Reflexões Avulsas - Aniversário da biblioteca municipal de São Leopoldo - 2013

A abertura da Feira do Livro de São Leopoldo, oferece ao público da cidade, da região e além dela, mais uma demonstração de apreço à sua memória histórica. Neste sentido o atual município e, por extensão, os demais que se originaram do seu território original, ocupam um lugar todo especial entre os demais municípios do Rio Grande do Sul.

A Feitoria Imperial do Linho Cânhamo foi o cenário e o foco de irradiação, logo após a Independência do Brasil, de um projeto de desenvolvimento econômico e promoção humana, até então desconhecido no País. À economia da monocultura do algodão, da cana e do café e a criação de gado, praticadas em imensos latifúndios e estâncias, veio acrescentar-se a pequena propriedade rural. Com menos de 100 hectares, operada pelo trabalho livre das famílias, produzia alimentos a partir da policultura. Uma classe média rural sadia e produtora foi-se formando e preenchendo o fosso existente entre o poder político e a riqueza do latifundiário e a situação deshumana da escravaria. Não é nem o lugar nem o momento, de entrarmos mais a fundo  no significado desse novo modelo civilizatório  e seus potenciais em termo desenvolvimento econômico e promoção humana.

Por ocasião da bertura da 28ª Feira do Livro, quero apontar alguns dos elementos que, a partir dessa nova realidade, fizeram de São Leopoldo um polo de irradiação único.

Os imigrantes que se fixaram aqui, a partir de 1824, procedentes da Europa Central e do Norte, eram pessoas livres, instruídas, religiosas e, sobretudo decididas a construir a futura querência para os filhos e filhos dos filhos. Não pouparam esforços para não perderem os valores mais preciosos da sua tradição quase duas vezes milenar: a cultura, a fé, o trabalho, a família e  a comunidade. Recorreram aos meios que eles sabiam serem os mais eficases para não fracassarem em meio às dificuldades, onde era preciso construir tudo a partir do nada. As comunidades organizaram-se em torno de suas escolas, capelas, oficinas, casas de comércio e locais para a prática da cultura e do lazer. Católicos e protestantes, cada qual à sua maneira, organizaram seus cultos aos domingos. Os protestantes contaram com pastores desde o começo, os católicos somente a partir de 1849. As duas Igrejas começaram tomar forma definitiva durante a segunda metade do século XIX. Os católicos com a multiplicação de paróquias e formação do clero nativo; os protestantes com a vinda de pastores ordenados e implantação do Sínodo Riograndense.

No plano educacional São Leopoldo veio a sediar as primeiras instituições de ensino médio no sul do Brasil, com a fundação do Ginásio Nossa Senhora da Imaculada Conceição dos jesuítas em 1869 e em 1872, o Colégio São José das irmãs franciscanas. As duas instituições polarizaram a formação do ensino médio da juventude masculina e feminina da cidade, de Porto Alegre, do Rio Grande do Sul e até de Santa Catarina e Paraná, durante 30 anos. O Conceição encerrou suas atividades no ensino médio em 1910. Mas, já em 1913 seus prédios receberam os seminaristas menores do ensino médio e os maiores da Faculdade de Filosofia e Teologia, como primeiras instituições de ensino superior na área humanística do sul do Brasil. Até 1956, formaram-se nessas faculdades gerações de sacerdotes diocesanos e religiosos, mais de uma dezena de bispos e arcebispos e um cardeal arcebispo do Rio de Janeiro. Em  1958 os vetustos prédios do centro de São Leopoldo, acolheram a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras e, em seguida, a Faculdade de Ciências Econômicas, a Faculdade de Direito e a Faculdade de Arquitetura.  Em 1969, elas deram origem a Universidade do Vale do Rio dos Sinos. Já no século XX os protestantes implantaram no Morro do Espelho o Colégio Sinodal, hoje uma das instituições de ensino médio mais bem avaliadas do País e a Escola Superior de Teologia, detentora do conceito máximo concedido pela CAPES a programas de pós-graduaçãp.

Mas não páram aqui os méritos culturais de São Leopoldo. Ao abrigo dos dois polos de alta cultura: o Conceição – Seminário Central – Universidade do Vale do Rio dos Sinos e Sinodal e Escola Superior de Teologia, formaram-se bibliotecas com centenas de milhares de volumes, além de importantes acervos documentais. Nelas notabilizaram-se dezenas de mestres apreciados e influentes, escritores, cientistas e pisquisadores, alguns de renome internacional. Elevando mais uns pontos a importância histórica de São Leopoldo, aqui nasceram dois dos jornais mais influentes que circularam no Esado e fora dele, até a década de 1930: “Deutsches Volksblatt” dos católicos editado desde 1872 nos fundos do jardim do Conceição e o protestante “Die Post”. E como se tudo isso não bastasse a Casa Editora Rotermund foi na época a maior editora de livros didáticos da América Latina.

São Leopoldo tornou-se também referência com seu movimentado porto fluvial, com a estação da estrada de ferro e a faixa de cimento ligando a cidade à capital do Estado, com a primeira usina hidroelétrica de maior porte, como polo industrial, comercial e de serviços, em franca expansão e sede de guraniçoes miltiares estratégicas, três até meados da década de 1960. Essa dinâmica, apesar dos altos e baixos, encontra-se novamente em ebulição com seus centros e parques tecnológicos e distrituos industriais de alto nível, a Universidade do Vale do Rio dos e Escola Superior de Teologia, para referir apenas o ensino sumperior

Mas é no estímulo à cultura em geral, à pesquisa histórica, à inovação tecnológica, ao desenvolviemtno de projetos de natureza ambiental e de sutentabilidade, na produção literária e artística, que São Leopoldo dá novamente provas consistentes e vibrantes, de um epicentro promissor. Nele as atividades culturais, literárias, científicas e artísticas, encontam seus entusiastas, reunidos nos mesmos propósitos, tanto no Instituto Histórico de São Leopoldo, quanto no Museu Histórico, no Museu do Trem, no Centro Literário, no Centro de Cultura, nas entidades de classe, nos clubes sociais, nas escolas, nos colégios e, de maneira especial, nas  instituições de alta pesquisa e produção literária: A Universidade do Vale do Rio dos Sinos, no Instituto Anchietano de Pesquisas e na Escola Superior de Teologia. E, em meio a tudo isso é preciso destacar o compromisso e o apoio irrestrito do Governo do Município, na pessoa do seu prefeito, Dr. Aníbal Moair da Silva, através da Secretaria de Educação e Cultura, na pessoa do Viceprefeito Daniel Daudt, que acumula a responsabilidade por essa Secretaria .

Senhoras e senhores. É neste cenário histórico e neste clima efervescência cultural que a atual geração dá demonstração de copromisso redobrado em favor da cultura, expressa na literatura, na arte e na  pesquisa de alto nível em praticamente todos os segmentos do conhecimento, temos a honra de abrir a 28ª Feira do Livro de São Leopoldo, Ramiro Frota Barcelos. Por uma feliz escolha da Comissão Organizadora da Feira, o evento acontece no local que já foi palco de intensa movimentação: A velha estação  da Viação Férrea do Rio Gande do Sul. Aqui desembarcaram ou transitaram autoridades políticas, militares, comerciantes, caixeiros viajantes, padres, pastores, religiosos e religiosas e pessoas comuns de todas as idades e condições sociais, em busca dos seus objetivos no Centro, no Oeste, no Noroeste  e no Norte do Estado ou em trânsito para Santa Catarina, Paraná e São Paulo. Quantas histórias poderia contar esta velha estação importada da Inglaterra, os trilhos da famosa metalúrgica Krupp da Alemanha, o vetusto telégrafo, os vagões, tudo transformado em museu. Num museu que não apenas guarda a arquitetura, os objetos, os documentos  e os equipamentos operarcionais da ferrovia, mas um espaço permanente de programações culurais de todos os feitios e níveis. Por isso a opção para sediar a 28ª Feira do Livro não poderia ter sido mais opotuna e significativa.


A partir desta noite até o dia 8 de dezembro o personagem central, a razão de ser de as pessoas  circularem por este lugar, é sua majestade o livro. Enquanto o moderno trem metropolitano, estaciona, por assim dizer, acima das nossas cabeças na estação, que oferece tudo que a moderniade do começo do terceiro milênio exige, nós nos reunimos no espaço que, há quase 150 anos, foi um marco um momento hsitórico cujo significado é  de difícil avaliação. Contrastando com  as locomotivas de última geração, dormentes de concreto e aço, bitola larga, escadas rolantes, lojas  e instalações para atender as necessidades de hoje, a velha estação, parecendo uma casa de boneca, a Maria Fumaça, o velho telégrafo, as pessoas com seus trajes de moda da época, os personagens que marcaram uma época que se perde nas brumas do tempo, homenageamos sua majestade o livro. Deve-se  a ele que, apesar dos altos e baixos, não ocorressem lacunas significactivas nessa história que se aproxima dos 200 anos. São  Leopoldo continua sendo  um polo de efercescência cultural, e a Feira do Livro o momento privilegiado para estimular e renovar o gosto pela leitura e, de modo especial para despertar nas crianças o gosto pelos livros. De outra parte a Feira do Livro oferce o cenário ideal para  os novos talentos apresentarem  ao público as suas produções e os autores  sentirem a satisfação ímpar  de escrever dedicatórias em suas obras. E, por fim, no caso de São Leopoldo, divulgalr sua iimportante  história de produção e fomento à cultura, entendida no sentido mais lato do termo e estimular os escritoroes e plena produção a não desanimarem na sua jornada, despertar novas vocações para escrever e apoiar os produtores de divullgadores da cultura. Em último lugar, chamar a atenção às lideranças públicas e privadas, comprometidas com o progresso e o bem material, humano e espiritual, de que o aliado mais poderoso com quem podem contar sempre, é uma comunidade na qual se escreve e se lê cada vez mais.

Reflexões Avulsas - Aniversário do Parque dos Aparados da Serra

Na sua obra mais conhecida “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”, publicada pela Imprensa Oficial do Estado em 1942, portanto há mais de 70 anos, o Pe. Balduino Rambo deixou registrada a sua percepção sobre o uso da Natureza pelo homem, os seus limites, além de propostas concretas, cientificamente fundamentadas, para preservar o que ainda subsiste e reparar os danos já causados. A questão ambiental que hoje faz parte das preocupações de qualquer cidadão minimamente atento aos acontecimentos em sua volta, naquela época, final da década de 1930 e começos de 1940, não constava na pauta dos fórums em que se discutiam as grandes questões regionais e nacionais. Estava em pleno avanço a abertura de novas fronteiras de colonização no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, no Centro-Oeste de Santa Catarina e intactos estavam os grandes complexos de florestas do oeste do Paraná. Na imaginação do   homem comum do sul do Brasil, o Matogrosso localizava-se no outro lado da lua. Aliás na época o Pe. Rambo escreveu um conto com o sugestivo titulo “Três Semanas na Lua”.  tendo como fundo as primeiras tentativas de colonização no Matogrosso do Norte pela Transportadora Meyer, às margens do Xingu na década de 1950. Nos campos da Fronteira e nos campos de Cima da Serra, a presença do  homem e sua interferência no meio limitava-se às sedes das estâncias e rebanhos de gado multiplicando-se e engordando nas pastagens naturais. Os Aparados da Serra exibiam ainda o seu encanto e sua grandiosidade original, com seus canyons, arroios de montanha cristalinos, suas cascatas e, principalmente, as florestas cobrindo a borda dos precipícios, descendo pelas suas encostas até a planície perto do oceano. E lá no alto milhões de araucárias seculares, copa encostando em copa, formavam um imenso guarda-sol, quinze ou mais metros acima do mato branco. Com o formato típico dos seus galhos erguidos pareciam em atitude de oração, como costumava dizer o escritor Sérgio Farina.  No verão de 1938  o Pe Rambo sobrevoou o Estado todo, percorrendo 60.000 quilômetros, em missão encomendada pelo  Serviço Geográfico do Exército. Na medida em que as paisagens  que compõem a Fisionomia do Rio Grande do Sul, deslizavam, a menos de mil metros de altura, sob  as asas do pequeno monomotor “Master Brasília, do 3º Regimento de Aviadores, da base aérea de Canos, nasceu uma relação existencial de admiração, respeito, amor e veneração, entre ele e os panoramas que admirava lá do alto. Daí para frente consolidou-se nele o compromisso de, na  medida do possível, dar a sua contribuição como botânico, professor universitário e diretor do Museu de História Natural do Estado, em favor da  preservação do possível e na recuperação do já danificado, “para o bem público, o lazer e o recreio do povo e a higiene ambiental”. As iniciativas concretas que propôs na “Fisionomia do Rio Grande do Sul” foram: a proteção a monumentos naturais;  -  a proteção a espécies botânicas e zoológicas a perigo de extinção;  -  a  harmonização das obras humanas com o meio ambiente;  -  a criação de parques Naturais. A ideia da criação de Parques tornou-se para ele uma quase obsessão, que foi amadurecendo e consolidando-se e tomando contornos definidos, a partir da suas permanência de um mês em Cambará em 1948 e depois de sua visita aos grandes parques norte-americanos em 1956. Ao mesmo tempo as seguidas visitas ao planalto, de preferência nas redondezas de Cambará com seu ícone, o canyon do Taimbézinho, o Pe. Rambo decidiu que ele deveria ser o epicentro do ambicioso projeto do parque dos Aparados da Serra. Aquela paisagem natural da qual ele dizia “se tenho uma pátria na terra esta encontra-se no planalto na sombra dos pinheirais”, deveria ser o promissor começo de outras tantas iniciativas de proteção. Até o final da década de 1950 e setembro de  1961, quando faleceu inesperadamente com apenas 56 anos, o Pe. Rambo empenhou-se, além, do parque em Cambará, na criação da Fundação Zoobotânica, Jardim Botânico e o Zoológico de Sapucaia do Sul. A ideia-força e o esboço das ações em favor da preservação e recuperação do meio ambiente, encontram-se na “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, sua obra prima.

“O homem filho desta terra,  que lhe fornece o pão de cada dia e os símbolos de sua vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades  brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, pelo menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.

Assim no curso de todas culturas humanas, mais cede ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno da terra, com que a pródiga mão do Criador o presenteou.

Sob a rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos  naturais, das espécies botânicas e zoológicas periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as necessidades  concretas da sociedade humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está  a serviço das ciências naturais, antropológicas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre um princípio de ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária ou inconsiderada dos tesouros de beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de precioso, restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terra, torna-se um aliado de valor da higiene e  pedagogia sociais e um adjutório indispensável da educação nacional.

O Parque dos Aparados da Serra
As primeiras manifestações que demonstram a preocupação pelo meio ambiente no Rio Grande do Sul, não foram iniciativas dos ambientalistas do final do século XX e do começo do século XXI. Datam do final do século XIX. Em 1889 o historiador e escritor Pe. Ambros Schupp publicou na revista alemã “Alte und neue Welt” uma longa matéria, alertando que o desmatamento no vale do Caí atingira um nível preocupante. Oito anos mais tarde foi fundada em Bom Jardim, hoje Ivoti, pelo Pe. Peter Gasper e o sr. Alfred Grohmann, uma associação de proteção à Natureza, o “Waldschutvereien”, com a proposta de incentivar no vale do rio dos Sinos e do Caí, o reflorestamento com árvores nativas, louros, cangeranas e araucárias além de espécies européias de fácil adaptação na região, com destaque para o carvalho. No começo do século XX o Pe. Amstad apresentou num congresso dos católicos um projeto de reflorestamento com espécies nativas na meia encosta dos vales do Caí e Sinos. No começo da década de 1930, a Sociedade União Popular, numa das suas assembleias, apresentou para os seus associados o projeto de uma cooperativa de reflorestamento a ser implantada na região de São José do Hortêncio. Embora nenhuma dessas iniciativas levasse a grandes resultados práticos, pelo fato de terem sido prematuras, demonstram, contudo, que a preocupação entre nós pelo meio ambiente vem  de mais de um século para cá.

As propostas de preservação ambiental que acabamos de mencionar, foram todas de natureza prática, com o objetivo de alertar contra o desmatamento irrestrito e a reposição da cobertura vegetal por meio do reflorestamento. Foi então que em 1942 saiu a primeira edição da “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, do Pe. Balduino  Rambo, com uma proposta abrangente,  filosófica e cientificamente fundamentada, tendo como objetivo  alertar para o aspecto prático, cultural, pedagógico e ético da relação do homem com a Natureza. Destaco aqui o fato de que a relação Homem-Natureza tem tudo a ver com ética e moral pois, os solos, a água, as florestas, a vegetação em geral, o ar, a atmosfera, o clima e outros mais, são bens e recursos comuns. No momento em que o uso e a posse irracionais os priva da característica de bens comuns, entra-se em conflito com os princípios da ética natural.

Mas não é o momento nem o lugar para aprofundar essa temática de extrema importância para quem se ocupa com a questão ambiental. O aniversário do Parque dos Aparados da Serra sugere, antes de mais nada, que se recorde a sua história e os artífices que se empenharam para que se tornasse realidade. Do lado administrativo e legal, coube ao major Euclides  Triches, Secretário de Obras Públicas do Estado, proceder a desapropriação da área, tendo como núcleo central o Taimbezinho, em 1957 e  o personagem sem o qual essa obra tão importante, não se teria concretizado, pelo menos naquele momento, foi o Pe. Balduino Rambo. Para ele os parques são áreas maiores nos quais a natureza original fica totalmente preservada, aumentando-lhe os atrativos com o acréscimo discreto de elementos pertinentes quando for conveniente. Cita como exemples duas dezenas de parques nos diversos continentes com as respectivas superfícies, que dão  uma ideia do que significa o termo “áreas maiores”. Os que mais o impressionaram foram os parques dos Estados Unidos, tanto pelo número, quanto pelo tamanho. Em 1942 havia naquele pais nada menos do que 50 parques e reservas naturais. O Mount McKinley no Alasca mede 6800 quilômetros de superfície; o de Yelowstone 8800; Yosemite 2900. Na Argentina o parque “Suissa Argentina”, mede 7850 quilômetros quadrados. No Brasil havia na época dois desses parques, o Itatiaia e o Iguassu. O Pe. Rambo chama atenção na Fisionomia do Rio Grande do Sul,  que as iniciativas mais urgentes visando criar parques são as regiões cobertas de mata virgem  e alerta:

“O mato riograndense está em grave perigo! E não são só as derrubadas da agricultura, é também a indústria madeireira, que, mais tempo, menos tempo despojará as selvas do Uruguai dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais. Ora é exatamente  no planalto, que a riqueza de formas insinua a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas regiões: um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados”.

Felizmente o diagnóstico e o prognóstico do Pe. Rambo teve, em parte pelo menos,  a devida repercussão. Acontece que ele não se limitou a fazer diagnósticos e formular prognósticos. Valeu-se do peso de sua autoridade como catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como diretor do Museu de História Natural do Estado e como cientista de reconhecimento nacional e internacional, para implementar as suas propostas. Orgulhamo-nos hoje do Parque do Quarita no Alto Uruguai e do Parque dos Aparados da Serra, tendo o Taimbezinho como ponto de irradiação. Sem favor nenhum o nosso parque cujo aniversário  comemoramos é obra sua, tanto na concepção, quanto na implementação e consolidação. É verdade que nos sonhos do Pe. Rambo o parque deveria incorporar os Aparados desde o extremo Sul, em Osório, Santo Antônio da Patrulha e Rolante, até São Joaquim e o Campo dos Padres em Santa Catarina. Ao declarar francamente a sua predileção pelos Aparados como área para um parque, argumentou:

“Sobre os Aparados, nada precisamos acrescentar; sua beleza grandiosa recomenda-se por si só. Além disso o caso é muito mais fácil do que os matos do Uruguai: as terras quebradas e pouco férteis dos Aparados são impróprias para a  agricultura; as porções de campo que fazem parte facilmente achariam substituto em outras partes. A situação  fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao plano para a nobre competição de ambos os estados da União, na realização duma empresa verdadeiramente  nacional. Sobre os trechos a serem incluídos, não nos queremos estender; em todo o caso, o vale do Maquiné superior, o Taimbesinho, a Serra Branca não poderiam faltar”. E concluiu

“Ali nos mirantes mais altos do Rio Grande do Sul,  com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos abismos dos canyons aos pés, com o pinhal, a mata branca e o campo, tão riograndenses, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a piedade e a reverência, com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra”.

Em janeiro e fevereiro de 1948, o  Pe. Rambo foi conhecer por terra e em  detalhe o panorama que descreveu na “Fisionomia do Rio Grande do Sul” e até então lhe era familiar pelo sobrevôo de 1938. Num diário de mais de 100 páginas relata as experiências daquele mês de intimidade e solidão que viveu na natureza quase intacta nas bordas dos Aparados, nas redondezas de Cambará. Renato Dalto, autor do texto comemorativo do centenário do nascimento do Pe. Rambo. “Aparados da Serra – Na Trilha o Pe. Rambo, foi de uma rara  felicidade ao resumir a relação existencial, afetiva e mística, consolidada entre o padre-cientista e aquele planalto único.

“Foi do céu uma das primeiras visões que Balduino Rambo teve daqueles penhascos, das paredes crispadas, dos abismos. Viu as águas caindo e comparou-as a faixas de prata, as matas silenciosas de pinheiros, a selva virgem. Isso aconteceu em 1938, quando percorreu o Rio Grande do Sul de avião e observou, lá de cima, o relevo dos campos e serras, um mapa desenhado onde se juntavam, ao longe, terra e céu. Essa união ou  dicotomia entre as coisas terrenas e celestes, esse embate permanente entre as coisas do corpo e do espírito permearam toda a sua vida. Talvez explique um pouco o sentimento que nutria pela região do planalto e especialmente, pelos Aparados da Serra. Ali, o maior símbolo da floresta é a araucária.  Vista de baixo par cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar o olhar em direção à terra para ver que há raízes fortes encravadas no chão. Rambo costumava dizer que, neste lugar, à sombra dessas árvores gigantes, era sua pátria no mundo. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, um caminho próximo para entender Deus”.

Concluindo o Diário do mês que passou na região, o Pe Rambo anotou  no dia 17 de fevereiro de 1948,

“Nada dispõe mais para a reflexão do que estas caminhadas pela neblina, e estas noites com seu leve prurido de chuva à janela e as gotas estalando desde as árvores.  Liberta-se então a alma dos fogos fátuos do dia resplandecente, fecham-se todas as portas e silenciosamente penetra, como que tateando, em seu mundo mais íntimo, isto é, no reino do ser, envolvido no sonho de todas as coisas. Luzes distantes e vozes perdem-se aos poucos em seus ecos e migram através desta terra espiritual carregada de pressentimentos. Alguém caminha pela névoa e pela noite, Seus passos são  tão leves como o murmurar da neblina. E este Alguém que é único, chama meu nome nesta terra solitária.

A configuração singular da orla oriental é constituída pela passagem ou mais exatamente pela vista panorâmica para as distâncias mais longínquas, pelas escarpas bruscas das formas perto da planície e, de modo especial, pela névoa perenemente em efervescência.

Pinturas da natureza como as da garganta da Pedra Branca apenas ocorrem um vez na bela terra de Deus. Quase se poderia chamar a este quadro de precipícios perpendiculares e de cataratas que troam, de névoas efervescentes e trovoadas que uivam, de mata silenciosa e penhascos altos, cheios de saliências de rochas, uma pintura  imperfeita, se ela não fosse mais do que isso. É que se trata realmente de uma construção gigantesca de força e simplicidade, e de um acontecer, que nunca pára de rolar para frente. Alguém mora nesses abismos que sussurram, e Alguém vigia nessa torre de observação solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa e nos escolhos solitários brinca com o raio e o trovão.
A vista para a ampla planície, os lagos brilham e o oceano que brame, formam um dos ulteriores elementos desta paisagem. Seja a visão externa pelos portões de rocha das gargantas estreitas, seja um olhar desimpedido da parede anterior, sempre se assemelha uma tal contemplação a um pressentimento de distâncias infinitas.  A sensação predominante é a da preeminência sobre o vapor, a poeira, o calor e a fastidiosa  multidão humana. Rochas cor de cinza, mata verde, água que murmura e correntes estagnadas, amplas planícies e nuvens que migram e, por fim, o oceano insondável. Também isso é solidão da alma com seu Deus.  De fato não é assim que a alma deva mergulhar primeiro em névoas e na noite, para se sentir solitária com  o mistério de Deus.  O hálito, o espírito de deus sopra em toda a parte. Quem tiver erguido a sua alma na solidão de Deus, a esse acompanha a própria solidão de Deus para o meio da multidão do povo insano.

Nunca mais hei de esquecer a minha despedida da orla oriental. Permiti a meu cavalo avançar pelo campo florido como lhe agradava. Atrás de mim borbulhavam as névoas condensadas, subindo dos precipícios e rolando pelo campo. Um verdadeiro rolar põe-se em movimento e me persegue e com ele um hálito frio rodou sobre mim e me envolveu. Murmuravam os arroios e cochichavam os pinheiros.

Depois daquela temporada em Cambará e arredores em 1948, o cenário do Planalto e os Aparados da Serra, transformaram-se na paixão maior do Pe Rambo e sua preservação, pelo menos em parte, uma obsessão. Depois da aquisição de um Jeep, sobra da Segunda Guerra Mundial e com a constante melhoria das estradas, suas visitas ao Planalto e os Aparados, tornaram-se mais fáceis e mais frequentes.  Fazia questão de levar  botânicos americanos que o visitaram durante a década de 1950, para conhecerem aquelas paisagens únicas. Em seu diário conta que um deles não se cansava de mergulhar  o rosto na água gelada e cristalina dos arroios de montanha e bebê-la com vontade. Em 1954 acompanhei-o pela primeira vez até o Taimbezinho, em fevereiro de 1958 a segunda e fevereiro de 1959 a terceira.  E 1956, a convite do governo dos Estados Unidos da América, o Pe. Rambo passou três meses visitando universidades, museus, centros de pesquisa e, principalmente os grandes parques e reservas naturais daquele país.  A peregrinação pelos grandes parques naturais do oeste dos Estados Unidos, amadureceu nele a decisão de concretizar algo semelhante na sua volta ao Brasil. Percebeu nos parques que visitava o modelo que contemplava todos os requisitos que, a seu ver, um parque deviria oferecer: deveriam ser ambientes de recreio e lazer, também  para as pessoas simples, de poucos recursos, como operários de fábrica, agricultores, pequenos empreendedores, professores e alunos de colégios e universidades, donas de casa, etc. etc. Deveriam oferecer oportunidade para os visitantes informar-se sobre a fauna, a flora, a geologia e a história da região. Professores universitários em férias organizavam sessões noturnas com  palestras e ilustrações sobre esses aspectos dos parques, transformando-os em universidades ao ar livre. Dezenas de estudantes universitários trabalhavam nos restaurantes, alojamentos e pousadas, garantindo os recursos para custear os estudos e, ao mesmo, tempo curtindo férias baratas no ambiente sadio dos parques. Ele próprio resumiu em poucas linhas o seu ideal de parque.

Desde que voltei da América, empenhei-me que, também no Brasil, se implantassem mais parques nacionais. Até agora dispomos somente de dois, um nas terras montanhosas do Itatiaia e outro nas Cataratas do Iguassu. Se tudo correr bem, teremos, em breve, um terceiro nas escarpas orientais  dos Aparados da Serra, com o Itaimbezinho como núcleo inicial. O parque deve estar a serviço da proteção da natureza e do recreio do povo.  O rico que aparecer, deve ser obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o colono. As pessoas que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a televisão, a dança e o jogo, que fiquem onde tudo isso está disponível de qualquer forma. Em nenhum parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei um aparelho de televisão, nem percebi musica  de dança, nem presenciei chás dançantes. De maneira alguma quero afirmar que  o americano médio é melhor do que nós. Uma coisa é certa. Ele tem mais compreensão, mais decência e mais respeito perante a beleza e tranquilidade da natureza criada por Deus.

Cabe aqui a reflexão de Eward Wilson, um dos mais respeitados entomólogos, há mais de 50 anos professor na universidade de Harvard. Observe-se que Rambo era jesuíta que colocava com pressuposto a natureza como obra da criação de Deus, ao passo que Wilson esforça-se para explicar o universo e a natureza sob odos os seus aspectos como  resultado da evolução natural. É surpreendente que o cientista crente  na criação e o cientista que durante bom tempo de sua vida, opôs-se ostensivamente recorrer a pressupostos de natureza não científica, coincidem na visão da natureza.

A natureza humana é mais profunda e mais ampla do que os inventos artificiais de qualquer cultura existente. As raízes espirituais do Homo sapiens se estendem até as profundezas do mundo natural, por meio de canais de envolvimento  mental que ainda hoje permanecem, em geral, desconhecidos. Nosso pleno potencial não será atingido sem que compreendamos a origem  e portanto, o significado das qualidades estéticas e religiosas que nos tornam inefavelmente humanos.
Não há dúvida de que muitas pessoas parecem contentar-se  em viver inteiramente dentro desses ecossistemas sintéticos. No entanto, também os animais domésticos se contentam, até mesmo nos habitats grosseiramente  anormais em que nós os criamos. Isso, no meu modo de pensar é uma perversão. Não é da natureza dos seres humanos  se tornar cabeças de gado em pastagens aperfeiçoadas. Cada pessoa merece ter a opção de entrar e sair com facilidade desse mundo complexo e primário que nos deu à luz. Precisamos de liberdade para vagar por terras que não sejam propriedade de ninguém, mas protegidas por todos, terras cujo horizonte imutável é o mesmo que limitava o mundo dos nossos ancestrais milenares. Apenas onde ainda resta um pouco do Éden, pujante de seres vivos independentes de nós, é possível experimentar o deslumbramento que deu força à psique humana. (Edward Wilson, a
c Criação, p. 20-21)

Deve-se à visão e ao empenho do Pe. Rambo que os amantes da natureza dispõem hoje do núcleo inicial do Parque dos Aparados da Serra. Muito antes que se organizassem movimentos em favor da preservação do meio ambiente, motivados por todos os tipos e matizes de interesses, discutíveis ou não. Muitas motivações  são inspiradas no nobre zelo da preservação da natureza. Trata-se de um amor puro e simples por essa “mãe e pátria” como ele a chamou, ou então pela consciência de que a “a natureza subsiste sem o homem, mas o homem não subsiste sem a natureza”. Na sua opinião, os parques justificam-se quando cumprem a tripla finalidade de preservar a fisionomia natural na sua forma original, de oferecer um ambiente tranquilo e sadio para que o homem, também o homem comum, encontre as condições para refazer as energias gastas depois de uma jornada de trabalhos e preocupações e de proporcionar a jovens, adultos e idosos ocasião para se informarem e instruírem sobre o significado existencial da Natureza.  Longe da zoeira do quotidiano dos centros urbanos, longe da massas humanas ululando e acotovelando-se nos shopings, longe dos cenários em que se rouba, assalta, mata, corrompe e onde o vale tudo tem a última palavra e os homens devoram-se mutuamente como lobos, o parque deve oferecer ambiente para curtir um pouco de paz, de estar consigo mesmo, de  saborear a harmonia e a sinfonia da Natureza. Que o nosso parque dos Aparados da Serra faça o papel de uma escola, de uma universidade ao ar livre, onde os visitantes de todas as idades, de todos os níveis de instrução, aprendam a ler e a entender os segredos que a “mãe e pátria Natureza” tem a revelar pois, parafraseando o Pe. Rambo em seu diário depois de uma caminhada pelas floresta de gigantes no Parque das Sequóias nos Estados Unidos em 1956:


 “Toda a simbologia,  todo o encanto e todo o fascínio que envolve as árvores, as montanhas, os precipícios, os rios, os arroios, as cascatas, os nevoeiros, as tormentas e os aguaceiros que povoam o nosso planalto, toma conta do observador que caminha pelo parque, pois, entre o céu e a terra há muitos verdades que não estão escritas nos livros, mas revelam-se na penumbra da floresta.  Posta nesta perspectiva a questão ambiental, seja a nível de parques e reservas, seja a nível do uso sustentável dos recursos naturais, assume conotações que dizem respeito à própria sobrevivência física, psíquica e espiritual do homem. Por isso mesmo transforma-se numa assunto que interessa o bem comum e como tal implica em preocupações de natureza ética.

Reflexões avulsas - Homenagem ao Pe. Rambo em Tupandi

Ao ser convidado para falar nesta ocasião fiquei pensando o que poderia ser dito sobre o Pe. Rambo que ainda não fosse conhecido, pelo menos por boa parte do público que está aqui presente. Depois de algumas idas e vindas, optei  por fazer o próprio homenageado falar sobre temas que foram assunto permanente de suas reflexões. Tudo encontra-se registrado no seu diário de 49 volumes. Mas antes de ouvir o Pe. Rambo falar repito o que Renato Dalto, autor do texto na “Trilha do Pe. Rambo”, escreveu como introdução:

Há um caminho no interior  de Tupandi, contornado por morros e vales. Chamam o lugar de Morro da Manteiga. Entre esse caminho havia uma casa e uma escola. E entre a casa e a escola, havia um menino trilhando esse caminho. Tinha sido a única criança em casa até os quatro anos. E parecia  conhecer, desde o primeiro dia em que veio ao mundo, naquele 11 de agosto de 1905, um gosto especial que permeia o resto de seus dias: o gosto pela solidão. Em seu diário anotou ao falar da infância:“ Fui criança um dia, como todas as crianças, só mais calado e reflexivo do que a maioria delas. Imagens, flores e florestas virgens foram meus brinquedos prediletos”.

E os brinquedos prediletos do tempo de criança transformaram-se na grande paixão de sua vida. A natureza intata, principalmente nas florestas virgens, montanhas e planaltos intocados, formaram o cenário em que seu espírito e coração encontraram o chão propício para reflexões que falam das preocupações que realmente são importantes na vida do homem: afinal quem somos, porque estamos aqui, para onde vamos e qual é o papel de Deus nessa jornada. Por essa razão a Natureza é sagrada, porque é a querência, a Heimat da humanidade. Em 1942 o Pe. Rambo escreveu a respeito:

O homem, filho desta terra, que lhe fornece o pão de cada dia e os símbolos da sua vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta  a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo das conservar, senão no conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos. Assim, no decurso de todas culturas humanas, mais cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste  elemento, seria falto de um requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno da terra, com que a pródiga mão do criador o presenteou. A proteção à natureza baseia-se sobre um princípio de ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária  e inconsiderada dos tesouros da beleza natural.

Numa caminhada por uma floresta de árvores gigantescas num parque nos Estado Unidos em 1956, no qual as mais antigas contam com mais de quatro mil anos, anotou no diário: 

Sem querer a gente se descobre e se flagra em absoluto silêncio, em meio à assembleia  do conselho de gigantes. Que cantos não teriam deixado os poetas e os cantores do Velho Testamento, que nos falam com tanta empolgação dos cedros do Líbano e dos ciprestes do Monte Sião, se tivessem tido a ocasião de escutar a voz de Deus netas florestas. Quando Davi e Salomão cantavam seus salmos, quando Isaias anunciava a seu povo o advento do futuro Filho do Homem, quando Ezequiel contemplava o Senhor dos Tempos sentado nos eu trono, sobre muitas dessas árvores  já pesavam mais de mil anos. O canto de luto das árvores do paraíso, o canto da árvore da vida da mitologia germânica, o canto de vitória da árvore da Redenção, toda a simbólica que envolve a árvore nas sagas e na arte da humanidade, toma conta do observador, que caminha na penumbra mortiça desta floresta. Entre o céu e a terra há muitas verdades que não estão escritas nos livros. Revelam-se no silêncio da floreta.

O Pe. Rambo nutria uma verdadeira paixão pelo planalto de Cambará e os Aparados da Serra, a ponto de  declarar: Se tenho uma pátria na terra ela se encontra no planalto calmo e sereno na sombra dos pinheirais. Em janeiro e fevereiro de 1948 passou mais de um mês percorrendo os arredores de Cambará, num momento em que a natureza da região encontrava-se praticamente intocada. Escreveu um diário de mais de 100 páginas registrando suas observações, impressões e, principalmente, suas reflexões. Renato Dalto comentando esses diário, resumiu com rara felicidade a relação existencial, afetiva e mística, consolidada entre o padre cientista e aquele planalto único.

Foi do céu uma das primeiras visões que Balduino Rambo teve daqueles penhascos, das paredes crispadas, dos abismos. Viu águas caindo e comparou-as a faixas de prata, as matas silenciosas de pinheiros, a selva virgem. Isso aconteceu em 1938 quando percorreu o Rio Grande do Sul de avião e observou, lá de cima, o relevo dos campos e serras, um mapa desenhado onde se juntavam, ao longe, terra e céu. Essa união entre as coisas terrenas e celestes, esse embate permanente entre as coisas do corpo e do espírito  que permearam toda s sua vida. Talvez explique um pouco o sentimento que nutria pelo região do planalto e especialmente, pelos Aparados da Serra. Ali, o maior símbolo da floresta é a araucária. Vista de baixo para cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar  o olhar em direção à terra pra ver que há raízes fortes encravadas no chão. Rambo costumava dizer que, neste lugar, à sobra dessas árvores gigantes, era sua pátria no mundo.. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, um caminho próximo para entender Deus.

No dia 17 de fevereiro de 1948 anotou no diário o encontro com o divino na natureza:   Nada dispõe mais para a reflexão do que estas caminhadas pela neblina, e estas noites com seu leve prurido de chuva à janela e as gotas estalando caindo das árvores. Liberta-se então a alma dos fogos fátuos do dia resplandecente, fecham-se todas as portas e silenciosamente penetra, como que tateando, em seu mundo mais íntimo, isto é, no reino do ser, envolvido no sonho de todas as coisas. Luzes distantes e vozes perdem-se aos poucos em seus ecos e migram através desta terra espiritual carregada de pressentimentos. Alguém caminha pela névoa e pela noite. Seus passos são tão leves como o murmurar da neblina. E este Alguém que é único, chama meu nome nesta terra solitária.

Pinturas da Natureza como as gargantas da Pedra Branca ocorrem apenas uma vez na bela terra de Deus. Quase se poderia chamar a este quadro de precipícios perpendiculares e de cataratas que trovejam, de névoas que fervem e trovoadas que uivam, de mata silenciosa e penhascos cheios de saliências de rochas, uma pintura imperfeita, se ela não fosse muito mais do que isso. É que se trata realmente de uma construção gigantesca de força e simplicidade, e de um acontecer, que nunca para de rolar para frente. Alguém mora nesses abismos que sussurram, e Alguém vigia nessa torre de observação solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa e nos escolhos solitários brinca com o raio. Também isso  é solidão da alma com seu Deus. O hálito, o espírito de Deus sopra em toda a parte. Quem tiver erguido a sua alma na solidão de Deus, a esse acompanha a própria solidão de Deus para o meio da multidão insana.

Nunca mais hei de esquecer a minha despedida do planalto.  Permiti a meu cavalo avançar pelo campo florido como lhe agradava. Atrás de mim borbulhavam as névoas condensadas subindo dos precipícios e rolando pelo campo. Murmuravam os arroios e cochichavam os pinheiros. Agradeço a Deus e levo saudades desta terra hospitaleira. Se possuo uma pátria na terra ela se encontra no planalto calmo e sereno na sombra dos pinheirais.


Reflexões sobre a natureza dessa profundidade encontram-se centenas, senão milhares, nas páginas dos 49 volumes do diário do Pe. Rambo. O padre cientista de renome internacional, filho de Tupandi encontrou na suas pesquisas inspiração para escrever páginas dignas dos maiores poetas e escritores, inspirou reflexões que são de rara beleza e profundidade e, principalmente, viu na Natureza o livro aberto para encontrar e entender Deus. O resumo dessa descoberta está nas duas reflexões já citadas: Alguém mora nesses abismos, Alguém vigia nessa torre de obseração. Aquele Alguém brinca com o raio, manifesta-se no silêncio da floresta e seu hálito sopra em toda a parte. Aquele alguém chama pelo nome a nós todos se nos dispusermos a escutá-lo. Esta é a mensagem que o Pe. Rambo deixaria para a sua amada Heimat no dia em que ela o homenajeia.