que não
tem imagem, não existe, e que o mundo permanece num limbo quando esses
artefatos se apagam ou desconectam, para voltar a renascer quando são
conectados outra vez”. – Zenon nada disse apenas concordou enquanto Parmênides
continuou a reflexão. – “Além disso, pelo que ouço, pois não posso dizer pelo
que vejo, a televisão e o computador conduzem à abolição do pensamento e,
portanto, do ser”. – Zenon encerrou o diálogo com uma referência a Descartes. –
“Alguém tão radical como Descartes, que existirá dentro de dois mil anos, e a quem
se atribui ser o fundador da modernidade, ficou, com toda a sua modernidade,
convertido numa peça de museu. Seu penso,
logo existo, melhor penso logo sou,
tem sido substituído pelo vejo logo
existo, ou também, pelo só existe que
se vê”. ( Cf. Todo Tempo futuro foi melhor. Caldera. P. 31-32).
Esse
diálogo entre Parmênides e Zenon que
viveram há 3000 anos, fornece elementos valiosos para a reflexão que estamos
desenvolvendo sobre a construção do conhecimento. Fica claro, em primeiro lugar,
que a filosofia ocidental que tem os filósofos gregos como base principal,
vale-se do método dedutivo, partindo do
geral para o particular, do todo para as partes, da síntese para a análise.
Como não é do nosso interesse fazer história da filosofia, mas chamar a atenção
à questão do método, conclui-se que a filosofia ocidental seguiu o método
dedutivo até os tempos modernos. Dessa fonte alimentaram-se os grandes
expoentes do pensamento filosófico até
os dias atuais. Em segundo lugar, fica evidente que o método sintético-dedutivo
enfrenta problemas sérios no momento em que se trata de começar um diálogo
construtivo com as Ciências Naturais, que parte do lado metodológico oposto, o
analítico-indutivo. Obtiveram os dados com que lidam e os resultados com que
argumentam, via análise e indução, da pluralidade para a unidade, a compreensão do todo
analisando as partes.
Os
dois métodos de que acabamos de falar, o sintético dedutivo e o analítico
indutivo, polarizam em última análise, as duas vias básicas que levam à
construção do conhecimento. O método sintético-dedutivo preocupa-se, antes de
mais nada, com a unidade do saber. O que importa é descobrir o elo, o vinculo,
a razão de ser das realidades com as quais o investigador se ocupa. Como sugere
o próprio sentido etimológico latino “in-vestigium-ire”, significa perseguir a
compreensão de algum objeto, como que percorrendo as trilhas da sua história,
em busca da sua natureza ontológica..