Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 31 -

Proteção à Natureza

Depois de nos termos alongado numa análise que teve como finalidade chamar a atenção para o bem estar material e espiritual da humanidade, chegou o momento de refletir sobre possibilidades e ações de proteção efetiva da natureza, da “nossa casa” conforme a Encíclica do Papa Francisco. De passagem já tocamos várias vezes no assunto. A pergunta resume-se no seguinte: o que pode ser feito de concreto depois que a agressão chegou aos extremos em que nos encontramos? Evidentemente não tem mais como recuperar as espécies extintas. Está nas nossas mãos, entretanto, evitar a perda daquelas que correm sério risco e cuidar que as outras não cheguem ao limite da resistência. Trata-se de um desafio de bom tamanho para não dizer grandes proporções. Encontramo-nos na situação que a agressão à natureza chegou a um nível em que “desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no seu conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos”. (Rambo, 1942, p. 338). Essa sentença parece resumir o que pode e deve ser feito. Mas o tempo urge e medidas eficazes não podem esperar ou serem empurradas para as “calendas de março” ou para um futuro a perder de vista. À primeira vista, o caminho a ser percorrido é óbvio. Resume-se em salvar as espécies em risco de extinção, preservar os habitats  e ecossistemas naturais, empenhar-se em recuperar o que foi danificado e permitir que ecossistemas se restaurem em áreas degradadas. Vamos passo a passo.

O salvamento de espécies em sério risco  de extinção, está intimamente condicionado pelo habitat ou ecossistema natural do qual dependem. Sendo assim torna-se urgente proteger essas áreas do avanço predatório da atividade humana. Nesses verdadeiros santuários a presença do homem deve ser reduzida ao mínimo para não interferir na harmonia do ambiente e assim não perturbar a rotina do acontecer da vida em toda a sua riqueza e complexidade. Na prática relembramos os “hot spots” – “os pontos quentes” de Edward Wilson”, analisados mais acima. Na condição de autênticos santuários da natureza exigem serem tratados como tais, com a reverência, o respeito e a devoção do sagrado. Sob hipótese alguma podem ser abertos à visitação de um público indiscriminado, o que demandaria uma infraestrutura que perturbaria  o  ir e vir do ritmo entregue aos  preceitos da natureza. Em princípio a visita a esses “pontos quentes” deveria permitir-se apenas a pesquisadores devidamente credenciados. De mais a mais a inviolabilidade desses ecossistemas, desses santuários da natureza, só poderia ser confiada a guardas florestais devidamente treinados. Além de guardá-los intactos, bem vindo seria ampliação de suas áreas entregue à própria capacidade de recuperação. A utilidade dessa política de preservação é óbvia. O acontecer da natureza pode ser observado e entendido no seu laboratório original.

 A criação de parques e reservas naturais complementam os cuidados pela preservação. Os parques  são áreas maiores características, em linhas gerais não degradas pela presença do homem, de tamanho considerável – mil ou mais quilômetros quadrados, - postas sob a jurisdição pública, nacional ou regional. Diferentes dos “pontos quentes”  são postos à disposição do público para “o lazer e o recreio do povo”, como foi definido pela lei que criou os parques nos Estados Unidos. Pela sua própria natureza os parques e reservas naturais coincidem de um lado com a finalidade dos “pontos quentes” e do outro divergem. Coincidem pelo objetivo preservacionista. Tanto os parques quanto as reservas destinam-se à manutenção da natureza em seu estado original. E manutenção no seu estado original não significa apenas não explorar os recursos naturais, proscrever a caça e pesca. Significa também não permitir sons e ruídos que perturbam o sossego dos animais e pássaros que tem o seu hábitat nos parques. Por isso espetáculos, exibições, shows e encontros barulhentos  não podem ser permitidos. O sobrevoo de aviões só em grandes altitudes. Todas essas precauções tem como finalidade uma interferência mínima na sossego e harmonia dos parques e reservas.

Os parques e reservas diferem dos “pontos quentes” por se destinarem, além da preservação, ao recreio e lazer do povo. A legislação americana que disciplina o acesso aos parques prevê que ofereçam condições para que as famílias simples  tenham condições de, por uma ou duas semanas, usufruir o descanso e lazer em contato direto com a natureza virgem. Para atender a esse objetivo as instalações,  alojamentos, restaurantes, etc. são rigorosamente frugais, Hotéis de luxo, cassinos, boates, locais de festas, são impensáveis.

Pelo fato de reunirem numa só finalidade a preservação da natureza e o recreio do povo, os parques são obrigados a oferecer um mínimo de infraestrutura, como vias de circulação, alojamentos, restaurantes, locais de confraternização. Portanto, os parques devem ser lugares para os que passam a maior parte do tempo  em ambientes onde de dia e de noite, são obrigados a respirar monóxido de carbono e sentir o odor do asfalto. terem condições de se reencontrarem consigo mesmos  na harmonia da natureza.

De outra parte oferecem excelentes condições para fazerem o papel de escolas e universidades ao ar livre. Crianças, jovens, adultos e idosos têm muito que aprender no contato direto com a mestra natureza. Sendo assim, é de suma importância que, principalmente, em períodos de maior frequência, ambientalistas em férias ou não, professores, guardas florestais, organizem sessões educativas sobre a história natural do parque. Sob a rubrica: história natural do parque compreende-se sua história e características geológicas, sua fisionomia geográfica e, de modo especial, sua fauna e flora. Além disso os guias tem que estar preparados para informar os visitantes sobre tudo que pode ser observado nas trilhas que percorrem. Num parque de verdade não se toleram hotéis e restaurantes de luxo, cassinos, salões de eventos, pistas de motocross etc. Não entram em questão aeroportos nas imediações e muito menos no perímetro dos parques. Quem não consegue prescindir dessas benesses que fique onde estão disponíveis de qualquer forma.

Enfim, o parque só então será um verdadeiro ambiente de “recreio e lazer”, quando permitir que os visitantes se reencontrem com um cenário  próximo daquele alimentou e abrigou seus ancestrais há centenas e milhares de anos passados. Só então faz sentido se, por algumas horas ou dias consegue fazer perceber as pessoas a agradável lembrança e a nostalgia de um paraíso perdido mas não esquecido. Os parques nacionais, portanto,  “são territórios maiores em que a natureza original permanece intata, aumentando-se-lhes os atrativos com o acréscimo discreto de elementos consoantes, quando for conveniente”. (Rambo, 1942, p. 341). Depois da viagem em 1956 aos Estados Unidos e visitados os grandes parques nacionais daquele país e neles inspirado, o Pe. Rambo consolidou o conceito do que deveria ser um verdadeiro parque.

O parque deve estar à serviço da proteção da natureza e do recreio e lazer do povo. O rico que aparecer deve ser obrigado a viver com a mesma simplicidade que o operário e o colono. As pessoas que não conseguem dispensar o hotel caro, o rádio, a televisão, a dança e o jogo, fiquem onde tudo isso está disponível de qualquer forma. Em nenhum parque jamais escutei um rádio berrando, nem observei um aparelho de televisão, nem percebi música e dança, nem presenciei chás dançantes. De maneira alguma quero afirmar que o americano médio é melhor que nós. Uma coisa é certa. Ele tem mais compreensão, mais decência e mais respeito perante a beleza e tranquilidade da natureza criada por Deus. (Rambo, 2.015, p. ?)

No rol da proteção e preservação permanente constam ainda os assim chamados “monumentos naturais”. Como tais entram em questão árvores de grande beleza e tamanho, como são as figueiras nativas. Na Europa aldeias e cidades preservam com devoção carvalhos milenares, às vezes a custos elevados. Na Itália os pinheiros romanos emprestam à paisagem um que de nostalgia histórica. As gigantescas e várias vezes milenares sequoias dos parques americanos são conhecidas pelo mundo afora. Um exemplar de extraordinária beleza e tamanho de pinheiro da Califórnia, conhecido como “red wood” – “madeira vermelha” – é religiosamente preservado na cidade de Palo Alto – “cidade da árvore alta”. O culto à árvores chegou ao ponto de cidades tornarem carvalhos donos legais de ruas, de papel passado e tudo o mais.

Entre os monumentos naturais que merecem destaque enumeram-se  acidentes geográficos e formações geológicas de perfil estético e beleza especial além do interesse científico. Espalhados pelo mundo afora há centenas e milhares deles. Lembrando apenas alguns: os segmentos mais característicos das cadeia de montanhas; montanhas familiares a qualquer pessoa com mínimo de instrução: o Everest, o Aconcágua, o Osorno, o Vila Rica, O Materhorn, o Fuji, o Kilimanjarro, o Vesúvio, o Etna, o Stromboli, só para mencionar alguns; formações geológicas de impacto como o Grand Canyon, o Taimbezinho, o Fortaleza, os morros de tabuleiro no sudoeste do Rio Grande do Sul, o Sapucaia, o Itacolumi, o Botucarai e por ai vai.

Tenho a impressão  que, com as reflexões que vimos fazendo até aqui, ficou claro o que se entende por proteção à natureza e suas modalidades quando postas em prática. A menor ação que for feita nesse sentido, contribui par saldar a dívida que a humanidade contraiu pelo exagero na exploração dos recursos naturais e pela agressão pura e simples perpetrada contra “a nossa casa”. De outro lado faz parte também da responsabilidade que a atual geração tem para com as futuras. Concluímos as reflexões sobre esse capítulo da Encíclica Laudato si, do Papa Francisco. com a conclusão final do Pe. Rambo no seu livro A Fisionomia do Rio Grande do Sul.

Ali, nos mirantes mais altos do Rio Grande do Sul, com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos abismos dos Canyons aos pés, com o pinhal, a mata branca e o campo, tão rio-grandenses, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a piedade e reverência, com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra. (Rambo, 1942, p. 342)



This entry was posted on segunda-feira, 27 de novembro de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.