Um dos motores que impulsiona a frenética e cada
vez mais acelerada exploração dos recursos naturais, consiste na ilusão de que eles
são inesgotáveis. O já mais vezes citado e uma das maiores autoridades e
ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, no seu livro “A Criação – como
salvar a vida na terra”, deu ao capítulo 10 da obra ao significativo título:
“Fim do Jogo”. Neste capítulo o cientista desenha uma panorama realista a que
nível chegou a agressão à Natureza com sugestões do que fazer para não passar
do limite crítico de um retorno em tempo hábil para salvar a humanidade do
colapso.
Agora que o ser humano
deixou sua marca implacável, a extinção a extinção em massa teve início. Até o
final deste século, esse surto de perdas permanentes deve atingir, se não for
controlado, a um nível comparável ao
final da Era Mesozoica. Entraremos então numa era que tanto os poetas como os
cientistas talvez queiram chamar de Era Eremozoica, ou Idade da Solidão.
Teremos feito tudo isso sozinhos, e conscientes do que estava acontecendo. A
vontade de Deus não é desculpa. (Wilson, 2008, p. 106)
Para se ter uma ideia do tamanho do risco de um
colapso dos ecossistemas naturais e o tempo médio necessário para
reconstitui-los, Wilson chama a atenção que a terra passou por 5 momentos de
destruição catastrófica e foram necessários na média 10 milhões de anos para
que a natureza se recuperasse dos danos causados. Foram naturais as causas responsáveis
pelas catástrofes mencionadas. A última aconteceu há cerca de 60 milhões de
anos com o impacto de um meteoro que se abateu sobre a terra perto da península
do Yucatán no México. As convulsões que abalaram profundamente a superfície da
terra, alteraram para pior o clima durante séculos e seu resultado mais visível
foi a extinção dos dinossauros e outras espécies de répteis, além de inúmeras
espécies de plantas de modo especial criptógamos. Marca o final da Era
Mesozoica e o começo do domínio dos mamíferos e fanerógamos (plantas com
flores). Em torno de 10 milhões de anos foram necessários para moldar os ecossistemas
que a humanidade iria encontrar e começar a construir a sua história. Os cinco
ciclos mencionados foram o resultado de acidentes naturais de grandes
proporções. Acontece que neste começo do terceiro milênio um novo cataclismo
ambiental pode estar em andamento. Desta vez, porém, o responsável pela
concretização ou não de semelhante desastre planetário, está nas mãos do homem
como possível consequência das tecnologias que vai desenvolvendo e postas à
serviço de uma civilização imediatista e predatória. Essa realidade põe a
humanidade frente a um dilema de não pequenas proporções. Ou lega para as
futuras gerações uma “casa” perigosamente degradada, senão em grande parte ou
totalmente inabitável, ou cria juízo e toma consciência da gravidade do problema
e toma medidas de fato eficazes para atalhar o caminho para o abismo. “Um novo
estágio de 10 milhões de anos de decadência é inadmissível. A humanidade tem
que tomar uma decisão, e agora mesmo – conservar o legado natural da Terra, ou
deixar que as futuras gerações se adaptem a um mundo biologicamente empobrecido”
(Wilson, 2008, p. 106).
Não deixaram de surgir diversas propostas para de
alguma maneira adaptar-se, conviver, sobreviver e lograr alcançar a outra
margem do precipício, balançando sobre uma corda bamba, para nos valermos
novamente da metáfora de Nietzche. Há aqueles que apostam na criação de nichos
de preservação tipo jardim zoológico e/ou botânico. A previsão dos cientistas
vê esse tipo de iniciativas inócuo, mesmo multiplicado ao indefinido. Outros propõem congelar o óvulos fecundados e
tecidos das espécie que ainda sobrevivem para futuramente recuperar a vida a partir deles. Uma proposta mais audaciosa
ainda parte de cientistas ao sugerir o registro dos códigos genéticos das
espécies disponíveis para, a partir deles repovoar a terra num futuro sem data.
Essa solução é ainda menos promissora, para não dizer impraticável do que que
aquela dos jardins botânicos e zoológicos. A viabilidade de iniciativas nessa
direção são ainda mais falaciosas do que as anteriores. Seriam necessárias
instalações, laboratórios especializados e neles trabalhando dia e noite
centenas e milhares de especialistas. Acontece que um ecossistema é formado por
milhões de espécies de macro organismos vivos e bilhões senão trilhões de
microrganismos e nano organismos formando uma trama de relações de uma
complexidade e complementariedade tal que simplesmente não há recursos humanos,
metodológicos e técnicos para sequer dimensionar o tamanho do desafio que
representa. Ao problema de natureza científica acresce a demanda de
investimentos que demandariam um volume de recursos materiais e financeiros Impossíveis
de arcar. Wilson comenta essa proposta.
Ainda que a biodiversidade
ameaçada na terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e
reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII.
Será denominada “a Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações
independentes viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem a menor
ideia de como construir um ecossistema
autônomo complexo a partir do nada. Quando, por fim, compreenderem, é
possível que descubram que as condições do planeta já totalmente humanizado
torna impossível tal reconstrução. (Wilson, 2008, p. 107)
Uma terceira sugestão, ainda mais radical e, por
isso mesmo, deve ser descartada por qualquer cientista de sã razão. Falamos da
esperança de no futuro a Ciência desenvolver conhecimentos, métodos e
laboratórios em condições de criar vida artificial, repovoar a aterra e reunir
suas criaturas em ecossistemas
sintéticos. Esse é o cenário, certamente de uma minoria em posições de
responsabilidade, embriagados pelo crescente poder sobre a natureza que lhes é
posto à disposição pelo avanço da Ciência e da Tecnologia. A estes nosso
cientista responde.
Tudo bem, continuemos a
pauperizar a biosfera, na esperança de que algum dia os cientistas consigam criar organismos e
espécies artificiais e reuni-los em ecossistemas sintéticos. Que as futuras
gerações voltem a preencher os nichos naturais desaparecidos com tigróides
programados para não atacar o ser humano, tigres sintéticos que brilham com luz
artificial em florestóides, em meio a insetóides que não picam nem mordem.
Existem palavras apropriadas para uma biodiversidade artificial como essa,
mesmo que ela exista apenas na fantasia: profanação, corrupção, abominação.
(Wilson, 2008, p. 107)
Wlilson continua suas observações que todas essas
saídas para obviar o impasse ecológico que a humanidade vive hoje, são
encontráveis na agenda de um bom número de cientistas, em encontros dos mais
diversos níveis de interesses não confessados, não confessáveis ou perceptíveis
nas entrelinhas das declarações de intenções dos poderosos e de organizações
não governamentais que lidam com a questão ambiental. Tudo não passa de
mistificações e sonhos impossíveis. Num dos seus muitos contos, um, escrito em 1958, com o título “Três anos em
Marte”, o Pe Balduino Rambo descreveu, em tom profético, um cenário de completa
artificialidade desenvolvida em Marte. Toda a população do planeta vivia
concentrada numa gigantesca megalópole na qual tudo era artificial: moradias,
alimentos, vestuário, locais de lazer e o que mais se possa imaginar. Reinava
uma corrida frenética em busca de sempre novas formas de produzir os insumos
para atender as exigências da população. Cabia a uma enorme universidade manter
funcionando essa civilização sintética que enveredava para um beco sem saída. O
pior de tudo foi que se haviam perdido praticamente todos os valores humanos básicos
que sustentam o que de fato há de humano na natureza humana – die
Menschlichkeit – valores éticos e morais, valores como solidariedade,
compromisso mútuo, a própria liberdade, valores religiosos, enfim o que faz do
homem um ser humano. Com o agravamento dessa situação os responsáveis pela
universidade se deram conta da urgência de introduzir nos currículos
disciplinas de conteúdo humanístico com a finalidade de reumanizar as novas
gerações de cientistas e técnicos e, com eles a população como um todo. Como
não encontraram nenhum humanista em Marte que fosse capaz de começar essa
tarefa e como formar uma equipe imbuída do mesmo espírito, mandaram um disco
voador buscar o Pe. Rambo coletando plantas em Cambará. Na ficção, lecionou
durante três anos biologia e humanidades, formou um grupo de marcianos para
continuar a tarefa e foi devolvido à terra. Por mais inverossímil e fantasioso
que esse conto possa parecer, aponta, deixando de lado a situação extrema
pintada no conto, para os riscos da
direção em que caminha a humanidade.