REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 72


Analisando as consequências desse “paradigma” a Encíclica continua apontando para algumas mais profundas que estimulam os desvios e aberrações do “progresso”. A tecnocracia tende a submeter à sua lógica a economia e a política. A economia vale-se da tecnologia para ser sempre mais produtiva e, principalmente, mais lucrativa. A  produtividade oferece, sem dúvida, vantagens inegáveis para não dizer indispensáveis numa fase histórica em que a humanidade se multiplica em ritmo acelerado. Portanto, o aumento de produção em si é condição para acompanhar as demandas desse crescimento da população. Acontece, porém, que o paradigma que rege esse processo termina por transformá-lo num instrumento de poder controlado por uma minoria. Dessa forma  seus tentáculos vão permeando o tecido social desde a base até o topo onde se formulam os projetos e as estratégias que destinam os resultados da produção tecnológica para perpetuar o seu poder, controlando de como usufruir os seus benefícios. O poder e sua perpetuação nas mesmas mãos torna-se um fim em si e o caminho mais garantido para preserva-lo consiste em controlar a repartição dos bens produzidos. O fim  justificando os meios é, sem dúvida, o resultado prático mais perverso dessa inversão de referências éticas ou na sua pura e simples abolição. O relativismo ético e/ou moral  termina por transformar  as sociedades humanas em organizações nas quais o “vale tudo” dá as cartas. Condena ao esquecimento e, por isso mesmo torna inócuo o que em qualquer ser humana é, pela sua própria natureza  a base do “humano no homem”, isto é, a consciência do que é certo ou errado, do bem ou do mal e, do outro lado a liberdade para decidir sobre o bem e o mal. O resultado é óbvio. Se o critério do bem ou do mal é assumido como norte por uma um sistema em que o relativismo ético pelo   qual o fim justifica os meios é norma, os indivíduos são privados também da liberdade de decidir ou não seguir o que a consciência lhes diz. Ética sem liberdade de consciência não é ética assim como liberdade sem ética não é liberdade. Vive-se no reino do vale tudo, da competição sem freios, da tirania mais desumana e a fartura mais obscena de um lado e, do outro a marginalização em massa, a degradação física, psíquica, moral e espiritual, a morte pela fome de milhões de seres humanos, principalmente crianças. O poder possibilitado pelo paradigma tecnocrático prepara o caminho para tiranos na sua forma mais cruel sonegando ou até confiscando  o que há de mais elementar para uma pessoa gozar um mínimo de dignidade, resultando em autênticos genocídios. São testemunhas os mais de 4 milhões de ucranianos que morreram de fome porque Stalin lhes confiscou as propriedades, as colheitas e os rebanhos. Um número não menor de chineses tiveram o mesmo destino no período de Mau Tse Tung na China e não esqueçamos as táticas de extermínio dos judeus no período do Nacional Socialismo sob Hitler na Alemanha. São três exemplos emblemáticos de genocídio de quase oito décadas passadas. Se olharmos, porém, os cenários humanos que caracterizam o assim denominado terceiro mundo, com destaque para a África, a situação permanece igual ou até pior. Um número indefinido de tiranos rodeados dos seus lacaios concentram em suas contas no exterior e no estilo de vida de nababos, pilhando o que conseguem do produto dos recursos dos seus países. Seus súditos morrem aos milhões de fome, de falta de assistência médica, de saneamento básico e outros bens as quais têm o sagrado direito pelo simples fato de serem seres humanos. É difícil  avaliar o tamanho de crime quando se impede que as pessoas tenham condições as mais elementares para realizar o seu “humano” que, em última análise, é a razão última de presença nesta terra.

“O paradigma tecnocrático tende  a exercer o seu domínio também sobre a economia e a política. A economia assume todo o desenvolvimento tecnológico em função do lucro, se prestar atenção a eventuais consequências negativas para o ser humano”. Nalguns círculos  defende-se que a economia atual e a tecnologia resolverão todos os problemas problemas ambientais, do mesmo modo se afirma , com linguagens não acadêmicas, que os problemas da fome e da miséria no mundo serão resolvidos simplesmente com o crescimento do mercado. Não é uma questão de teorias econômicas, que hoje talvez já ninguém se atreva a defender, mas da sua instalação no desenvolvimento concreto da economia. Aqueles que não o afirmam em palavras defendem-no com os fatos, quando não parece não preocupar-se com o justo nível de proteção, uma melhor distribuição da riqueza, um cuidado responsável do meio ambiente ou os direitos das gerações futuras. ( ... ) Não temos suficiente consciência de quais sejam de quais sejam as raízes mais profundas dos desequilíbrios  atuais: estes têm a ver com a orientação, os fins, o sentido e o contexto social do crescimento tecnológico e econômico (Laudato si,  109)

Não é objetivo da Encíclica analisar em profundidade as consequências políticas, econômicas, sociais, éticas e morais que acompanham a adoção do paradigma tecnocrático que comanda a atual civilização. A sua preocupação centra-se na preocupação pelo meio ambiente maltratado até o irracional com a  adoção dele como eixo reitor do desenvolvimento. O meio ambiente é mais uma das suas vítimas e quem sabe a mais fundamental e indispensável nessa dinâmica. Pede-se de vista que ele, com a humanidade como um dos seus componentes ontológicos ou se preferirmos, existencialmente  nele inserida, forma uma síntese de milhões de componentes, estruturada como um mega sistema, no qual cada um em particular ocupa um lugar e desempenha uma função a serviço do todo. No momento em que visão das coisas for perdida ou ignorada, abre-se o caminho para uma avaliação da natureza equivocada pela sua própria base. O tecnólogo imbuído dessa cosmovisão torna-se incapaz de enxergar o todo e lida com as questões atinentes ao meio ambiente como se fossem peças isoladas aleatórias e casualmente reunidas num conjunto que não tem nada em comum com uma síntese no sentido rigoroso do conceito. E com isso nos encontramos de novo frente à advertência de Teilhard de Chardin, já referida mais acima, apontando para dupla face da tecnologia. Ela é o magnífico instrumento que faz possível o maravilhoso progresso  de que se orgulha a nossa civilização. Como tal merece todo o nosso apoio. Sem a moderna tecnologia a humanidade teria estagnado no tempo. De outro lado, a especialização e a penetração cada mais funda, nos arcanos da natureza, trás consigo o risco de se perder a visão da globalidade e com isso o real sentido que o objeto escolhido para ser analisado. Dependendo da maneira como o especialista o identifica, não passa por ex., de uma roda no plano da mecânica, um órgão sob o ponto de vista da fisiologia, ou um composto de tais ou quais elementos no plano químico. O resultado dessas compreensão da natureza por muitos cientistas e a aplicação das suas descobertas, induzem a consequências práticas importantes. Pouco resolve por ex., salvar da extinção uma espécie de ave ou mamífero, sem tomar em consideração o meio natural em que prospera o a parte que lhe cabe dentro do ecossistema que é o seu habita natural. O mesmo vale para a proteção de vegetais de todas espécies, como as figueiras, as araucárias e outras quando no seu entorno  se permite a deterioração ambiental pois, em última análise, essa é a condição por prosperarem em circunstâncias naturais características, melhor, em ecossistemas determinados. A Encíclica aponta para essa problemática com a advertência.

A cultura ecológica não se pode reduzir a uma série de respostas urgentes e parciais para os problemas que vão surgindo à volta da degradação ambiental, do esgotamento das reservas naturais e da poluição. Deveria ser um olhar diferente um pensamento, uma política, um programa educativo, um estilo de vida e uma espiritualidade que oponham resistência que oponham resistência ao avanço do paradigma tecnocrático. Caso contrário, até as melhores iniciativas ecologistas podem acabar bloqueadas na mesma lógica globalizada. Buscar apenas um remédio técnico para cada problema ambiental que aparece, é isolar as cosas que, na realidade, estão integradas  e esconder os problemas verdadeiros e mais profundos do sistema mundial. (Laudato si, 111)

A pergunta que se coloca depois dessas considerações todas e da advertência da Encíclica, é óbvia:  há como enfrentar com sucesso esse paradigma em que a tecnologia funciona como um instrumento de poder; existe uma perspectiva real e factível de colocar a tecnologia no seu verdadeiro lugar como ferramenta para turbinar o progresso, num paradigma em que os seus produtos e resultados são destinados ao bem comum e não um instrumento de poder nas mãos de uma minoria de tiranos egoístas a comandar a política, a economia, as estratégias militares;  será que ainda dispomos de tempo hábil para livrar a humanidade do  paradigma tecnocrático que a tiraniza e deixa à margem ou à mercê dele quando se trata do acesso e uso e fruto das suas conquistas?; será possível reverter o relativismo ético e/ou moral que distorce e subverte a compreensão do humano no homem, ao justificar os meios,  quais quer meios, pelo fim a que servem?; há condições reais de devolver à consciência das pessoas e à liberdade de obedecer ou não aos seus ditamos o papel de fonte dos valores que garantem às organizações humanas os laços do relacionamento, ditado pela  responsabilidade, o comprometimento e respeito mútuo e, principalmente, pela solidariedade?.



This entry was posted on segunda-feira, 23 de abril de 2018. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.