No seu outro livro: “Reflexões máximas e mínimas” o
mesmo Caldera, capítulo 9, caracteriza em poucas páginas o tamanho do desafios a serem enfrentados no
bojo da crise monumental que se abateu sobre a humanidade. Subverteu e jogou na
cesta de lixo da história os valores, entre eles a ética e a liberdade, e todos
os outros que compõem o verdadeiramente humano. (die Mesnchlickeit). Permito-me
registrar algumas dessas “Reflexões máximas e mínimas”.
Estamos diante de um
processo de globalização não somente na economia, de transnacionalização não
somente nos mecanismos financeiros, senão de globalização e transnacionalização
dos modelos sociais, políticos e
culturais que de alguma forma se vão transmitindo como paradigmas da comunidade
humana.
Por um lado, auspiciar uma
integração que aproxime os povos, suas economias e suas culturas; por outro
lado impulsionar a modernidade de nossas maltratadas nações, a partir não
somente de uma institucionalidade
eficiente e eficaz, mas sim de uma nova atitude cultural e política, uma nova
política que conclui pela primeira vez as instituições com sua realidade e a
lei com as características históricas
concretas do nosso povo.
A barbárie governa o mundo
quando não há mais desejo do que riqueza, nem mais ilusão do que o poder.
Para que a salvação seja
possível, é necessário superar a cultura do obter e consumir, recusar a
civilização idolátrica e o totalitarismo do mercado. (Caldera, 2004, p. 89-90).
Deixando de lado os muitos lados negativos que o
paradigma pós-moderno desenhado pelo o
filósofo nicaraguense, voltemos a focar a preocupação que esse modelo de
civilização desperta ao constatar sua influência sobre o como lidar com o meio
ambiente. Em outras palavras, as implicações sobre o uso dos recursos naturais.
“Os efeitos da aplicação desse modelo a toda a realidade, humana e social,
constatam-se na degradação do meio
ambiente, mas isso é apenas um sinal do
reducionismo que afeta vida humana e a sociedade em todas suas dimensões”.
(Laudato si, 107). Das opiniões expressas acima, com destaque especial para
esta última da Encíclica, é lícito concluir que o motor que impulsiona essa
civilização resume-se em última análise no poder. Embora a técnica em si seja
eticamente neutra, isto é, pode servir tanto para o bem quanto para o mal, cabe
ao homem, utilizando sua liberdade, o poder de destiná-la para uma finalidade
eticamente positiva ou negativa. Assim, por ex., a energia atômica pode ser
canalizada para usinas termoelétricas, de inegável utilidade em países pobres
em outras fontes de energia. De outra parte, convertida em armas estratégicas
de intimidação ou de seu uso efetivo, coloca nas mãos dos detentores dessa
tecnologia um poder que pode decidir, num momento extremo, o destino de uma
parte expressiva da vida na terra, inclusive por em risco a sobrevivência da
espécie humana. O mesmo verifica-se com a exploração dos recursos naturais. O
mesmo pode ser firmado, em termos, do acesso, exploração e disponibilização dos
demais recursos naturais. Por isso “os produtos da técnica não são neutros,
porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam
as possibilidades sociais na linha dos interesses de certos grupos de poder.
(Laudato si, 107). Desta forma as tecnologias
aparentemente neutras sob o ponto de vista ético, tornam-se meios para
alcançar objetivos velada ou declaradamente. prejudiciais para populações e até povos inteiros. Aqui é
preciso acrescenta mais um detalhe. A sociedade organizada a partir dos
parâmetros “do poder” vai sendo despojada mais ou menos rapidamente dos valores
que lhe conferem a sua essência humana, para transformá-la em massa de manobra
ou vítimas se preferirmos, dos detentores do poder sobre os recursos naturais.
A inversão desses valores começa pela raiz. O fim justifica os meios. Com isso
instala-se o relativismo ético como referência de iniciativas e ações concretas
de lidar com tudo, com destaque para acesso aos recursos naturais e sua destinação. Consolidou-se assim o paradigma
fundamentado no poder ilimitado que a tecnologia coloca nas mãos daqueles que a desenvolvem e,
principalmente, daqueles que a põem em prática. Essa maneira de pensar e agir é
turbinada por uma série de equívocos que podem ser fatais quando se fala em
recursos naturais, sua exploração e seu consumo. A Encíclica chama a atenção
que,
Daqui passa-se facilmente à
ideia dum crescimento infinito e ilimitado, que tanto entusiasmou os
economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da
disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a espremê-lo até o
limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que existe uma
quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua
regeneração é possível de imediato e que os efeito negativos das manipulações
de ordem natural podem ser facilmente absorvidos. (Laudato si, 106)
Nessa passagem a Encíclica destaca três dos pilares em que se apoia o poder dos que
dominam a exploração dos recursos naturais e sua disponibilização para o
consumo das populações pelo mundo afora e/ou em produtos de intimação materializados
na forma de armamentos com potencial de
destruição sem limite. Em primeiro lugar, a energia a ser explorada e os
recursos disponíveis para atender à demanda crescente não são ilimitados como
se afirma. Em segundo lugar, A recuperação dos recursos consumidos é
rapidamente absorvível. É neste ponto que o “gargalo” em que a atual
civilização está metida, encontra o ponto mais crítico. Em considerações feitas
mais acima esse aspecto do meio ambiente já foi mencionado. Mas, não é fora de
propósito insistir em alguns pontos importantes. Uma série de reservas de
matérias primas imprescindíveis para alimentar pelo menos uma série de
tecnologias fundamentais para a demanda, pelo menos de hoje, são limitadas.
Como são de natureza mineral ou fóssil, a Natureza levará milhões senão bilhões
de anos para repô-los. Pode-se argumentar que novas tecnologias irão substituir
as atuais alimentadas com outras fontes de matérias primas. Suponhamos que esta
substituição de fato ocorra no futuro. Provavelmente terminará em prolongar por
algum tempo a agonia do nosso planeta, tendo em vista que outros recursos
fundamentais como alimentos, deterioração das condições climáticas, falta de
saneamento básico, poluição, somada à
diminuição da vasão ou desaparecimento das fontes em consequência do
desmatamento nas bacias dos rios e seus afluentes, além do esgotamento da reservas dos aquíferos. Admitamos que a
poluição pode ser neutralizada, os aquíferos substituídos pela dessalinização
da água do mar. Fica, entretanto, a pergunta: E os custos e investimentos,
projetando-se para o final do século,
uma humanidade somando 9 bilhões de indivíduos, segundo a previsão de Edward
Wilson?. A esse cenário é preciso somar
que a produção de alimentos seja no mínimo duplicada associada à possibilidade
de acesso digno a qualquer pessoa que faz parte dessa gigantesca massa humana.
O tamanho da encrenca em que a humanidade está metida ao tentar passar pelo
gargalo da sobrevivência, tem o seu fator determinante no modelo de civilização
comandada pelos interesses do mercado, pelo
poder político, pelo poder geoeconômico e poder geoestratégico. A aliança
perversa desses poderes e interesses mascara um potencial de degradação da
Natureza impossível de dimensionar a médio e longo prazo. O fato é que se esses
critérios de administrar “nossa casa” continuarem por mais algumas gerações, ou
digamos, mais um século, nossos descendentes nos amaldiçoarão, e com razão,
pelo legado de uma Natureza arrasada e
depauperada em que serão obrigados a sobreviver como que numa “Era de Solidão”.
Embora acotovelando-se aos milhões em metrópoles e megalópoles as pessoas não
passarão de números sem identidade vivendo o quotidiano numa multidão de solitários.
A Encíclica resume esse desafio monumental.
Por isso, é possível que
hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe
apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do
seu poder quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas
necessidades de utilidade e segurança. O ser humano não é plenamente autônomo.
A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das
necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, ele
está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter
os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais,
mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma
espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum
lúcido domínio de si. (Laudato si, 105)