Depois
de descrever as diversas modalidades do “belo ameno” que se manifesta na
harmonia das formas características de cada paisagem, os sentimentos e as
emoções que desperta, leva a uma contemplação da natureza que resulta em
tranquilidade, harmonia, satisfação, e repouso. Enfim, a harmonia das paisagens
reflete-se na alma devolvendo-lhe a sensação de paz e equilíbrio. Já o “belo
grandioso” impacta sobre a alma assustando-a ao mesmo tempo que a encanta. O
encanto do susto num misto de
arrebatamento estético revolve as entranhas mais profundas do ser, do mistério,
do acontecer na natureza. Esses componentes aparentemente contraditórios levam
a perceber o fascínio e, ao mesmo tempo a grandiosidade e o assustador de
paisagens e dos fenômenos naturais.
Passando
da teorização para a realidade concreta, os fenômenos naturais capazes de despertar
a sensação do belo grandioso ocorrem nas mais diversas modalidades: em
tempestades, montanhas, cataratas, grandes florestas, oceanos, abismos,
inundações, terremotos, erupções vulcânicas, tsunamis ... O elemento assustador
associa-se em muitas vezes à grandiosidade do espetáculo, resultando num misto
de temor e fascínio. É isso que faz uma
pessoa contemplar o movimento do oceano; observar a aproximação de uma
tempestade; um abismo insondável, a erupção de um vulcão. “Nunca o ser humano
tanto se aproxima de si mesmo e do mundo, do que quando se deixa arrastar pelo
imenso mar-oceano do belo” (Rambo, 1994, p. 222). Maria Rohde, descreveu um
cenário desses, tendo novamente o rio Uruguai com centro.
Ao nosso lado estendia-se
por toda a largura do rio e na frente sua gigantesca superfície avançando até
onde a vista alcançava. Estávamos acomodados no fundo da canoa e deixamos que o
poderoso espetáculo nos impressionasse, As crianças que nunca tinham visto algo
maior que o Taquari, estavam fora de si diante da grandeza do caudal. Mil coisas
ocupavam sua atenção. Ora eram os peixes que davam saltos ousados
perto da canoa, ora era a vegetação
romântica e selvagem nos barrancos, ora árvores desconhecidas e, somando a
tudo, a impressão avassaladora do conjunto
fez com que nessa primeira viagem pelo Uruguai, não se esquecessem do
menor detalhe. Só enxergavam o grandioso todo desse gigantesco panorama da
floresta virgem. Até onde alcançava a vista, sucediam-se as ondas que subiam e
desciam, formadas pela floresta sempre verde e, no meio dela avançava, tranquila
e alegre, a lâmina prateada do grande rio. (Rohde, 1950, p. 49).
Mais
acima chamamos à atenção para alguns dos espetáculos da natureza capazes de
despertar o estado de espírito do Belo grandioso. Em determinados casos o
grandioso vem associado ao assustador. Entre esses espetáculos da natureza
enumera-se terremotos, erupções vulcânicas, inundações de dimensões
catastróficas ... Entre esses exemplos a maioria é episódica ou restrita a
algumas circunstâncias geográficas e/ou geológicas regionais ou locais. Sendo
assim um número limitado de observadores tem o privilégio de vivenciar o seu
potencial estético, grandioso ou assustador. Entre eles o mais universal são as
tempestades. São tão comuns quanto populares por ocorrem em muitas e vastas
regiões da terra com circunstâncias climáticas favoráveis. Sob a denominação de
tempestade catalogam-se diversas categorias de acordo com seu potencial
estético e assustador. No topo da lista estão os tsunamis e os furacões de alto
potencial de destruição. Nas trovoadas tão comuns aqui no sul do Brasil nota-se um
certo equilíbrio entre o belo grandioso e o assustador. Vale a pena reproduzir
como exemplo a descrição de um temporal de verão sobre Porto Alegre, registrada
pelo Pe. Rambo no seu diário de 3 de julho de 1946.
Sobre os montes do outro
lado do rio subia negra parede de nuvens. Enquanto eu atravessava a mata um
trovão surdo e prolongado ecoou sobre a planície. ( ... ) Retirei-me do mato e
sentei-me no alpendre da velha casa de madeira, Por cima do rio que escurecia,
rolavam vapores de nuvens branco-cinzentas. Nas alturas do céu cruzava um lista
densa de neblina, que com boa velocidade ascendia mais e mais. Adiante, lá no
fundo, armavam-se em conjuntos
irregulares, montanhas gigantescas de nuvens, que da cidade avançavam em
direção à laguna. E no meio desse jogo furioso de bruma e nuvens, de luz e
iminente crepúsculo, uivava sem cessar o Teu trovão. Qual flagelo de chamas
coriscavam os Teus raios de uma ponta a outra da fronteira dessa trovoada,
baixando tremeluzentes e cintilantes, através da cortina da chuva, em direção à
terra. Um estrondo e um rugido contínuo, entremeado por estampidos de trovões
que sacudiam a natureza inteira, acompanha a passagem furibunda do Teu carro
tonitruante pelas montanhas do matagal de nuvens. A região toda, céu e terra,
está imersa em ameaçadora treva, luzes faiscantes e raivosos estalos de trovão.
Algo barbaramente grandioso e misterioso falava de dentro da arena, em que se
desenrolava a Natureza. Mais e mais a escuridão envolvia a paisagem, ( ... ).
Eis que uma leve viração do vento começa a agitar o arvoredo! Seguiu-se um
vento morno e forte, fazendo com que as copas dos eucaliptos se arqueassem e
inclinassem e as primeiras gotas
estalaram sobre a folhagem e o telhado. Por cima estourou o estrondo de um
trovão, que fez tremer a cassa toda. E começou a chuva, um aguaceiro pesado,
regional, fustigado pelo vento que, em questão de minutos converteu tudo em
correntes, despejando água e mais água, como se fossem eternas e inesgotáveis
as Tuas nuvens. De quando em vez, uma breve pausa. Logo mais um novo relâmpago,
seguido de trovão, fazia as Tuas quedas de água esbravejarem. (Rambo, 1994, p.
261-262).
Depois
de descrito o fenômeno o autor faz uma reflexão na qual procura entender o que
age por trás deste e de outro fenômenos com potencial de impacto semelhante sobre
o existencial mais íntimo do observador. Para começo de conversa é preciso não
se esquecer, que o Pe. Rambo parte da premissa de que a Natureza é obra da
Criação. Atrás do ser e acontecer dela age um Criador e ponto final. A
estética, a harmonia e o belo que se observam e vivenciam não passam de infinitas
formas e modalidades da Natureza, refletindo a beleza e a harmonia do protótipo
Divino. Em outras palavras a Natureza é O livro aberto da Revelação. Esse
caminho de que se vale para revelar-se aos homens, inspirou São Paulo ao
escrever os versículos 19 e 20, do capítulo primeiro da Carta aos Romanos: “Porque
o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto a eles: porque Deus lho
manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis
depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas: e
assim também seu poder eterno e sua divindade, de tal sorte que são eles
inescusáveis”.
O
notável nesses versículos é a definição de Revelação Natural sem a
intermediação de uma tradição específica, viciada pelos cacoetes inevitáveis das diferentes cosmovisões histórico-culturais, como por ex., a
judaico-cristã. Em outras palavras. São Paulo não se meteu a ensinar como Deus
criou a natureza. Apenas ensina que Seus atributos permeiam e iluminam a
natureza como um todo e os seres vivos em particular, de maneira que qualquer
pessoa de espírito desarmado é capaz de perceber. E se Deus se manifesta nas
criaturas a lógica manda conclui que foi Ele que de alguma forma as criou. A
criação direta e imediata de cada espécie em particular como ensina o fixismo
foi descartada pela ciência. Superadas foram também as hipóteses que defendem a
intervenção direta de Deus em momentos da história da vida em que a ciência e a
razão não tem respostas convincentes: a explicação pelo “Deus ex machina” ou
pelo “Design inteligente”. Para São Paulo a criação é um fato. Como se deu esse
acontecimento, se foi uma única vez quando o “estofo” do universo” se fez
realidade no começo de tudo, ou em mais momentos da história do mundo e da
vida, é tarefa da Filosofia e da Ciência. Cabe aos dois aliarem-se num esforço
comum e solidário, esclarecer essas questões. Qualquer resposta que apresentarem
não mexe no essencial: A Natureza é obra do Criador e o Criador se manifesta através dela.
Todo o acúmulo do saber é
inútil, a não ser que, a semelhança da árvore, enterre suas raízes no solo
materno do Teu mistério cósmico, lá onde os Teus mananciais jorram para dentro
da vida eterna. Toda a Ciência acaba na soberba Faustina, se não navegar pela
corrente do Eros controlado, buscando o que é verdadeiro, bom e belo e
abraçando todas as criaturas com amor
nupcial. A pesquisa e a ciência só enriquecem o homem, quando lá embaixo, nas
últimas radículas do ser, se entrelaçam e absorvem sua seiva vital de
mananciais do Ser como tal. (Rambo, 1994, p. 308).
Se
a natureza em si, pelas suas formas, paisagens, cenários e elementos
individualizados, é capaz de estimular a
sensação do belo em todas as intensidades, a presença do homem e suas obras,
acrescem tonalidades singulares ao belo natural. É difícil localizar uma
território geográfico maior onde a presença do homem não conta séculos e
milênios. Por tudo que já vimos refletindo até aqui, chega a ser redundante
chamar a atenção que a saga das civilizações mascarou profundamente o chão em
que se consolidaram. Essa simbiose entre as civilizações e seu chão, resulta
num belo todo particular. Não só particular
mas em todas as sua intensidades.
Avaliado sob esse viés, os vestígios e as obras que marcam a presença do homem
na história falam uma eloquente linguagem. A sensação do belo que despertam vão
do lírico e romântico, ao grandioso, misterioso e assustador. Os exemplos são
muitos. Podem ser admirados nos lugares mais impossíveis como na ilha da Páscoa
isolada no Pacífico Sul. Não é só a imponência daqueles personagens esculpidos
em monoblocos, pesando toneladas. Contemplando essas esculturas a imaginação começa a viajar em busca da origem
e identidade do povo daquela ilha perdida nos confins do oceano. Donde e como
chegou até lá, de que se alimentavam, qual o estágio de tecnologia de que
dispunham para esculpir aqueles blocos de rocha maciça. Aquelas figuras em pedra enfileiradas no descampado
pareciam em atitude do último adeus aos seus artífices. Aquelas estátuas
olhando para o oceano a perder-se no horizonte, falavam mais alto do que
qualquer contador de histórias ou documentos escritos. Por séculos, quem sabe,
por milênios, a ilha foi a pátria de uma estirpe de homens e mulheres de um
respeitável nível cultural. O imaginário, o mítico, o místico fala uma
linguagem carregada de significados através da fisionomia impassível daqueles
gigantes talhados em rochas vulcânicas.
E
o que dizer dos templos, pirâmides e esfinge do Egito? Principalmente as
pirâmides e a esfinge sentinela daqueles monumentos que há milênios dominam a
paisagem da entrada do grande deserto. Também eles dão testemunho de um povo
que dominava a arte de calcular, a astronomia, técnicas avançadas de extração
de pedras de grande volume e peso, seu transporte por quilômetros até ao local
da construção e sua elevação a dezenas de meros de altura. Os colossos
rigorosamente geométricos e orientados de acordo com referências astronômicas, dão testemunho de um povo com
conhecimentos profundos de matemática, engenharia e astronomia. E o que mais
impressiona no cenário das pirâmides é a esfinge com sua expressão enigmática.
Os autores desses monumentos fúnebres alertam o homem do século XXI para um
imaginário que tem a morte como referência central. Dizem respeito à pergunta
existencial que todos os povos de alguma forma tentaram responder: a morte é
fim da existência ou a transição, a passagem para uma outra dimensão? Esses
monumentos que dominam o cenário da entrada do maior dos desertos da terra,
falam mais alto do que os papiros com seus hieróglifos. São testemunhos mudos
mas eloquentes da perenidade do “humano” no homem que perpassa todos os tempos.
É, sem dúvida uma paisagem humanizada de um belo grandioso excepcional. Aliás o deserto em si, independente de obras
humanas é de um belo que mexe fundo na alma de quem o consegue captar. Cabe
aqui a observação de um idoso e experimentado guarda dos parques nacionais
norte-americanos. “Há quase 50 anos estou a serviço nos parques e conheço todos
os parques nacionais do país. O maior prazer sinto no deserto. Aí Deus está
mais perto”. (Rambo, 2.015, p, 314).
No
Egito os templos e, principalmente, as pirâmides conferem à paisagem a sensação
do belo grandioso. Esse papel cabe também aos monumentos megalíticos espalhados
pela Europa. Como as pirâmides são monumentos fúnebres, o que lhes empresta
diante mão a aura de belo grandioso envolto em mistério. Aquelas estruturas de
blocos maciços de muitas toneladas,
podem parecer aos imediatistas do século XXI como um desperdício no mínimo
desnecessário. Sendo monumentos funerários, porém, são majestosas testemunhas
de culturas que, à sua maneira tornaram
perene a compreensão que tinham da morte como um acontecimento da existência do
homem que sugere perenidade. Dispersos pela paisagem falam uma linguagem
eloquente de povos e culturas do passado que se faziam as mesmas perguntas que
ainda hoje fazemos; a morte é o fim de uma existência ou a passagem para um
outro nível? Os monumentos que chegaram até nós, provam que seus idealizadores e construtores acreditavam,
sinceramente de que se tratava do momento de uma passagem e por isso merecia ser
imortalizado com blocos de rochas maciças, o que para eles materializava a perenidade
e/ou a imortalidade. Permanece a incógnita como os edificadores desses monumentos
conseguiram por em pé blocos daquele tamanho e peso e sobre eles peças de iguais dimensões para
formar portais como em “Stone Henge” na Inglaterra. Também esses monumentos
conferem à paisagem um belo profundo, místico ou misterioso.
Poderíamos
continuar enumerando obras ou monumentos que o homem deixou implantados na
paisagem natural pelo mundo afora desde tempos imemoriais. A muralha da China,
as sete maravilhas do mundo antigo, as pirâmides dos Maias, as cidades incas,
os castelos e catedrais da Idade Média, o Cristo Redentor do Corcovado e outros
mais. E para encerrar esse tópico lembramos ainda a contribuição para o belo
grandioso e sobretudo carregado de sentido histórico das ruinas dos Sete Povos
no noroeste do Rio Grande do Sul.
A paisagem mais
profundamente impressionante é o das antigas reduções jesuíticas. Ali não falta
nenhum elemento humano: os cantos de
guerra das tribos guaranis, a entrada épica dos missionários e dos
bandeirantes, a cruz de Cristo chantada nos mirantes do “Tape”, a caridade
cristã implantada nos corações dos bárbaros, a bondade humana simbolizada na
nascente cultura, a malícia humana nas suas formas mais repelentes –
florescimento, progresso, abandono e destruição
- ruínas e destroços. E por cima de tudo isso nova vida medra e
frutifica nos nossos dias: é um quadro simbolizando todas as fases da atividade
e das paixões humanas, (Rambo, 1942, p. 337)
Depois dessas reflexões sobre o estético e o belo que a natureza oferece numa infinidade de
modalidades, é oportuno acrescentar algumas conclusões. Para desfrutar o que há
de belo e estético na natureza
pressupõe-se, não um grau esmerado de formação acadêmica, mas um espírito
aberto capaz de usufruir dos encantos que a natureza oferece. O privilégio de
empolgar-se com o belo na natureza, não é reservado a qualquer um. Não se pode
esperar gozo estético do madeireiro que percorre um pinheiral e os avalia em
metros cúbicos de madeira ou dúzias de tábuas, nem de um caçador de tocaia para
abater uma onça, nem do fazendeiro avaliando o rebanho em arrobas de carne.
Enfim a sensibilidade para o estético e o belo não é “o negócio” dos que se
aproximam da natureza com a finalidade de auferir resultados econômicos,
proveitos políticos, vantagens estratégicas, reconhecimento e prestígio
pessoal. De outra parte a percepção do estético e o gozo do belo está ao alcance de qualquer pessoa dotada de um mínimo de
receptividade, de imaginação e de instinto e de capacidade de farejar os
encantos e os mistérios naturais que a
rodeiam. Ricos, pobres, poderosos e humildes, em termos, nivelam-se ao sentirem
o pulsar do “humano” contemplando as maravilhas da Criação. A visão de um por
se sol, dum campo em flor, duma catarata, duma cachoeira, dum abismo, duma
montanha, dum vulcão, duma floresta, do oceano,
ecoa nos arcanos mais profundos do ser humano. Essa capacidade de vivenciar,
de gozar, de deleitar-se em contato com a natureza, radica no próprio cerne da existência
do ser humano. Irrompe no momento oportuno caso não estiver sufocado por razões
às quais já fizemos referência mais acima. Essa relação das pessoas com o
habitat natural não é racional, nem irracional. É simplesmente “humana” –
“Menschlich”. Esse conhecer e usufruir não segue nem a lógica filosófica nem a
lógica científica . O caminho para perceber e conhecer do Belo é a intuição
pois, não é mensurável nem quantificável pelos métodos e instrumentos
científicos nem racionalizado pela
lógica, assim como “humano” não é quantificável nem reduzível a um silogismo.
Assim o belo da paisagem é
senão a expressão o parentesco íntimo do espírito humano com o mundo que o
rodeia, e com o Criador que está acima Dele. Tanto a abstração completa do belo
na ciência pura, como a projeção do sentimento puramente subjetivo sobre a
paisagem, não correspondem à realidade total, essa está na resposta com que a
alma simples e sã reage às impressões da paisagem harmônica e grandiosa; a
sensação do Belo. (Rambo, 1942, p. 337)