Neste começo do terceiro milênio um verdadeiro
temporal faz balançar perigosamente a corda
sobre o abismo, atordoa e desorienta a humanidade arrastada por um paradigma civilizatório metido num
gargalo difícil de passar. “A humanidade
mudou profundamente, e o avolumar-se de constantes novidades, consagra uma
fugacidade que nos arrasta à superfície numa única direção. Torna-se difícil
parar para recuperarmos a profundidade da vida”. (Laudato si, 113). Há um dilema preocupante escondido atrás dessa
realidade. De um lado voltar no tempo e reimplantar uma civilização agro
pastoril no modelo de séculos passados não passa de uma nostalgia romântica
impossível. Mas acredito na viabilidade da recuperação dos valores fundamentais que fazem do ser humano um “humano” que ditam as diretrizes do relacionamento das
pessoas sem sacrificar a tecnologia com todos os seus benefícios. Acontece que a
tecnologia veio não só para ficar mas para ditar o ritmo e o compasso da
dinâmica histórica do momento e também do futuro. O drama resume-se em conciliar
as duas coisas. A Encíclica formulou a possível saída desse imbróglio nesses
termos.
O que está a acontecer
põe-nos perante a urgência de avançar numa corajosa revolução cultural. A
ciência e a tecnologia não são neutrais, mas podem desde o início até ao fim
dum processo , envolver diferentes intenções e possibilidades que se podem
configurar de várias maneiras. Ninguém quero o regresso à Idade da Pedra, mas é
indispensável abrandar a marcha para olhar a realidade doutra forma, recolher
os avanços positivos e sustentáveis e ao mesmo tempo recuperar os valores e os
grandes objetivos arrasados por um desenfreamento megalômano. (Laudato si, 114)
A solução, portanto, consiste em recolocar no seu
devido lugar a razão de ser e o uso prático da ciência e tecnologia em relação
o homem que é seu protagonista e usufrui das suas conquistas. Mais acima já nos
ocupamos com esse desafio, que se resume em desenvolver a ciência e a
tecnologia como “ferramenta” para melhorar a qualidade de vida da humanidade em
vez de “instrumento de poder” que serve a poucos e exclui e condena à
marginalidade a grande maioria. Não há necessidade de insistir que essa
reorientação na maneira de avaliar a ciência e a tecnologia, pela sua própria
natureza, só acontece a médio e longo prazo pois, implica na opção por um novo
paradigma civilizatório, que põe em xeque na sua própria essência o que está em
vigor e atualmente governa o mundo. Não passa de ingenuidade, para não dizer
ignorância, dos que acreditam que os
encontros mundiais espalhafatosos sobre clima, água, aquecimento global,
exploração e uso dos recursos naturais e por aí vai, resultem em de alguma
maneira, na solução do verdadeiro nó da questão. O teatro encenado por
governantes, políticos, economistas, estrategistas, organizações não
governamentais etc., pelo simples fato de controlarem o avanço da ciência e
tecnologia e decidirem sobre seus resultados práticos, são os primeiros a defenderem
o paradigma vigente. E, se numa suposição otimista ao extremo, resolvessem
enveredar por um caminho de fato revolucionário, sabem que o impasse não se
resolve por decretos ou decisões assinadas em documentos teatrais pelos
governos de dezenas de países.
A correção da rota a que nos acabamos de referir
começa pela conscientização dos adultos do risco que correm em deixar como
herança para as futuras gerações um planeta depauperado pela exploração sem
freios dos seus recursos. Será inevitável se não ocorrer a curto e médio prazo,
senão uma reversão, pelo menos um arrefecimento da dinâmica nas mãos dos senhores do poder da
tecnologia. A humanidade corre o risco de que esteja preparando o caminho para
uma nova era que nosso já conhecido
cientista Edward Wilson chamou de “Eremozoica” ou “Era da Solidão”. Segundo
ele, se a humanidade continuar no mesmo ritmo de agressão à natureza, a extensão
dos danos causados pela extinção de espécies e danificação simples e pura
destruição dos ecossistemas, ela enfrentará uma situação semelhante ao final da
Era Mesozoica. Essa perspectiva, melhor esse cenário, deveria servir de alerta,
melhor talvez, de susto para a atual geração responsável pelo nosso destino
histórico e acorde para não despencar “da corda estendida sobre o abismo”. Parece claro que, em se tratando da
geração adulta, não cabe mais “educar”, no máximo pode-se falar em reeducar e/u
conscientizar. Ao que tudo indica essa reeducação, esses conscientizar vai tomando cada vez mais espaço e
conquistando rapidamente adeptos.
Mas, quando o assunto é educação ambiental o
público mais importante, por ser decisivo para o futuro, vem a ser os diversos
estágios do ensino. Começa pela infância na família. Num ambiente familiar no qual
os pais e irmãos mais velhos e a própria localização da moradia oferecem o
exemplo de respeito ao ambiente banindo a caça aos animais silvestres e
tratando com a devida racionalidade à parte da natureza que lhes garante o
sustento, a criança interioriza naturalmente essas mesmas atitudes. Aliada aos
pais e irmãos a natureza complementa com seus estímulos diários a moldagem da
personalidade naquela fase tão determinante para o resto da vida. Um cenário
natural com seus córregos, suas plantas, árvores, animais domésticos ou
selvagens, é a melhor escola por nela serem depositadas as sementes que irão
alimentar, e direta ou indiretamente,
pautar a vida posterior das pessoas. Este parece ser a razão mais profunda que
levou o Papa a chamar a natureza de “nossa casa”. Como exemplo escolhi uma anotação
no diário do Pe. Rambo falando da sua
infância: “Fui uma criança um dia, como
todas as crianças, só mais silente e reflexiva do que a maioria delas. Imagens,
flores e florestas virgens sempre foram meus brinquedos prediletos.” Renato
Dalto seu biógrafo acrescenta: “Os brinquedos prediletos estavam na porta da
casa, construída com tábuas de cabriúva à beira de uma mata, onde sobressaiam
também camélias e, um pouco mais além,
guajuviras, cedros, canjeranas, cerejeiras e uma pequena vegetação rasteira.
Este foi o cenário dos primeiros anos da vida. (...) Aos sete anos Balduino vai
estudar numa escolinha comunitária em Tupandi. O caminho até a escola começava
num atalho pelo campo, uma trilha entre as árvores da mata. Uma trilha
emblemática: a natureza seria, pela vida afora, a bússola para todo o
conhecimento. Entenderia através dela, o primitivismo do instinto e o poder da
contemplação. Nela se abrigaria sob as folhas quando a chuva chegasse, ergueria
os olhos para o alto para intuir que um grande pinheiro poderia tocar o céu – e
assim chegaria mais perto de Deus. A natureza foi a primeira escola. Foi também
a escola definitiva”. Não por nada o Pe. Rambo concebeu a natureza como “minha
mãe e pátria”.
O cenário descrito por Renato Dalto mostra bem como
as crianças de 100 anos passados viviam com suas famílias em comunidades
organizadas, com suas escolas, igrejas, casas de comércio, artesanatos e demais
complementos. Idosos, adultos, adolescentes e crianças passavam dos dias em
íntima comunhão com a natureza. Nada os impedia de transitar em total liberdade
nesse ambiente que fornecia o alimento para o corpo e o espírito e os estímulos
para fantasiar à vontade e deliciar-se com a sinfonia da natureza em seu estado
ainda quase puro. Não havia nem rádio, nem luz elétrica, e é supérfluo lembrar
que a televisão nem sequer fazia parte da imaginação do futuro, menos ainda
toda a parafernália eletrônica sem a qual o quotidiano de hoje é impensável.
Exceto algumas novidades tecnológicas como o “rádio de galena”, o telefone
comunitário atendendo um distrito todo, máquinas de calcular mecânicas
acionadas com manivela, máquinas de escrever mecânicas, melhoria nas estradas
etc., esse cenário predominou no interior colonial até o final da Segunda
Guerra Mundial. As pessoas ficam espantadas quando eu lembro que com 20 anos
falei a primeira vez ao telefone, um
desses telefones de manivela hoje peça de museu. O instrumento de última
geração para fazer cálculos foi a famosa “régua de cálculo”. Aos poucos
tornaram-se comuns as máquinas de escrever elétricas. A grande explosão da
automação, da eletrônica, da informática, a extensão das linhas de transmissão
de eletricidade até as grotas mais isoladas, teve os eu começo em torno de 50
anos passados. E vale lembrar mais um dado. Até 1950 O Brasil contava com
redondos 52.000.000 habitantes. Bem mais da metade dessa população vivia no interior agrícola. Começou então a
inverter-se a tendência e hoje dos mais de 200.000.000 de brasileiros, a
população urbana predomina absolutamente sobre a rural.