REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 65


No seu outro livro: “Reflexões máximas e mínimas” o mesmo Caldera, capítulo 9, caracteriza em poucas páginas  o tamanho do desafios a serem enfrentados no bojo da crise monumental que se abateu sobre a humanidade. Subverteu e jogou na cesta de lixo da história os valores, entre eles a ética e a liberdade, e todos os outros que compõem o verdadeiramente humano. (die Mesnchlickeit). Permito-me registrar algumas dessas “Reflexões máximas e mínimas”.

Estamos diante de um processo de globalização não somente na economia, de transnacionalização não somente nos mecanismos financeiros, senão de globalização e transnacionalização dos modelos sociais,  políticos e culturais que de alguma forma se vão transmitindo como paradigmas da comunidade humana.
Por um lado, auspiciar uma integração que aproxime os povos, suas economias e suas culturas; por outro lado impulsionar a modernidade de nossas maltratadas nações, a partir não somente  de uma institucionalidade eficiente e eficaz, mas sim de uma nova atitude cultural e política, uma nova política que conclui pela primeira vez as instituições com sua realidade e a lei com as características históricas  concretas do nosso povo.
A barbárie governa o mundo quando não há mais desejo do que riqueza, nem mais ilusão do que o poder.
Para que a salvação seja possível, é necessário superar a cultura do obter e consumir, recusar a civilização idolátrica e o totalitarismo do mercado. (Caldera, 2004, p. 89-90).

Deixando de lado os muitos lados negativos que o paradigma pós-moderno desenhado pelo  o filósofo nicaraguense, voltemos a focar a preocupação que esse modelo de civilização desperta ao constatar sua influência sobre o como lidar com o meio ambiente. Em outras palavras, as implicações sobre o uso dos recursos naturais. “Os efeitos da aplicação desse modelo a toda a realidade, humana e social, constatam-se na  degradação do meio ambiente, mas isso é apenas  um sinal do reducionismo que afeta vida humana e a sociedade em todas suas dimensões”. (Laudato si, 107). Das opiniões expressas acima, com destaque especial para esta última da Encíclica, é lícito concluir que o motor que impulsiona essa civilização resume-se em última análise no poder. Embora a técnica em si seja eticamente neutra, isto é, pode servir tanto para o bem quanto para o mal, cabe ao homem, utilizando sua liberdade, o poder de destiná-la para uma finalidade eticamente positiva ou negativa. Assim, por ex., a energia atômica pode ser canalizada para usinas termoelétricas, de inegável utilidade em países pobres em outras fontes de energia. De outra parte, convertida em armas estratégicas de intimidação ou de seu uso efetivo, coloca nas mãos dos detentores dessa tecnologia um poder que pode decidir, num momento extremo, o destino de uma parte expressiva da vida na terra, inclusive por em risco a sobrevivência da espécie humana. O mesmo verifica-se com a exploração dos recursos naturais. O mesmo pode ser firmado, em termos, do acesso, exploração e disponibilização dos demais recursos naturais. Por isso “os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de certos grupos de poder. (Laudato si, 107). Desta forma as tecnologias  aparentemente neutras sob o ponto de vista ético, tornam-se meios para alcançar objetivos velada ou declaradamente. prejudiciais para  populações e até povos inteiros. Aqui é preciso acrescenta mais um detalhe. A sociedade organizada a partir dos parâmetros “do poder” vai sendo despojada mais ou menos rapidamente dos valores que lhe conferem a sua essência humana, para transformá-la em massa de manobra ou vítimas se preferirmos, dos detentores do poder sobre os recursos naturais. A inversão desses valores começa pela raiz. O fim justifica os meios. Com isso instala-se o relativismo ético como referência de iniciativas e ações concretas de lidar com tudo, com destaque para acesso aos recursos naturais  e sua destinação. Consolidou-se assim o paradigma fundamentado no poder ilimitado que a tecnologia  coloca nas mãos daqueles que a desenvolvem e, principalmente, daqueles que a põem em prática. Essa maneira de pensar e agir é turbinada por uma série de equívocos que podem ser fatais quando se fala em recursos naturais, sua exploração e seu consumo. A Encíclica chama a atenção que,

Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito e ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a espremê-lo até o limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeito negativos das manipulações de ordem natural podem ser facilmente absorvidos. (Laudato si, 106)

Nessa passagem a Encíclica destaca  três dos pilares em que se apoia o poder dos que dominam a exploração dos recursos naturais e sua disponibilização para o consumo das populações pelo mundo afora e/ou em produtos de intimação materializados  na forma de armamentos com potencial de destruição sem limite. Em primeiro lugar, a energia a ser explorada e os recursos disponíveis para atender à demanda crescente não são ilimitados como se afirma. Em segundo lugar, A recuperação dos recursos consumidos é rapidamente absorvível. É neste ponto que o “gargalo” em que a atual civilização está metida, encontra o ponto mais crítico. Em considerações feitas mais acima esse aspecto do meio ambiente já foi mencionado. Mas, não é fora de propósito insistir em alguns pontos importantes. Uma série de reservas de matérias primas imprescindíveis para alimentar pelo menos uma série de tecnologias fundamentais para a demanda, pelo menos de hoje, são limitadas. Como são de natureza mineral ou fóssil, a Natureza levará milhões senão bilhões de anos para repô-los. Pode-se argumentar que novas tecnologias irão substituir as atuais alimentadas com outras fontes de matérias primas. Suponhamos que esta substituição de fato ocorra no futuro. Provavelmente terminará em prolongar por algum tempo a agonia do nosso planeta, tendo em vista que outros recursos fundamentais como alimentos, deterioração das condições climáticas, falta de saneamento básico,  poluição, somada à diminuição da vasão ou desaparecimento das fontes em consequência do desmatamento nas bacias dos rios e seus afluentes, além do esgotamento da  reservas dos aquíferos. Admitamos que a poluição pode ser neutralizada, os aquíferos substituídos pela dessalinização da água do mar. Fica, entretanto, a pergunta: E os custos e investimentos, projetando-se  para o final do século, uma humanidade somando 9 bilhões de indivíduos, segundo a previsão de Edward Wilson?. A esse  cenário é preciso somar que a produção de alimentos seja no mínimo duplicada associada à possibilidade de acesso digno a qualquer pessoa que faz parte dessa gigantesca massa humana. O tamanho da encrenca em que a humanidade está metida ao tentar passar pelo gargalo da sobrevivência, tem o seu fator determinante no modelo de civilização comandada pelos interesses do mercado, pelo  poder político, pelo poder geoeconômico e poder geoestratégico. A aliança perversa desses poderes e interesses mascara um potencial de degradação da Natureza impossível de dimensionar a médio e longo prazo. O fato é que se esses critérios de administrar “nossa casa” continuarem por mais algumas gerações, ou digamos, mais um século,  nossos  descendentes nos amaldiçoarão, e com razão, pelo legado de uma Natureza  arrasada e depauperada em que serão obrigados a sobreviver como que numa “Era de Solidão”. Embora acotovelando-se aos milhões em metrópoles e megalópoles as pessoas não passarão de números sem identidade vivendo o quotidiano numa multidão de solitários. A Encíclica resume esse desafio monumental.

Por isso, é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança. O ser humano não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si. (Laudato si, 105)


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