No dia 30 de dezembro (1942), recebemos o
primeiro “aviso” por meio de um desconhecidos, de que todos os estrangeiros
seriam expulsos da região. No dia primeiro de janeiro (de 1943), aconteceram
novas devassas nas casas. Desta vez também na casa da minha irmã. E como em
todas as outras, com resultado negativo. No dia 6 de janeiro, ao escurecer duas
canoas com cerca de 10 homens. atracaram no nosso porto. Tudo foi revirado e
vasculhado em busca de objetos perigosos, que obviamente não existiam. No dia
10 de janeiro houve uma festa na sede da
Sociedade Atiradores, promovida pela brigada militar do Rio Gande do Sul, aí
estacionada. Na ocasião, o comandante, um aspirante, pronunciou o malfadado
discurso, no qual anunciava que todo os “estrangeiros” foram intimados a deixar
“livremente” Porto Novo e dirigir-se para um local chamado Xaxim Xanxerê. Mas este discurso de arrepiar não foi levado a
sério e ninguém pensou em evacuação. Neste meio tempo mandei informações
urgentes sobre a situação que se agravava cada vez mais.
No dia 30 de janeiro sucederam-se na Linha
Becker, perturbações, excessos, abusos, devassas em casas, molestações de todo
tipo, praticados pelo aspirante e seus subordinados. - No dia 31 de janeiro veio o delegado de
Xapecó e deu ordem que todos os comissários se apresentassem no dia 1º de
fevereiro. - No dia 2 de fevereiro os comissários
comunicaram que todos os estrangeiros se apresentassem no dia 3 de fevereiro na
delegacia.
No dia 3 de fevereiro, bem cedo, tudo estava
em movimento. Reinava um calor insuportável. Uma camada de pó de um palmo
cobria as estradas, devido à prolongada seca e respirava-se uma atmosfera
carregada de fumaça vinda dos incêndios na floresta. No clarear do dia,
cavalguei até a cidade em companhia do sr. Batista Hofer. Depois de horas sob
um calor sufocante, encontrei todos os estrangeiros, velhos e jovens, quase só
homens, reunidos onde quer que houvesse uma sombra. Mulheres somente aquelas,
como eu, que estavam sozinhas, cujos homens, para evitar a prisão tinham
cruzado a fronteira e se refugiado na Argentina. Os cavalos ocupavam todo
espaço livre na cidade. Diante da delegacia formara-se uma grande fila. Um por
um aguardavam o seu despacho que vinha curto e grosso. Ao registro seguia a
ordem de em 10 dias estarem prontos para partir, buscar os “documentos para a
viagem” e pôr-se a caminho para Xaxim Xanxerê, para o exílio. Para as diversas
objeções ou o argumento de impossibilidade, seguia a resposta lacônica: “Quem
até o dia 13 não tiver abandonado a casa, será forçado pelos soldados e posto
na estrada.
Combinamos que manteríamos de qualquer forma
a tranquilidade e antes de mais nada a disciplina e não oferecer às autoridades
nenhum motivo de nos atacar. Manter a união foi a palavra de ordem! Em caso
extremo pôr-nos a caminho em bloco fechado, cada qual dando apoio ao outro, em
marcha lenta, sem sair do território da Sociedade União Popular. Se possível
ninguém deveria passar da Linha Chapéu.
Os dias seguintes foram inauditos. Num prazo tão curto era impossível liquidar
casa e propriedade, desfazer-se do gado e das plantações, fruto do trabalho
pesado de muitos anos, conseguir meios de transporte para uma viagem dessas com
a família, além de reunir os
equipamentos domésticos e os gêneros alimentícios indispensáveis. Foi preciso
vender todo o gado por preços irrisórios ou então abatê-lo, para conseguir o
dinheiro para comprar uma carroça e bois resistentes para a longa viagem.
Funcionários, entre eles um oficial de justiça intimidavam as pessoas de tudo
que era forma e aproveitavam a ocasião em seu próprio proveito, às custas da
desgraça do expulsos. Compravam o belo gado por valores miseráveis para, em
seguida, negociá-lo com enormes lucros. Ofereciam a preços exorbitantes terras
no exílio que não existiam. Pelo que soube acima de 30 das melhores vacas
leiteiras foram negociadas fora do território. Passavam obrigatoriamente por
nossa colônia. Condenados que estávamos ao silêncio presenciamos o espetáculo
em silêncio.
Vieram problemas ainda maiores. O que
aconteceria com as pessoas de idade, os doentes, as mães com crianças pequenas,
as mulheres grávidas. Tudo soava tão inaudito, tão inacreditável. Eu mandava um
telegrama depois do outro a Porto Alegre, implorando por socorro.
O dia 13 de fevereiro foi a data marcada
para que todos se apresentassem na polícia para retirar o “passaporte” para a
viagem. Novamente fiz a cavaloo longo trajeto até a cidade. Todos se fizeram
presentes e retiraram os “passaportes”. Até aquele momento ninguém acreditava
seriamente que as ordens seriam levadas às últimas consequências. Acontece que
o inaudito tornara-se realidade e todos estavam profundamente frustrados.
Informei os presentes sobre um telegrama que eu tinha mandado a Porto Alegre.
Combinei com eles que, no caso de não entrar a tempo uma contra ordem, todos se
pusessem na estrada, mas avançassem a passo de lesma e não se afastassem muito.
Já que muitos não tiveram tempo suficiente para resolver os negócios, foi-lhes
concedido uma prazo adicional de 48 horas, motivo de esperança que a contra
ordem entrasse nesse meio tempo.
Passou o domingo, 14 de fevereiro. Estávamos
sobre brasas. Nenhuma notícia! Eu estava desesperada. Repetiram a ameaça de me
prender caso me metesse de novo. Seguiu então a ordem: Para a estrada! Para
frente e ninguém mais poderia retornar. Apesar de tudo, munida com os
documentos americanos, cavalguei mais uma vez até Itapiranga. Várias pessoas
chamaram-me a atenção que não fosse tão afoita. De passagem parei na casa da
vovó. O que fazer? Vovó beijou-me a testa, traçou um sinal da cruz sobre a
minha fronte e disse: “Com certeza, deves ir, filha. Vê o que podes conseguir.
O teu anjo te acompanhe”. O conselho da vovó não poderia sido outro. Fiz o que
ela teria feito se estivesse em meu lugar. Cavalguei até a cidade para negociar
com a polícia, munida dos meus parcos conhecimentos da língua e com o telegrama
do sr. Englert na bolsa.
No meio do caminho dois comissários vieram
ao meu encontro. Vinham com a ordem para colocar imediatamente na estrada as
famílias Pölking e Custodies. Dona Neff e Schickling tiveram permissão para
ficar. Soube também que os alemães romenos e o povo da Linha Popi já estavam a
caminho, formando uma caravana de 11 carroças de bois. No arroio Santa Fé topei
com um comissário e dois soldados armados, que levavam a ordem de colocar à
força as duas famílias Hoffmann. Fique com nojo frente a tanta brutalidade.
Tentei falar com os soldados mas eles se afastaram dando risadas.
A situação tornou-se mortalmente séria.
Continuei a galope, primeiro até a agência do correio e mandei mais telegramas
a Porto Alegre: ”Expulsão à força!” O telegrafista Erasmo Mello, um brasileiro
de sentimentos nobres, mandou sem hesitar o meu telegrama. Seguindo instruções,
fora ele que endereçara a mim o telegrama que prometia ajuda. Lamentou a
situação e mostrou-se em todos os sentidos um homem correto e pronto para
ajudar. Do correio fui à delegacia par negociar mais um prazo. A resposta foi
que não me metesse no assunto. Na delegacia encontrei o Pe. Theodor Treis, que
acabar de retirar o seu salvo conduto para viajar. Segui-o até a casa paroquial
e pedi que viajasse imediatamente a Porto Alegre para levar informações pois, a
polícia ameaçava interromper o serviço telegráfico.
Naquela mesma noite o Pe. Treis, que já fora
denunciado e intimado, foi até nossa zona e levou cartas e notícias e no dia
seguinte de manhã cedo tratou de alcançar o chão do Rio Grande do Sul e esperar
por ocasião para viajar. Graças a Deus, ele e as notícias estavam garantidas e
seguiriam em boas mãos
15 de fevereiro. Sobre a ponte coberta
encontravam-se as carroças dos moradores de Popi, que se tinham abrigado de uma
tormenta. No dia anterior o Pe. Treis despedira-se do seu rebanho com lágrimas
nos olhos. Cavalguei de volta até em casa, depois que a polícia me negou todo e
qualquer entendimento. Com crescente angústia esperávamos por socorro e a
resposta não vinha .... A marcha para a morte iria começar ....
Obs. o que aconteceu depois já foi objeto da
primeira postagem sobre ação policial em Santa Catarina)