Archive for março 2018

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 65


No seu outro livro: “Reflexões máximas e mínimas” o mesmo Caldera, capítulo 9, caracteriza em poucas páginas  o tamanho do desafios a serem enfrentados no bojo da crise monumental que se abateu sobre a humanidade. Subverteu e jogou na cesta de lixo da história os valores, entre eles a ética e a liberdade, e todos os outros que compõem o verdadeiramente humano. (die Mesnchlickeit). Permito-me registrar algumas dessas “Reflexões máximas e mínimas”.

Estamos diante de um processo de globalização não somente na economia, de transnacionalização não somente nos mecanismos financeiros, senão de globalização e transnacionalização dos modelos sociais,  políticos e culturais que de alguma forma se vão transmitindo como paradigmas da comunidade humana.
Por um lado, auspiciar uma integração que aproxime os povos, suas economias e suas culturas; por outro lado impulsionar a modernidade de nossas maltratadas nações, a partir não somente  de uma institucionalidade eficiente e eficaz, mas sim de uma nova atitude cultural e política, uma nova política que conclui pela primeira vez as instituições com sua realidade e a lei com as características históricas  concretas do nosso povo.
A barbárie governa o mundo quando não há mais desejo do que riqueza, nem mais ilusão do que o poder.
Para que a salvação seja possível, é necessário superar a cultura do obter e consumir, recusar a civilização idolátrica e o totalitarismo do mercado. (Caldera, 2004, p. 89-90).

Deixando de lado os muitos lados negativos que o paradigma pós-moderno desenhado pelo  o filósofo nicaraguense, voltemos a focar a preocupação que esse modelo de civilização desperta ao constatar sua influência sobre o como lidar com o meio ambiente. Em outras palavras, as implicações sobre o uso dos recursos naturais. “Os efeitos da aplicação desse modelo a toda a realidade, humana e social, constatam-se na  degradação do meio ambiente, mas isso é apenas  um sinal do reducionismo que afeta vida humana e a sociedade em todas suas dimensões”. (Laudato si, 107). Das opiniões expressas acima, com destaque especial para esta última da Encíclica, é lícito concluir que o motor que impulsiona essa civilização resume-se em última análise no poder. Embora a técnica em si seja eticamente neutra, isto é, pode servir tanto para o bem quanto para o mal, cabe ao homem, utilizando sua liberdade, o poder de destiná-la para uma finalidade eticamente positiva ou negativa. Assim, por ex., a energia atômica pode ser canalizada para usinas termoelétricas, de inegável utilidade em países pobres em outras fontes de energia. De outra parte, convertida em armas estratégicas de intimidação ou de seu uso efetivo, coloca nas mãos dos detentores dessa tecnologia um poder que pode decidir, num momento extremo, o destino de uma parte expressiva da vida na terra, inclusive por em risco a sobrevivência da espécie humana. O mesmo verifica-se com a exploração dos recursos naturais. O mesmo pode ser firmado, em termos, do acesso, exploração e disponibilização dos demais recursos naturais. Por isso “os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de certos grupos de poder. (Laudato si, 107). Desta forma as tecnologias  aparentemente neutras sob o ponto de vista ético, tornam-se meios para alcançar objetivos velada ou declaradamente. prejudiciais para  populações e até povos inteiros. Aqui é preciso acrescenta mais um detalhe. A sociedade organizada a partir dos parâmetros “do poder” vai sendo despojada mais ou menos rapidamente dos valores que lhe conferem a sua essência humana, para transformá-la em massa de manobra ou vítimas se preferirmos, dos detentores do poder sobre os recursos naturais. A inversão desses valores começa pela raiz. O fim justifica os meios. Com isso instala-se o relativismo ético como referência de iniciativas e ações concretas de lidar com tudo, com destaque para acesso aos recursos naturais  e sua destinação. Consolidou-se assim o paradigma fundamentado no poder ilimitado que a tecnologia  coloca nas mãos daqueles que a desenvolvem e, principalmente, daqueles que a põem em prática. Essa maneira de pensar e agir é turbinada por uma série de equívocos que podem ser fatais quando se fala em recursos naturais, sua exploração e seu consumo. A Encíclica chama a atenção que,

Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito e ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a espremê-lo até o limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeito negativos das manipulações de ordem natural podem ser facilmente absorvidos. (Laudato si, 106)

Nessa passagem a Encíclica destaca  três dos pilares em que se apoia o poder dos que dominam a exploração dos recursos naturais e sua disponibilização para o consumo das populações pelo mundo afora e/ou em produtos de intimação materializados  na forma de armamentos com potencial de destruição sem limite. Em primeiro lugar, a energia a ser explorada e os recursos disponíveis para atender à demanda crescente não são ilimitados como se afirma. Em segundo lugar, A recuperação dos recursos consumidos é rapidamente absorvível. É neste ponto que o “gargalo” em que a atual civilização está metida, encontra o ponto mais crítico. Em considerações feitas mais acima esse aspecto do meio ambiente já foi mencionado. Mas, não é fora de propósito insistir em alguns pontos importantes. Uma série de reservas de matérias primas imprescindíveis para alimentar pelo menos uma série de tecnologias fundamentais para a demanda, pelo menos de hoje, são limitadas. Como são de natureza mineral ou fóssil, a Natureza levará milhões senão bilhões de anos para repô-los. Pode-se argumentar que novas tecnologias irão substituir as atuais alimentadas com outras fontes de matérias primas. Suponhamos que esta substituição de fato ocorra no futuro. Provavelmente terminará em prolongar por algum tempo a agonia do nosso planeta, tendo em vista que outros recursos fundamentais como alimentos, deterioração das condições climáticas, falta de saneamento básico,  poluição, somada à diminuição da vasão ou desaparecimento das fontes em consequência do desmatamento nas bacias dos rios e seus afluentes, além do esgotamento da  reservas dos aquíferos. Admitamos que a poluição pode ser neutralizada, os aquíferos substituídos pela dessalinização da água do mar. Fica, entretanto, a pergunta: E os custos e investimentos, projetando-se  para o final do século, uma humanidade somando 9 bilhões de indivíduos, segundo a previsão de Edward Wilson?. A esse  cenário é preciso somar que a produção de alimentos seja no mínimo duplicada associada à possibilidade de acesso digno a qualquer pessoa que faz parte dessa gigantesca massa humana. O tamanho da encrenca em que a humanidade está metida ao tentar passar pelo gargalo da sobrevivência, tem o seu fator determinante no modelo de civilização comandada pelos interesses do mercado, pelo  poder político, pelo poder geoeconômico e poder geoestratégico. A aliança perversa desses poderes e interesses mascara um potencial de degradação da Natureza impossível de dimensionar a médio e longo prazo. O fato é que se esses critérios de administrar “nossa casa” continuarem por mais algumas gerações, ou digamos, mais um século,  nossos  descendentes nos amaldiçoarão, e com razão, pelo legado de uma Natureza  arrasada e depauperada em que serão obrigados a sobreviver como que numa “Era de Solidão”. Embora acotovelando-se aos milhões em metrópoles e megalópoles as pessoas não passarão de números sem identidade vivendo o quotidiano numa multidão de solitários. A Encíclica resume esse desafio monumental.

Por isso, é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança. O ser humano não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si. (Laudato si, 105)


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 64


Depois desse desvio voltemos ao nosso cientista de referência. Todos os sonhos não passam de ilusões. “Não é hora de apelar para a ficção científica, mas sim para o bom senso e para a seguinte receita: os ecossistemas e as espécies só podem ser salvos se o valor único e especial de cada um for compreendido, e se as pessoas que têm domínio sobre essas espécies forem persuadidas a servir como suas guardiãs”. (Wilson, 2008, p. 107-108). O cientista faz um prognóstico que merece toda a tenção, para as décadas que faltam para completar o século XXI. De acordo com suas previsões no final deste século a humanidade terá alcançado o pico do seu crescimento somando cerca de 9 bilhões de pessoas, 50% a mais do que havia em 2000. Na esteira desse crescimento e no mesmo ritmo irá aumentar a demanda de recursos para sustentar essa massa humana. Com isso a pressão sobre os recursos naturais também e a consequente exploração do meio ambiente. Felizmente, já dispomos de tecnologias para administrar, pelo menos em parte, os efeitos dessa agressão. Entre outras aquelas que incrementam a produção, a reciclagem de rejeitos, lixo e sobras, transformando-as em adubos orgânicos, em fontes de energia, em matérias primas para a produção de bens para atender a demanda das mais diversas necessidades. A tudo isso torna-se gradativamente mais claro que o consumo de energias fósseis, os grandes vilões da poluição e do aquecimento global, além de causarem danos sérios à saúde, vem sendo substituídos por fontes de energia renováveis. Sobre essa boa notícia o nosso cientista observa: “Essa mudança parece inevitável em razão de um darwinismo no nível empresarial: as empresas e os países dedicados a aplicar e aperfeiçoar tais tecnologias serão os líderes do futuro”. (Wilson, 2008, p. 108).

Sempre segundo Wilson dispomos felizmente de métodos, meios e até uma consciência animadora para impedir em governos de muitos países que se perca o que ainda sobrevive em ecossistemas naturais e suas espécies de animais e plantas. Iniciativas neste sentido podem ser observadas pelo mundo inteiro afora. Sejam de organizações de iniciativa privada, sejam de tomadas de decisões e providências governamentais. De qualquer forma estamos diante de um desafio de dimensões planetárias. “Presenciamos agora uma corrida que vai decidir o destino da maior parte da biodiversidade do planeta. A escolha é simples: salvar a biodiversidade durante o próximo meio século ou perder um quarto, ou mais, das espécies”. (Wilson, 2008, p. 109). Os conhecimentos já disponíveis sobre a biogeografia apontam para uma saída para enfrentar com êxito o monstro do colapso ambiental. Algo cientificamente comprovado é que os seres vivos não povoam a natureza de forma homogênea ou retilínea. Agrupam-se em ecossistemas de identidade e composição própria. Cada um tem a sua fauna e flora acomodada em panoramas geomorfológicos, edafológicos, climatológicos e regimes de chuva que delimitam suas fronteiras e lhe conferem uma identidade própria. Em termos essa situação vale para os mares e oceanos. Na linguagem científica os ecossistemas com grande concentração e alto grau de biodiversidade, são denominados de “hot spots - nichos quentes”. Tomando como base essa referência quanto maior e mais rica em diversidade for um desses “nichos” e maior a sua área, os riscos de extinção de uma espécie são menores   do que as que dependem de territórios menores e/ou pobres em biodiversidade. Em 2000 contavam-se 25 “hot spots” espalhados pelos continentes e ilhas afora. Consideradas as diferenças ambientais, os mares e oceanos abrigam também seus “nichos quentes” contando-se entre eles os bancos de corais, os estuários de rios, os manguezais e outros. Avaliar o tamanho e, principalmente, a complexidade dessas áreas nos oceanos torna-se um desafio bem maior do que as terrestres. Muitas espécies de peixes e animais marinhos, de moluscos e outros migram por enormes distâncias devido ao aquecimento e resfriamento da água, a circulação das correntes oceânicas e outros fatores mais. Existem estudos de natureza geoeconômica que projetam os custos de uma rede de proteção efetiva dos 25 “nichos quentes”, somados à proteção ao interior da Amazônia, da bacia do Conto e florestas da Nova Guiné. Seriam necessários em torno de  30 bilhões de dólares. Com esse valor  financiando projetos de fato eficientes  técnica e cientificamente postos em práticas, seria possível salvar  70% da flora e fauna terrestre.

Passando da terra firme aos oceanos constata-se um quadro talvez mais preocupante ainda, porém, mais sutil pelas suas próprias características. Neste sentido também já foram elaborados plano cientificamente realistas e econômicas viáveis para controlar a depredação das faixas costeiras de 200 milhas de domínio dos países. Em termos de área estamos falando de apenas 0,5% da superfície dos oceanos. Não é a intenção dessas reflexões a profundar o lado científico e técnico de lidar com o planeta. Apontamos os dados e informações acima para alertar pelo que está acontecendo com “a nossa casa” e enxergarmos uma luz no fundo do túnel em que estamos tateando para achar uma saída. (para mais informações e detalhes, recomendo a leitura do livro “A Criação – como salvar a vida na aterra” de eminente especialistas em insetos e ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, do qual extraímos os dados acima). E para concluir o que vínhamos refletindo, reproduzo uma de suas admoestações.

A vida neste planeta não aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de salvar a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico que a humanidade encontrou desde a invenção da agricultura, o tempo de agir, meu distinto amigo, é gora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os que hoje vivem na terra têm de vencer a corrida contra a extinção, ou então serão derrotados – e derrotados para sempre. Eles conquistarão honrarias eternas, ou o desprezo eterno. (Wlson, 208, p. 115).

Se no plano das ciências e tecnologia dispomos teoricamente instrumentos financeiramente suportáveis para passar pelo gargalo ecológico em que estamos entalados, falta resolver outro problema de fundo mais complexo e mais fundamental. Ele perpassa como um “Leitmotiv” o texto original da Encíclica e acompanha as nossas reflexões desde o começo. Trata-se, em  última análise de uma questão de valores e seus reflexos sobre a visão que as pessoas têm do mundo, da natureza e de si próprias. Não há necessidade de insistir que essa situação termina por desenhar o perfil da sociedade como organização e molda o comportamento das pessoas. “Assim podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo atual, está principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objetivos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade”. (Laudato si, 107). O filósofo nicaraguense A. Caldera, já nosso conhecido pelo livro “Todo o tempo futuro foi melhor”, põe na boca de Anaxágoras numa conversa imaginária com Heráclito, a afirmação sobre a pós-modernidade: “Que todos os valores desapareceram. Que é um um mundo sem justiça, sem valores e com uma realidade histórica, política e moral: o mercado. Novo deus, nova teologia, nova moral”. (Caldera, 2004, p. 47).

Fustiga depois os meios de comunicação a serviço da moldagem dessa mente e dessa sociedade.

O pós-pensamento anulou o pensamento. A lumpen-inteligência produzida pela televisão criou um proletariado intelectual. A subcultura dos meios de comunicação e de quem os dirigem, produziu uma invasão pior que a dos gafanhotos que destroem as plantações. A ignorância se converteu em virtude. Como disse Franco Ferroti, citado por Sartori, “estamos enfermos de vazio “. E o pior  é o que diz Neil Postman, citado também por Sartori. “ televisão oferece-nos o melhor quando nos dá diversão-lixo (junk); oferece-nos o pior quando absorve discurso sério(...). Conviria que a televisão fosse pior, não melhor. (Caldera, 2004,
p. 46-47)


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 63


Um dos motores que impulsiona a frenética e cada vez mais acelerada exploração dos recursos naturais, consiste na ilusão de que eles são inesgotáveis. O já mais vezes citado e uma das maiores autoridades e ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, no seu livro “A Criação – como salvar a vida na terra”, deu ao capítulo 10 da obra ao significativo título: “Fim do Jogo”. Neste capítulo o cientista desenha uma panorama realista a que nível chegou a agressão à Natureza com sugestões do que fazer para não passar do limite crítico de um retorno em tempo hábil para salvar a humanidade do colapso.

Agora que o ser humano deixou sua marca implacável, a extinção a extinção em massa teve início. Até o final deste século, esse surto de perdas permanentes deve atingir, se não for controlado, a  um nível comparável ao final da Era Mesozoica. Entraremos então numa era que tanto os poetas como os cientistas talvez queiram chamar de Era Eremozoica, ou Idade da Solidão. Teremos feito tudo isso sozinhos, e conscientes do que estava acontecendo. A vontade de Deus não é desculpa. (Wilson, 2008, p. 106)

Para se ter uma ideia do tamanho do risco de um colapso dos ecossistemas naturais e o tempo médio necessário para reconstitui-los, Wilson chama a atenção que a terra passou por 5 momentos de destruição catastrófica e foram necessários na média 10 milhões de anos para que a natureza se recuperasse dos danos causados. Foram naturais as causas responsáveis pelas catástrofes mencionadas. A última aconteceu há cerca de 60 milhões de anos com o impacto de um meteoro que se abateu sobre a terra perto da península do Yucatán no México. As convulsões que abalaram profundamente a superfície da terra, alteraram para pior o clima durante séculos e seu resultado mais visível foi a extinção dos dinossauros e outras espécies de répteis, além de inúmeras espécies de plantas de modo especial criptógamos. Marca o final da Era Mesozoica e o começo do domínio dos mamíferos e fanerógamos (plantas com flores). Em torno de 10 milhões de anos foram necessários para moldar os ecossistemas que a humanidade iria encontrar e começar a construir a sua história. Os cinco ciclos mencionados foram o resultado de acidentes naturais de grandes proporções. Acontece que neste começo do terceiro milênio um novo cataclismo ambiental pode estar em andamento. Desta vez, porém, o responsável pela concretização ou não de semelhante desastre planetário, está nas mãos do homem como possível consequência das tecnologias que vai desenvolvendo e postas à serviço de uma civilização imediatista e predatória. Essa realidade põe a humanidade frente a um dilema de não pequenas proporções. Ou lega para as futuras gerações uma “casa” perigosamente degradada, senão em grande parte ou totalmente inabitável, ou cria juízo e toma consciência da gravidade do problema e toma medidas de fato eficazes para atalhar o caminho para o abismo. “Um novo estágio de 10 milhões de anos de decadência é inadmissível. A humanidade tem que tomar uma decisão, e agora mesmo – conservar o legado natural da Terra, ou deixar que as futuras gerações se adaptem a um mundo biologicamente empobrecido” (Wilson, 2008, p. 106).

Não deixaram de surgir diversas propostas para de alguma maneira adaptar-se, conviver, sobreviver e lograr alcançar a outra margem do precipício, balançando sobre uma corda bamba, para nos valermos novamente da metáfora de Nietzche. Há aqueles que apostam na criação de nichos de preservação tipo jardim zoológico e/ou botânico. A previsão dos cientistas vê esse tipo de iniciativas inócuo, mesmo multiplicado ao indefinido.  Outros propõem congelar o óvulos fecundados e tecidos das espécie que ainda sobrevivem para futuramente recuperar a vida  a partir deles. Uma proposta mais audaciosa ainda parte de cientistas ao sugerir o registro dos códigos genéticos das espécies disponíveis para, a partir deles repovoar a terra num futuro sem data. Essa solução é ainda menos promissora, para não dizer impraticável do que que aquela dos jardins botânicos e zoológicos. A viabilidade de iniciativas nessa direção são ainda mais falaciosas do que as anteriores. Seriam necessárias instalações, laboratórios especializados e neles trabalhando dia e noite centenas e milhares de especialistas. Acontece que um ecossistema é formado por milhões de espécies de macro organismos vivos e bilhões senão trilhões de microrganismos e nano organismos formando uma trama de relações de uma complexidade e complementariedade tal que simplesmente não há recursos humanos, metodológicos e técnicos para sequer dimensionar o tamanho do desafio que representa. Ao problema de natureza científica acresce a demanda de investimentos que demandariam um volume de recursos materiais e financeiros Impossíveis de arcar. Wilson comenta essa proposta.

Ainda que a biodiversidade ameaçada na terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII. Será denominada “a Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações independentes viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem a menor ideia de como construir um ecossistema  autônomo complexo a partir do nada. Quando, por fim, compreenderem, é possível que descubram que as condições do planeta já totalmente humanizado torna impossível tal reconstrução. (Wilson, 2008, p. 107)

Uma terceira sugestão, ainda mais radical e, por isso mesmo, deve ser descartada por qualquer cientista de sã razão. Falamos da esperança de no futuro a Ciência desenvolver conhecimentos, métodos e laboratórios em condições de criar vida artificial, repovoar a aterra e reunir suas criaturas  em ecossistemas sintéticos. Esse é o cenário, certamente de uma minoria em posições de responsabilidade, embriagados pelo crescente poder sobre a natureza que lhes é posto à disposição pelo avanço da Ciência e da Tecnologia. A estes nosso cientista responde.

Tudo bem, continuemos a pauperizar a biosfera, na esperança de que algum dia  os cientistas consigam criar organismos e espécies artificiais e reuni-los em ecossistemas sintéticos. Que as futuras gerações voltem a preencher os nichos naturais desaparecidos com tigróides programados para não atacar o ser humano, tigres sintéticos que brilham com luz artificial em florestóides, em meio a insetóides que não picam nem mordem. Existem palavras apropriadas para uma biodiversidade artificial como essa, mesmo que ela exista apenas na fantasia: profanação, corrupção, abominação. (Wilson, 2008, p. 107)

Wlilson continua suas observações que todas essas saídas para obviar o impasse ecológico que a humanidade vive hoje, são encontráveis na agenda de um bom número de cientistas, em encontros dos mais diversos níveis de interesses não confessados, não confessáveis ou perceptíveis nas entrelinhas das declarações de intenções dos poderosos e de organizações não governamentais que lidam com a questão ambiental. Tudo não passa de mistificações e sonhos impossíveis. Num dos seus muitos contos, um,  escrito em 1958, com o título “Três anos em Marte”, o Pe Balduino Rambo descreveu, em tom profético, um cenário de completa artificialidade desenvolvida em Marte. Toda a população do planeta vivia concentrada numa gigantesca megalópole na qual tudo era artificial: moradias, alimentos, vestuário, locais de lazer e o que mais se possa imaginar. Reinava uma corrida frenética em busca de sempre novas formas de produzir os insumos para atender as exigências da população. Cabia a uma enorme universidade manter funcionando essa civilização sintética que enveredava para um beco sem saída. O pior de tudo foi que se haviam perdido praticamente todos os valores humanos básicos que sustentam o que de fato há de humano na natureza humana – die Menschlichkeit – valores éticos e morais, valores como solidariedade, compromisso mútuo, a própria liberdade, valores religiosos, enfim o que faz do homem um ser humano. Com o agravamento dessa situação os responsáveis pela universidade se deram conta da urgência de introduzir nos currículos disciplinas de conteúdo humanístico com a finalidade de reumanizar as novas gerações de cientistas e técnicos e, com eles a população como um todo. Como não encontraram nenhum humanista em Marte que fosse capaz de começar essa tarefa e como formar uma equipe imbuída do mesmo espírito, mandaram um disco voador buscar o Pe. Rambo coletando plantas em Cambará. Na ficção, lecionou durante três anos biologia e humanidades, formou um grupo de marcianos para continuar a tarefa e foi devolvido à terra. Por mais inverossímil e fantasioso que esse conto possa parecer, aponta, deixando de lado a situação extrema pintada no conto, para os riscos  da direção em que caminha a humanidade.