A Biodiversidade
O
Papa começa a reflexões sobre Biodiversidade com a observação. “Os recursos da
terra estão a ser depredados também por causa de formas imediatistas de
entender a economia e a atividade comercial produtiva”. (Laudato si, 32). Salvo
melhor entendimento, a observação alerta para um aspecto nas reflexões sobre a
natureza que costuma passar um tanto despercebido, melhor, posto em segundo
plano. Referimo-nos ao descompasso da noção de tempo com que o homem trabalha e o
ritmo do tempo em que acontecem os eventos naturais. As civilizações
humanas sobre as quais temos informações
razoáveis, não passam dos 15.000, no máximo 20.000 anos. Durante esses 150 ou
200 séculos o homem realizou a transição entre a caça e a coleta para a
agricultura e a criação de animais. A partir de tecnologias rudimentares, desenvolveu
em alguns milhares de anos um arsenal monumental de ferramentas destinadas a
manejo da terra e seus produtos. O ritmo do tempo foi-se acelerando na razão
direta da diversificação, multiplicação e especialização das tecnologias e
respectivas ferramentas. Os resultados acontecem em intervalos cada mais
curtos. O trinômio: eficiência-rapidez-resultados, terminou por moldar as categorias
mentais de tempo, que trabalham com limites cronológicos cada vez mais
estreitos. Chegamos a um ponto em que a perspectiva do tempo encolheu de tal
forma que o que de fato interessa é “o
hoje”. Para o “bárbaro digital, protótipo de homem dominante da atualidade, o homem contemporâneo vive em
função do presente, do aqui e agora” (Caldera, 2004, p. 90).
Depois
desse preâmbulo vamos às reflexões sugeridas pelo objeto em pauta: a
biodiversidade manipulada pela civilização atual, regida pelos interesses
imediatistas. Para começo de conversas. A biodiversidade tem tudo a ver com os
ecossistemas. Cada ecossistema é formado por um biodiversidade própria. Em
outras palavras. Em cada ecossistema em particular as formas de vida, os macro,
micro e nano organismos complementam-se na construção de uma unidade estrutural
e funcional, enfim, um sistema. Ludwig von Bertalanffy, autor da Teoria Geral
dos Sistemas descreve o significado do conceito.
O sentido da expressão um tanto mística “o todo
é mais que a soma das partes” consiste simplesmente em que as características
constitutivas não são explicáveis a partir das características das partes
isoladas. As características do complexo, portanto, comparadas às dos
elementos, parecem “novas” ou “emergentes” Se, porém, conhecermos o total das
partes contidas em sistemas e as relações entre elas, o comportamento do
sistema pode ser derivado do
comportamento das partes. Podemos também dizer: enquanto podemos conceber uma
soma como sendo composta gradualmente, um sistema, enquanto total de partes com
sus inter-relações, tem de ser concebido como constituído instantaneamente.
(Bertalanffy, 2009, p. 83)
O
ecossistema, não importa o tamanho nem a complexidade, consiste numa
unidade estrutural e funcional. Em se
tratando de ecossistemas naturais, dois são os conjuntos de elementos sobre os
quais e a partir dos quais são construídos. De um lado são todas as formas de
vida que fazem parte e são mutuamente complementares. Do outro lado é o meio
físico-geográfico, o habitat, que oferece o chão, o clima e demais realidades
naturais não vivas, sobre as quais as diversas formas de vida se desenvolvem. Num
ecossistema, mais pobre ou mais rico em biodiversidade realiza-se uma
mutualidade finamente calibrada entre todas as categorias e espécies de vida e com
o chão sobre o qual prosperam. O sistema assim construído mantém o equilíbrio,
sustentado por uma engenhosa cadeia alimentar. Estamos pois, frente a uma
cadeia circular de seres vivos interdependentes. Sua base ou, se quisermos, o
primeiro elo da cadeia é integrado pelos micro e nano organismos que sintetizam
nutrientes via via autotrófica, isto é,
a partir dos minerais
disponíveis e, ao mesmo tempo, os deixam em condições físico-químicas para que
os vegetais possam aproveitá-los e se desenvolverem. Sobre esse fundamento
prospera o segundo elo da cadeia alimentar. Formado essencialmente pelos
vegetais que se alimentam dos minerais do solo e pela fotossíntese constroem as
suas estruturas. Segue o terceiro elo da cadeia alimentar a cargo dos animais
herbívoros que se alimentam de vegetais. O quinto elo, o topo da cadeia alimentar pertence aos carnívoros. Os carnívoros e os animais
que se alimentam de animais em decomposição e seus rejeitos e os reintegram na
natureza, representam o elo que fecha a cadeia circular, um circuito fechado.
de fina resolução. Qualquer desvio nesse circuito, seja pela razão que for,
atrapalha o bom funcionamento do sistema ou em casos extremos sela o seu
desmanche.
Essa
é essência do sistema natural, do ecossistema, e sua dinâmica com a vida que nele prospera. À
semelhança de um organismo vivo, Betalanffy definiria o ecossistema como um
sistema de equilíbrio instável. E outras palavras. O sistema como um todo
mantém-se em equilíbrio, enquanto o fluxo de energia que o sustenta flui
ininterruptamente tanto na dimensão horizontal, quanto vertical. Mas há um
outro aspecto que não pode ser ignorado. Paralelamente ao fluxo de energia vão
acontecendo, sob estímulos vindos do meio, alterações estruturais que, por sua
vez, induzem a adaptações funcionais. Dito de outra maneira. A dinâmica da
evolução não permite que o sistema se torne hermético. Os ecossistemas
assemelham-se a caudais em constante movimento, em perpétua renovação,
avançando por séculos, milênios e milhares de milénios, sem perder a sua
identidade. A ruptura dessa dinâmica, porém, acontece por ocasião de
catástrofes de grande porte, impacto de meteoros gigantes, vulcanismo, mudança
drástica da temperatura etc. A maior ameaça atual ao equilíbrio e a própria
subsistência de ecossistemas vem da parte do homem, com suas tecnologias
altamente invasivas, com potencial para desequilibrar ou simplesmente aniquilar
grandes ecossistemas. O exemplo mais gritante vem a ser a morte pura e simples
do Rio Doce com a inundação de rejeitos da mineração.
Normalmente
quando se fala em ecossistema a atenção volta-se para as florestas, campos
naturais, savanas, pradarias, costas marítimas e por aí vai. São os macro
ecossistemas dos quais depende em última análise, a biosfera como um todo. Dos
solos dependem os ecossistemas terrestres que alimentam o homem física,
cultural religiosamente. Num outro
contexto mais acima lembramos o papel do solo como condição da vida terrestre.
O solo, o chão em que pisamos não passa de um gigantesco e complexo ecossistema
formado por milhões de espécies de insetos, moluscos, vermes e uma incontável
variação de espécies de micro e nano seres vivos. Em cada grama de solo fértil
que pisamos, milhões deles se encarregam
de mantê-lo arejado ao mesmo tempo em que processam os resíduos e os colocam à
disposição para dar partida à circulação
da cadeia de alimentos. Quanto a números e volumes remetemos o leitor para as
páginas mais acima onde nos ocupamos com esses detalhes.
Até
aqui nos preocupamos para entender como é estruturado e como funciona a cadeia
de alimentos. Essa é a metade da
questão. A outra metade cabe às circunstâncias físico-geográficas, ao habitat
específico em que a vida acontece. É dele em última análise que vem a energia
que faz a vida possível e a sustenta. Os nutrientes peculiares a cada situação com
o solo, a temperatura, a iluminação, a água, moldam o perfil e imprimem o ritmo próprio de cada ecossistema.
Assim temos a combinação, a simbiose entre a complementariedade sistêmica e o
meio físico, do qual depende fundamentalmente a maior ou menor riqueza da biodiversidade.
Espero
que ficou razoavelmente compreensível
como é arquitetado e como funciona na sua complexidade um ecossistema. É
oportuno, entretanto, insistir um pouco mais de que estamos lidando com uma
realidade finamente calibrada e alta resolução. Num ecossistema como em
qualquer outro sistema todos os componentes ocupam um lugar e cumprem uma
função. A soma do desempenho de cada elemento faz com que o todo funcione
melhor ou pior. Não há peça dispensável. Por mais insignificante que possa
parecer vai fazer falta no todo. Funcionando mal interfere na qualidade do
desempenho do todo. Sendo válido para um sistema mecânico ou eletrônico, ou
qualquer outro aplica-se, em termos e à sua maneira, ao organismo
individual como ao ecossistema, um ente
vivo à sua maneira.