REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 64


Depois desse desvio voltemos ao nosso cientista de referência. Todos os sonhos não passam de ilusões. “Não é hora de apelar para a ficção científica, mas sim para o bom senso e para a seguinte receita: os ecossistemas e as espécies só podem ser salvos se o valor único e especial de cada um for compreendido, e se as pessoas que têm domínio sobre essas espécies forem persuadidas a servir como suas guardiãs”. (Wilson, 2008, p. 107-108). O cientista faz um prognóstico que merece toda a tenção, para as décadas que faltam para completar o século XXI. De acordo com suas previsões no final deste século a humanidade terá alcançado o pico do seu crescimento somando cerca de 9 bilhões de pessoas, 50% a mais do que havia em 2000. Na esteira desse crescimento e no mesmo ritmo irá aumentar a demanda de recursos para sustentar essa massa humana. Com isso a pressão sobre os recursos naturais também e a consequente exploração do meio ambiente. Felizmente, já dispomos de tecnologias para administrar, pelo menos em parte, os efeitos dessa agressão. Entre outras aquelas que incrementam a produção, a reciclagem de rejeitos, lixo e sobras, transformando-as em adubos orgânicos, em fontes de energia, em matérias primas para a produção de bens para atender a demanda das mais diversas necessidades. A tudo isso torna-se gradativamente mais claro que o consumo de energias fósseis, os grandes vilões da poluição e do aquecimento global, além de causarem danos sérios à saúde, vem sendo substituídos por fontes de energia renováveis. Sobre essa boa notícia o nosso cientista observa: “Essa mudança parece inevitável em razão de um darwinismo no nível empresarial: as empresas e os países dedicados a aplicar e aperfeiçoar tais tecnologias serão os líderes do futuro”. (Wilson, 2008, p. 108).

Sempre segundo Wilson dispomos felizmente de métodos, meios e até uma consciência animadora para impedir em governos de muitos países que se perca o que ainda sobrevive em ecossistemas naturais e suas espécies de animais e plantas. Iniciativas neste sentido podem ser observadas pelo mundo inteiro afora. Sejam de organizações de iniciativa privada, sejam de tomadas de decisões e providências governamentais. De qualquer forma estamos diante de um desafio de dimensões planetárias. “Presenciamos agora uma corrida que vai decidir o destino da maior parte da biodiversidade do planeta. A escolha é simples: salvar a biodiversidade durante o próximo meio século ou perder um quarto, ou mais, das espécies”. (Wilson, 2008, p. 109). Os conhecimentos já disponíveis sobre a biogeografia apontam para uma saída para enfrentar com êxito o monstro do colapso ambiental. Algo cientificamente comprovado é que os seres vivos não povoam a natureza de forma homogênea ou retilínea. Agrupam-se em ecossistemas de identidade e composição própria. Cada um tem a sua fauna e flora acomodada em panoramas geomorfológicos, edafológicos, climatológicos e regimes de chuva que delimitam suas fronteiras e lhe conferem uma identidade própria. Em termos essa situação vale para os mares e oceanos. Na linguagem científica os ecossistemas com grande concentração e alto grau de biodiversidade, são denominados de “hot spots - nichos quentes”. Tomando como base essa referência quanto maior e mais rica em diversidade for um desses “nichos” e maior a sua área, os riscos de extinção de uma espécie são menores   do que as que dependem de territórios menores e/ou pobres em biodiversidade. Em 2000 contavam-se 25 “hot spots” espalhados pelos continentes e ilhas afora. Consideradas as diferenças ambientais, os mares e oceanos abrigam também seus “nichos quentes” contando-se entre eles os bancos de corais, os estuários de rios, os manguezais e outros. Avaliar o tamanho e, principalmente, a complexidade dessas áreas nos oceanos torna-se um desafio bem maior do que as terrestres. Muitas espécies de peixes e animais marinhos, de moluscos e outros migram por enormes distâncias devido ao aquecimento e resfriamento da água, a circulação das correntes oceânicas e outros fatores mais. Existem estudos de natureza geoeconômica que projetam os custos de uma rede de proteção efetiva dos 25 “nichos quentes”, somados à proteção ao interior da Amazônia, da bacia do Conto e florestas da Nova Guiné. Seriam necessários em torno de  30 bilhões de dólares. Com esse valor  financiando projetos de fato eficientes  técnica e cientificamente postos em práticas, seria possível salvar  70% da flora e fauna terrestre.

Passando da terra firme aos oceanos constata-se um quadro talvez mais preocupante ainda, porém, mais sutil pelas suas próprias características. Neste sentido também já foram elaborados plano cientificamente realistas e econômicas viáveis para controlar a depredação das faixas costeiras de 200 milhas de domínio dos países. Em termos de área estamos falando de apenas 0,5% da superfície dos oceanos. Não é a intenção dessas reflexões a profundar o lado científico e técnico de lidar com o planeta. Apontamos os dados e informações acima para alertar pelo que está acontecendo com “a nossa casa” e enxergarmos uma luz no fundo do túnel em que estamos tateando para achar uma saída. (para mais informações e detalhes, recomendo a leitura do livro “A Criação – como salvar a vida na aterra” de eminente especialistas em insetos e ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, do qual extraímos os dados acima). E para concluir o que vínhamos refletindo, reproduzo uma de suas admoestações.

A vida neste planeta não aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de salvar a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico que a humanidade encontrou desde a invenção da agricultura, o tempo de agir, meu distinto amigo, é gora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os que hoje vivem na terra têm de vencer a corrida contra a extinção, ou então serão derrotados – e derrotados para sempre. Eles conquistarão honrarias eternas, ou o desprezo eterno. (Wlson, 208, p. 115).

Se no plano das ciências e tecnologia dispomos teoricamente instrumentos financeiramente suportáveis para passar pelo gargalo ecológico em que estamos entalados, falta resolver outro problema de fundo mais complexo e mais fundamental. Ele perpassa como um “Leitmotiv” o texto original da Encíclica e acompanha as nossas reflexões desde o começo. Trata-se, em  última análise de uma questão de valores e seus reflexos sobre a visão que as pessoas têm do mundo, da natureza e de si próprias. Não há necessidade de insistir que essa situação termina por desenhar o perfil da sociedade como organização e molda o comportamento das pessoas. “Assim podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo atual, está principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objetivos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade”. (Laudato si, 107). O filósofo nicaraguense A. Caldera, já nosso conhecido pelo livro “Todo o tempo futuro foi melhor”, põe na boca de Anaxágoras numa conversa imaginária com Heráclito, a afirmação sobre a pós-modernidade: “Que todos os valores desapareceram. Que é um um mundo sem justiça, sem valores e com uma realidade histórica, política e moral: o mercado. Novo deus, nova teologia, nova moral”. (Caldera, 2004, p. 47).

Fustiga depois os meios de comunicação a serviço da moldagem dessa mente e dessa sociedade.

O pós-pensamento anulou o pensamento. A lumpen-inteligência produzida pela televisão criou um proletariado intelectual. A subcultura dos meios de comunicação e de quem os dirigem, produziu uma invasão pior que a dos gafanhotos que destroem as plantações. A ignorância se converteu em virtude. Como disse Franco Ferroti, citado por Sartori, “estamos enfermos de vazio “. E o pior  é o que diz Neil Postman, citado também por Sartori. “ televisão oferece-nos o melhor quando nos dá diversão-lixo (junk); oferece-nos o pior quando absorve discurso sério(...). Conviria que a televisão fosse pior, não melhor. (Caldera, 2004,
p. 46-47)


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