Archive for agosto 2022

Bicentenário da Imigração - 79

Cem anos depois.

Até aqui tentamos apontar a trajetória da inserção dos imigrantes alemães no todo da nacionalidade brasileira ou se preferirmos na “nova pátria”  durante os 100 primeiros anos. Depois da chegada da primeira leva tinham-se passado 115 anos quando começou a Segunda Guerra Mundial em 1º de setembro de 1939. Nesse meio tempo, fora implantado o Estado Novo por Getúlio Vargas, em 11 novembro de 1937. A Constituição então promulgada previa a imposição do “abrasileiramento” compulsório dos descendentes dos imigrantes de todas as procedências étnicas. Esse processo, na verdade, começou logo depois que a primeira leva de imigrantes desembarcou em solo brasileiro  e se repetiu cada vez que um novo contingente se vinha somar aos que já se encontravam aqui. Mas, sobre esse encontro com uma realidade geográfica e uma realidade sócio-cultural de todo estranha aos imigrantes, já foi objeto de análise nos scapítulos que antecederam. Em resumo, nos primeiros 100 anos o “abrasileiramento” obedeceu ao ritmo e às peculiaridades antropológica e historicamente esperáveis, tomando em consideração as circunsctâncias em que aconteceu. Foi mais lento do que, por ex, nos USA pois, lá os filhos dos imigrantes nascidos no país eram obrigados por lei a aprender a língua inglesa mesmo que falassem a língua materna em família e no relacionamento quotidiano com as demais pessoas. Aqui no Brasil não havia essa obrigação legal. Como a língua representa o instrumento mais determinante da preservação da tradição cultural, a não obrigatoriedade legal de aprender o português foi, evidentemente, um fator  importante para a preservação por mais tempo dos hábitos, costumes e valores. 

Mas, voltando à situação criada pelo Estado Novo e a consequente Campanha de Nacionalização, a situação dos descendentes dos imigrantes no que dizia respeito à integração nacional, sofreu um choque de proporções difíceis de dimensionar. Num golpe foi  proibido o uso da língua alemã não só em público como também em ambientes privados. Toda e qualquer publicação em língua estrangeira foi interditada e confiscadas aquelas que se encontravam em poder de pessoas, famílias, associações, clubes, igrejas, escolas e demais instituições. Nas missas e cultos religiosos, os sermões e homilias tinham que ser exclusivamente em português. E, para garantir a execução das determinações legais, a polícia foi mobilizada, até em comunidades remotas no inerior colonial, para garantir a observância das determinações. Chegou ao ponto de  entrar nas igrejas durante a missa para recolher os livros de reza de senhoras de idade e as que se recusavam a entregar o seus, ameaçadas de prisão. Casos foram registrados em que agentes a serviço da nacionalização foram flagrados em adegas de casas para surpreender as famílias falando alemão. 

O golpe mais devastador, porém, atingiu as em torno de 1500 escolas comunitárias, católicas  e protestantes espalhadas principalmente pelo Rio Grande do Sul e Santa Catarina. A língua de ensino na maioria delas continuava sendo o alemão e o ensino do português disciplina obrigatória a partir da terceira série. Eu pessoalmente, fui alfabetizado na escrita gótica e aprendi a ler nos célebres livros escolares da Editora Rotermund. Em dezembro de 1938 foi implantada a reforma escolar com a substituição compulsória do alemão pelo português como língua de ensino, o alfabeto gótico pelo latino, os livros didáticos tradicionais pelos novos fornecidos pela Secretaria da Educação. Os professores vindos da Alemanha foram exonerados e uma porcentagem elevada dos nativos abandonou a vocação. Como mais acima lembramos, na década de 1930, o “abrasileiramento” dos descendentes dos imigrantes caminhava, em linhas gerais, dentro do ritmo antropológico e historicamente esperado, isto é, num processo que leva gerações para ser concluído. Assemelha-se às etapas dos ciclos de vida de animais e plantas. Sucedem-se numa dinâmica que requer períodos mínimos para preparar a passagem do que deve vir depois. Uma metáfora trival para ilustrar do que estamos falando pode ser um pé de milho. A formação e o amadurecimento da espiga demanda necessariamente um espaço de tempo mínmo durante o qual se consolidam sucessivamente as diversas etapas que culminam na formação da espiga, a fecundação, o desenvolvimento dos grãos e seu posterior amadurecimento. Não há como acelerar essa dinâmica sob pena de comprometer o todo, ou simplesmente inviabilizar a sua continuidade. Não há dúvida de que estamos falando de realidades análogas que exigem as devidas reservas na sua aplicação. Mas, de qualquer forma dão uma ideia do que pretendemos ilustar. Com a nacionalização das escolas, com a proibição das línguas que não fossem o português, com a proibição da circulação de jornais, revistas, almanaques, livros e outros meios a realimentação dos valores identidários foi seriamente prejudicada. Com o transtorno causado pela intervenção nas escolas as crianças que concluíram os quatro anos obrigatórios entre 1938 e 1950 e não continuaram os estudos, formaram uma geração de semianalfabetos. O nível cultural das comunidades do interior colonial sofreu um baque difícil de avaliar. Perdeu-se o hábito da leitura por causa da falta do que ler. O alemão estava poibido e o aprendizado precário do português somado a ausência da circulação de publicações nesse idioma, resultou numa geração que mal sabia escrever o nome ou ler e fazer cálculos os mais elementares. 

A esse lamentável choque cultural vieram somar-se as mudanças mundiais profundas resultados da Guerra que recém terminara. Não é aqui  o lugar para uma análise mais profunda do novo quadro geopolítico, geoeconômico, geoestratégico e outras novidades que desenharam o perfil do mundo a partir de 1945. O nosso interesse centra-se no rumo e na celeridade que impulsionou a inserção na nacionalidade brasileira os descendentes dos imigrantes alemães, agora já na quarta, quinta geração. Entre os muitos fatores destacamos aqueles que foram de maior importância. Com a queda do Estado Novo, a deposição de Vargas e a redemocratização do País, os decretos, as leis que proibiram a circulação de livros, jornais, revistas almanaques e outros impressos, foram abolidas. As atividades associativas de natureza cultural, artística, recreativa e destinadas ao lazer puderam ser reativadas e novas foram criadas. Na sua grande maioria deixaram para trás o caráter étnico  adotando a língua portuguesa, sem abandonar  a alemã, e com isso abriram as portas dos quadros dos associados aos luso-brasileiros e demais etnias. Destacaram-se nessse processo, por ex., a Sociedade de Ginástica de Porto Alegre (SOGIPA), a Sociedade Leopoldina, a Germânia e outras em Porto Alegre, a Sociedade Orpfeu de São Leopoldo e dezenas de outras sociedades e clubes espalhadas pelo sul do Brasil, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo e, em menor número, nos demais estados. Entre as novas fundadas depois da Guerra destacou-se a “Federação Cultural Alemã do Brasil” – “FECAB” em Porto Alegre, com o objetivo  do cultivo da Cultura Alemã no Brasil com o mesmo feitio institucional das demais. O convívio e a participação nas atividades esportivas, culturais, artísticas, de lazer e outras, de associados de procedências étnicas variadas, a língua alemã foi perdendo espaço para o português e o intercâmbio de costumes, hábitos, valores, cosmovisões, etc., fez dessas organizações  um importante fator de integração. Até meados do século passado o Brasil figurava entre os países eminentemente rurais. Essa situação foi-se invertendo, ao meu ver, por duas razões básicas: a oferta de empregos dos excedentes da população rural nas mais diversas oportunidades oferecidas pelo rápido crescimento urbano, e paralelamente, o esgotamento das áreas disponíveis para novas fronteiras da tradicional  colonização em pequenas propriedades familiares, no centro oeste de Santa catarina e Paraná. A esses fatores somaram-se outros mais intimamente ligados como causas ou efeitos, ao movimento rural-urbano. As iniciativas para recuperar a escola étnica e confessional não lograram  sensibilizar senão apenas alguns líderes religiosos e comunitários. Todas elas terminaram sob a jurisdição dos municípios e sob a tutela e fiscalização da proposta curricular e pedagógica orientada pelas secretarias estaduais de educação afinadas com as diretrizes do Ministério da Educação. A escola comunitária foi vitimada pelos decretos de nacionalização do  ensino de dezembro de 1938 e varrida das comunidades do interior rural. E é preciso admitir, com a conivência, senão aberto apoio, da maioria dos líderes religiosos, somada ao fato de que a maioria dos colonos apoiavam a situação que os livrava do compromisso com o salário do professor e a manutenção das escolas. Daí para frente  esse ônus coube às prefeituras. Professores e professoras contratadas pelo município desempenhavam sua função evivdentemente valdendo-se do português como língua de ensino. Essa situação fez com que gradativamente  a nova geração fosse servir-se dela, paralelamente com os dialetos  tradicionais que por um bom número de anos continuaram como a língua no diário das famílias e comunidades. Na medida em que as gerações nascidas na primeira metade do século XX, não falando ou falando mal o português, foram saindo de cena, diminui proporcionalmente o número de pessoas que somente falavam e entendiam o alemão e os diversos dialetos praticados no sul  do País. Hoje são raras as pessoas mesmo de idade que, não entendem o português dos netos ou bisnetos que já não falam nem entendem o alemão. 

A popularização do rádio e mais tarde da televisão fez com que os colonos das comunidades mais remotas e isoladas entrassem em contato com o mundo do qual, até então, tinham uma noção vaga, se é que tinham alguma. Seus olhos e mentes transpuseram o topo dos morros que delimitavam seu mundo comunal e tiveram acesso aos acontecimentos que movimentavam a história regional, nacional e internacional. É desnecessário lembrar que a abertura das janelas para o mundo impactou nas picadas do interior colonial com seus valores, hábitos, costumes, virtudes e vícios, até então estranhos para aqueles colonos pacatos e normalmente cultivando um modelo de vida sóbrio e austero. Sem alarde e silenciosamente esse grande mundo foi sendo incorporado no seu quotidiano do que oferecia de bom, de discutível e até de deplorável. Não demorou para que a avalanche das tecnologias de comunicação turbinadas pela revolução eletrônica derrubassem do que sobrara das barrreiras que separavam o rural do urbano quanto ao acessso em tempo real, às informações e acontecimentos de qualquer parte do mundo. 

Como se pode perceber, a partir do final da Segunda Guerra Mundial os tempos mudaram radicalmente afetando em cheio o personagem humano moldado pela pequena propriedade familiar com sua produção direcionada, antes de mais nada, para suprir as demandas da família. A última fronteira de colonização ao modelo consagrado pelos imigrantes alemães, italianos, poloneses e de outras procedências  da Europa, encerrou-se com a ocupação das terras ainda disponíveis no oeste do Paraná. Paralelamente à industrialização tomou fôlego e multiplicou e diversificou as oportunidades e opções de trabalho nos centros urbanos para os excedentes das famílias ainda numerosas no interior colonial. Os meios de comunicação com o acesso ao rádio primeiro e da televisão um pouco mais tarde, impulsionados pela eletrificação também do meio rural, resultaram em dois efeitos complementares. Em primeiro lugar, o agricultor entrou em contato com o que acontecia além das  fronteiras que delimitavam sua comunidade e tomou conhecimento dos avanços da industrialização, da disponibilidade de tecnologias em constante aperfeiçoamento e, de modo especial das oportunidades de trabalho. Aconteceu com isso uma profunda transformação na percepção do mundo pelo agricultor. Costumes, hábitos, valores, todo um estilo de vida de “colono” transformou a cosmovisão dessa gente e moldou-a de acordo com o figurino urbano. Assistimos a uma autêntica urbanização das mentes. As famílias numerosas de 10 ou mais filhos foram dando lugar a casais com dois ou três filhos no máximo. Em segundo lugar, a oferta de oportunidades de trabalho desencadearam uma crescente onda migratória do meio rural para o centros urbanos. Em poucas décadas inverteu-se  a situação do  Brasil de um país predominantemente rural para um país em urbanização acelerada.  Hoje as tecnologias de comunicação permitem aos agricultores conectarem-se com o mundo todo até nos intervalos dos trabalhos na lavoura. Aos filhos dos colonos ofereceram-se mais e mais oportunidadess e facilidades para se formarem no ensino médio e terem acesso ao superior. Com os respectivos certificados e diplomas na mão, o leque de oportunidades de trabalho se multiplicaram absorvendo uma porcentagem importante da mão de obra disponível no meio rural. Inúmeros filhos e filhas de agricultores encontraram trabalho na construção civil, no setor de serviços, no exercício de profissões liberais, no comércio, nas indústrias, no funcionalismo público, nas forças armadas e por aí vai. O processo de urbanização daí resultante exigiu e continua exigindo empenho crescente das administrações públicas responsáveis, no limite de suas competências,  no disciplinamento da formação de sempre novos bairros periféricos. São fundamentais nesse esforço políticas, ações e estratégias centradas no saneamento básico, abastecimento de água potável, mobilidade urbana, escolas e educação, saúde pública e, sobretudo, o acesso aos produtos que formam o complexo de uma alimentação qualitativa e quantitativamente adequada. 

O “trabalho” é um dos pressupostos para a realização integral das pessoas, do “humano no homem” – “die Menschlichkeit”.  É importante refletir sobre essa questão não apenas de forma teórica e abstrata, mas inserida num contexto regional concreto, por ex., o vale do rio dos Sinos, do Cai, do Taquari e outros. Requerem-se propostas tecnicamente elaboradas por equipes devidamente credenciadas e habilitadas para tanto. Depois de nos demorarmos em mostrar a dinâmica da urbanização  impulsionada pela industrialização e seus reflexos sobre a infraestrutura, sobre a revolução social, cultural, econômica, etc., inerente ao próprio fenômeno da passagem da cosmovisão rural para a urbana, um outro complexo de potencialidades da região, chama a atenção. A geomorfologia  dos curso médio e superior do Sinos como dos demais rios que terminam no Guaíba, não permitem monoculturas ao modelo do grande agro negócio. As florestas originais que cobriam as várzeas dos rios e arroios e subiam até as bordas dos Campos de Cima da Serra, deram lugar à pequena propriedade familiar, em torno de 70 hectares no começo. A produção diversificada destinava-se, em primeiro lugar, para o sustento da família. Passados  200 anos depois do desembarque dos primeiros imigrantes, os lotes coloniais foram sucessivamente  repartidos para 10 ou menos hectares. A agricultura familiar e a criação de animais domésticos caminha para a extinção. Em outra ocasião, mais acima, já nos referimos aos efeitos dessa mudança. Nas encostas dos morros onde há 70 anos as roças de milho, feijão, batata, mandioca subiam até onde era possível a prática da agricultura de enxada, foram substituídas e  estão sendo tomadas por uma floresta secundária parecida à original ou reflorestadas com acácia e/ou eucalipto. Por estranho que possa parecer nesse cenário    que vai tomando conta do espaço da  agricultura familiar abrem-se perspectivas para implantar um modelo de produção que encontra na expansão urbana um potencial de consumo em contínuo crescimento. Vai nessa perspectiva que  aponta para a solução tanto da produção de alimentos quanto da abertura de postos de trabalho para os que se sentem atraídos por um estilo de vida e, ao mesmo tempo, por uma realização profissional e pessoal fora da rotina e das opções que oferecem os centros urbanos. Isso vale tanto para os filhos dos agricultores, mesmo que concluam o primeiro ou segundo grau, quanto para àqueles jovens que conquistam títulos universitários. Aliás são mais do que louváveis as escolas de agronomia, veterinária, engenharia florestal e outras que oferecem em seus currículos opções para os alunos se especializarem para atuar e assim melhorar os resultados nesse setor de vital importância para cobrir as demandas do quotidiano dos centros urbanos.

Essas obsersvações aplicam-se por ex., às condições geomorfológicas, geográficas, demográficas, econômicas e demandas de abastecimento em geral, aos  vales dos rios que convergem para a capital e terminam no Guaíba, com acabamos de lembrar. Vale a pena comentar algumas das sugestões mais relevantes deixadas pela equipe de técnicos responsável pelo projeto de “Valorização do Vale do Rio dos Sinos”. O lugar da tradicional policultura de subsistência pode ser perfeitamente preenchido com a produção de hortaliças e legumes para suprir a demanda em franco crescimento com a expansão urbana. Para tanto há áreas disponíveis com solos adequados em toda a extensão do vale. A configuração topográfica, tipo de solos e variação climática permitem o desenvolvimento da fruticultura de todas as espécies, menos as eminentemente tropicais, sempre bem vindos para o consume local e regional. Nos espaços planos e nas meias encostas os cítricos, pêssegos, figos, uvas de mesa, abacate e outras variedades subtropicais, encontram condições propícias para render bons dividendos para quem os cultivar. Mais para o alto, de 500 metros ou mais podem ser cultivadas peras, maçãs, ameixas, marmelos e outros que exigem temperaturas mais baixas por um bom período do ano. Todas essas áreas oferecem condições favoráveis para pastagens e criação de gado leiteiro. Mas há um outro setor de não pouca importância. Falamos do reflorestamento com espécies de uso diário como acácia e  eucalipto para lenha e tanino a primeira e madeira para a construção e lenha a segunda. Todas essas atividades, praticadas com o uso das modernas tecnologias de manejo oferecem um potencial difícil de dimensionar de mão obra e, portanto, perspectivas de trabalho saudável e retorno garantido para quem se interessar, independente do nível de formação escolar ou acadêmica. A posse do conhecimento teórico e prático da realidade agrária e o emprego da tecnologia abre espaço para técnicos e técnicas formadas em escolas de nível médio e agrônomos e agrônomas, veterinários e veterinárias, portadores de diploma universitário. A combinação do trinômio trabalho-produção-abastecimento com o trinômio natureza-preservação-cultivo temos em mãos o pressuposto para fazer do vale do Sinos e de muitos outros  ecossistemas humanizados altamente produtivos, ecologicamente equilibrados, esteticamente belos.  “Deus colocou o ser humano no jardim recém-criado, não só para cuidar e guardar o existente, como também para trabalhar nele e cultivá-lo afim de que produza frutos”, observou o Papa Francisco na “Encíclica Laudatdo si”.

Bicentenário da Imigração - 78

A Trajetória da Integração

Os primeiros 100 anos    
Quando me pus a refletir qual seria um tema digno e pertinente para uma ocasião de tanta relevância, isto é o segundo centenário da imigração alemã, vieram-me à lembrança dois momentos decisivos que marcaram a história dos descendentes dos imigrantes alemães no Rio Grande do Sul, dois momentos decisivos em que os teuto-brasileiros foram postas frente a desafios de grandes proporções. Foram obrigados a refletir seriamente sobre o lugar que lhes cabia ocupar na sociedade nacional brasileira. Falo da Primeira Guerra Mundial – 1914-1918 e da Segunda Guerra Mundial – 1939-1945. Nas duas a Alemanha acabou  derrotada, física e moralmente destroçada, economicamente arruinada, socialmente desorganizada e execrada pela opinião pública mundial. O reflexo mais visível dessa situação sobre os descendentes de alemães e, de modo especial, no sul do Brasil, foi a desconfiança e a aberta hostilidade em relação a eles da parte dos demais segmentos étnicos, especialmente dos luso-brasileiros, somado a um profundo golpe na auto-estima.

No contexto dessas duas situações surgiram iniciativas em meio ao grupo teuto-brasileiro do Rio Grande do Sul, com a finalidade comum de recuperar a auto-estima em baixa, mostrar aos concidadãos de outras procedências étnicas, que os descendentes dos imigrantes alemães tem sido elementos úteis no todo da nacionalidade e, que a fidelidade à língua e às tradições em nada comprometia o seu patriotismo. Pelo contrário constituía-se num pressuposto para exercê-lo na sua plenitude. 

Depois da Primeira Guerra Mundial a iniciativa mais importante neste sentido foi da monumental obra organizada e, na sua maior parte  redigida pelo Pe. Theodor Amstad: “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, publicada por ocasião do primeiro centenário da imigração alemã em 1924, pelo “Verband Deutscher Vereine” – “Federação das Associações alemãs”. A versão traduzida para o portugês por mim dessa obra foi publicada em 1999 pela Editora Unisinos.

Terminada a Segunda Guerra Mundial, com a Alemanha novamente derrotada, destruída e arruinada, o Pe. Balduino Rambo, o Pe. Henrique Pauquet, junto com pastores protestantes, num esforço solidário interconfessional, criaram o “Comitê de Socorro à Europa Faminta” – a “SEF”, com a finalidade de arrecadar alimentos não perecíveis, roupas, agasalhos e valores em dinheiro, para socorrer os  alemães na sua extrema miséria. Reerguida a Alemanha, os mesmos idealizadores da SEF, reuniram-se no dia 25 de julho de 1951, para fundar o “Centro Cultural 25 de Julho” tendo como objetivo “a prática da língua alemã e a contribuição para a preservação e aprimoramento do seus conhecimentos de literatura, técnica profissional e ciências, etc., sem prejuízo do idioma nacional e difundir entre aqueles sócios que não conhecem ou conhecem pouco, de acordo com o critério no “Centro Cultural 25 de Julho”. Por meio do canto  e de outras atividades culturais o “25 de Julho”, transformou-se nos últimos 70 anos num dos grandes responsáveis pela preservação da identidade dos descendentes dos imigrantes de até oitava geração e responsável também pelo sadio orgulho que sentem pelo que foram e pelo que são. As realizações do “25 de Julho”, por serem mais recentes, estão na memória da maioria dos interessados no assunto. Por essa razão vou concentrar-me prioritariamente na situação criada pela Primeira Guerra Mundial, retratadas nas linhas e nas entrelinhas do “Hundert Jahre Deutschtum in Rio Grande do Sul – 1824-1924”.

Coube ao Pe. Amstad organizar e redigir a maior parte do testo desta monumental  publicação oficial em comemoração ao centenário da imigração alemã no Rio Grande do sul. A obra foi encomendada pelo “Verband Deutscher Vereine” e publicada  pela Typographia do Centro em 1924. Trata-se, a meu juízo,  de uma das obras de leitura básica obrigatória para qualquer um que queira familiarizar-se com a história da imigração alemã no Sul do Brasil. Na apresentação aparece um detalhe até certo ponto estranho. Não consta o nome do Pe. Amstad como autor. Sabe-se, entretanto, que foi ele seu organizador e o responsável por mais de oitenta por cento do texto. O restante do texto é da autoria do jornalista Arno Phillipp.

O motivo declarado da obra foi obviamente a comemoração do primeiro centenário da imigração alemã. Mas a começar pela escolha do próprio titulo, sugerem-se  considerações que  extrapolam o sentido comemorativo. Convém lembrar que a data, 1924, coincidiu com um complexo de fatos históricos, sociais, políticos, econômicos e religiosos que se refletem, direta e indiretamente, nas páginas da obra e, de modo especial, no discurso escolhido pelo autor.

A primeira guerra mundial, 1914-1918, obrigara os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil e, especificamente no Rio Grande do Sul, a uma série de reflexões. A aliança do Brasil com os aliados  em guerra contra a Alemanha, fez subir à tona algumas  questões, até então latentes, assumindo proporções que a atmosfera dos grandes conflitos costuma exagerar ao extremo. Na época viviam ainda muitos imigrantes diretamente vindos da Alemanha. Mas a média da população teuta era formada pelos descendentes de primeira, segunda, terceira e até quarta geração. É mais do que compreensível que numa situação dessas a atenção das autoridades e do segmento luso-brasileiro se voltasse com atenção especial para as comunidades de descendência alemã. Os noticiários nacionais e internacionais carregavam  cada vez mais as cores contra a Alemanha e os alemães, terminando por pô-los sob suspeita e confiná-los num incômodo e doloroso isolamento. Passou-se a suspeitar  da autenticidade, da sinceridade e da lealdade das suas intenções como cidadãos. Foram tratados como cidadãos de segunda categoria e vistos como traidores em potencial. Toda essa situação foi alimentada por uma série de fatores que até então haviam causado pouca ou nenhuma preocupação para as autoridades e a opinião pública do País. Entre eles sobressaem alguns com significado especial.

Os descendentes dos imigrantes alemães concentravam-se em regiões exclusivas ou quase exclusivas. Destacavam-se na paisagem do Rio Grande do Sul e Santa Catarina pela sólida organização comunitária, pela laboriosidade, pelo apego às tradições, pela língua, pela alta escolaridade, pelo progresso econômico, pela intensa vida associativa. Davam assim a falsa impressão para muitos  de um enclave étnico renitente à assimilação no todo da nacionalidade brasileira. Entre os que assim pensavam contam-se intelectuais e escritores de renome  como  Moisés Velhino e Darcy Ribeiro. Recomnendo a leitura de “A Capitania d’El-Rei”, do  primeiro e “Os Brasileiros” do segundo. Para muitos essa impressão foi reforçada pelas próprias características físicas desses brasileiros de pele, cabelos  e olhos claros e estatura acima da média nacional. Além disso permaneciam firmemente agarrados  aos valores dos antepassados. Entre todos esses elementos um os estigmatizou de maneira toda especial. Exibiam um alto nível de alfabetização, mais de 90%, quando a média nacional não passava dos 30% a 40%. A resposta estava nas escolas criadas, administradas e controladas pelas comunidades, não só no que dizia respeito ao aspecto gerencial, como também  e, principalmente, quanto ao currículo, à filosofia pedagógica, aos métodos didáticos praticados e aos próprios professores. Acontece que nessas escolas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português constava apenas como matéria curricular. O resultado final deste estado de coisas não podia ser outro. Uma população toda alfabetizada, gozando de um nível cultural significativo, em condições, portanto, de assumir um posicionamento político consciente, fiel às tradições, falando alemão  na família e no relacionamento quotidiano nas comunidades, preocupava os nacionalistas.

Não é de se admirar que essa situação que, até 1914, costumava ser vista com certa estranheza pelos luso-brasileiros, mas tolerada e até aceita como normal, com o evoluir da guerra, assumisse  conotações bem diferentes. Para a tradição luso-brasileira ficava difícil acreditar que essa gente cultivando costumes germânicos, falando mal ou nem sequer falando português, numa situação de guerra contra a sua terra de origem, fosse capaz de colocar a obrigação como cidadãos brasileiros acima de qualquer outro valor. 

As conseqüências não se fizeram esperar. A imprensa em língua alemã foi proibida, clubes e associações fechados e proibida a língua alemã nas escolas. Essas providências sinalizavam aos teuto-brasileiros que, de então para o futuro, as circunstâncias da guerra os levaria a refletir com muita seriedade sobre a compatibilidade de sua condição de cidadãos brasileiros e a preservação da língua e as tradições da sua herança cultural. Os fatos estavam a mostrar-lhes  que o ritmo da inserção definitiva e integral na comunidade nacional, também no que se referia ao aspecto cultural, deveria ser acelerado. Aliás essa sensação motivou na época a tomada de decisões de não poucas lideranças do meio teuto. 

A reação do mundo teuto-brasileiros ao clima hostil em que vivia não foi  uniforme. Lideres das mais diversas procedências partiram para iniciativas com a finalidade de  ir ao encontro do novo panorama que se esboçava. O arcebispo de Porto Alegre, D. João Becker tomou a frente. Apesar de alemão nato impôs aos padres sob sua jurisdição proferirem os sermões em língua portuguesa e as escolas comunitárias a adotá-la como língua de ensino. Considerando a autoridade inconteste na época da autoridade eclesiástica, pode-se imaginar facilmente o impacto que essa determinação causou nas comunidades teuto católicas. A reação do mundo teuto-brasileiro não foi uniforme e assumiu proporções diferentes nas diversas situações. Assim, por ex., a Sociedade Orfeu de São Leopoldo modificou os estatutos alinhando a instituição com os rumos nacionalizadores em curso. Os professores das escolas comunitárias em suas assembléias começaram  uma reflexão insistente sobre os rumos que lhes cabia imprimir à educação das novas gerações a fim de prepará-las  para enfrentar a nova realidade. Reinava a convicção generalizada de que estava chegando ao  final a fase em que os imigrantes e seus descendentes foram deixados em paz nas suas linhas e picadas. Raras vezes alguém lhes punha sob suspeita a sinceridade da sua cidadania, pelo fato de não falarem ou falarem mal o português e se manterem fiéis às tradições. As evidências sinalizavam para um novo capítulo da dinâmica da inserção na comunidade nacional, marcado por prenúncios de grandes turbulências e sérios conflitos com o segmento luso-brasileiro na definição dos rumos do futuro do País. 

Entretanto a guerra terminara com a derrota da Alemanha. Para os teuto-brasileiros orgulhosos da sua origem  e ascendência, este desfecho significou uma imensa frustração. A humilhação da Alemanha somada  à atmosfera de desconfiança e hostilidade em que viviam como cidadãos brasileiros, derrubou-lhes a auto-estima  até um nível critico. Tornara-se urgente que uma iniciativa fosse tomada no sentido de devolver-lhes o orgulho sadio pelo que  eram e pelo que realizavam de útil em favor da região e do País. Essa preocupação perpassa  as seiscentas e cinquenta páginas do “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”. No prefácio da obra o Pe. Amstad expressou claramente esta preocupação. 

“Cem anos de germanidade no Rio Grande do Sul” é o titulo da presente obra comemorativa. Isto significa ao mesmo tempo o fecho da obra realizada aqui pelos alemães, a obra cultural da germanidade na qual colaboraram diversos segmentos. Sem diferença de religião  e de concepções políticas, foram reunidas as pedras para a edificação da obra comum. A todos que colaboraram, um obrigado do fundo do coração! A recompensa  consiste na certeza de terem contribuído para a recuperação da honra da terra dos antepassados, no momento em que ela geme mergulhada na humilhação e na escravidão. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 9)

As comemorações  do primeiro centenário da imigração alemã no Rio Grande do Sul tiveram, além dos “Cem Anos de Germanidade”, outro momento de afirmação da germanidade. Em São Leopoldo e em Novo Hamburgo foram inaugurados monumentos alusivos ao acontecimento, ao mesmo tempo em que era institucionalizado o “Dia do Colono” fixado para o dia 25 de julho. Todos esses esforços para chamar à consciência o orgulho da germanidade, não tardaria em colidir frontalmente contra:

 O modernismo que desde 1917 iniciara a sua caminhada influenciando as artes e posteriormente a política. Nele se faziam presentes traços nitidamente nacionalistas que rompiam com o romantismo, o parnasianismo e o realismo. Negando ideais e idéias  européias, buscava a independência intelectual do Brasil. Acentuava a política de defesa  do “espírito nacional”, cultivando as tradições  do País e sublinhando o português como língua nacional. Toda essa movimentação queria “abrasileirar o Brasil”. O conceito chave para a época passa ser  “brasilidade”. (Cem Anos de Germanidade, 1999, p. 8)

Esse novo rumo teve a sua expressão mais visível na “Semana de Arte Moderna” realizada em São Paulo em 1922, culminando 15 anos mais tarde na Campanha de Nacionalização. O Estado Novo, instalado em 1937, consagraria definitivamente o estado nacional centralizado, acompanhado de evidentes motivações, características e estratégias nacionalistas. Mesmo para o observador menos avisado não passava despercebido  que a heterogeneidade étnica, cultural e lingüística, dificilmente continuariam a ser tolerados. Não restava dúvida de que as autoridades responsáveis pela nova ordem, se valeriam de todos os meios legais e coercitivos para diminuir e, se possível, apagar as diferenças. O prenúncio fez-se realidade logo depois da implantação do Estado Novo. Leis, decretos, portarias, ordens de serviço, etc. escudados pela ação policial, na maioria dos casos draconiana, puseram em marcha um conjunto de instrumentos, com o objetivo de “abrasileirar”, de uma vez por todas, as dezenas de grupos e identidades étnicas, assim chamadas “alienígenas”, estabelecidas dentro das fronteiras nacionais. Na mira estavam em primeiro lugar as escolas étnicas, sobretudo as comunitárias  nas regiões de colonização alemã. Na maioria delas o alemão continuava sendo a língua de ensino e o português figurava apenas como disciplina curricular obrigatória. Em não poucas escolas o aprendizado da língua nacional ou da “língua” como os descendentes de alemães costumavam chamar o Português, encontrava uma série de dificuldades que, na prática, terminavam por torna-lo inócuo. Entre as razões merecem citação: o deficiente preparo de muitos professores para ensiná-lo corretamente e a falta de estímulo para praticar a língua no dia  a dia das pessoas. A comunicação em família e no convívio comunitário continuava sendo quase que exclusivamente nos dialetos herdados dos antepassados. O pouco que fora aprendido na escola cairia no esquecimento com o termino dos quatro anos obrigatórios de freqüência escolar. Considerando essa realidade pode-se afirmar  que nas  comunidades teutas dos estados do Sul do Brasil, a língua aprendida na família, a língua do quotidiano das comunidades, era o dialeto, com uma larga predominância do “Hunsrückisch”, acompanhado das inevitáveis adaptações  impostas pelo meio geográfico e sócio-cultural dos estados do sul. 

“Cem Anos de Germanidade” reflete obviamente também essa realidade. Esforça-se por mostrar aos brasileiros de todas as origens étnicas e principalmente aos luso-brasileiros a contribuição alemã em todos os segmentos da atividade humana, para desfazer qualquer dúvida a respeito da sinceridade do comprometimento dos alemães para com o progresso do País. Não se tratava de uma minoria irredenta, um quisto ou um enclave étnico  como o classificou Darcy Ribeiro, mas brasileiros que empenhavam todas as suas energias e potencialidades em favor da terra em que haviam nascido. Queremos deixar claro que na intenção e na atitude de há muito estavam definitivamente “abrasileirados”. O que faltava  viria ao natural no espaço de algumas  gerações, bastava confiar  a dinâmica do processo à lógica da História. Mas, como se constatou 15 anos mais tarde, exatamente no ano do falecimento do Pe. Amstad, o “abrasileiramento” espontâneo foi atropelado pela política de nacionalização do Estado Novo. 

O conteúdo da obra somado ao discurso escolhido revelam a grande preocupação do seu autor e organizador, que deve ser entendido no macro-contexto acima esboçado.

Resumindo as considerações sobre “Cem Anos de Germanidade no Rio Grande do Sul”, o leitor tem em mãos uma obra, ou melhor, a obra mais completa sobre a contribuição no Rio Grande do Sul, nos primeiros 100 anos. Para complementar os objetivos acima apontados, a obra brinda o leitor com dados estatísticos que dificilmente poderão ser encontrados em outra obra do gênero. Os 20 anexos  no final da obra valorizam-na em muito, além de sinalizar para pesquisas de dimensões inéditas na história da imigração alemã no estado do Rio Grande do Sul. Com  o “Cem Anos de Germanidade” o Pe. Amstad e demais responsáveis pela obra, legaram à posteridade um magnífico resumo da história política, econômica, social, educacional, religiosa, cultural, do século dezenove e das duas primeiras décadas do século vinte.

E para encerrar permito-me repetir que as palavras finais do prefácio do “Cem Anos de Germanidade” escritas em 1924, continuam atuais e ainda hoje válidos, 100 anos depois e expressam muito bem os sentimentos e as convicções da diretoria e dos associados do “25 de Julho” e dos admiradores da cultura alemã, na data do jubileu de ouro deste benemérito Centro Cultural. 

Parte pois, “Mensageiro do Centenário” do trabalho e das obras alemãs! Leva  antes de mais nada a todos os lares dos colonos a notícia daquilo que os nossos  antepassados realizaram. Acende  nos netos o fogo sagrado da emulação, para que um dia também os seus nomes se perpetuem em obras que enobrecem! Entra também nos majestosos   palácios das cidades, onde quer que more um alemão pois, de mãos dadas, colônia e cidade realizaram a grande obra cultural do século

“Mensageiro do Centenário”, pede discretamente  licença para adentrar também nas moradias dos nossos concidadãos de outras nacionalidades! Não poucos, com certeza, irão reconhecer, sem inveja, os nossos méritos e alegrar-se conosco por aquilo que o empenho e a tenacidade alemãs realizaram no Rio Grande do Sul. “Mensageiro do Centenário”, cruza também os mares do mundo e leva para a velha pátria notícias do trabalho e das aspirações alemãs no distante Brasil. Mostra aos nossos compatriotas de lá, por palavras e imagens, que permanecemos fieis à índole alemã, permanecemos fieis aos bons ensinamentos, aos bons costumes que nossos pais trouxeram da velha pátria e nos transmitiram como o mais precioso dos legados. (cf. Cem anos de gramdnidade, 2005, p. 9-10);

A Missão dos Jesuítas Alemães no Rio Grande do Sul


Autor do original alemão - Pe. Ambros Schupp

Tradutor e Editor – Arthur Bl. Rambo

Editora Unisinos – 2004



Ofereço ao público interessado mais uma obra clássica pouco conhecida que se ocupa com a imigração alemã no sul do Brasil. Falo do livro que nos deixou o padre jesuíta Ambros Schupp– 1840-1914. Ele faz parte de uma elite intelectual da Ordem expulsa da Alemanha pelo Kulturkamph e foi destinado pelos superiores para atuar na missão do sul do Brasil. Com seus coirmãos de ordem Carl Teschauer e Johannes Hafkemeyer conquistou nome reconhecido como historiadores importantes dentro e fora da Ordem. Como apresentação da sua obra mais importante “A Missão dos Jesuítas alemães no Rio Grande do Sul” – no original “Die Mission der deutschen Jesuiten in Rio Grande do Sul”, pretendo homenagear, como manda a justiça, mais um dos grandes nomes que integram a “velha guarda” desses religiosos que deram tudo de si ou na pastoral, ou na educação, ou em projetos sociais, ou nas ciências naturais ou, no caso específico, na História. A fim de oferecer aos interessados um resumo do conteúdo dessa obra, recorro a apresentação da obra do punho do próprio Schupp.

Passaram-se quase quarenta anos desde que os jesuítas alemães foram expulsos do cenário de trabalho de sua pátria e mandados para o exílio. Durante este espaço de tempo, porém,  ociosos não permaneceram. Também na dispersão procuraram tornar-se úteis à humanidade, onde quer que estivessem, difundindo os princípios da cosmovisão cristã. 

No Rio Grande do Sul não foi diferente. Aqui encontravam-se jesuítas alemães desde o ano de 1849, mas em número altamente insuficiente, empenhados no melhor dos esforços em favor dos seus conterrâneos  que viviam no mais extremo abandono religioso. É verdade que novos reforços eram enviados constantemente. Mas também estes não eram suficiente para dar conta das crescentes necessidades, enquanto seus parceiros de trabalho ameaçavam sucumbir aos esforços da missão. Esta situação prolongou-se até que expulsão da Alemanha colocou à disposição um maior contingente de obreiros.

Desde então muita coisa aconteceu da parte  dos padres jesuítas, para o bem-estar espiritual e corporal dos seus conterrâneos no Rio Grande do Sul. Muita coisa chegou ao conhecimento público por meio da revista “Katholische Missionen”, por meio de outras publicações, por meio de revistas e artigos isolados. Acalentava-se o  desejo de oferecer também uma visão de conjunto da atuação dos missionários. A presente obra tem o objetivo de ir ao encontro desse desejo. Divide-se em três partes. A primeira abrange a história do desenvolvimento dos assentamentos dos alemães e da Missão; a segunda parte aborda o trabalho e os esforços dos padres pelo bem-estar, em primeiro lugar, dos colonos de descendência alemã; a terceira aprte aponta os elementos que em parte obstaculizaram e em parte dificultaram a sua ação.

O fato de termos  escolhido exatamente o momento atual.  para redigir o nosso trabalho explica-se pela proximidade do centenário da comemoração  da restauração da Companhia de Jesus por Pio VII (no dia 7 de setembro de 1914. Para essas comemorações também outras regiões missionárias estão preparando contribuições históricas similares.

Entregando assim ao público este livro, não queremos silenciar duas preocupações que nos acompanharam durante toda a redação. A primeira diz respeito ao círculo de leitores. O livro foi escrito para leitores do lado de cá e de lá do oceano. Portanto o círculo de leitores compõe-se supostamente de elementos com interesses muito diferentes entre si. Os leitores de cá esperavam provavelmente encontrar detalhes aos quais atribuem importância especial, referentes às pessoa ou ao local onde moram, que para um europeu, porém, nada significam, e por isso não foram mencionados. Da mesma forma leitores europeus encontrarão muita coisa que lhes parece supérflua, o que entretanto não pode passar em silêncio em considerações aos leitores daqui. Empenhamo-nos no sentido de tomar em consideração os interesses de uns a tal ponto  de não perder o ponto de vista dos outros. Esperamos, enquanto  isto é possível, ter feito justiça a uns e a outros.

O segundo aspecto diz respeito à terceira parte da nossa obra, que se ocupa com os elementos que foram hostis à atividade  dos padres, devido ao caráter de uma visão global, não puderam ser passados em silêncio. Nossa intenção nesta parte objetivou, por isso, deixar falar a verdade objetiva, deixando de lado o que polêmico. Por essa razão fundamentamos, na medida do possível, as nossas considerações e argumentos históricos. Pelo fato de esses documentos na sua grande maioria testemunharem a favor dos padres, espero que sua apresentação não motive qualquer tipo de  censura contra ad nossa pessoa. Se de uma parte mostrarem, por vezes, menos favoráveis a outros, certamente não é nossa intenção ofender. Temos a convicção, de outra parte, que por causa disso não devem ser silenciados. Que fale a verdade, é o que nos importa antes de mais  nada.

Para  a maior facilidade de compreensão aos leitores, acrescentamos ao fim do texto uma rica coleção de ilustrações. Esperamos que contribuam não pouco para uma correta visão das condições que reinam na colônia. Que esta obra modesta e pequena não só contribua  para entreter as pessoas, mas também despertar nelas o interesse por esta Missão, que até agora encontrou pouca consideração nos relatos de viagem e nas demais publicações. Tem como finalidade também emprestar e atribuir a verdadeira dimensão aos juízos falsos e desfavoráveis que aqu e lá foram espalhados. Com esses auspícios entregamos a obra ao público. (Ambros Schupp, Porto Alegre, 1 de janeiro de 1912)

Bicentenário da Imigração - 77

Além dos três jornais de alcance estadual, nacional e internacional, circulou um número considerável de folhas locais. Falar de todos eles detalhadamente excederia em muito o propósito da presente matéria. Restringimo-nos por isso à citação dos mais importantes. 

O “Serra Post” publicado na cidade de Ijuí desde 1910, destinou-se, em primeiro lugar,  à população das colônias da chamada Serra. Como São Leopoldo era o centro da irradiação da região colonial antiga, assim Ijuí fez o papel de  centro de irradiação  da região colonial nova que hoje compreende  cidades importantes como Santa Rosa, Santo Ângelo, Palmeira das Missões, Cruz Alta, Ibirubá, Selbach, Tapera, Cerro Largo, Criciumal, Três Passos, Panambi, Sarandi, etc. 

Um jornal de características semelhantes ao “Serra Post”, foi o “Kolonie” que começou a circular em Santa Cruz do Sul a partir de 1891. Destinava-se, antes de mais nada, atender às populações do Rio Pardo e vizinhanças.

Resumindo pode-se afirmar que os jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul, que tiveram expressão regional, estadual e até mais ampla, foram os supra citados “Deutsche Zeitung”, “Deutsches Volksblatt”, “Deutsche Post”, “Koseritz Deutsche Zeitung”, “Neue Deutsche Zeitung”, “Serra Post e “Kolonie”. Na sua grande maioria os demais eram  apenas folhas locais ou um pouco mais e não poucos com existência efêmera. Uma exceção foi o “Täglicher Anzeiger”, fundado em Porto Alegre por Theodor Reinecken, com a pretensão de cobrir todo o Estado. Foi o primeiro jornal  diário em língua alemã, mas teve vida curta de apenas quatro anos: 1901-1904. Quanto à periodicidade dos grandes jornais em língua alemã “Hundert Jahre Deutschtum” informa:

No dia 1º de janeiro de 1903 o “Deutsches Volksblatt” começou a circular como jornal diário e três anos depois também o “Deutsche Zeitung” e o “Neue Deutsche Zeitung”. O exemplo foi seguido também pelo “Deutsche Post”. Adaptando-se  às características daqui, o “Deutsches Voklsblatt”, “Neue Deutsche Zeitung” e “Deutsche Posto”, apareciam em edições diárias e edições semanais, acrescidos de suplementos semanais de caráter recreativo. As edições semanais eram obviamente  lidas de preferência na colônia, onde existia geralmente apenas uma conexão semanal com o correio. (Hundert Jahre Deutschum, 1999, p 288)

Tentaremos a seguir traçar um quadro resumido dos jornais menores em língua alemã, publicados no Rio Grande do Sul até a Segunda Guerra Mundial.

No sul do Estado encontramos numerosos alemães em Pelotas, Rio Grande e arredores além da grande Colônia de São Lourenço. Circularam aí os dois jornais: “Bote von São Lourenço”, iniciativa do pastor Alexander Voss. Circulou de 1892 a 1912. Em seu lugar entrou o “Deutsche Wacht” de Pelotas, sob a direção de Rudolf Schäfer. Chegou a ter edições diárias  e bissemanais até ser empastelado como vitima da guerra em 1917. A partir do final da Primeira Guerra Mundial as comunicações do sul do Estado com a capital melhoraram sensivelmente e o acesso aos grandes jornais de Porto  Alegre dispensou a existência de jornais locais. 

Em plena guerra começou a circular em 1916 em São Sebastião do Caí, o “Cahy Zeitung”. A proibição de todos os jornais em língua alemã com a entrada do Brasil na guerra contra a Alemanha, encerrou prematuramente as atividades desse empreendimento jornalístico, direcionado em primeiro lugar para o vale do Caí e arredores. 

Santa Cruz do Sul foi o grande polo irradiador cultural do vale do Rio Pardo e, em parte, do Taquari e Jacuí. Sempre muito progressista teve, desde o final do século dezenove, nada menos do que três jornais: “Fortschritt” – 1901-1903; “Santa Cruzer Anazeiger- 1903-1907. Apenas um deles, o “Kolonie” dmonstou viabilidade e atendeu aos interesses, além de Santa Cruz do Sul, a região de Venâncio Aires, Rio Pardo e Candelária.

Almanaques
Ao lado dos jornais os almanaques constituíram-se no alimento do espírito mais importante entre os alemães e seus descendentes no rio Grande do Sul. Ao referir-se a esse gênero de publicações Hundert Jahre Deutschtum, faz o seguinte comentário: 

O gênero de imprensa mais cultivado aqui é o dos almanaques (os Kalender). Apesar  de tudo, todo o colono mesmo que more na picada mais afastada na mata virgem, embora nunca leia um livro, talvez nem assine um jornal em companhia com um outro, por hábito que lhe vem de longe, compra um almanaque, a fim de se manter a par do calendário de  festas, fases da lua e outros assuntos. De momento (1924) circulam nada menos do que sete almanaques que, conforme a sua idade são:

Koseritz Deutscher Volkskalender desde 1874  Krahe & Cia
Kalender für die Deutschen in Brasilien desde 1881 – Rotermund & Cia
Familien-Freund Kalender desde 1912 – Hugo Metzler
Riograndenser Marienkalender desde 1916 – J. R. Da Fonseca
Kalender der Riogandenser Synode    desde 1922 – Irmãos Siegmann
Kalender der Serra Post desde 1922 – Livraria Serrana

A literatura de almanaque pode ser considerada, com toda a razão, o gênero mais adequado para, nas circunstâncias  daqui, garantir a informação e a formação do povo. Os almanaques daqui afortunadamente contém, da forma como vêm ao público hoje evitam o acirramento confessional e matérias ofensivas aos bons costumes , tanto em textos como em gravuras. Isto nos permite a nós alemães, olhar com orgulho para a literatura alemã de almanaque, nas comemorações dos cem anos de atividade no Rio Grande do Sul. (Hundert Jahre Deutschtum, 1999, p. 281-282).

A estrutura mestra do almanaque era comum a todas as publicações desse gênero. Com  periodicidade anual destinava-se essencialmente para a informação e formação do seu público leitor. No que diz respeito à informação o almanaque costumava começar com um calendário, indicando os acontecimentos fixos que ocorrem durante o ano,  as fases da lua, os feriados religiosos e civis e, dependendo da orientação, os santos do dia, as datas litúrgicas... Costumava também haver um calendário para orientar os agricultores na plantação em época adequada, informações sobre doenças, como preveni-las e como curá-las, sobre os cuidados com animais domésticos, o manejo do mato e dos solos, etc. Uma retrospectiva sobre os acontecimentos de repercussão regional, nacional e internacional, com o titulo “Retrospectiva do Ano (Jahresrundschau)”. Em nenhum almanaque que se prezava, podiam faltar informações sobre o câmbio, medidas e pesos. A parte final costumava ser reservada para anúncios dos mais variados tipos. Em alguns almanaques ocupavam as 40 ou mais páginas finais. Preenchiam obviamente a finalidade de custear uma boa parcela dos custos da edição e, ao mesmo tempo, colocar o público leitor ao par das novidades oferecidas na praça, desde máquinas, tecidos, sementes, terras em áreas de colonização, até xaropes, pomadas, cosméticos, etc. A seção de anúncios, muitos deles ilustrados com desenhos e gravuras, constituem-se numa fonte riquíssima e pouco explorada, para estudar  as técnicas e os instrumentos de propaganda de uma época em que a única forma de chegar ao público consumidor se dava via imprensa. O rádio começava timidamente a se popularizar, a televisão  era apenas um sonho e ninguém sequer podia imaginar os meios eletrônicos atuais à disposição da propaganda.

A parte formativa dos almanaques era constituída por contos, ensaios, narrativas de viagens, biografias e sobretudo poesias. Para preencher os espaços entre as matérias de tamanho maior ou completar páginas, colocavam-se peças de humor ou provérbios. O humor representou um  recurso pedagógico de inegável eficácia para os leitores dos almanaques. Fustigava os vícios, os desvios de comportamento e as atitudes não aceitas  pela sociedade de então. Não há necessidade de insistir que os provérbios pela sua própria natureza eram um gênero pedagógico de comprovada eficácia. Dependendo da orientação filosófica seguida pelos editores dos almanaques, os conteúdos dos contos, dos ensaios, os personagens das biografias, o viés predominante dos relatos de viagem e, de modo especial, o motivo inspirador das poesias, indicam uma escolha cuidadosa, preocupada com a formação religiosa, moral e disciplinar do público leitor.

Passemos agora para um análise rápida dos almanaques que tiveram uma influência decisiva na formação da opinião dos teuto-brasileiros até meados do século vinte. Optamos pela ordem cronológica em que começaram a circular.

O mais antigo de todos os almanaques editados no Rio Grande do Sul foi o “Koseritz Deutscher Volkskalender”. A primeira edição data de 1874, coincidindo, portanto, com o cinquentenário da imigração  alemã no Estado. Os motivos que levaram Karl von Koseritz a oferecer ao público teuto o seu almanaque, estão expostos na apresentação que escreveu para o ano I;

A convicção de que os almanaques que vêm da Europa, redigidos visando as circunstâncias de lá, não preenchem inteiramente as finalidades do público alemão daqui, estimulou-me a editar um almanaque composto aqui para os alemães desta Província. O almanaque constitui-se no primeiro e mais influente de todos os livros de família. Neste caso é preciso que corresponda às respectivas características e seja capaz de influenciar profundamente a vida das pessoas para as quais se destina. Deduz-se daí a necessidade de um almanaque composto no local mesmo onde é lido e com o conhecimento das circunstâncias concretas. As vantagens de uma publicação dessas devem ser procuradas na influência que todos os livros autenticamente populares exercem, principalmente os almanaques. Foram essas as razões que me levaram, apesar da exiguidade de tempo, a assumir a tarefa de editor do almanaque (Kalendermann) e espero por muito tempo. Peço que não interpretem o fato como vaidade ou como supervalorização da minha pessoa. Minha intenção foi sinalizar claramente, desde o início, a linha que o almanaque irá seguir. No momento em que o livro recebeu o nome de  “Almanaque Koseritz” ficou claro para qualquer um, qual a orientação irá seguir. (Koseritz deutscher Volkskanlender,  135, p. 29).

Nessa manifestação de von Koseritz há duas coisas importantes a observar. A primeira é a insistência em deixar  claro que o almanaque fosse produzido aqui, por gente conhecedora da circunstâncias características da terra e as matérias publicadas e inspiradas também em fatos, na história e na realidade do Rio Grande do Sul e do Brasil. Fica claro assim que se pretendia fazer literatura brasileira ou riograndense em língua alemã para um  segmento da população, os teuto-brasileiros, cidadãos brasileiros de fala alemã. O segundo aspecto importante a observar refere-se ao fato de a linha editorial do almanaque expressar a orientação filosófica do público a que se destinava. No caso do “Koseritz Deutscher Volkskalender” os leitores eram os teutos livre pensadores em oposição aos protestantes e católicos. Sob este aspecto o almanaque de von Koseritz e o “Deutsche Zeitung” e mais tarde o “Neue Deutsche Zeitung”, complementavam-se como instrumentos  de informação e formação do segmento liberal teuto-brasileiro. 

Em 1881 começou a circular o segundo mais antigo dos almanaques em língua alemã no Rio Grande do Sul, o “Kalender für die Deutschen in Basilien”, sob a responsabilidade de Wilhelm Rotermund. Destinava-se a fazer parceria  com o jornal “Die Post”, como veículo de formação e informação do segmento protestante teuto no Rio Grande do Sul. Apresenta as mesmas características  de conteúdo e de forma do seu congênere liberal.  Suas matérias de fundo inspiraram-se em temas regionais ou nacionais, na história do Estado ou do Brasil. Por ocasião do quinquagésimo aniversário lê-se no seu editorial, entre outras coisas, o seguinte: 

Os 50 anos do “Rotermund Kalender” formam na sua totalidade um “Brockhaus Teuto-Brasileiro”. De um começo modesto cresceu organicamente, um abeto alemão em solo brasileiro, lançando raízes  cada vez mais profundas na terra amada. Seus ramos encontraram uma querência onde quer que a maneira alemã de ser e os hábitos alemães, a língua e a canção alemã se fazem presentes.

Nas asas do “Rotermund Kalender” o farfalhar alemão perpassou a floresta, o espírito alemão alcançou todos os vales e todas as montanhas da grande e magnífica querência brasileira. 

Em pareceria com seus camaradas almanaques dotados do mesmo ideal, foi um vanguardeiro na defesa da cultura e da maneira de ser alemã, empenhando-se incansavelmente pela sua compreensão e pela  promoção do Brasil, o grande pais do futuro.

Os 50 volumes constituem-se numa mina para o conhecimento étnico, da germanidade e da brasilidade, da agricultura e da história natural, da história e da literatura. (Kalender für die Deutschen in Brasilien, 1931, p. 2)

Embora o jornal católico “Deutsches Volksblatt” tivesse começado a sua trajetória já em 1971, o almanaque que lhe faria parceria, o “Familienfreund Kalender”, teve a sua primeira edição apenas em 1912. As características jornalísticas são as mesmas dos dois congêneres anteriores. Em parceria com o “Deutsches Volksblatt” cumpriu a missão  de bem informar e formar os leitores teuto-católicos. Como as demais publicações em língua alemã, sua circulação foi interrompida com a Campanha de Nacionalização e a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra sua publicação foi  retomada sem a companhia do “Deutsches Volksblat”. As profundas mudanças operadas pela guerra e a Campanha de Nacionalização, entretanto, fizeram com que depois de alguns anos o “Familienfreund Kalender” desse definitivamente por encerada a sua missão.

O editorial do primeiro numero em 1912 colocou nestes termos os objetivos do almanaque:

Para aqueles que, com a minha apresentação, formularam a pergunta: porque entre tantos almanaques alemães no Brasil, mais este? Eu respondo: nós católicos alemães, numerosos no campo e na cidade, espalhados por muitos lugares no chão da pátria brasileira, queremos ter e ler o nosso próprio almanaque. Assim nos conheceremos mutuamente, tomaremos consciência de quantos são os que pensam como nós e encontraremos um lugar para nos manifestarmos abertamente sobre esses temas. 
Em 1901 a “Associação de Professores Evangélicos”, fez circular o “Allgemeine Lehrerzeitug”, como seu órgão oficial, também com periodicidade mensal. As publicações das duas Associações de Professores, constituem numa fonte que nenhum estudioso das escolas comunitárias alemãs no Rio Grande do Sul pode ignorar. De 1906, data o primeiro numero dos “Evangelische Lutherische Kirchenblätter”, sob a responsabilidade doa “Evangelische Lutherische Pastralkonferenz”. Em 1912 veio à luz o “Skt. Paulusblatt”, periódico mensal publicado pela Sociedade União Popular. Este periódico veio fazer parceria com o jornal “Deutsches Volksblatt” e o que interessa a cada um, podendo dispensar os meios de comunicação com outra orientação.

O “Familienfreund”, este é o nome do almanaque, é destinado a exercer o papel de  elo de união entre os católicos de descendência alemã no Brasil, ao promover a compreensão e a união mutua. Esta é a sua missão. (Familienfreundkalender, 1912, p. 17)

Entre os almanaques publicados no Rio Grande do Sul merece ainda destaque o “Ignatius Kalender”, publicado pelos jesuítas do Sul do Brasil. O primeiro número data de 1933. Ocupou um lugar peculiar entre os demais almanaques. A principal preocupação de sua linha editorial resumia-se na difusão entre seus leitores da visão do catolicismo defendida pelos jesuítas e, ao mesmo tempo, exerceu o papel de um poderoso instrumento  de propaganda para despertar vocações religiosas. Assim como os demais almanaques sua circulação foi suspensa entre 1941 e 1947. Reapareceu em 1947 com as mesmas características  de um veículo de formação e informação, fortemente orientado para o lado confessional. Passou por diversas transformações principalmente devidas às mudanças impostas pelo Concílio Vaticano II. Continua aparecendo ainda hoje com o nome “Familien Kalender, na condição de uma das raras publicações  em língua alemã no Rio Grande do Sul.

No Estado circularam mais três almanaques de boa influência.  Foram eles o “Riogandenser Marienkalender”, publicado desde 1916 por J. R. Da Fonseca & Cia, o “Kalender der Riograndenser Synode”, editado pelos irmãos Siegmann desde 1922 e o “Kalender der Serra Post”, editado também desde 1922 pela Livraria Serrana. Complementara e reforçaram, até certo ponto, respectivamente a posição católica, a protestante e um posição mais independente no caso do “Serra Post Kalender”. A esses somou-se mais uma meia dúzia de outros almanaques  de menor significado. Enumera-los levaria muito longe.

Periódicos
Paralelamente aos jornais circulou entre os anos de 1887 e 1940  mais do que uma dúzia de periódicos de associações. A começar pelo decano dessas publicações, foram as seguintes: “Evangelisches Sontagsblatt editado em Novo Hamburgo pelo Sínodo Riograndense. A segunda publicação mais antiga desse gênero temos o “Brasilianische Bienenflege”, publicado pelo “Inkerverein” de Porto Alegre, desde 1896. A partir da década de 1920 ele passou a circular como suplemento do “Neue Deutsche Zeitung”. A Associação Riograndense de Agricultores, fundada em 1899, como um projeto de desenvolvimento e de promoção humana de natureza inter-étnica e interconfessional, publicou a partir de 1900 o “Bauernfeund”, como órgão de difusão de suas atividades de formação dos seus associados e a população do Rio grande do Sul. Deixou de circular em 1914 com a dissolução da Associação. Em 1898 foi fundada a Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul que publicou mensalmente seu órgão de comunicação interna “Mitteilungen” (Comunicações). Em 1907 o nome foi modificado para “Lehrerzeitung” (Jornal do Professor). Circulou com esse nome até 1939. Fazendo parceria com o “Familienfreundkalender”, começou a crcular, também em 1912, o periódico mensal “Skt, Paulusblatt”. Como as demais de publicações  em língua alemã, também o “Skt. Paulusblatt” teve a sua circulação interditada durante a Segunda Guerra Mundial e  Campanha de Nacionalização. Terminada a Guerra e encerrada a Campanha de Nacionalização, sua circulação foi retomada. Constituiu-se num dos meios mais importantes de formação e informação dos teuto-católicos do Sul do Brasil. Continua até hoje sendo publicado como um dos raros periódicos em língua alemã no Brasil. 

Em 1915 a Federação dos Ginastas de Porto Alegre (o Turnerbund), hoje a SOGIPA, começou a oferecer os “Deutsche Turnblätter”. São uma fonte indispensável para quem pretende fazer um estudo sobe a ginástica no Rio Grande do Sul. De uma iniciativa do Pastor Herman Dohms, saíram a luz em 1915 em Cachoeira os “Deutsche Evangelische Blätter”. Também este periódico continua sendo editado ainda hoje. Em 1920 Friedrich Kniestedt começou a editar em porto Alegre o “Der Freie Arbeiter”, de orientação claramente anarquista.

Bicentenário da Imigração - 76

A Imprensa Teuto-Brasileira

A presença dos imigrantes alemães marcou e marca ainda hoje regiões inteiras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Rio Grande do Sul contribuem com aproximadamente um terço da população total do Estado. O mesmo se pode afirmar de  Santa Catarina, No Paraná constata-se uma forte presença dos descendentes de alemães da região metropolitana de Curitiba, nos arredores de Rio Negro, nas áreas litorâneas e encostas do leste nas regiões mais novas no oeste do Estado.

Na quase totalidade das regiões onde predomina o elemento teuto-brasileiro, constata-se uma prosperidade econômica e um nível de bem estar social, bem acima da media brasileira. Isto não significa que não houve problemas. Esses, porém, não fora de molde a criar situações insolúveis, como é comum em inúmeras áreas tanto rurais como urbanas no restante do Pais. Se formos procurar as causas dessa realidade, que não raro destoa positivamente  da imagem do restante do Brasil, iremos encontrar vários elementos que apontam para uma mesma direção. Os alemães e seus descendentes sempre sobressaíram aos demais componentes étnicos da comunidade nacional, pelo seu nível de instrução bem acima da media, no meio em que se estabeleceram. Essa realidade tem a sua explicação, como já foi  lembrado inúmeras vezes nas página que antecederam, em duas instituições que sempre foram caras aos imigrantes e seus descendentes, mesmo nas comunidades mais isoladas, em frentes pioneiras de colonização, na mata virgem. Refiro-me à Escola, à Educação e à Imprensa. Esperava-se de qualquer descendente de alemães que soubesse ler, escrever, fazer contas, ter noções sólidas de religião, conhecimento da história sagrada, de elementos de geografia, história, estar informado sobre os acontecimentos locais, regionais e quanto possível nacionais e internacionais.

No decorrer das décadas de 1850 e 1860 definiram-se entre os teuto-brasileiros três  grandes vertentes do pensamento: a católica romana com a chegado dos padres jesuítas alemães em 1849, a protestante com a vinda  da Alemanha de pastores ordenados e os primeiros passos na organização do Sínodo Riograndense e a corrente liberal com a fixação definitiva de muitos Brummer depois de desmobilizados, tendo Karl von Koseritz como porta-voz mais conhecido.  Estava posto o cenário em que surgiriam e se desenvolveriam as mais diversas  forma de imprensa em língua alemã no Rio Grande do Sul. Trata-se de uma imprensa engajada e comprometida com os interesses de uma ou outra das três correntes filosófico doutrinarias citadas. Como era de se esperar houve também uma rica e variada produção de livros, relatos de viagem, diários, etc. não diretamente engajados ou até completamente neutras.

O presente capítulo pretende apresentar um quadro geral da imprensa produzida pelos imigrantes alemães e seus descendentes no Rio Grande do Sul, entre 1850 e 1940. Esse período corresponde aos noventa anos em que a corrente imigratória deitou raízes em solo riograndense, consolidou sua presença e finalmente deu mostras de um crescimento vigoroso e uma significativa prosperidade. No final da década de 1930 e no começo da de 1940, a imprensa em língua alemã foi proscrita pela Campanha de Nacionalização. Apos 1945 apenas alguns jornais, almanaques e periódicos voltaram a circular. A grande maioria, entretanto, foi de duração efêmera. Hoje circula ainda uma ou   outra publicação  em língua alemã no Rio Grande do Sul. 

Uma boa parte dessa imprensa encontra-se preservada em diversos acervos. A análise dos seus conteúdos demonstra claramente que ela alimentava preocupações bem definidas, comprometida como estava com as correntes do pensamento mais significativas, os católicos romanos, os luteranos alemães, os liberais e correntes menores, como anarquismo de Friedrich Kniestedt. Partindo dessa constatação vamos encontrar como modalidades básicas de imprensa, jornais, almanaques, publicações periódicas regulares, relatos de viagem, contos, ensaios, romances, poesias, literatura didática, literatura religiosa etc. Passamos em seguida a dedicar maior atenção para as modalidades de imprensa que, na opinião dos entendidos, foram as principais responsáveis pelo nível cultural médio relativamente alto entre os descendentes dos imigrantes alemães.

A Imprensa jornalística.
Numa rápida retrospectiva sobre a imprensa jornalística no Rio Grande do Sul, encontramos a primeira experiência com um jornal em língua alemã com o “Deutsche Kolonist”. Não era um jornal autônomo mas uma seção do jornal brasileiro “O Mercantil”. O idealizador foi Emil Mabilde com suas preocupações para com a comunidade alemã, de modo especial a urbana. Foi uma experiência bem intencionada, mas que em pouco tempo mostrou-se pouco adequada à realidade. Sua fundação data de 1852. Deixou de circular já em 1853.

 Kieckbach, redator do “Deutscher Einwanderer” trouxe o jornal do Rio de Janeiro para Porto Alegre, movido pela convicção de que o jornal teria mais êxito no Rio Grande do Sul, principal fronteira de colonização alemã na época. Nas mãos de sucessivos editores, o jornal levou uma existência difícil e precária até ter sua edição encerrada em 1863.

As instalações tipográficas do “Deutscher Einwanderer” foram vendidas. O episódio serviu de ponto de partida para um novo empreendimento jornalístico alemão, “Deutsche Zeitung”. Esse jornal tornar-se-ia em pouco tempo o porta-voz mais vibrante da intelectualidade liberal teuto-brasileira. O suporte financeiro, as matérias publicadas e a administração do jornal foram confiadas a elementos identificados com essa corrente filosófica. Entre eles destacaram-se não poucos Brummer e de modo especial Karl von Koseritz,  o personagem mais combativo e mais brilhante do pensamento liberal. 

O “Deutsche Zeitung” contou entre seus redatores homens dotados de grande competência para a tarefa. A todos sobressai Karl von Koseritz. No livro do centenário da imigração “Hundert Jahre Deutschtum” ressalta-se a  sua atuação como jornalista político, que empenhou sua pena com igual maestria nas duas línguas, a alemã e a portuguesa. 

Além de von Koseritz destacaram-se  na redação do jornal Hans von Frankenberg, Wilhelm Schweitzer e Arno Philipp. O último permaneceu na redação de 1893-1917, ano em que o jornal encerrou suas atividades. O jornal enfrentou uma série de altos e baixos que tiveram como ponto culminante a mal sucedida exposição alemã de 1881, somada a divergências políticas. A crise provocou a saída de Karl von Koseritz que por sua vez criou o novo jornal, “Koseritz Deutsche Zeitung”, passando a fazer concorrência com o “Deutsche Zeitung”, ridicularizando fatos  pouco recomendáveis, provocando protestos gerais contra o jornal. Como consequência dois dos redatores mais habilitados, o barão von Varnbüler e Hans von Frankenberg, deixaram a redação. 

O “Koseritz Deutsche Zeitung”, circulou com esse titulo até 1906, quando adotou o nome definitivo de “Neue Deutsche Zeitung”. 

Como já se informou  mais acima o “Deutsche Zeitung”, o “Koseritz Deutsche Zeitung” e o “Neue Deutsche Zeitung”, foram os porta-vozes do pensamento liberal tuto-riograndense durante quase 80 anos. Nessa condição entraram em conflito aberto com o segmento teuto-riograndense católico, de modo especial com as lideranças religiosas representadas, em primeiro lugar, pelos jesuítas. Principalmente nas três primeiras décadas da sua circulação as matérias publicadas, demonstraram uma virulência anti-cristã e anti-clerical muito forte, por vezes muito rude e destemperada. Em parte pelo menos entende-se o fato, porque na Alemanha correspondeu ao auge do “Kulturkampf”. Um bom número dos  jesuítas mais influentes  e mais bem preparados da época, transferiram-se  para o sul do Brasil, expulsos por Bismarck. Aqui fundaram colégios, lideraram a pastoral nas colônias, ditavam as normas para a escola e a educação elementar nas escolas comunitárias, envolveram-se em projetos  de desenvolvimento regional e de promoção humana. Tudo isso perfeitamente afinado com as diretrizes e orientações do Projeto da Restauração Católica, comandadas por Roma. O autor do “Hundert Jahre Deutschtum” assim se expressou sobre o assunto: “ ( ... ) explica-se o fato de nos encontrarmos na época do Kulturkampf, cujas ondas repercutiam da Alemanha fazendo-se perceber até na tranquilidade  da mata virgem”. Hundert Jahre Deutschttum, 1999, p. 207) As tensões existentes entre a cosmovisão dos liberais expressa e defendida no seu jornal e a cosmovisão católica que estava sendo formulada  no Concílio Vaticano I, fórum máximo da Igreja Católica, alcançaram o seu clímax nas décadas finais do século XIX. É compreensível que um jornal como o “Deutsche Zeitung”, a serviço da divulgação das conquistas  das ciências, do evolucionismo pregado por Darwin e das ideias materialistas de Haeckel, entrasse em choque frontal com os jesuítas, defensores irrestritos das propostas  doutrinárias e disciplinares discutidas  e impostas pelo Concílio Vaticano I. 

Em São Leopoldo circulou entre os anos de 1867 e 1877 o jornal “Der Bote von São Leopoldo”. Esse jornal, por assim dizer, fez parceria com o “Deutsche Zeitung”, de modo especial com seus ataques aos jesuítas e sua atuação. Seu redator nos primeiros anos foi Curtius. A partir de 1875 até o fim da sua circulação teve Wilhelm Rotermund como redator. 

No contexto dessa polêmica nasceu em 1871 o jornal “Deutsches Volksblatt” como porta-voz oficial do segmento católico, liderado pelos jesuítas e como resposta às investidas do “Deutsche Zeitung” e do “Bote von São Leopoldo”. 

O “Deutsches Volksblatt” teve um começo modesto, quase insignificante nos padrões de hoje, numa casinha nos fundos do jardim do Colégio dos jesuítas em São Leopoldo. Seu primeiro redator foi Jakob Dillenburg. Acumulava ao mesmo tempo as funções de  redator, tipógrafo, impressor e expeditor. Dispunha apenas de uma prensa manual, algumas  caixas de tipos e de um pequeno estoque de papel. Dessa forma o “Deutsches Volksblatt” foi  um exemplo típico de como começou a maioria dos jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul. Apesar de suas dimensões modestas correspondeu bem às necessidades de informação e formação do público leitor da época. A Jakob Dillenburg seguiu na redação, entre os anos de 1875 e 1890, o Pe. Jesuíta Mathias Müch.

Depois da proclamação da República o “Deutsches Volksblatt” assumiu o papel de porta-voz do Partido Católico do Centro, transferido para Porto Alegre, assumido pela Typographia do Centro uma sociedade anônima. Teve como primeiro redator Clemens Wallau, seguido por Hugo Metzler, Josef König, Franz Metzler. Como todos os jornais e demais publicações em língua alemã, encerrou suas atividades, quando da deflagração da Campanha de Nacionalização e o começo da Segunda Guerra Mundial. Com quase setenta anos de circulação o “Deutsches Volksblatt” era, na data de sua última edição, o decano de todos os jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul.

O “Deutshes Volksblatt” manteve-se, durante  toda a sua história, fiel às intenções dos seus fundadores e primeiros redatores: servir de porta-voz e de veículo de formação e informação ao segmento católico do Rio Grande do Sul. Na sua primeira fase, 1871-1890, serviu para marcar o espaço ocupado pelos católicos teutos. No começo da década de 1890 assumiu a posição de um jornal a serviço do Partido Católico do Centro, uma experiência que mostrou ser inviável e foi abandonada. Nos restantes quase 50 anos de sua existência o “Deutsches Volksblatt”, apesar de muitos contratempos e dificuldades, cumpriu a sua missão de bem formar e bem informar os seus leitores. Esteve sempre a serviço das organizações teuto-católicas do Rio Grande do Sul, de modo especial dos Congressos dos Católicos realizados regularmente desde 1898, da Associação Riograndense de Agricultores e, mais tarde, da  Sociedade União Popular. Esses dois últimos foram projetos ambiciosos de desenvolvimento econômico, cultural, religioso, educacional e cultural e de promoção humana em termos gerais. Especialmente apreciado no jornal era o suplemento dominical conhecido como “Sontagsstimmen”. Esse fato não impediu que circulasse e fosse lido fora das fronteiras de sua clientela imediata. Circulava em todo o Pais, na Argentina, no Chile e na Alemanha. Devido à sua posição de combate ostensivo ao nacional socialismo, sua circulação foi proibida na Alemanha nazista.

O terceiro jornal de grande importância  para a imprensa jornalística teuta, o “Deutsche Post” surgiu também em São Leopoldo. Sobre ele o “Hundert Jahre Deutschtum” observa: 

Também em São Leopoldo, mas seis anos mais tarde, apareceu o “Deutsche Post”. Apresentou-se, desde o início, como porta-voz dos protestantes, dirigido pelo já citado Dr.  Wilhelm Rotermund que ao mesmo tempo ocupava o cargo de pároco dos protestantes  de São Leopoldo e principal sustentáculo do Sínodo Riograndense. Que os dois jornais leopoldenses se combatessem por algum tempo mais do que o necessário, deve-se em parte aos representantes de ambas as confissões e em parte ao “Kulturkampf”, como já foi assinalado mais acima. Desde porém, que o “Kulturkampf” foi sendo abandonado, com aplauso geral, na velha pátria alemã, os seus estridentes ecos aqui  baixaram pouco a pouco de tom. (Hundert Jahre Deutschtum, 1999, p. )

O “Deutsche Post” exibe as mesmas características dos seus dois congêneres, o “Deutsche Zeitung” e o “Deutsches Volksblatt”. Veio, antes de mais nada para, na condição de porta-voz, marcar o espaço e a presença dos protestantes no Rio Grande do Sul. Por causa do Kulturkampf polemizou no começo acidamente com o “Deutsches Volksblatt”. A partir de meados da década de 1880 assumiu a tarefa de principal sustentáculo do protestantismo no Rio Grande do Sul. Com a fundação do Sínodo Riograndense por Wilhem Rotermund, o “Deutsche  Post” iria desempenhar no contexto protestante a mesma função que o “Deutsches Volksblatt” desempenhou entre os católicos. Os dois jornais abandoaram a belicosidade do começo da sua circulação, para servirem às respectivas  confissões religiosas, seus projetos eclesiásticos, missionários, de promoção econômica, educacional, cultural e religiosa. 

Há, porém, um outro aspecto nessa questão da guerra entre os jornais. Pela sua posição liberal e pela propaganda enfática que fazia das teorias evolucionistas,  o “Deutsche Zeitung” atacava tanto os católicos como os protestantes, tornando-se adversário, para não  dizer inimigo comum das duas confissões  religiosas. Nessas situações os dois jornais confessionais davam-se as mãos no ataque ao “Deutsche Zeitung”, que se transformara em inimigo comum. 

Depois que deixou o “Deusche Zeitung” Karl von Koseritz fundou em 1882 o jornal “Koseritz Deutsche Zeitung”. A partir de 1906 o jornal passou a chamar-se  “Neue Deutsche Zeitung”, titulo que manteve até o seu fechamento em 1917. Em linhas gerais manteve até o fim a linha editorial impressa por seu fundador, isto é, a defesa e a divulgação do pensamento liberal sem, entretanto, a belicosidade das primeiras décadas. 

Bicentenário da Imigração - 75

Na prática, a proteção à natureza abrange quatro setores. Conforme o Pe. Rambo essas propostas resumem-se.

Primeiro. Na proteção aos monumentos naturais, criações individuais da natureza, de importância cientifica, histórica e fisionômica, como sejam árvores destacadas pelo seu volume ou sua forma, formações geológicas locais interessantes ou instrutivas, rochedos, montanhas de caráter peculiar. 

No Rio Grande do Sul, quanto às árvores cabe proteção principalmente às figueiras perto dos núcleos habitados, muitos delas de grande beleza natural ouras  ligadas a recordações históricas. E, em geral todas as árvores, coqueiros, paineiras, cedros, pinheiros, colocados o meio da paisagem como elementos essenciais de beleza natural, tem direito à conservação. Mais do que árvores, os monumentos rochosos como os tabuleiros da Campanha, as margens do Ibicuí na estação do Tigre, o Botucaraí, o morro do Sapucaia, o morro das Cabras, o complexo do Itacolumi com a torre em ruínas, o promontório de Torres, para os que ocorrem no primeiro momento, são de tal maneira riograndenses, que a destruição dos seus aspectos, seja pelo desmatamento, seja por pedreiras, roubaria elementos insubstituíveis da nossa riqueza estética. 

Segundo. Na proteção a Espécies Botânicas e Zoológicas em perigo. 
No tocante às plantas, a maior parte das espécies riograndenses cresce em grande número de indivíduos, além disso, a catalogação ainda não progrediu suficientemente, para poder designar as espécies estritamente locais ou muito raras. Apesar disso, é certo que bom número de espécies é local, basta o caso de se encontrarem nada menos do que as poucas espécies de ericácias riograndenses no topo do Sapucaia. Outros exemplos são os vegetais típicos do sul do Estado, por exemplo a quina do campo no morro da Policia, muitos vegetais dos tabuleiros da Campanha. Plantas raras são, por exemplo, a cancrosa de folhas rômbicas, muitas espécies limitadas à borda  dos Aparados: Griselinia, Gunera, Clethra, Weinmannia, Orquídeas terrestres, Ericácias. Merece especial menção o Parque Espinilho da Barra do Quarai, composto de Nhanduvaí e Algarrobo. 

Afora esta proteção a espécies  estreitamente localizadas ou raras, surge o problema geral da conservação das matas virgens. Até hoje o desmatamento esteve entregue ao acaso, sujeito ao bel-prazer dos donos do lote colonial ou da fazenda. As consequências aí estão, acentuando-se de  dia para dia mais, na devastação  da borda da Serra e do vale do Uruguai. É um erro funesto entregar todas as matas a proprietários individuais e abandoná-las  em seguida, ao machado. No interesse geral, o Estado deve reclamar para si porções  importantes da reserva florestal, e além disso, vigiar sabiamente as derrubadas necessárias para a lavoura. 

Em terceiro lugar. Levanta-se o problema do reflorestamento natural. Existem iniciativas promissoras, nas plantações de eucalipto, de acácia, de pinheiro. Quanto ao eucalipto, por mais útil e necessário que seja seu cultivo nas regiões pobres de mato, o certo é, que essa árvore australiana nunca há de enquadrar-se, do ponto de vista fisionômico, na expressão natural da nossa terra. Quanto à acácia, embora também estrangeira, seus conjuntos, nos campos de São Leopoldo por exemplo, condizem muito melhor com a nossa vegetação nativa, apesar de destoarem pela limitação a uma espécie, caso inexistente no mato nativo. Porque não tentar reflorestar com espécies nativas? Porque não promover a renovação das matas destruídas a exemplo da mata mista secundária? Por que não recorrer a madeiras de lei nacionais, os cedros, os louros, as cabriúvas? Crescem devagar, sim, mas o nosso esforço frutificará tanto mais para as gerações do porvir. 

No tocante aos animais, o Estado do Rio Grande do Sul já é desolador. Nas matas da borda da Serra colonizada, nada resta da maior parte dos mamíferos e aves de caça. Nas matas do Uruguai, não passarão dez anos, e a miséria será a mesma. A anta, a capivara, o veado galheiro, os porcos do mato, o tamanduá bandeira, já são raridades. É que as melhores leis de caçam não resolvem se não se cuidar  da sua execução. 

Praticamente no Rio Grande do Sul, a destruição da fauna de mamíferos, aves e peixes continua em escala ascendente, podendo-se prever o dia em que o tamanduá bandeira, a capivara, o bugio, a ariranha, os porcos do mato, a paca e bom número de aves galináceas lamelirostres, terão desaparecido. 

Harmonização das Obras Humanas com a Paisagem Natural. Numa terra recente, como  é o Rio Grande do Sul, não se pode esperar que, fora de razões impostas pela natureza do terreno, as necessidades práticas, os gostos individuais, motivos ideais tenham influído  na estrutura da paisagem humana. A geometrização dos traçados das ruas certamente contribuiu para a beleza das cidades, não condiz com o estilo da paisagem. O estilo colonial, sempre mais substituído pelos edifícios de estilo moderno, condiz admiravelmente como ambiente da Campanha. O estilo das vivendas coloniais antigas, dos colonos germânicos, embora seja de caráter estrangeiro, adapta-se muito bem à fisionomia da paisagem colonial  da borda da Serra. Outro tanto já não se pode afirmar das casas inteiramente construídas de material, sem as linhas pitorescas das traves pintadas de vermelho ou pardo, como estava em moda no início do século XX. Uma casa destas, principalmente quando o telhado é de zinco, é destituída de todo de valor estético. O estilo bugalow, com sua variada distribuição massas, suas tintas discretas, seus telhados de telha cor de tijolo, como se encontram em crescente número na região colonial do Taquari, enriquece agradavelmente a paisagem.

O traçado das estradas, até os últimos anos, obra do acaso, não deixa de ser um elemento de beleza, pois, seguindo geralmente pelos vales dos rios, acentua as linhas naturais da paisagem. A Estrada Federal através da borda da Serra, por suas serpentinas, seus profundos cortes, suas vistas surpreendentes, seu ambiente grandioso no vale do Caí, harmoniza perfeitamente a acidentação do relevo e a vitória da engenharia. 

Ponto de grande utilização das quedas de água, combinando a utilidade prática com a conservação da natureza. Havendo grande número de quedas de água na borda da Serra, em parte já captadas, em parte susceptíveis de captação, deverá ser o empenho dos órgãos públicos proteger-lhes  a beleza natural. A melhor solução, a nosso ver, se conseguiu na usina da Toca, onde a construção da represa, o traçado do canal, o estilo da usina discretamente encostada aos rochedos, se emolduram naturalmente no ambiente do canhão fluvial coroado de pinheiros, mesmo a queda de água não foi essencialmente afetada pela corrente desviada para as turbinas.

A sua expressão mais forte, as tendências de proteção à natureza acham-se nos Parques Naturais e Nacionais. São territórios maiores, em que a natureza primitiva se conserva totalmente intacta, aumentando os atrativos com o acréscimo discreto dos elementos consoantes, quando for conveniente. Assim todos os grandes países tem os seus parques  nacionais. 

Quer-nos parecer que, fora das medidas de proteção a se dispensarem a certas  foram individuais, aos animais selvagens em geral e a espécies botânicas raras, o Rio Grande do Sul, bem mereceria um parque nacional. Na sua possível localização decidem dois fatores: o perigo da destruição incessante pela lavoura e a riqueza das formas naturais. 

Quanto ao primeiro, o litoral e a riqueza, a Serra do Sudeste e a Campanha, enquanto nelas predomina a pecuária, não estão em perigo imediato de perderem as suas feições nativas. No litoral, visto a sua pequena fertilidade, sua falta de portos, provavelmente nunca sobreviverá tal perigo. É uma paisagem  fadada a conservar naturalmente a sua beleza primigênia. Também a Campanha, apesar de já estar ocupada por mais de 200 anos pelo homem, ainda hoje conserva o seu caráter nativo. Na Serra do Sudeste, caso a agricultura, como parece acentuar-se  nos últimos tempos, e a futura mineração, tomarem incremento, será preciso proteger certos trechos, como são o curso médio do Camaquã, ao sul de Caçapava. Na Depressão Central, não há possibilidade de parque nacional, dado o desenvolvimento demográfico sempre crescente. No planalto, as regiões puramente campestres se protegem a si mesmas. Outro tanto não se dá com o mato. Não se pode acentuar o bastante: o mato  rio-grandense está em grave perigo! E não são apenas as derrubadas da agricultura, é também a indústria madeireira que, mais tempo menos tempo, despojará as selvas uruguaias dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais. 

Ora, é justamente no planalto que a riqueza de formas insinua a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas regiões: Um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados. 

No alto Uruguai conviria tomar em vista a parte, onde se acumulam todas as belezas peculiares da região, o Salto de Mucunâ e suas adjacências. Tanto do lado brasileiro como do lado argentino, a riqueza florestal se acha intacta. De comum acordo com o pais vizinho, criar-se-ia um parque com reservas de mato suficiente para oferecer refúgio à fauna das selvas rio-grandenses. Se não for feito em breve, a colonização acabará com a beleza do Mucunã, assim como já despiu o Estreito de Marcelino Ramos dos atrativos da sua moldura.

Sobre os Aparados nada precisamos acrescentar. Sua beleza grandiosa se recomenda por si  mesma. Além disto, o caso é muito mais fácil do que nos matos do Uruguai. A agricultura não apetece  aquelas terras quebradas e pouco férteis, as porções de campo incluídas facilmente achariam substituto em outra parte. A situação fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao plano a nobre competição de ambos os Estados da União, na realização de uma empresa verdadeiramente nacional. Sobre os trechos a serem incluídos não nos queremos  estender. Em todo o caso o vale do Maquiné superior, o Taimbezinho, a Serra Branca não poderiam faltar.

Ali nos mirantes do Rio Grande do Sul, com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos  abismos dos canhões aos pés, com  o pinhal, a mata branca e o campo, tão rio-grandense, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a reverência com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra. (cf. Rambo, Balduino, 1942, p. 338-342).