Na sua obra mais conhecida “A
Fisionomia do Rio Grande do Sul”, publicada pela Imprensa Oficial do Estado em
1942, portanto há mais de 70 anos, o Pe. Balduino Rambo deixou registrada a sua
percepção sobre o uso da Natureza pelo homem, os seus limites, além de
propostas concretas, cientificamente fundamentadas, para preservar o que ainda
subsiste e reparar os danos já causados. A questão ambiental que hoje faz parte
das preocupações de qualquer cidadão minimamente atento aos acontecimentos em
sua volta, naquela época, final da década de 1930 e começos de 1940, não
constava na pauta dos fórums em que se discutiam as grandes questões regionais
e nacionais. Estava em pleno avanço a abertura de novas fronteiras de
colonização no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, no Centro-Oeste de Santa
Catarina e intactos estavam os grandes complexos de florestas do oeste do
Paraná. Na imaginação do homem comum do
sul do Brasil, o Matogrosso localizava-se no outro lado da lua. Aliás na época
o Pe. Rambo escreveu um conto com o sugestivo titulo “Três Semanas na
Lua”. tendo como fundo as primeiras
tentativas de colonização no Matogrosso do Norte pela Transportadora Meyer, às
margens do Xingu na década de 1950. Nos campos da Fronteira e nos campos de
Cima da Serra, a presença do homem e sua
interferência no meio limitava-se às sedes das estâncias e rebanhos de gado
multiplicando-se e engordando nas pastagens naturais. Os Aparados da Serra
exibiam ainda o seu encanto e sua grandiosidade original, com seus canyons,
arroios de montanha cristalinos, suas cascatas e, principalmente, as florestas
cobrindo a borda dos precipícios, descendo pelas suas encostas até a planície
perto do oceano. E lá no alto milhões de araucárias seculares, copa encostando
em copa, formavam um imenso guarda-sol, quinze ou mais metros acima do mato
branco. Com o formato típico dos seus galhos erguidos pareciam em atitude de
oração, como costumava dizer o escritor Sérgio Farina. No verão de 1938 o Pe Rambo sobrevoou o Estado todo,
percorrendo 60.000 quilômetros, em missão encomendada pelo Serviço Geográfico do Exército. Na medida em
que as paisagens que compõem a
Fisionomia do Rio Grande do Sul, deslizavam, a menos de mil metros de altura,
sob as asas do pequeno monomotor “Master
Brasília, do 3º Regimento de Aviadores, da base aérea de Canos, nasceu uma
relação existencial de admiração, respeito, amor e veneração, entre ele e os
panoramas que admirava lá do alto. Daí para frente consolidou-se nele o
compromisso de, na medida do possível,
dar a sua contribuição como botânico, professor universitário e diretor do
Museu de História Natural do Estado, em favor da preservação do possível e na recuperação do
já danificado, “para o bem público, o lazer e o recreio do povo e a higiene
ambiental”. As iniciativas concretas que propôs na “Fisionomia do Rio Grande do
Sul” foram: a proteção a monumentos naturais;
- a proteção a espécies botânicas
e zoológicas a perigo de extinção;
- a harmonização das obras humanas com o meio
ambiente; - a criação de parques Naturais. A ideia da
criação de Parques tornou-se para ele uma quase obsessão, que foi amadurecendo
e consolidando-se e tomando contornos definidos, a partir da suas permanência
de um mês em Cambará em 1948 e depois de sua visita aos grandes parques norte-americanos
em 1956. Ao mesmo tempo as seguidas visitas ao planalto, de preferência nas
redondezas de Cambará com seu ícone, o canyon do Taimbézinho, o Pe. Rambo
decidiu que ele deveria ser o epicentro do ambicioso projeto do parque dos
Aparados da Serra. Aquela paisagem natural da qual ele dizia “se tenho uma
pátria na terra esta encontra-se no planalto na sombra dos pinheirais”, deveria
ser o promissor começo de outras tantas iniciativas de proteção. Até o final da
década de 1950 e setembro de 1961,
quando faleceu inesperadamente com apenas 56 anos, o Pe. Rambo empenhou-se,
além, do parque em Cambará, na criação da Fundação Zoobotânica, Jardim Botânico
e o Zoológico de Sapucaia do Sul. A ideia-força e o esboço das ações em favor
da preservação e recuperação do meio ambiente, encontram-se na “Fisionomia do
Rio Grande do Sul”, sua obra prima.
“O homem
filho desta terra, que lhe fornece o pão
de cada dia e os símbolos de sua vida espiritual, sente um respeito inato
perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a
densidade demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais
sentimentos; mas no momento em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre
mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de
suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, pelo
menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.
Assim no
curso de todas culturas humanas, mais cede ou mais tarde, surgem as tendências
de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria
falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno da
terra, com que a pródiga mão do Criador o presenteou.
Sob a
rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos naturais, das espécies botânicas e zoológicas
periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as
necessidades concretas da sociedade
humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está a serviço das ciências naturais,
antropológicas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre um princípio de
ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária ou inconsiderada
dos tesouros de beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de precioso,
restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da
terra, torna-se um aliado de valor da higiene e
pedagogia sociais e um adjutório indispensável da educação nacional.
O
Parque dos Aparados da Serra
As primeiras manifestações que
demonstram a preocupação pelo meio ambiente no Rio Grande do Sul, não foram
iniciativas dos ambientalistas do final do século XX e do começo do século XXI.
Datam do final do século XIX. Em 1889 o historiador e escritor Pe. Ambros
Schupp publicou na revista alemã “Alte und neue Welt” uma longa matéria,
alertando que o desmatamento no vale do Caí atingira um nível preocupante. Oito
anos mais tarde foi fundada em Bom Jardim, hoje Ivoti, pelo Pe. Peter Gasper e
o sr. Alfred Grohmann, uma associação de proteção à Natureza, o
“Waldschutvereien”, com a proposta de incentivar no vale do rio dos Sinos e do
Caí, o reflorestamento com árvores nativas, louros, cangeranas e araucárias
além de espécies européias de fácil adaptação na região, com destaque para o carvalho.
No começo do século XX o Pe. Amstad apresentou num congresso dos católicos um
projeto de reflorestamento com espécies nativas na meia encosta dos vales do
Caí e Sinos. No começo da década de 1930, a Sociedade União Popular, numa das
suas assembleias, apresentou para os seus associados o projeto de uma
cooperativa de reflorestamento a ser implantada na região de São José do
Hortêncio. Embora nenhuma dessas iniciativas levasse a grandes resultados
práticos, pelo fato de terem sido prematuras, demonstram, contudo, que a
preocupação entre nós pelo meio ambiente vem
de mais de um século para cá.
As propostas de preservação
ambiental que acabamos de mencionar, foram todas de natureza prática, com o
objetivo de alertar contra o desmatamento irrestrito e a reposição da cobertura
vegetal por meio do reflorestamento. Foi então que em 1942 saiu a primeira
edição da “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, do Pe. Balduino Rambo, com uma proposta abrangente, filosófica e cientificamente fundamentada,
tendo como objetivo alertar para o
aspecto prático, cultural, pedagógico e ético da relação do homem com a
Natureza. Destaco aqui o fato de que a relação Homem-Natureza tem tudo a ver
com ética e moral pois, os solos, a água, as florestas, a vegetação em geral, o
ar, a atmosfera, o clima e outros mais, são bens e recursos comuns. No momento
em que o uso e a posse irracionais os priva da característica de bens comuns,
entra-se em conflito com os princípios da ética natural.
Mas não é o momento nem o lugar
para aprofundar essa temática de extrema importância para quem se ocupa com a
questão ambiental. O aniversário do Parque dos Aparados da Serra sugere, antes
de mais nada, que se recorde a sua história e os artífices que se empenharam
para que se tornasse realidade. Do lado administrativo e legal, coube ao major
Euclides Triches, Secretário de Obras
Públicas do Estado, proceder a desapropriação da área, tendo como núcleo
central o Taimbezinho, em 1957 e o
personagem sem o qual essa obra tão importante, não se teria concretizado, pelo
menos naquele momento, foi o Pe. Balduino Rambo. Para ele os parques são áreas
maiores nos quais a natureza original fica totalmente preservada,
aumentando-lhe os atrativos com o acréscimo discreto de elementos pertinentes
quando for conveniente. Cita como exemples duas dezenas de parques nos diversos
continentes com as respectivas superfícies, que dão uma ideia do que significa o termo “áreas
maiores”. Os que mais o impressionaram foram os parques dos Estados Unidos,
tanto pelo número, quanto pelo tamanho. Em 1942 havia naquele pais nada menos
do que 50 parques e reservas naturais. O Mount McKinley no Alasca mede 6800
quilômetros de superfície; o de Yelowstone 8800; Yosemite 2900. Na Argentina o
parque “Suissa Argentina”, mede 7850 quilômetros quadrados. No Brasil havia na
época dois desses parques, o Itatiaia e o Iguassu. O Pe. Rambo chama atenção na
Fisionomia do Rio Grande do Sul, que as
iniciativas mais urgentes visando criar parques são as regiões cobertas de mata
virgem e alerta:
“O mato
riograndense está em grave perigo! E não são só as derrubadas da agricultura, é
também a indústria madeireira, que, mais tempo, menos tempo despojará as selvas
do Uruguai dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os
soberbos pinhais em tristes fachinais. Ora é exatamente no planalto, que a riqueza de formas insinua
a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas
regiões: um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados”.
Felizmente o diagnóstico e o
prognóstico do Pe. Rambo teve, em parte pelo menos, a devida repercussão. Acontece que ele não se
limitou a fazer diagnósticos e formular prognósticos. Valeu-se do peso de sua
autoridade como catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como
diretor do Museu de História Natural do Estado e como cientista de
reconhecimento nacional e internacional, para implementar as suas propostas.
Orgulhamo-nos hoje do Parque do Quarita no Alto Uruguai e do Parque dos
Aparados da Serra, tendo o Taimbezinho como ponto de irradiação. Sem favor
nenhum o nosso parque cujo aniversário
comemoramos é obra sua, tanto na concepção, quanto na implementação e
consolidação. É verdade que nos sonhos do Pe. Rambo o parque deveria incorporar
os Aparados desde o extremo Sul, em Osório, Santo Antônio da Patrulha e
Rolante, até São Joaquim e o Campo dos Padres em Santa Catarina. Ao declarar
francamente a sua predileção pelos Aparados como área para um parque,
argumentou:
“Sobre os
Aparados, nada precisamos acrescentar; sua beleza grandiosa recomenda-se por si
só. Além disso o caso é muito mais fácil do que os matos do Uruguai: as terras
quebradas e pouco férteis dos Aparados são impróprias para a agricultura; as porções de campo que fazem
parte facilmente achariam substituto em outras partes. A situação fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao
plano para a nobre competição de ambos os estados da União, na realização duma
empresa verdadeiramente nacional. Sobre
os trechos a serem incluídos, não nos queremos estender; em todo o caso, o vale
do Maquiné superior, o Taimbesinho, a Serra Branca não poderiam faltar”. E
concluiu
“Ali nos
mirantes mais altos do Rio Grande do Sul,
com as forças milenares da erosão a
trabalhar diante dos olhos, com os temerosos abismos dos canyons aos pés, com o
pinhal, a mata branca e o campo, tão riograndenses, em derredor, com o oceano
no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a piedade e a
reverência, com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra”.
Em janeiro e fevereiro de 1948,
o Pe. Rambo foi conhecer por terra e
em detalhe o panorama que descreveu na
“Fisionomia do Rio Grande do Sul” e até então lhe era familiar pelo sobrevôo de
1938. Num diário de mais de 100 páginas relata as experiências daquele mês de
intimidade e solidão que viveu na natureza quase intacta nas bordas dos
Aparados, nas redondezas de Cambará. Renato Dalto, autor do texto comemorativo
do centenário do nascimento do Pe. Rambo. “Aparados da Serra – Na Trilha o Pe.
Rambo, foi de uma rara felicidade ao
resumir a relação existencial, afetiva e mística, consolidada entre o
padre-cientista e aquele planalto único.
“Foi do
céu uma das primeiras visões que Balduino Rambo teve daqueles penhascos, das
paredes crispadas, dos abismos. Viu as águas caindo e comparou-as a faixas de
prata, as matas silenciosas de pinheiros, a selva virgem. Isso aconteceu em
1938, quando percorreu o Rio Grande do Sul de avião e observou, lá de cima, o
relevo dos campos e serras, um mapa desenhado onde se juntavam, ao longe, terra
e céu. Essa união ou dicotomia entre as
coisas terrenas e celestes, esse embate permanente entre as coisas do corpo e
do espírito permearam toda a sua vida. Talvez explique um pouco o sentimento que
nutria pela região do planalto e especialmente, pelos Aparados da Serra. Ali, o
maior símbolo da floresta é a araucária.
Vista de baixo par cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar
o olhar em direção à terra para ver que há raízes fortes encravadas no chão.
Rambo costumava dizer que, neste lugar, à sombra dessas árvores gigantes, era
sua pátria no mundo. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a
terra, um caminho próximo para entender Deus”.
Concluindo o Diário do mês que
passou na região, o Pe Rambo anotou no
dia 17 de fevereiro de 1948,
“Nada
dispõe mais para a reflexão do que estas caminhadas pela neblina, e estas
noites com seu leve prurido de chuva à janela e as gotas estalando desde as
árvores. Liberta-se então a alma dos
fogos fátuos do dia resplandecente, fecham-se todas as portas e silenciosamente
penetra, como que tateando, em seu mundo mais íntimo, isto é, no reino do ser,
envolvido no sonho de todas as coisas. Luzes distantes e vozes perdem-se aos
poucos em seus ecos e migram através desta terra espiritual carregada de
pressentimentos. Alguém caminha pela névoa e pela noite, Seus passos são tão leves como o murmurar da neblina. E este
Alguém que é único, chama meu nome nesta terra solitária.
A
configuração singular da orla oriental é constituída pela passagem ou mais
exatamente pela vista panorâmica para as distâncias mais longínquas, pelas
escarpas bruscas das formas perto da planície e, de modo especial, pela névoa
perenemente em efervescência.
Pinturas
da natureza como as da garganta da Pedra Branca apenas ocorrem um vez na bela
terra de Deus. Quase se poderia
chamar a este quadro de precipícios perpendiculares e de cataratas que troam,
de névoas efervescentes e trovoadas que uivam, de mata silenciosa e penhascos
altos, cheios de saliências de rochas, uma pintura imperfeita, se ela não fosse mais do que
isso. É que se trata realmente de uma construção gigantesca de força e
simplicidade, e de um acontecer, que nunca pára de rolar para frente. Alguém
mora nesses abismos que sussurram, e Alguém vigia nessa torre de observação solitária.
Ele chama o eco, apascenta a névoa e nos escolhos solitários brinca com o raio
e o trovão.
A vista
para a ampla planície, os lagos brilham e o oceano que brame, formam um dos
ulteriores elementos desta paisagem. Seja a visão externa pelos portões de
rocha das gargantas estreitas, seja um olhar desimpedido da parede anterior,
sempre se assemelha uma tal contemplação a um pressentimento de distâncias
infinitas. A sensação predominante é a
da preeminência sobre o vapor, a poeira, o calor e a fastidiosa multidão humana. Rochas cor de cinza, mata
verde, água que murmura e correntes estagnadas, amplas planícies e nuvens que
migram e, por fim, o oceano insondável. Também isso é solidão da alma com seu
Deus. De fato não é assim que a alma deva mergulhar
primeiro em névoas e na noite, para se sentir solitária com o mistério de Deus. O hálito, o espírito de deus sopra em toda a
parte. Quem tiver erguido a sua alma na solidão de Deus, a esse acompanha a
própria solidão de Deus para o meio da multidão do povo insano.
Nunca mais
hei de esquecer a minha despedida da orla oriental. Permiti a meu cavalo
avançar pelo campo florido como lhe agradava. Atrás de mim borbulhavam as
névoas condensadas, subindo dos precipícios e rolando pelo campo. Um verdadeiro
rolar põe-se em movimento e me persegue e com ele um hálito frio rodou sobre
mim e me envolveu. Murmuravam os arroios e cochichavam os pinheiros.
Depois daquela temporada em
Cambará e arredores em 1948, o cenário do Planalto e os Aparados da Serra,
transformaram-se na paixão maior do Pe Rambo e sua preservação, pelo menos em
parte, uma obsessão. Depois da aquisição de um Jeep, sobra da Segunda Guerra
Mundial e com a constante melhoria das estradas, suas visitas ao Planalto e os
Aparados, tornaram-se mais fáceis e mais frequentes. Fazia questão de levar botânicos americanos que o visitaram durante
a década de 1950, para conhecerem aquelas paisagens únicas. Em seu diário conta
que um deles não se cansava de mergulhar
o rosto na água gelada e cristalina dos arroios de montanha e bebê-la
com vontade. Em 1954 acompanhei-o pela primeira vez até o Taimbezinho, em
fevereiro de 1958 a segunda e fevereiro de 1959 a terceira. E 1956, a convite do governo dos Estados
Unidos da América, o Pe. Rambo passou três meses visitando universidades,
museus, centros de pesquisa e, principalmente os grandes parques e reservas
naturais daquele país. A peregrinação
pelos grandes parques naturais do oeste dos Estados Unidos, amadureceu nele a decisão
de concretizar algo semelhante na sua volta ao Brasil. Percebeu nos parques que
visitava o modelo que contemplava todos os requisitos que, a seu ver, um parque
deviria oferecer: deveriam ser ambientes de recreio e lazer, também para as pessoas simples, de poucos recursos,
como operários de fábrica, agricultores, pequenos empreendedores, professores e
alunos de colégios e universidades, donas de casa, etc. etc. Deveriam oferecer
oportunidade para os visitantes informar-se sobre a fauna, a flora, a geologia
e a história da região. Professores universitários em férias organizavam
sessões noturnas com palestras e
ilustrações sobre esses aspectos dos parques, transformando-os em universidades
ao ar livre. Dezenas de estudantes universitários trabalhavam nos restaurantes,
alojamentos e pousadas, garantindo os recursos para custear os estudos e, ao
mesmo, tempo curtindo férias baratas no ambiente sadio dos parques. Ele próprio
resumiu em poucas linhas o seu ideal de parque.
Desde que
voltei da América, empenhei-me que, também no Brasil, se implantassem mais
parques nacionais. Até agora dispomos somente de dois, um nas terras
montanhosas do Itatiaia e outro nas Cataratas do Iguassu. Se tudo correr bem,
teremos, em breve, um terceiro nas escarpas orientais dos Aparados da Serra, com o Itaimbezinho
como núcleo inicial. O parque deve estar a serviço da proteção da natureza e do
recreio do povo. O rico que aparecer,
deve ser obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o colono.
As pessoas que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a televisão, a
dança e o jogo, que fiquem onde tudo isso está disponível de qualquer forma. Em
nenhum parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei um aparelho de
televisão, nem percebi musica de dança, nem
presenciei chás dançantes. De maneira alguma quero afirmar que o americano médio é melhor do que nós. Uma
coisa é certa. Ele tem mais compreensão, mais decência e mais respeito perante
a beleza e tranquilidade da natureza criada por Deus.
Cabe aqui a reflexão de Eward
Wilson, um dos mais respeitados entomólogos, há mais de 50 anos professor na
universidade de Harvard. Observe-se que Rambo era jesuíta que colocava com
pressuposto a natureza como obra da criação de Deus, ao passo que Wilson
esforça-se para explicar o universo e a natureza sob odos os seus aspectos
como resultado da evolução natural. É
surpreendente que o cientista crente na
criação e o cientista que durante bom tempo de sua vida, opôs-se ostensivamente
recorrer a pressupostos de natureza não científica, coincidem na visão da
natureza.
A natureza
humana é mais profunda e mais ampla do que os inventos artificiais de qualquer
cultura existente. As raízes espirituais do Homo sapiens se estendem até as
profundezas do mundo natural, por meio de canais de envolvimento mental que ainda hoje permanecem, em geral,
desconhecidos. Nosso pleno potencial não será atingido sem que compreendamos a
origem e portanto, o significado das
qualidades estéticas e religiosas que nos tornam inefavelmente humanos.
Não há
dúvida de que muitas pessoas parecem contentar-se em viver inteiramente dentro desses
ecossistemas sintéticos. No entanto, também os animais domésticos se contentam,
até mesmo nos habitats grosseiramente anormais
em que nós os criamos. Isso, no meu modo de pensar é uma perversão. Não é da
natureza dos seres humanos se tornar
cabeças de gado em pastagens aperfeiçoadas. Cada pessoa merece ter a opção de
entrar e sair com facilidade desse mundo complexo e primário que nos deu à luz.
Precisamos de liberdade para vagar por terras que não sejam propriedade de
ninguém, mas protegidas por todos, terras cujo horizonte imutável é o mesmo que
limitava o mundo dos nossos ancestrais milenares. Apenas onde ainda resta um
pouco do Éden, pujante de seres vivos independentes de nós, é possível experimentar
o deslumbramento que deu força à psique humana. (Edward Wilson, a
c Criação,
p. 20-21)
Deve-se à visão e ao empenho do
Pe. Rambo que os amantes da natureza dispõem hoje do núcleo inicial do Parque
dos Aparados da Serra. Muito antes que se organizassem movimentos em favor da
preservação do meio ambiente, motivados por todos os tipos e matizes de
interesses, discutíveis ou não. Muitas motivações são inspiradas no nobre zelo da preservação
da natureza. Trata-se de um amor puro e simples por essa “mãe e pátria” como
ele a chamou, ou então pela consciência de que a “a natureza subsiste sem o
homem, mas o homem não subsiste sem a natureza”. Na sua opinião, os parques
justificam-se quando cumprem a tripla finalidade de preservar a fisionomia
natural na sua forma original, de oferecer um ambiente tranquilo e sadio para
que o homem, também o homem comum, encontre as condições para refazer as
energias gastas depois de uma jornada de trabalhos e preocupações e de
proporcionar a jovens, adultos e idosos ocasião para se informarem e instruírem
sobre o significado existencial da Natureza.
Longe da zoeira do quotidiano dos centros urbanos, longe da massas
humanas ululando e acotovelando-se nos shopings, longe dos cenários em que se
rouba, assalta, mata, corrompe e onde o vale tudo tem a última palavra e os
homens devoram-se mutuamente como lobos, o parque deve oferecer ambiente para
curtir um pouco de paz, de estar consigo mesmo, de saborear a harmonia e a sinfonia da Natureza.
Que o nosso parque dos Aparados da Serra faça o papel de uma escola, de uma
universidade ao ar livre, onde os visitantes de todas as idades, de todos os
níveis de instrução, aprendam a ler e a entender os segredos que a “mãe e
pátria Natureza” tem a revelar pois, parafraseando o Pe. Rambo em seu diário
depois de uma caminhada pelas floresta de gigantes no Parque das Sequóias nos
Estados Unidos em 1956:
“Toda a simbologia, todo o encanto e todo o fascínio que envolve
as árvores, as montanhas, os precipícios, os rios, os arroios, as cascatas, os
nevoeiros, as tormentas e os aguaceiros que povoam o nosso planalto, toma conta
do observador que caminha pelo parque, pois, entre o céu e a terra há muitos
verdades que não estão escritas nos livros, mas revelam-se na penumbra da
floresta. Posta nesta perspectiva a
questão ambiental, seja a nível de parques e reservas, seja a nível do uso
sustentável dos recursos naturais, assume conotações que dizem respeito à
própria sobrevivência física, psíquica e espiritual do homem. Por isso mesmo
transforma-se numa assunto que interessa o bem comum e como tal implica em
preocupações de natureza ética.