Depois desse desvio voltemos ao nosso cientista de
referência. Todos os sonhos não passam de ilusões. “Não é hora de apelar para a
ficção científica, mas sim para o bom senso e para a seguinte receita: os
ecossistemas e as espécies só podem ser salvos se o valor único e especial de
cada um for compreendido, e se as pessoas que têm domínio sobre essas espécies
forem persuadidas a servir como suas guardiãs”. (Wilson, 2008, p. 107-108). O
cientista faz um prognóstico que merece toda a tenção, para as décadas que
faltam para completar o século XXI. De acordo com suas previsões no final deste
século a humanidade terá alcançado o pico do seu crescimento somando cerca de 9
bilhões de pessoas, 50% a mais do que havia em 2000. Na esteira desse
crescimento e no mesmo ritmo irá aumentar a demanda de recursos para sustentar
essa massa humana. Com isso a pressão sobre os recursos naturais também e a
consequente exploração do meio ambiente. Felizmente, já dispomos de tecnologias
para administrar, pelo menos em parte, os efeitos dessa agressão. Entre outras
aquelas que incrementam a produção, a reciclagem de rejeitos, lixo e sobras,
transformando-as em adubos orgânicos, em fontes de energia, em matérias primas para
a produção de bens para atender a demanda das mais diversas necessidades. A
tudo isso torna-se gradativamente mais claro que o consumo de energias fósseis,
os grandes vilões da poluição e do aquecimento global, além de causarem danos
sérios à saúde, vem sendo substituídos por fontes de energia renováveis. Sobre
essa boa notícia o nosso cientista observa: “Essa mudança parece inevitável em
razão de um darwinismo no nível empresarial: as empresas e os países dedicados
a aplicar e aperfeiçoar tais tecnologias serão os líderes do futuro”. (Wilson,
2008, p. 108).
Sempre segundo Wilson dispomos felizmente de métodos,
meios e até uma consciência animadora para impedir em governos de muitos países
que se perca o que ainda sobrevive em ecossistemas naturais e suas espécies de
animais e plantas. Iniciativas neste sentido podem ser observadas pelo mundo
inteiro afora. Sejam de organizações de iniciativa privada, sejam de tomadas de
decisões e providências governamentais. De qualquer forma estamos diante de um
desafio de dimensões planetárias. “Presenciamos agora uma corrida que vai
decidir o destino da maior parte da biodiversidade do planeta. A escolha é
simples: salvar a biodiversidade durante o próximo meio século ou perder um
quarto, ou mais, das espécies”. (Wilson, 2008, p. 109). Os conhecimentos já
disponíveis sobre a biogeografia apontam para uma saída para enfrentar com
êxito o monstro do colapso ambiental. Algo cientificamente comprovado é que os
seres vivos não povoam a natureza de forma homogênea ou retilínea. Agrupam-se
em ecossistemas de identidade e composição própria. Cada um tem a sua fauna e flora
acomodada em panoramas geomorfológicos, edafológicos, climatológicos e regimes
de chuva que delimitam suas fronteiras e lhe conferem uma identidade própria.
Em termos essa situação vale para os mares e oceanos. Na linguagem científica
os ecossistemas com grande concentração e alto grau de biodiversidade, são denominados
de “hot spots - nichos quentes”. Tomando como base essa referência quanto maior
e mais rica em diversidade for um desses “nichos” e maior a sua área, os riscos
de extinção de uma espécie são menores do que as que dependem de territórios menores
e/ou pobres em biodiversidade. Em 2000 contavam-se 25 “hot spots” espalhados
pelos continentes e ilhas afora. Consideradas as diferenças ambientais, os
mares e oceanos abrigam também seus “nichos quentes” contando-se entre eles os
bancos de corais, os estuários de rios, os manguezais e outros. Avaliar o
tamanho e, principalmente, a complexidade dessas áreas nos oceanos torna-se um
desafio bem maior do que as terrestres. Muitas espécies de peixes e animais
marinhos, de moluscos e outros migram por enormes distâncias devido ao
aquecimento e resfriamento da água, a circulação das correntes oceânicas e
outros fatores mais. Existem estudos de natureza geoeconômica que projetam os
custos de uma rede de proteção efetiva dos 25 “nichos quentes”, somados à
proteção ao interior da Amazônia, da bacia do Conto e florestas da Nova Guiné.
Seriam necessários em torno de 30
bilhões de dólares. Com esse valor
financiando projetos de fato eficientes técnica e cientificamente postos em práticas,
seria possível salvar 70% da flora e
fauna terrestre.
Passando da terra firme aos oceanos constata-se um
quadro talvez mais preocupante ainda, porém, mais sutil pelas suas próprias
características. Neste sentido também já foram elaborados plano cientificamente
realistas e econômicas viáveis para controlar a depredação das faixas costeiras
de 200 milhas de domínio dos países. Em termos de área estamos falando de
apenas 0,5% da superfície dos oceanos. Não é a intenção dessas reflexões a
profundar o lado científico e técnico de lidar com o planeta. Apontamos os dados
e informações acima para alertar pelo que está acontecendo com “a nossa casa” e
enxergarmos uma luz no fundo do túnel em que estamos tateando para achar uma
saída. (para mais informações e detalhes, recomendo a leitura do livro “A
Criação – como salvar a vida na aterra” de eminente especialistas em insetos e
ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, do qual extraímos os dados
acima). E para concluir o que vínhamos refletindo, reproduzo uma de suas
admoestações.
A vida neste planeta não
aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de salvar
a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a
biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico que a humanidade
encontrou desde a invenção da agricultura, o tempo de agir, meu distinto amigo,
é gora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os que hoje
vivem na terra têm de vencer a corrida contra a extinção, ou então serão
derrotados – e derrotados para sempre. Eles conquistarão honrarias eternas, ou
o desprezo eterno. (Wlson, 208, p. 115).
Se no plano das ciências e tecnologia dispomos
teoricamente instrumentos financeiramente suportáveis para passar pelo gargalo ecológico
em que estamos entalados, falta resolver outro problema de fundo mais complexo
e mais fundamental. Ele perpassa como um “Leitmotiv” o texto original da
Encíclica e acompanha as nossas reflexões desde o começo. Trata-se, em última análise de uma questão de valores e
seus reflexos sobre a visão que as pessoas têm do mundo, da natureza e de si
próprias. Não há necessidade de insistir que essa situação termina por desenhar
o perfil da sociedade como organização e molda o comportamento das pessoas. “Assim
podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo atual, está
principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e
os objetivos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona
a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade”. (Laudato si, 107). O
filósofo nicaraguense A. Caldera, já nosso conhecido pelo livro “Todo o tempo
futuro foi melhor”, põe na boca de Anaxágoras numa conversa imaginária com
Heráclito, a afirmação sobre a pós-modernidade: “Que todos os valores
desapareceram. Que é um um mundo sem justiça, sem valores e com uma realidade
histórica, política e moral: o mercado. Novo deus, nova teologia, nova moral”.
(Caldera, 2004, p. 47).
Fustiga depois os meios de comunicação a serviço da
moldagem dessa mente e dessa sociedade.
O pós-pensamento anulou o
pensamento. A lumpen-inteligência produzida pela televisão criou um
proletariado intelectual. A subcultura dos meios de comunicação e de quem os
dirigem, produziu uma invasão pior que a dos gafanhotos que destroem as
plantações. A ignorância se converteu em virtude. Como disse Franco Ferroti,
citado por Sartori, “estamos enfermos de vazio “. E o pior é o que diz Neil Postman, citado também por
Sartori. “ televisão oferece-nos o melhor quando nos dá diversão-lixo (junk);
oferece-nos o pior quando absorve discurso sério(...). Conviria que a televisão
fosse pior, não melhor. (Caldera, 2004,
p. 46-47)