REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 63


Um dos motores que impulsiona a frenética e cada vez mais acelerada exploração dos recursos naturais, consiste na ilusão de que eles são inesgotáveis. O já mais vezes citado e uma das maiores autoridades e ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, no seu livro “A Criação – como salvar a vida na terra”, deu ao capítulo 10 da obra ao significativo título: “Fim do Jogo”. Neste capítulo o cientista desenha uma panorama realista a que nível chegou a agressão à Natureza com sugestões do que fazer para não passar do limite crítico de um retorno em tempo hábil para salvar a humanidade do colapso.

Agora que o ser humano deixou sua marca implacável, a extinção a extinção em massa teve início. Até o final deste século, esse surto de perdas permanentes deve atingir, se não for controlado, a  um nível comparável ao final da Era Mesozoica. Entraremos então numa era que tanto os poetas como os cientistas talvez queiram chamar de Era Eremozoica, ou Idade da Solidão. Teremos feito tudo isso sozinhos, e conscientes do que estava acontecendo. A vontade de Deus não é desculpa. (Wilson, 2008, p. 106)

Para se ter uma ideia do tamanho do risco de um colapso dos ecossistemas naturais e o tempo médio necessário para reconstitui-los, Wilson chama a atenção que a terra passou por 5 momentos de destruição catastrófica e foram necessários na média 10 milhões de anos para que a natureza se recuperasse dos danos causados. Foram naturais as causas responsáveis pelas catástrofes mencionadas. A última aconteceu há cerca de 60 milhões de anos com o impacto de um meteoro que se abateu sobre a terra perto da península do Yucatán no México. As convulsões que abalaram profundamente a superfície da terra, alteraram para pior o clima durante séculos e seu resultado mais visível foi a extinção dos dinossauros e outras espécies de répteis, além de inúmeras espécies de plantas de modo especial criptógamos. Marca o final da Era Mesozoica e o começo do domínio dos mamíferos e fanerógamos (plantas com flores). Em torno de 10 milhões de anos foram necessários para moldar os ecossistemas que a humanidade iria encontrar e começar a construir a sua história. Os cinco ciclos mencionados foram o resultado de acidentes naturais de grandes proporções. Acontece que neste começo do terceiro milênio um novo cataclismo ambiental pode estar em andamento. Desta vez, porém, o responsável pela concretização ou não de semelhante desastre planetário, está nas mãos do homem como possível consequência das tecnologias que vai desenvolvendo e postas à serviço de uma civilização imediatista e predatória. Essa realidade põe a humanidade frente a um dilema de não pequenas proporções. Ou lega para as futuras gerações uma “casa” perigosamente degradada, senão em grande parte ou totalmente inabitável, ou cria juízo e toma consciência da gravidade do problema e toma medidas de fato eficazes para atalhar o caminho para o abismo. “Um novo estágio de 10 milhões de anos de decadência é inadmissível. A humanidade tem que tomar uma decisão, e agora mesmo – conservar o legado natural da Terra, ou deixar que as futuras gerações se adaptem a um mundo biologicamente empobrecido” (Wilson, 2008, p. 106).

Não deixaram de surgir diversas propostas para de alguma maneira adaptar-se, conviver, sobreviver e lograr alcançar a outra margem do precipício, balançando sobre uma corda bamba, para nos valermos novamente da metáfora de Nietzche. Há aqueles que apostam na criação de nichos de preservação tipo jardim zoológico e/ou botânico. A previsão dos cientistas vê esse tipo de iniciativas inócuo, mesmo multiplicado ao indefinido.  Outros propõem congelar o óvulos fecundados e tecidos das espécie que ainda sobrevivem para futuramente recuperar a vida  a partir deles. Uma proposta mais audaciosa ainda parte de cientistas ao sugerir o registro dos códigos genéticos das espécies disponíveis para, a partir deles repovoar a terra num futuro sem data. Essa solução é ainda menos promissora, para não dizer impraticável do que que aquela dos jardins botânicos e zoológicos. A viabilidade de iniciativas nessa direção são ainda mais falaciosas do que as anteriores. Seriam necessárias instalações, laboratórios especializados e neles trabalhando dia e noite centenas e milhares de especialistas. Acontece que um ecossistema é formado por milhões de espécies de macro organismos vivos e bilhões senão trilhões de microrganismos e nano organismos formando uma trama de relações de uma complexidade e complementariedade tal que simplesmente não há recursos humanos, metodológicos e técnicos para sequer dimensionar o tamanho do desafio que representa. Ao problema de natureza científica acresce a demanda de investimentos que demandariam um volume de recursos materiais e financeiros Impossíveis de arcar. Wilson comenta essa proposta.

Ainda que a biodiversidade ameaçada na terra, em toda a sua imensidão, pudesse ser reanimada e reproduzir-se em populações à espera de um retorno àquilo que, no século XXII. Será denominada “a Natureza”, a reconstrução, por essa forma, de populações independentes viáveis está fora do nosso alcance. Os biólogos não tem a menor ideia de como construir um ecossistema  autônomo complexo a partir do nada. Quando, por fim, compreenderem, é possível que descubram que as condições do planeta já totalmente humanizado torna impossível tal reconstrução. (Wilson, 2008, p. 107)

Uma terceira sugestão, ainda mais radical e, por isso mesmo, deve ser descartada por qualquer cientista de sã razão. Falamos da esperança de no futuro a Ciência desenvolver conhecimentos, métodos e laboratórios em condições de criar vida artificial, repovoar a aterra e reunir suas criaturas  em ecossistemas sintéticos. Esse é o cenário, certamente de uma minoria em posições de responsabilidade, embriagados pelo crescente poder sobre a natureza que lhes é posto à disposição pelo avanço da Ciência e da Tecnologia. A estes nosso cientista responde.

Tudo bem, continuemos a pauperizar a biosfera, na esperança de que algum dia  os cientistas consigam criar organismos e espécies artificiais e reuni-los em ecossistemas sintéticos. Que as futuras gerações voltem a preencher os nichos naturais desaparecidos com tigróides programados para não atacar o ser humano, tigres sintéticos que brilham com luz artificial em florestóides, em meio a insetóides que não picam nem mordem. Existem palavras apropriadas para uma biodiversidade artificial como essa, mesmo que ela exista apenas na fantasia: profanação, corrupção, abominação. (Wilson, 2008, p. 107)

Wlilson continua suas observações que todas essas saídas para obviar o impasse ecológico que a humanidade vive hoje, são encontráveis na agenda de um bom número de cientistas, em encontros dos mais diversos níveis de interesses não confessados, não confessáveis ou perceptíveis nas entrelinhas das declarações de intenções dos poderosos e de organizações não governamentais que lidam com a questão ambiental. Tudo não passa de mistificações e sonhos impossíveis. Num dos seus muitos contos, um,  escrito em 1958, com o título “Três anos em Marte”, o Pe Balduino Rambo descreveu, em tom profético, um cenário de completa artificialidade desenvolvida em Marte. Toda a população do planeta vivia concentrada numa gigantesca megalópole na qual tudo era artificial: moradias, alimentos, vestuário, locais de lazer e o que mais se possa imaginar. Reinava uma corrida frenética em busca de sempre novas formas de produzir os insumos para atender as exigências da população. Cabia a uma enorme universidade manter funcionando essa civilização sintética que enveredava para um beco sem saída. O pior de tudo foi que se haviam perdido praticamente todos os valores humanos básicos que sustentam o que de fato há de humano na natureza humana – die Menschlichkeit – valores éticos e morais, valores como solidariedade, compromisso mútuo, a própria liberdade, valores religiosos, enfim o que faz do homem um ser humano. Com o agravamento dessa situação os responsáveis pela universidade se deram conta da urgência de introduzir nos currículos disciplinas de conteúdo humanístico com a finalidade de reumanizar as novas gerações de cientistas e técnicos e, com eles a população como um todo. Como não encontraram nenhum humanista em Marte que fosse capaz de começar essa tarefa e como formar uma equipe imbuída do mesmo espírito, mandaram um disco voador buscar o Pe. Rambo coletando plantas em Cambará. Na ficção, lecionou durante três anos biologia e humanidades, formou um grupo de marcianos para continuar a tarefa e foi devolvido à terra. Por mais inverossímil e fantasioso que esse conto possa parecer, aponta, deixando de lado a situação extrema pintada no conto, para os riscos  da direção em que caminha a humanidade.


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