Reflexões Avulsas - Aniversário do Parque dos Aparados da Serra

Na sua obra mais conhecida “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”, publicada pela Imprensa Oficial do Estado em 1942, portanto há mais de 70 anos, o Pe. Balduino Rambo deixou registrada a sua percepção sobre o uso da Natureza pelo homem, os seus limites, além de propostas concretas, cientificamente fundamentadas, para preservar o que ainda subsiste e reparar os danos já causados. A questão ambiental que hoje faz parte das preocupações de qualquer cidadão minimamente atento aos acontecimentos em sua volta, naquela época, final da década de 1930 e começos de 1940, não constava na pauta dos fórums em que se discutiam as grandes questões regionais e nacionais. Estava em pleno avanço a abertura de novas fronteiras de colonização no norte e noroeste do Rio Grande do Sul, no Centro-Oeste de Santa Catarina e intactos estavam os grandes complexos de florestas do oeste do Paraná. Na imaginação do   homem comum do sul do Brasil, o Matogrosso localizava-se no outro lado da lua. Aliás na época o Pe. Rambo escreveu um conto com o sugestivo titulo “Três Semanas na Lua”.  tendo como fundo as primeiras tentativas de colonização no Matogrosso do Norte pela Transportadora Meyer, às margens do Xingu na década de 1950. Nos campos da Fronteira e nos campos de Cima da Serra, a presença do  homem e sua interferência no meio limitava-se às sedes das estâncias e rebanhos de gado multiplicando-se e engordando nas pastagens naturais. Os Aparados da Serra exibiam ainda o seu encanto e sua grandiosidade original, com seus canyons, arroios de montanha cristalinos, suas cascatas e, principalmente, as florestas cobrindo a borda dos precipícios, descendo pelas suas encostas até a planície perto do oceano. E lá no alto milhões de araucárias seculares, copa encostando em copa, formavam um imenso guarda-sol, quinze ou mais metros acima do mato branco. Com o formato típico dos seus galhos erguidos pareciam em atitude de oração, como costumava dizer o escritor Sérgio Farina.  No verão de 1938  o Pe Rambo sobrevoou o Estado todo, percorrendo 60.000 quilômetros, em missão encomendada pelo  Serviço Geográfico do Exército. Na medida em que as paisagens  que compõem a Fisionomia do Rio Grande do Sul, deslizavam, a menos de mil metros de altura, sob  as asas do pequeno monomotor “Master Brasília, do 3º Regimento de Aviadores, da base aérea de Canos, nasceu uma relação existencial de admiração, respeito, amor e veneração, entre ele e os panoramas que admirava lá do alto. Daí para frente consolidou-se nele o compromisso de, na  medida do possível, dar a sua contribuição como botânico, professor universitário e diretor do Museu de História Natural do Estado, em favor da  preservação do possível e na recuperação do já danificado, “para o bem público, o lazer e o recreio do povo e a higiene ambiental”. As iniciativas concretas que propôs na “Fisionomia do Rio Grande do Sul” foram: a proteção a monumentos naturais;  -  a proteção a espécies botânicas e zoológicas a perigo de extinção;  -  a  harmonização das obras humanas com o meio ambiente;  -  a criação de parques Naturais. A ideia da criação de Parques tornou-se para ele uma quase obsessão, que foi amadurecendo e consolidando-se e tomando contornos definidos, a partir da suas permanência de um mês em Cambará em 1948 e depois de sua visita aos grandes parques norte-americanos em 1956. Ao mesmo tempo as seguidas visitas ao planalto, de preferência nas redondezas de Cambará com seu ícone, o canyon do Taimbézinho, o Pe. Rambo decidiu que ele deveria ser o epicentro do ambicioso projeto do parque dos Aparados da Serra. Aquela paisagem natural da qual ele dizia “se tenho uma pátria na terra esta encontra-se no planalto na sombra dos pinheirais”, deveria ser o promissor começo de outras tantas iniciativas de proteção. Até o final da década de 1950 e setembro de  1961, quando faleceu inesperadamente com apenas 56 anos, o Pe. Rambo empenhou-se, além, do parque em Cambará, na criação da Fundação Zoobotânica, Jardim Botânico e o Zoológico de Sapucaia do Sul. A ideia-força e o esboço das ações em favor da preservação e recuperação do meio ambiente, encontram-se na “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, sua obra prima.

“O homem filho desta terra,  que lhe fornece o pão de cada dia e os símbolos de sua vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades  brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, pelo menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.

Assim no curso de todas culturas humanas, mais cede ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno da terra, com que a pródiga mão do Criador o presenteou.

Sob a rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos  naturais, das espécies botânicas e zoológicas periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as necessidades  concretas da sociedade humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está  a serviço das ciências naturais, antropológicas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre um princípio de ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária ou inconsiderada dos tesouros de beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de precioso, restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terra, torna-se um aliado de valor da higiene e  pedagogia sociais e um adjutório indispensável da educação nacional.

O Parque dos Aparados da Serra
As primeiras manifestações que demonstram a preocupação pelo meio ambiente no Rio Grande do Sul, não foram iniciativas dos ambientalistas do final do século XX e do começo do século XXI. Datam do final do século XIX. Em 1889 o historiador e escritor Pe. Ambros Schupp publicou na revista alemã “Alte und neue Welt” uma longa matéria, alertando que o desmatamento no vale do Caí atingira um nível preocupante. Oito anos mais tarde foi fundada em Bom Jardim, hoje Ivoti, pelo Pe. Peter Gasper e o sr. Alfred Grohmann, uma associação de proteção à Natureza, o “Waldschutvereien”, com a proposta de incentivar no vale do rio dos Sinos e do Caí, o reflorestamento com árvores nativas, louros, cangeranas e araucárias além de espécies européias de fácil adaptação na região, com destaque para o carvalho. No começo do século XX o Pe. Amstad apresentou num congresso dos católicos um projeto de reflorestamento com espécies nativas na meia encosta dos vales do Caí e Sinos. No começo da década de 1930, a Sociedade União Popular, numa das suas assembleias, apresentou para os seus associados o projeto de uma cooperativa de reflorestamento a ser implantada na região de São José do Hortêncio. Embora nenhuma dessas iniciativas levasse a grandes resultados práticos, pelo fato de terem sido prematuras, demonstram, contudo, que a preocupação entre nós pelo meio ambiente vem  de mais de um século para cá.

As propostas de preservação ambiental que acabamos de mencionar, foram todas de natureza prática, com o objetivo de alertar contra o desmatamento irrestrito e a reposição da cobertura vegetal por meio do reflorestamento. Foi então que em 1942 saiu a primeira edição da “Fisionomia do Rio Grande do Sul”, do Pe. Balduino  Rambo, com uma proposta abrangente,  filosófica e cientificamente fundamentada, tendo como objetivo  alertar para o aspecto prático, cultural, pedagógico e ético da relação do homem com a Natureza. Destaco aqui o fato de que a relação Homem-Natureza tem tudo a ver com ética e moral pois, os solos, a água, as florestas, a vegetação em geral, o ar, a atmosfera, o clima e outros mais, são bens e recursos comuns. No momento em que o uso e a posse irracionais os priva da característica de bens comuns, entra-se em conflito com os princípios da ética natural.

Mas não é o momento nem o lugar para aprofundar essa temática de extrema importância para quem se ocupa com a questão ambiental. O aniversário do Parque dos Aparados da Serra sugere, antes de mais nada, que se recorde a sua história e os artífices que se empenharam para que se tornasse realidade. Do lado administrativo e legal, coube ao major Euclides  Triches, Secretário de Obras Públicas do Estado, proceder a desapropriação da área, tendo como núcleo central o Taimbezinho, em 1957 e  o personagem sem o qual essa obra tão importante, não se teria concretizado, pelo menos naquele momento, foi o Pe. Balduino Rambo. Para ele os parques são áreas maiores nos quais a natureza original fica totalmente preservada, aumentando-lhe os atrativos com o acréscimo discreto de elementos pertinentes quando for conveniente. Cita como exemples duas dezenas de parques nos diversos continentes com as respectivas superfícies, que dão  uma ideia do que significa o termo “áreas maiores”. Os que mais o impressionaram foram os parques dos Estados Unidos, tanto pelo número, quanto pelo tamanho. Em 1942 havia naquele pais nada menos do que 50 parques e reservas naturais. O Mount McKinley no Alasca mede 6800 quilômetros de superfície; o de Yelowstone 8800; Yosemite 2900. Na Argentina o parque “Suissa Argentina”, mede 7850 quilômetros quadrados. No Brasil havia na época dois desses parques, o Itatiaia e o Iguassu. O Pe. Rambo chama atenção na Fisionomia do Rio Grande do Sul,  que as iniciativas mais urgentes visando criar parques são as regiões cobertas de mata virgem  e alerta:

“O mato riograndense está em grave perigo! E não são só as derrubadas da agricultura, é também a indústria madeireira, que, mais tempo, menos tempo despojará as selvas do Uruguai dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais. Ora é exatamente  no planalto, que a riqueza de formas insinua a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas regiões: um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados”.

Felizmente o diagnóstico e o prognóstico do Pe. Rambo teve, em parte pelo menos,  a devida repercussão. Acontece que ele não se limitou a fazer diagnósticos e formular prognósticos. Valeu-se do peso de sua autoridade como catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, como diretor do Museu de História Natural do Estado e como cientista de reconhecimento nacional e internacional, para implementar as suas propostas. Orgulhamo-nos hoje do Parque do Quarita no Alto Uruguai e do Parque dos Aparados da Serra, tendo o Taimbezinho como ponto de irradiação. Sem favor nenhum o nosso parque cujo aniversário  comemoramos é obra sua, tanto na concepção, quanto na implementação e consolidação. É verdade que nos sonhos do Pe. Rambo o parque deveria incorporar os Aparados desde o extremo Sul, em Osório, Santo Antônio da Patrulha e Rolante, até São Joaquim e o Campo dos Padres em Santa Catarina. Ao declarar francamente a sua predileção pelos Aparados como área para um parque, argumentou:

“Sobre os Aparados, nada precisamos acrescentar; sua beleza grandiosa recomenda-se por si só. Além disso o caso é muito mais fácil do que os matos do Uruguai: as terras quebradas e pouco férteis dos Aparados são impróprias para a  agricultura; as porções de campo que fazem parte facilmente achariam substituto em outras partes. A situação  fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao plano para a nobre competição de ambos os estados da União, na realização duma empresa verdadeiramente  nacional. Sobre os trechos a serem incluídos, não nos queremos estender; em todo o caso, o vale do Maquiné superior, o Taimbesinho, a Serra Branca não poderiam faltar”. E concluiu

“Ali nos mirantes mais altos do Rio Grande do Sul,  com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos abismos dos canyons aos pés, com o pinhal, a mata branca e o campo, tão riograndenses, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a piedade e a reverência, com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra”.

Em janeiro e fevereiro de 1948, o  Pe. Rambo foi conhecer por terra e em  detalhe o panorama que descreveu na “Fisionomia do Rio Grande do Sul” e até então lhe era familiar pelo sobrevôo de 1938. Num diário de mais de 100 páginas relata as experiências daquele mês de intimidade e solidão que viveu na natureza quase intacta nas bordas dos Aparados, nas redondezas de Cambará. Renato Dalto, autor do texto comemorativo do centenário do nascimento do Pe. Rambo. “Aparados da Serra – Na Trilha o Pe. Rambo, foi de uma rara  felicidade ao resumir a relação existencial, afetiva e mística, consolidada entre o padre-cientista e aquele planalto único.

“Foi do céu uma das primeiras visões que Balduino Rambo teve daqueles penhascos, das paredes crispadas, dos abismos. Viu as águas caindo e comparou-as a faixas de prata, as matas silenciosas de pinheiros, a selva virgem. Isso aconteceu em 1938, quando percorreu o Rio Grande do Sul de avião e observou, lá de cima, o relevo dos campos e serras, um mapa desenhado onde se juntavam, ao longe, terra e céu. Essa união ou  dicotomia entre as coisas terrenas e celestes, esse embate permanente entre as coisas do corpo e do espírito permearam toda a sua vida. Talvez explique um pouco o sentimento que nutria pela região do planalto e especialmente, pelos Aparados da Serra. Ali, o maior símbolo da floresta é a araucária.  Vista de baixo par cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar o olhar em direção à terra para ver que há raízes fortes encravadas no chão. Rambo costumava dizer que, neste lugar, à sombra dessas árvores gigantes, era sua pátria no mundo. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, um caminho próximo para entender Deus”.

Concluindo o Diário do mês que passou na região, o Pe Rambo anotou  no dia 17 de fevereiro de 1948,

“Nada dispõe mais para a reflexão do que estas caminhadas pela neblina, e estas noites com seu leve prurido de chuva à janela e as gotas estalando desde as árvores.  Liberta-se então a alma dos fogos fátuos do dia resplandecente, fecham-se todas as portas e silenciosamente penetra, como que tateando, em seu mundo mais íntimo, isto é, no reino do ser, envolvido no sonho de todas as coisas. Luzes distantes e vozes perdem-se aos poucos em seus ecos e migram através desta terra espiritual carregada de pressentimentos. Alguém caminha pela névoa e pela noite, Seus passos são  tão leves como o murmurar da neblina. E este Alguém que é único, chama meu nome nesta terra solitária.

A configuração singular da orla oriental é constituída pela passagem ou mais exatamente pela vista panorâmica para as distâncias mais longínquas, pelas escarpas bruscas das formas perto da planície e, de modo especial, pela névoa perenemente em efervescência.

Pinturas da natureza como as da garganta da Pedra Branca apenas ocorrem um vez na bela terra de Deus. Quase se poderia chamar a este quadro de precipícios perpendiculares e de cataratas que troam, de névoas efervescentes e trovoadas que uivam, de mata silenciosa e penhascos altos, cheios de saliências de rochas, uma pintura  imperfeita, se ela não fosse mais do que isso. É que se trata realmente de uma construção gigantesca de força e simplicidade, e de um acontecer, que nunca pára de rolar para frente. Alguém mora nesses abismos que sussurram, e Alguém vigia nessa torre de observação solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa e nos escolhos solitários brinca com o raio e o trovão.
A vista para a ampla planície, os lagos brilham e o oceano que brame, formam um dos ulteriores elementos desta paisagem. Seja a visão externa pelos portões de rocha das gargantas estreitas, seja um olhar desimpedido da parede anterior, sempre se assemelha uma tal contemplação a um pressentimento de distâncias infinitas.  A sensação predominante é a da preeminência sobre o vapor, a poeira, o calor e a fastidiosa  multidão humana. Rochas cor de cinza, mata verde, água que murmura e correntes estagnadas, amplas planícies e nuvens que migram e, por fim, o oceano insondável. Também isso é solidão da alma com seu Deus.  De fato não é assim que a alma deva mergulhar primeiro em névoas e na noite, para se sentir solitária com  o mistério de Deus.  O hálito, o espírito de deus sopra em toda a parte. Quem tiver erguido a sua alma na solidão de Deus, a esse acompanha a própria solidão de Deus para o meio da multidão do povo insano.

Nunca mais hei de esquecer a minha despedida da orla oriental. Permiti a meu cavalo avançar pelo campo florido como lhe agradava. Atrás de mim borbulhavam as névoas condensadas, subindo dos precipícios e rolando pelo campo. Um verdadeiro rolar põe-se em movimento e me persegue e com ele um hálito frio rodou sobre mim e me envolveu. Murmuravam os arroios e cochichavam os pinheiros.

Depois daquela temporada em Cambará e arredores em 1948, o cenário do Planalto e os Aparados da Serra, transformaram-se na paixão maior do Pe Rambo e sua preservação, pelo menos em parte, uma obsessão. Depois da aquisição de um Jeep, sobra da Segunda Guerra Mundial e com a constante melhoria das estradas, suas visitas ao Planalto e os Aparados, tornaram-se mais fáceis e mais frequentes.  Fazia questão de levar  botânicos americanos que o visitaram durante a década de 1950, para conhecerem aquelas paisagens únicas. Em seu diário conta que um deles não se cansava de mergulhar  o rosto na água gelada e cristalina dos arroios de montanha e bebê-la com vontade. Em 1954 acompanhei-o pela primeira vez até o Taimbezinho, em fevereiro de 1958 a segunda e fevereiro de 1959 a terceira.  E 1956, a convite do governo dos Estados Unidos da América, o Pe. Rambo passou três meses visitando universidades, museus, centros de pesquisa e, principalmente os grandes parques e reservas naturais daquele país.  A peregrinação pelos grandes parques naturais do oeste dos Estados Unidos, amadureceu nele a decisão de concretizar algo semelhante na sua volta ao Brasil. Percebeu nos parques que visitava o modelo que contemplava todos os requisitos que, a seu ver, um parque deviria oferecer: deveriam ser ambientes de recreio e lazer, também  para as pessoas simples, de poucos recursos, como operários de fábrica, agricultores, pequenos empreendedores, professores e alunos de colégios e universidades, donas de casa, etc. etc. Deveriam oferecer oportunidade para os visitantes informar-se sobre a fauna, a flora, a geologia e a história da região. Professores universitários em férias organizavam sessões noturnas com  palestras e ilustrações sobre esses aspectos dos parques, transformando-os em universidades ao ar livre. Dezenas de estudantes universitários trabalhavam nos restaurantes, alojamentos e pousadas, garantindo os recursos para custear os estudos e, ao mesmo, tempo curtindo férias baratas no ambiente sadio dos parques. Ele próprio resumiu em poucas linhas o seu ideal de parque.

Desde que voltei da América, empenhei-me que, também no Brasil, se implantassem mais parques nacionais. Até agora dispomos somente de dois, um nas terras montanhosas do Itatiaia e outro nas Cataratas do Iguassu. Se tudo correr bem, teremos, em breve, um terceiro nas escarpas orientais  dos Aparados da Serra, com o Itaimbezinho como núcleo inicial. O parque deve estar a serviço da proteção da natureza e do recreio do povo.  O rico que aparecer, deve ser obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o colono. As pessoas que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a televisão, a dança e o jogo, que fiquem onde tudo isso está disponível de qualquer forma. Em nenhum parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei um aparelho de televisão, nem percebi musica  de dança, nem presenciei chás dançantes. De maneira alguma quero afirmar que  o americano médio é melhor do que nós. Uma coisa é certa. Ele tem mais compreensão, mais decência e mais respeito perante a beleza e tranquilidade da natureza criada por Deus.

Cabe aqui a reflexão de Eward Wilson, um dos mais respeitados entomólogos, há mais de 50 anos professor na universidade de Harvard. Observe-se que Rambo era jesuíta que colocava com pressuposto a natureza como obra da criação de Deus, ao passo que Wilson esforça-se para explicar o universo e a natureza sob odos os seus aspectos como  resultado da evolução natural. É surpreendente que o cientista crente  na criação e o cientista que durante bom tempo de sua vida, opôs-se ostensivamente recorrer a pressupostos de natureza não científica, coincidem na visão da natureza.

A natureza humana é mais profunda e mais ampla do que os inventos artificiais de qualquer cultura existente. As raízes espirituais do Homo sapiens se estendem até as profundezas do mundo natural, por meio de canais de envolvimento  mental que ainda hoje permanecem, em geral, desconhecidos. Nosso pleno potencial não será atingido sem que compreendamos a origem  e portanto, o significado das qualidades estéticas e religiosas que nos tornam inefavelmente humanos.
Não há dúvida de que muitas pessoas parecem contentar-se  em viver inteiramente dentro desses ecossistemas sintéticos. No entanto, também os animais domésticos se contentam, até mesmo nos habitats grosseiramente  anormais em que nós os criamos. Isso, no meu modo de pensar é uma perversão. Não é da natureza dos seres humanos  se tornar cabeças de gado em pastagens aperfeiçoadas. Cada pessoa merece ter a opção de entrar e sair com facilidade desse mundo complexo e primário que nos deu à luz. Precisamos de liberdade para vagar por terras que não sejam propriedade de ninguém, mas protegidas por todos, terras cujo horizonte imutável é o mesmo que limitava o mundo dos nossos ancestrais milenares. Apenas onde ainda resta um pouco do Éden, pujante de seres vivos independentes de nós, é possível experimentar o deslumbramento que deu força à psique humana. (Edward Wilson, a
c Criação, p. 20-21)

Deve-se à visão e ao empenho do Pe. Rambo que os amantes da natureza dispõem hoje do núcleo inicial do Parque dos Aparados da Serra. Muito antes que se organizassem movimentos em favor da preservação do meio ambiente, motivados por todos os tipos e matizes de interesses, discutíveis ou não. Muitas motivações  são inspiradas no nobre zelo da preservação da natureza. Trata-se de um amor puro e simples por essa “mãe e pátria” como ele a chamou, ou então pela consciência de que a “a natureza subsiste sem o homem, mas o homem não subsiste sem a natureza”. Na sua opinião, os parques justificam-se quando cumprem a tripla finalidade de preservar a fisionomia natural na sua forma original, de oferecer um ambiente tranquilo e sadio para que o homem, também o homem comum, encontre as condições para refazer as energias gastas depois de uma jornada de trabalhos e preocupações e de proporcionar a jovens, adultos e idosos ocasião para se informarem e instruírem sobre o significado existencial da Natureza.  Longe da zoeira do quotidiano dos centros urbanos, longe da massas humanas ululando e acotovelando-se nos shopings, longe dos cenários em que se rouba, assalta, mata, corrompe e onde o vale tudo tem a última palavra e os homens devoram-se mutuamente como lobos, o parque deve oferecer ambiente para curtir um pouco de paz, de estar consigo mesmo, de  saborear a harmonia e a sinfonia da Natureza. Que o nosso parque dos Aparados da Serra faça o papel de uma escola, de uma universidade ao ar livre, onde os visitantes de todas as idades, de todos os níveis de instrução, aprendam a ler e a entender os segredos que a “mãe e pátria Natureza” tem a revelar pois, parafraseando o Pe. Rambo em seu diário depois de uma caminhada pelas floresta de gigantes no Parque das Sequóias nos Estados Unidos em 1956:


 “Toda a simbologia,  todo o encanto e todo o fascínio que envolve as árvores, as montanhas, os precipícios, os rios, os arroios, as cascatas, os nevoeiros, as tormentas e os aguaceiros que povoam o nosso planalto, toma conta do observador que caminha pelo parque, pois, entre o céu e a terra há muitos verdades que não estão escritas nos livros, mas revelam-se na penumbra da floresta.  Posta nesta perspectiva a questão ambiental, seja a nível de parques e reservas, seja a nível do uso sustentável dos recursos naturais, assume conotações que dizem respeito à própria sobrevivência física, psíquica e espiritual do homem. Por isso mesmo transforma-se numa assunto que interessa o bem comum e como tal implica em preocupações de natureza ética.

This entry was posted on domingo, 8 de fevereiro de 2015. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.