Continuando
em suas reflexões o Papa alerta para uma outra dimensão na invasão dos
ecossistemas pelo homem. além de as políticas e as ações se destinarem à
preservação de determinadas espécies. Há pouco chamamos a atenção para o risco
que representa a agressão aos solos como ecossistemas. A tudo isso vêm somar-se
as grandes obras de engenharia necessárias para fazer andar a nossa
civilização. Escolhemos alguns exemplos mais emblemáticos. Num país como o
nosso, a China, Rússia, Estados Unidos, Canadá e outros, os grandes rios são um
recurso natural de valor inestimável. Além das muitas riquezas oferecidas pelos
ecossistemas formados em suas bacias naturais, a energia disponível no seu potencial hidráulico é de inegável
serventia. Na medida que aumenta o clamor pela substituição da queima de
combustíveis fósseis e uso da energia nuclear, cresce o interesse por fontes de
energia renovável e limpa. Em países donos de rios de grande porte o recurso ao
potencial hidroelétrico não passa de uma alternativa óbvia. Os investimentos
para a implantação de uma hidroelétrica e transmissão para os centros de
consumo a centenas e até milhares de quilômetros de distância, costumam ser
muito altos. Mas os investimentos básicos
e o custo da posterior manutenção e linhas de transmissão compensam
amplamente o custo e benefício. Em termos ecológicos e danos aos
ecossistemas exigem precauções. A
construção das barragens, gigantescas obras de engenharia são, pela sua própria
natureza, profundamente invasoras e
agressivas. Os reservatórios acumulam bilhões de metros cúbicos de água.
Monstruosos lagos, quase mares artificiais, afogam parte importante do ecossistema
nas proximidades das margens do rio e seus afluentes. No Brasil, esses
gigantes, como Belo Monte, Tucurui e
outras mais estão sendo implantadas em plena floresta amazônica. Terminam com a
flora e a fauna, na medida em que o nível dos seus reservatórios sobe. As
condições exigidas para a licença ambiental, nunca chegam a impedir a
construção dessas obras pois fazem parte da política energética oficial e o
programa para implementá-lo. Ela termina falando mais alto do que os
ecossistemas por sua urgência no fornecimento de energia para o progresso e o
desenvolvimento. Nessas obras de infraestrutura são louváveis os esforços no
salvamento dos animais da floresta e sua transferência para fora do alcance do nível das represas. O
que não tem como salvar é a floresta com sua microfauna e microflora. Há casos
em que monumentos da natureza, inclusive com forte apelo histórico são
sacrificados. No fundo do lago de Itaipu estão sepultadas as Sete Quedas,
referência paisagística e histórica daquela região. Aquele local foi palco de
um dos episódios mais escabrosos da conquista do território nacional pelos bandeirantes, um verdadeiro genocídio
praticado contra os índios do Guaíra. Em nome do progresso o monumento natural,
as Sete Quedas, com seu significado
histórico, foi condenado ao esquecimento no fundo do lago. Não se pode ignorar
que na atual conjuntura energética essas obras são um mal necessário. De
qualquer forma são brechas e feridas abertas na paisagem natural.
As estradas estão entre as causas que interferem
significativamente nos ecossistemas e como tal afetam a biodiversidade. Pela
própria natureza menos espetaculares do que as hidroelétricas gigantes, as
estradas estendem seus tentáculos até o recesso dos vales mais retirados.
Escalam montanhas e ramificam-se sobre os planaltos. Estradas largas, de
preferência duplas são vitais para fazer funcionar o transporte de mercadorias
e pessoas. Bem planejadas e adequadamente construídas e conservadas, vem a ser
indispensáveis para o nosso modelo de civilização. Seu traçado consegue de
alguma forma encaixar-se no ambiente de maneira que a agressão física e
estética é parcialmente preservada. Por isso creio que se possa afirmar que as
estradas agridem o meio ambiente com seus ecossistemas de forma aceitável. Não
se pode, entretanto, ignorar os poluentes liberados pela combustão dos motores
além do ruído e da trepidação pelo trânsito de veículos de carga. Parece que
esse último seja o mais perturbador para os ecossistemas que acompanham as
margens da estrada. Aves, mamíferos, répteis, batráquios apreciam um ambiente
em que ruídos, sons, cantos, gritos, o farfalhar do vento nas folhas, as chuva,
as cachoeiras fazem parte do próprio habitat. O ronco do motor de uma carreta
faz-se ouvir a centenas de metros longe da estrada. Os gases alteram a
qualidade da atmosfera, espantam animais e aves e afastam os insetos,
prejudicando a polinização. Somando o que de negativo e positivo há no caso das estradas, e tirando os noves
fora, parece que sobra um bom saldo para o lado do benefício.
O
reflorestamento em grandes áreas com uma só espécie, vem a ser outro ponto de interrogação complicado para
responder. Para começo de conversa, não formam ecossistemas de acordo com o
conceito que nos vem orientando. Se os considerássemos como tais não passariam
de caricaturas. Um reflorestamento de pinus não passa muito de um deserto
verde. Alguns roedores e um número irrisório de aves frequentam esse ambiente.
A camada de agulhas que forma um tapete no chão, não permite o desenvolvimento
de uma vegetação secundária digna desse nome. Uma floresta de eucaliptos sofre
de limitações semelhantes. O reflorestamento com acácia negra também permite só
uma vegetação secundária limitada. Leva, entretanto, a vantagem sobre o pinus
por fixar nitrogênio no solo e assim
favorecer o ecossistema subterrâneo formado pelos micro organismos. O
reflorestamento com eucaliptos apresenta os mesmos inconvenientes dos dois
anteriores. Leva uma certa vantagem por permitir o desenvolvimento de uma
respeitável vegetação secundária. As folhas descartadas somadas às da vegetação
secundária decompõem-se formando uma camada protetora do chão que, processada
pelos micro organismos, minhocas e insetos acumula uma camada de húmus e com
isso não esgota o solo. Resumindo. As três modalidades de reflorestamento e
outras mais possíveis, na condição de monoculturas, não passam de ecossistemas
pobres, se é que se pode falar nesses termos. Acontece, porém, que na
conjuntura ambiental do momento são um mal necessário. O pinus e o eucalipto
são fontes cada vez mais indispensáveis de madeira para atender a demanda do mercado.
Evitam assim que se acelere o avanço sobre as madeiras nobres das florestas
nativas, depauperando cada vez mais seus ecossistemas. A acácia negra e o
eucalipto suprem com lenha as demandas das olarias, cerâmicas e fornos de carvão
vegetal, aquecimento de aviários e de modo especial da celulose. Neste sentido,
pensando os prós e os contras, o custo benefício por assim se dizer empata.
Mantendo em limites convenientes esses ecossistemas artificias paupérrimos em
biodiversidade, evitam de alguma forma o avanço da agressão aos ecossistemas
naturais que, bem ou mal, ainda são respeitáveis com sua biodiversidade
preservada. Sobre essa questão, o Papa alerta.
Habitualmente também não se
faz objeto de adequada análise a substituição da flora silvestre por áreas
florestais, com árvores, que geralmente são monoculturas. É que pode afetar
gravemente uma biodiversidade que não é albergada pelas novas espécies que se
implantam. Também as zonas úmidas que são transformadas em terras agrícolas,
perdem a enorme biodiversidade que abrigavam. É preocupante nalgumas áreas
costeiras, o desaparecimento dos ecossistemas constituídos pelos manguezais.
(Laudato si, 39)
Falando
em substituição de ecossistemas naturais por ecossistemas humanizados, além do
reflorestamento convém lembrar outras modalidades de humanização. O
aproveitamento das planícies fluviais para fins agrícolas é a primeira.
Historicamente falando a agricultura teve o seu ponto de irradiação a partir de
núcleos de agricultores próximos a rios. O Nilo no Egito, o Eufrates e o Tigre
na Mesopotâmia, os grandes rios da China, são os mais conhecidos. Foi nas
várzeas desses rios que o homem cometeu conforme Edward Wilson “a primeira
traição à natureza” ou, segundo Darcy Ribeiro, desencadeou a “Revolução dos
Alimentos”. Dependendo da perspectiva que se escolhe, ambos tem a sua razão.
Mas já nos ocupamos desse assunto mais acima. Foi nesses ecossistemas nas várzeas dos rios e seus afluentes que
teve início a substituição dos ecossistemas naturais por humanizados. Em outras
palavras e, dando razão a Edward Wilson, começou a invasão, agressão e
depauperamento do ambiente natural. E,
dando razão a Darcy Ribeiro abriram-se perspectivas ilimitadas para alimentar a
humanidade e assim multiplicar-se e
expandir-se, dominar a terra e ter acesso aos seus recursos. Foi também nesse meio ambiente que as aldeias dos agricultores
evoluíram para centros urbanos e, em termos da época, em metrópoles como Ur e
Uruc na Mesopotâmia e a capital das dinastias do Egito. O aproveitamento das
planícies fluviais, com seus solos de alta fertilidade, renovada pelas cheias
periódicas dos rios, permitiu que a agricultura prosperasse e se expandisse
em todas as direções no Oriente Médio,
no Egito, em volta do Mediterrâneo e no Oriente Remoto. Da riqueza em biodiversidade original pouco se
salvou.
Na
mesma proporção em que os agricultores foram reduzindo o número de espécies
cultivadas, o número e a diversidade original foi diminuindo. O auge desse
processo pode ser observado hoje nos campos até perder de vista de monoculturas
de soja, milho, trigo e outras. Torna-se cada vez mais urgente encontrar formas
de minimizar o impacto negativo sobre a biodiversidade. Frente a tudo isso é de
importância sem igual a preservação da biodiversidade em alguns ecossistemas
ainda pouco invadidos. Um dos maiores e mais ricos vem a ser o Pantanal. Pela área que cobre e pela
biodiversidade que abriga, dificilmente existe outro igual formado por um
complexo fluvial. Sua importância ultrapassa em muito suas fronteiras
geográficas. Funciona como reserva de umidade vital para o centro sul do
Brasil, norte da Argentina e Uruguai. Influi na circulação dos ventos. Abriga
uma fauna e flora sem igual. Mexer no Pantanal com ações que alteram sua estrutura,
do tipo drenagens, diques, barragens, além de repercutir desastrosamente sobre
sua biodiversidade, far-se-á sentir a
milhares de quilômetros de
distância.
Em
segundo lugar, são os ecossistemas marinhos. Pela sua natureza sempre atraíram
o homem, de um lado pela fartura de alimentos e do outro como vias naturais de
circulação. A partir deles partia-se terra adentro. Com o aperfeiçoamento das
tecnologias de navegação as baías e enseadas recebiam e abrigavam os navegantes
e suas embarcações. Nelas consolidaram-se
polos de comércio que, por sua vez, exigiram uma infraestrutura adequada
e, consequentemente uma população fixa em permanente crescimento. Na esteira da
navegação marítima, regional e local, centenas de cidades portuárias foram
consolidadas pelo mundo afora. Todo o tipo de rejeitos agressivos e invasivos
procedentes das cidades e descartados
pelos navios transformaram as áreas portuárias em cemitérios da biodiversidade.
Um dos exemplos mais gritantes de degradação e consequente extermínio da fauna
e flora costeira é a baía da Guanabara. Em escala maior ou menor as cidades
portuárias espalhadas pelo cinco continentes, tiveram seus ecossistemas
seriamente comprometidos. Edward Wilson estudou a fundo essa questão no parque
nacional das ilhas do Porto de Boston. Para ele essas áreas são classificadas
como micro áreas naturais. O Porto de Boston é exemplar tanto para avaliar a
que extremos leva a poluição nesses ambientes, quanto a sua capacidade de
recuperação. O cientista descreveu o nível a que tinha chegado o porto com suas
34 ilhas, no começo da década de 1990.
Tal porto é intenso e
continuamente utilizado desde meados do século XVII, e quase todo esse tempo
serviu como um vasto esgoto municipal.
Em 1985 suas águas foram classificadas como as mais poluídas entre todos os
portos dos Estados Unidos. Suas 34 ilhotas cheias de sujeira sempre foram
consideradas de pouco valor para Boston, a maior cidade da Nova Inglaterra,
apesar de as mais próximas ficarem
apenas a uma hora de distância por barco a remo, Na década de 1990, a situação
mudou quando as águas servidas da área metropolitana de Boston passaram a ser
purificadas por um novo sistema de filtragem. O potencial das Harbor Islands
como área recreacional ficou óbvio, o que aumentou sua importância para a
ciência e a educação. (Wilson, 2008, p, 28)
A
seguir o nosso especialista em ecossistemas mostrou como um ambiente desses
deteriorado e maltratado durante 300 anos pelo descaso do seu uso, em menos de
20 recuperou sua identidade com um ecossistema. Bastou vontade política da
parte das autoridades do município, seguidas de ações eficientes.
Nos
300 anos de contínua invasão e agressão às águas do porto pagaram um preço
muito alto. A micro e nano fauna e flora foi seriamente afetada. Espécies de
moluscos foram extintas; a fauna marinha de grande porte migrou para ambientes
mais favoráveis; as aves marinhas evitavam a baía degradada e abandonaram as
ilhas e migraram e, provavelmente, algumas se perderam. O notável nessa
história é a rapidez com que 300 anos de descaso, a baía recuperou, em 20 anos
a maior parte da sua biodiversidade original.
Segundo
Wilson o estudo dessas micro áreas é de extrema utilidade. Fazem o papel de
laboratórios e de escolas ao ar livre para observar como funciona a natureza e
entender como reage às agressões de todo o tipo e como se recupera com rapidez.
O cenário desolador do porto de Boston e suas 34 ilhas na década de 1980, menos
de 30 anos passados, é um exemplo de recuperação. Na avaliação do cientista, o
arquipélago transformado em parque atrai
turistas de várias procedências, constitui-se hoje num autêntico
paraíso. A água do porto é prova da resistência da vida na natureza e seu
potencial de recuperação. Os moluscos voltaram a provar o leito da baía. Os
peixes grandes como o robalo e anchova aproximam-se do cais. Até baleias
jubarte já foram vistas na área mais externa. (cf. Wilson, 2008, p. 29ss)
Entre
os ecossistemas costeiros ameaçados a Encíclica chama a atenção para a
destruição dos manguezais, verdadeiros santuários da vida. A biodiversidade
desses ecossistemas é de particular interesse. Constituem, por assim dizer, um
laboratório natural onde é possível observar espécies terrestres, marítimas e
de transição.
Depois
das faixas costeiras voltamos a nossa
atenção para os mares e oceanos propriamente ditos. Esses gigantescos
ecossistemas com seus ecossistemas regionais, encontram-se também em risco
iminente.
Os oceanos contêm não só a
maior parte da água do planeta, mas também a maior parte da vasta variedade dos
seres vivos, muitos deles ainda desconhecidos por nós e ameaçados por diversas
causas. Além disso, a vida nos rios, lagos, mares e oceanos, que nutre grande
parte da população mundial, é afetada pela extração descontrolada dos recursos
ictícios, que provoca drástica
diminuição de algumas espécies. E no entanto continuam a desenvolver-se
modalidades seletivas de pesca que descartam grande parte das espécies
apanhadas. Particularmente ameaçados estão os organismos marinhos que não temos
em consideração, como certas formas de plantas na cadeia alimentar marinha e de
que dependem, em última instância espécies que se usam para a alimentação.
(Laudadto si, 40)