Proteção à Natureza
Depois
de nos termos alongado numa análise que teve como finalidade chamar a atenção
para o bem estar material e espiritual da humanidade, chegou o momento de refletir
sobre possibilidades e ações de proteção efetiva da natureza, da “nossa casa”
conforme a Encíclica do Papa Francisco. De passagem já tocamos várias vezes no
assunto. A pergunta resume-se no seguinte: o que pode ser feito de concreto
depois que a agressão chegou aos extremos em que nos encontramos? Evidentemente
não tem mais como recuperar as espécies extintas. Está nas nossas mãos,
entretanto, evitar a perda daquelas que correm sério risco e cuidar que as
outras não cheguem ao limite da resistência. Trata-se de um desafio de bom
tamanho para não dizer grandes proporções. Encontramo-nos na situação que a
agressão à natureza chegou a um nível em que “desperta a dor perante a
destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no seu
conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos”.
(Rambo, 1942, p. 338). Essa sentença parece resumir o que pode e deve ser
feito. Mas o tempo urge e medidas eficazes não podem esperar ou serem
empurradas para as “calendas de março” ou para um futuro a perder de vista. À
primeira vista, o caminho a ser percorrido é óbvio. Resume-se em salvar as
espécies em risco de extinção, preservar os habitats e ecossistemas naturais, empenhar-se em
recuperar o que foi danificado e permitir que ecossistemas se restaurem em
áreas degradadas. Vamos passo a passo.
O
salvamento de espécies em sério risco de
extinção, está intimamente condicionado pelo habitat ou ecossistema natural do
qual dependem. Sendo assim torna-se urgente proteger essas áreas do avanço
predatório da atividade humana. Nesses verdadeiros santuários a presença do
homem deve ser reduzida ao mínimo para não interferir na harmonia do ambiente e
assim não perturbar a rotina do acontecer da vida em toda a sua riqueza e
complexidade. Na prática relembramos os “hot spots” – “os pontos quentes” de
Edward Wilson”, analisados mais acima. Na condição de autênticos santuários da
natureza exigem serem tratados como tais, com a reverência, o respeito e a
devoção do sagrado. Sob hipótese alguma podem ser abertos à visitação de um
público indiscriminado, o que demandaria uma infraestrutura que
perturbaria o ir e vir do ritmo entregue aos preceitos da natureza. Em princípio a visita
a esses “pontos quentes” deveria permitir-se apenas a pesquisadores devidamente
credenciados. De mais a mais a inviolabilidade desses ecossistemas, desses
santuários da natureza, só poderia ser confiada a guardas florestais devidamente
treinados. Além de guardá-los intactos, bem vindo seria ampliação de suas áreas
entregue à própria capacidade de recuperação. A utilidade dessa política de
preservação é óbvia. O acontecer da natureza pode ser observado e entendido no
seu laboratório original.
A criação de parques e reservas naturais
complementam os cuidados pela preservação. Os parques são áreas maiores características, em linhas
gerais não degradas pela presença do homem, de tamanho considerável – mil ou
mais quilômetros quadrados, - postas sob a jurisdição pública, nacional ou
regional. Diferentes dos “pontos quentes”
são postos à disposição do público para “o lazer e o recreio do povo”,
como foi definido pela lei que criou os parques nos Estados Unidos. Pela sua
própria natureza os parques e reservas naturais coincidem de um lado com a finalidade
dos “pontos quentes” e do outro divergem. Coincidem pelo objetivo
preservacionista. Tanto os parques quanto as reservas destinam-se à manutenção
da natureza em seu estado original. E manutenção no seu estado original não
significa apenas não explorar os recursos naturais, proscrever a caça e pesca.
Significa também não permitir sons e ruídos que perturbam o sossego dos animais
e pássaros que tem o seu hábitat nos parques. Por isso espetáculos, exibições,
shows e encontros barulhentos não podem
ser permitidos. O sobrevoo de aviões só em grandes altitudes. Todas essas
precauções tem como finalidade uma interferência mínima na sossego e harmonia
dos parques e reservas.
Os
parques e reservas diferem dos “pontos quentes” por se destinarem, além da
preservação, ao recreio e lazer do povo. A legislação americana que disciplina
o acesso aos parques prevê que ofereçam condições para que as famílias
simples tenham condições de, por uma ou
duas semanas, usufruir o descanso e lazer em contato direto com a natureza
virgem. Para atender a esse objetivo as instalações, alojamentos, restaurantes, etc. são
rigorosamente frugais, Hotéis de luxo, cassinos, boates, locais de festas, são
impensáveis.
Pelo
fato de reunirem numa só finalidade a preservação da natureza e o recreio do
povo, os parques são obrigados a oferecer um mínimo de infraestrutura, como
vias de circulação, alojamentos, restaurantes, locais de confraternização.
Portanto, os parques devem ser lugares para os que passam a maior parte do
tempo em ambientes onde de dia e de
noite, são obrigados a respirar monóxido de carbono e sentir o odor do asfalto.
terem condições de se reencontrarem consigo mesmos na harmonia da natureza.
De
outra parte oferecem excelentes condições para fazerem o papel de escolas e
universidades ao ar livre. Crianças, jovens, adultos e idosos têm muito que
aprender no contato direto com a mestra natureza. Sendo assim, é de suma
importância que, principalmente, em períodos de maior frequência,
ambientalistas em férias ou não, professores, guardas florestais, organizem
sessões educativas sobre a história natural do parque. Sob a rubrica: história
natural do parque compreende-se sua história e características geológicas, sua
fisionomia geográfica e, de modo especial, sua fauna e flora. Além disso os
guias tem que estar preparados para informar os visitantes sobre tudo que pode
ser observado nas trilhas que percorrem. Num parque de verdade não se toleram
hotéis e restaurantes de luxo, cassinos, salões de eventos, pistas de motocross
etc. Não entram em questão aeroportos nas imediações e muito menos no perímetro
dos parques. Quem não consegue prescindir dessas benesses que fique onde estão
disponíveis de qualquer forma.
Enfim,
o parque só então será um verdadeiro ambiente de “recreio e lazer”, quando
permitir que os visitantes se reencontrem com um cenário próximo daquele alimentou e abrigou seus
ancestrais há centenas e milhares de anos passados. Só então faz sentido se,
por algumas horas ou dias consegue fazer perceber as pessoas a agradável
lembrança e a nostalgia de um paraíso perdido mas não esquecido. Os parques
nacionais, portanto, “são territórios
maiores em que a natureza original permanece intata, aumentando-se-lhes os
atrativos com o acréscimo discreto de elementos consoantes, quando for
conveniente”. (Rambo, 1942, p. 341). Depois da viagem em 1956 aos Estados
Unidos e visitados os grandes parques nacionais daquele país e neles inspirado,
o Pe. Rambo consolidou o conceito do que deveria ser um verdadeiro parque.
O parque deve estar à
serviço da proteção da natureza e do recreio e lazer do povo. O rico que
aparecer deve ser obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o
colono. As pessoas que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a
televisão, a dança e o jogo, fiquem onde tudo isso está disponível de qualquer
forma. Em nenhum parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei um
aparelho de televisão, nem percebi música e dança, nem presenciei chás
dançantes. De maneira alguma quero afirmar que o americano médio é melhor que
nós. Uma coisa é certa. Ele tem mais compreensão, mais decência e mais respeito
perante a beleza e tranquilidade da natureza criada por Deus. (Rambo, 2.015, p.
?)
No
rol da proteção e preservação permanente constam ainda os assim chamados
“monumentos naturais”. Como tais entram em questão árvores de grande beleza e
tamanho, como são as figueiras nativas. Na Europa aldeias e cidades preservam
com devoção carvalhos milenares, às vezes a custos elevados. Na Itália os
pinheiros romanos emprestam à paisagem um que de nostalgia histórica. As
gigantescas e várias vezes milenares sequoias dos parques americanos são
conhecidas pelo mundo afora. Um exemplar de extraordinária beleza e tamanho de
pinheiro da Califórnia, conhecido como “red wood” – “madeira vermelha” – é
religiosamente preservado na cidade de Palo Alto – “cidade da árvore alta”. O
culto à árvores chegou ao ponto de cidades tornarem carvalhos donos legais de
ruas, de papel passado e tudo o mais.
Entre
os monumentos naturais que merecem destaque enumeram-se acidentes geográficos e formações geológicas
de perfil estético e beleza especial além do interesse científico. Espalhados
pelo mundo afora há centenas e milhares deles. Lembrando apenas alguns: os
segmentos mais característicos das cadeia de montanhas; montanhas familiares a
qualquer pessoa com mínimo de instrução: o Everest, o Aconcágua, o Osorno, o
Vila Rica, O Materhorn, o Fuji, o Kilimanjarro, o Vesúvio, o Etna, o Stromboli,
só para mencionar alguns; formações geológicas de impacto como o Grand Canyon,
o Taimbezinho, o Fortaleza, os morros de tabuleiro no sudoeste do Rio Grande do
Sul, o Sapucaia, o Itacolumi, o Botucarai e por ai vai.
Tenho
a impressão que, com as reflexões que
vimos fazendo até aqui, ficou claro o que se entende por proteção à natureza e
suas modalidades quando postas em prática. A menor ação que for feita nesse
sentido, contribui par saldar a dívida que a humanidade contraiu pelo exagero
na exploração dos recursos naturais e pela agressão pura e simples perpetrada
contra “a nossa casa”. De outro lado faz parte também da responsabilidade que a
atual geração tem para com as futuras. Concluímos as reflexões sobre esse capítulo
da Encíclica Laudato si, do Papa Francisco. com a conclusão final do Pe. Rambo
no seu livro A Fisionomia do Rio Grande do Sul.
Ali, nos mirantes mais
altos do Rio Grande do Sul, com as forças milenares da erosão a trabalhar diante
dos olhos, com os temerosos abismos dos Canyons aos pés, com o pinhal, a mata
branca e o campo, tão rio-grandenses, em derredor, com o oceano no horizonte,
as gerações do futuro nos hão de agradecer a piedade e reverência, com que
conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra. (Rambo, 1942, p. 342)