A Imprensa Teuto-Brasileira
A presença dos imigrantes alemães marcou e marca ainda hoje regiões inteiras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Rio Grande do Sul contribuem com aproximadamente um terço da população total do Estado. O mesmo se pode afirmar de Santa Catarina, No Paraná constata-se uma forte presença dos descendentes de alemães da região metropolitana de Curitiba, nos arredores de Rio Negro, nas áreas litorâneas e encostas do leste nas regiões mais novas no oeste do Estado.
Na quase totalidade das regiões onde predomina o elemento teuto-brasileiro, constata-se uma prosperidade econômica e um nível de bem estar social, bem acima da media brasileira. Isto não significa que não houve problemas. Esses, porém, não fora de molde a criar situações insolúveis, como é comum em inúmeras áreas tanto rurais como urbanas no restante do Pais. Se formos procurar as causas dessa realidade, que não raro destoa positivamente da imagem do restante do Brasil, iremos encontrar vários elementos que apontam para uma mesma direção. Os alemães e seus descendentes sempre sobressaíram aos demais componentes étnicos da comunidade nacional, pelo seu nível de instrução bem acima da media, no meio em que se estabeleceram. Essa realidade tem a sua explicação, como já foi lembrado inúmeras vezes nas página que antecederam, em duas instituições que sempre foram caras aos imigrantes e seus descendentes, mesmo nas comunidades mais isoladas, em frentes pioneiras de colonização, na mata virgem. Refiro-me à Escola, à Educação e à Imprensa. Esperava-se de qualquer descendente de alemães que soubesse ler, escrever, fazer contas, ter noções sólidas de religião, conhecimento da história sagrada, de elementos de geografia, história, estar informado sobre os acontecimentos locais, regionais e quanto possível nacionais e internacionais.
No decorrer das décadas de 1850 e 1860 definiram-se entre os teuto-brasileiros três grandes vertentes do pensamento: a católica romana com a chegado dos padres jesuítas alemães em 1849, a protestante com a vinda da Alemanha de pastores ordenados e os primeiros passos na organização do Sínodo Riograndense e a corrente liberal com a fixação definitiva de muitos Brummer depois de desmobilizados, tendo Karl von Koseritz como porta-voz mais conhecido. Estava posto o cenário em que surgiriam e se desenvolveriam as mais diversas forma de imprensa em língua alemã no Rio Grande do Sul. Trata-se de uma imprensa engajada e comprometida com os interesses de uma ou outra das três correntes filosófico doutrinarias citadas. Como era de se esperar houve também uma rica e variada produção de livros, relatos de viagem, diários, etc. não diretamente engajados ou até completamente neutras.
O presente capítulo pretende apresentar um quadro geral da imprensa produzida pelos imigrantes alemães e seus descendentes no Rio Grande do Sul, entre 1850 e 1940. Esse período corresponde aos noventa anos em que a corrente imigratória deitou raízes em solo riograndense, consolidou sua presença e finalmente deu mostras de um crescimento vigoroso e uma significativa prosperidade. No final da década de 1930 e no começo da de 1940, a imprensa em língua alemã foi proscrita pela Campanha de Nacionalização. Apos 1945 apenas alguns jornais, almanaques e periódicos voltaram a circular. A grande maioria, entretanto, foi de duração efêmera. Hoje circula ainda uma ou outra publicação em língua alemã no Rio Grande do Sul.
Uma boa parte dessa imprensa encontra-se preservada em diversos acervos. A análise dos seus conteúdos demonstra claramente que ela alimentava preocupações bem definidas, comprometida como estava com as correntes do pensamento mais significativas, os católicos romanos, os luteranos alemães, os liberais e correntes menores, como anarquismo de Friedrich Kniestedt. Partindo dessa constatação vamos encontrar como modalidades básicas de imprensa, jornais, almanaques, publicações periódicas regulares, relatos de viagem, contos, ensaios, romances, poesias, literatura didática, literatura religiosa etc. Passamos em seguida a dedicar maior atenção para as modalidades de imprensa que, na opinião dos entendidos, foram as principais responsáveis pelo nível cultural médio relativamente alto entre os descendentes dos imigrantes alemães.
A Imprensa jornalística.
Numa rápida retrospectiva sobre a imprensa jornalística no Rio Grande do Sul, encontramos a primeira experiência com um jornal em língua alemã com o “Deutsche Kolonist”. Não era um jornal autônomo mas uma seção do jornal brasileiro “O Mercantil”. O idealizador foi Emil Mabilde com suas preocupações para com a comunidade alemã, de modo especial a urbana. Foi uma experiência bem intencionada, mas que em pouco tempo mostrou-se pouco adequada à realidade. Sua fundação data de 1852. Deixou de circular já em 1853.
Kieckbach, redator do “Deutscher Einwanderer” trouxe o jornal do Rio de Janeiro para Porto Alegre, movido pela convicção de que o jornal teria mais êxito no Rio Grande do Sul, principal fronteira de colonização alemã na época. Nas mãos de sucessivos editores, o jornal levou uma existência difícil e precária até ter sua edição encerrada em 1863.
As instalações tipográficas do “Deutscher Einwanderer” foram vendidas. O episódio serviu de ponto de partida para um novo empreendimento jornalístico alemão, “Deutsche Zeitung”. Esse jornal tornar-se-ia em pouco tempo o porta-voz mais vibrante da intelectualidade liberal teuto-brasileira. O suporte financeiro, as matérias publicadas e a administração do jornal foram confiadas a elementos identificados com essa corrente filosófica. Entre eles destacaram-se não poucos Brummer e de modo especial Karl von Koseritz, o personagem mais combativo e mais brilhante do pensamento liberal.
O “Deutsche Zeitung” contou entre seus redatores homens dotados de grande competência para a tarefa. A todos sobressai Karl von Koseritz. No livro do centenário da imigração “Hundert Jahre Deutschtum” ressalta-se a sua atuação como jornalista político, que empenhou sua pena com igual maestria nas duas línguas, a alemã e a portuguesa.
Além de von Koseritz destacaram-se na redação do jornal Hans von Frankenberg, Wilhelm Schweitzer e Arno Philipp. O último permaneceu na redação de 1893-1917, ano em que o jornal encerrou suas atividades. O jornal enfrentou uma série de altos e baixos que tiveram como ponto culminante a mal sucedida exposição alemã de 1881, somada a divergências políticas. A crise provocou a saída de Karl von Koseritz que por sua vez criou o novo jornal, “Koseritz Deutsche Zeitung”, passando a fazer concorrência com o “Deutsche Zeitung”, ridicularizando fatos pouco recomendáveis, provocando protestos gerais contra o jornal. Como consequência dois dos redatores mais habilitados, o barão von Varnbüler e Hans von Frankenberg, deixaram a redação.
O “Koseritz Deutsche Zeitung”, circulou com esse titulo até 1906, quando adotou o nome definitivo de “Neue Deutsche Zeitung”.
Como já se informou mais acima o “Deutsche Zeitung”, o “Koseritz Deutsche Zeitung” e o “Neue Deutsche Zeitung”, foram os porta-vozes do pensamento liberal tuto-riograndense durante quase 80 anos. Nessa condição entraram em conflito aberto com o segmento teuto-riograndense católico, de modo especial com as lideranças religiosas representadas, em primeiro lugar, pelos jesuítas. Principalmente nas três primeiras décadas da sua circulação as matérias publicadas, demonstraram uma virulência anti-cristã e anti-clerical muito forte, por vezes muito rude e destemperada. Em parte pelo menos entende-se o fato, porque na Alemanha correspondeu ao auge do “Kulturkampf”. Um bom número dos jesuítas mais influentes e mais bem preparados da época, transferiram-se para o sul do Brasil, expulsos por Bismarck. Aqui fundaram colégios, lideraram a pastoral nas colônias, ditavam as normas para a escola e a educação elementar nas escolas comunitárias, envolveram-se em projetos de desenvolvimento regional e de promoção humana. Tudo isso perfeitamente afinado com as diretrizes e orientações do Projeto da Restauração Católica, comandadas por Roma. O autor do “Hundert Jahre Deutschtum” assim se expressou sobre o assunto: “ ( ... ) explica-se o fato de nos encontrarmos na época do Kulturkampf, cujas ondas repercutiam da Alemanha fazendo-se perceber até na tranquilidade da mata virgem”. Hundert Jahre Deutschttum, 1999, p. 207) As tensões existentes entre a cosmovisão dos liberais expressa e defendida no seu jornal e a cosmovisão católica que estava sendo formulada no Concílio Vaticano I, fórum máximo da Igreja Católica, alcançaram o seu clímax nas décadas finais do século XIX. É compreensível que um jornal como o “Deutsche Zeitung”, a serviço da divulgação das conquistas das ciências, do evolucionismo pregado por Darwin e das ideias materialistas de Haeckel, entrasse em choque frontal com os jesuítas, defensores irrestritos das propostas doutrinárias e disciplinares discutidas e impostas pelo Concílio Vaticano I.
Em São Leopoldo circulou entre os anos de 1867 e 1877 o jornal “Der Bote von São Leopoldo”. Esse jornal, por assim dizer, fez parceria com o “Deutsche Zeitung”, de modo especial com seus ataques aos jesuítas e sua atuação. Seu redator nos primeiros anos foi Curtius. A partir de 1875 até o fim da sua circulação teve Wilhelm Rotermund como redator.
No contexto dessa polêmica nasceu em 1871 o jornal “Deutsches Volksblatt” como porta-voz oficial do segmento católico, liderado pelos jesuítas e como resposta às investidas do “Deutsche Zeitung” e do “Bote von São Leopoldo”.
O “Deutsches Volksblatt” teve um começo modesto, quase insignificante nos padrões de hoje, numa casinha nos fundos do jardim do Colégio dos jesuítas em São Leopoldo. Seu primeiro redator foi Jakob Dillenburg. Acumulava ao mesmo tempo as funções de redator, tipógrafo, impressor e expeditor. Dispunha apenas de uma prensa manual, algumas caixas de tipos e de um pequeno estoque de papel. Dessa forma o “Deutsches Volksblatt” foi um exemplo típico de como começou a maioria dos jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul. Apesar de suas dimensões modestas correspondeu bem às necessidades de informação e formação do público leitor da época. A Jakob Dillenburg seguiu na redação, entre os anos de 1875 e 1890, o Pe. Jesuíta Mathias Müch.
Depois da proclamação da República o “Deutsches Volksblatt” assumiu o papel de porta-voz do Partido Católico do Centro, transferido para Porto Alegre, assumido pela Typographia do Centro uma sociedade anônima. Teve como primeiro redator Clemens Wallau, seguido por Hugo Metzler, Josef König, Franz Metzler. Como todos os jornais e demais publicações em língua alemã, encerrou suas atividades, quando da deflagração da Campanha de Nacionalização e o começo da Segunda Guerra Mundial. Com quase setenta anos de circulação o “Deutsches Volksblatt” era, na data de sua última edição, o decano de todos os jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul.
O “Deutshes Volksblatt” manteve-se, durante toda a sua história, fiel às intenções dos seus fundadores e primeiros redatores: servir de porta-voz e de veículo de formação e informação ao segmento católico do Rio Grande do Sul. Na sua primeira fase, 1871-1890, serviu para marcar o espaço ocupado pelos católicos teutos. No começo da década de 1890 assumiu a posição de um jornal a serviço do Partido Católico do Centro, uma experiência que mostrou ser inviável e foi abandonada. Nos restantes quase 50 anos de sua existência o “Deutsches Volksblatt”, apesar de muitos contratempos e dificuldades, cumpriu a sua missão de bem formar e bem informar os seus leitores. Esteve sempre a serviço das organizações teuto-católicas do Rio Grande do Sul, de modo especial dos Congressos dos Católicos realizados regularmente desde 1898, da Associação Riograndense de Agricultores e, mais tarde, da Sociedade União Popular. Esses dois últimos foram projetos ambiciosos de desenvolvimento econômico, cultural, religioso, educacional e cultural e de promoção humana em termos gerais. Especialmente apreciado no jornal era o suplemento dominical conhecido como “Sontagsstimmen”. Esse fato não impediu que circulasse e fosse lido fora das fronteiras de sua clientela imediata. Circulava em todo o Pais, na Argentina, no Chile e na Alemanha. Devido à sua posição de combate ostensivo ao nacional socialismo, sua circulação foi proibida na Alemanha nazista.
O terceiro jornal de grande importância para a imprensa jornalística teuta, o “Deutsche Post” surgiu também em São Leopoldo. Sobre ele o “Hundert Jahre Deutschtum” observa:
Também em São Leopoldo, mas seis anos mais tarde, apareceu o “Deutsche Post”. Apresentou-se, desde o início, como porta-voz dos protestantes, dirigido pelo já citado Dr. Wilhelm Rotermund que ao mesmo tempo ocupava o cargo de pároco dos protestantes de São Leopoldo e principal sustentáculo do Sínodo Riograndense. Que os dois jornais leopoldenses se combatessem por algum tempo mais do que o necessário, deve-se em parte aos representantes de ambas as confissões e em parte ao “Kulturkampf”, como já foi assinalado mais acima. Desde porém, que o “Kulturkampf” foi sendo abandonado, com aplauso geral, na velha pátria alemã, os seus estridentes ecos aqui baixaram pouco a pouco de tom. (Hundert Jahre Deutschtum, 1999, p. )
O “Deutsche Post” exibe as mesmas características dos seus dois congêneres, o “Deutsche Zeitung” e o “Deutsches Volksblatt”. Veio, antes de mais nada para, na condição de porta-voz, marcar o espaço e a presença dos protestantes no Rio Grande do Sul. Por causa do Kulturkampf polemizou no começo acidamente com o “Deutsches Volksblatt”. A partir de meados da década de 1880 assumiu a tarefa de principal sustentáculo do protestantismo no Rio Grande do Sul. Com a fundação do Sínodo Riograndense por Wilhem Rotermund, o “Deutsche Post” iria desempenhar no contexto protestante a mesma função que o “Deutsches Volksblatt” desempenhou entre os católicos. Os dois jornais abandoaram a belicosidade do começo da sua circulação, para servirem às respectivas confissões religiosas, seus projetos eclesiásticos, missionários, de promoção econômica, educacional, cultural e religiosa.
Há, porém, um outro aspecto nessa questão da guerra entre os jornais. Pela sua posição liberal e pela propaganda enfática que fazia das teorias evolucionistas, o “Deutsche Zeitung” atacava tanto os católicos como os protestantes, tornando-se adversário, para não dizer inimigo comum das duas confissões religiosas. Nessas situações os dois jornais confessionais davam-se as mãos no ataque ao “Deutsche Zeitung”, que se transformara em inimigo comum.
Depois que deixou o “Deusche Zeitung” Karl von Koseritz fundou em 1882 o jornal “Koseritz Deutsche Zeitung”. A partir de 1906 o jornal passou a chamar-se “Neue Deutsche Zeitung”, titulo que manteve até o seu fechamento em 1917. Em linhas gerais manteve até o fim a linha editorial impressa por seu fundador, isto é, a defesa e a divulgação do pensamento liberal sem, entretanto, a belicosidade das primeiras décadas.