Archive for fevereiro 2017

Francis Collins (1950 ) - 1

O perfil de Francis Collins

Francis Sallers Colins nasceu em 14 de abril de 1950 no vale do Shenandoha na Virgínia onde viveu a infância e  adolescência. Foi educado pela mãe e aos 16 anos entrou na universidade da Virgìnia. Começou os estudos orientados para a Química. Mudou para a Biologia e depois para Medicina na Universidade da Carolina do Norte. Obteve o Ph.D em Física e Química na Universidade de Yale em 1974. Munido com sólidos conhecimentos de Bioquímica  especializou-se em DNA e RNA. Formou-se em Medicina em 1977 na Universidade da Carolina do Norte e de 1978-1981 trabalhou como residente e chefe dos residentes no Memorial Hospital em Chapel Hill. Ele mesmo conta que foi agnóstico até aos 21 anos e depois, até os 27 ateu convicto. O trato com os pacientes do hospital colocou-o em contato  com pessoas comuns, com o mundo do quotidiano do povo, com  seus dramas, incertezas, sofrimentos, pequenas  alegrias e a fé sólida de muitos  deles. Aos poucos a convicção no ateísmo foi perdendo força até ser substituída por uma sincera crença em Deus. De então em diante não perdeu nenhuma ocasião para deixar claro ao público em geral, aos ateus, aos cientistas e ao mundo da intelectualidade em todos os seus níveis e especialidades, que não há nenhuma contradição em ser uma das maiores referências, senão a maior, em Genética Médica e crer em Deus. O momento mais importante, a consagração do Dr. Collins aconteceu por ocasião da apresentação  oficial pelo Presidente Clinton, do mapa do Genoma Humano, projeto liderado  pelo pesquisador. O mapa do genoma humano apresentado solenemente pelo Presidente foi classificado por ele como sendo “o mapa  mais extraordinário e mais importante já produzido pela humanidade”. O comentário do Presidente, porém que deixou uma impressão profunda no público e de modo especial nos cientistas e no Dr. Collins foi: “Hoje estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus” (A Linguagem de Deus, p. 10). A esta declaração do Presidente Clinton, o Dr. Collins acrescentou o seguinte comentário:
Será que eu, um cientista rigorosamente treinado, fiquei desconcertado com uma referência religiosa tão espalhafatosa, feita pelo presidente dos Estados Unidos num momento como aquele? Fiquei tentado a mostrar-me irritado ou  olhar envergonhado para o chão? Não, nem um pouco. Na verdade, eu trabalhara como o redator do discurso do presidente naqueles dias de frenesi que precederam o evento, e fui enfático em meu apoio à inclusão desse parágrafo. Quando chegou o momento em que precisei acrescentar algumas palavras de minha autoria, fiz coro com esse sentimento: É um dia feliz para o mundo. Para mim não há pretensão nenhuma, e chego mesmo a ficar pasmo ao perceber que apanhamos o primeiro traçado de nosso manual de instruções, anteriormente conhecido apenas por Deus.
O que se passava lá? Por que um presidente e um cientista no comando do anúncio de uma marco da Biologia e da Medicina, se sentiram impelidos a evocar a conexão com Deus? Não existe um antagonismo entre as visões do mundo científico e espiritual? Ambas não deveriam, ao menos, evitar aparecer lado a lado no Salão Leste? Quais os motivos para evocar Deus nesses dois discursos? Poesia? Hipocrisia? Uma tentativa cínica de bajular as pessoas religiosas ou de desarmar as que talvez criticassem o estudo do genoma humano como se este reduzisse a humanidade a um maquinário? Não. Não para mim. Muito pelo contrário. Para mim, a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração. (Collins, 2007,  p. 11)

Para o Dr. Collins  não há nenhuma incompatibilidade entre a Ciência e a Fé. Pelo contrário, as duas são complementares e a Verdade é possível somente quando as Ciência Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes se decidem a compartilhar seus dados, e num clima de espíritos desarmados, com humildade, com respeito mútuo, se aliarem para, num esforço comum,  construírem o conhecimento que tem como  objetivo último o encontro com a Verdade. Acontece que a Verdade só é possível pela confluência harmônica das muitas contribuições oferecidas por todos os campos do conhecimento. “Doctrina multiplex, Veritas una” – “Muitas são as doutrinas, a Verdade  uma só”, já diziam os antigos romanos

Ludwig von Bertalanffy - 6

A Natureza como um Sistema global.

Partindo do pressuposto de Edward Wilson de que a “Natureza é um fato objetivo”, os  elementos estruturais e funcionais que entram na sua composição, não podem deixar de ser também fatos, ou melhor, realidades objetivas. O primeiro passo em busca de um entendimento, também objetivo, do que seja a Natureza como um Sistema Global, consiste em identificar o fundamento, a base sobre a qual está edificado. O estágio em que se encontra a ciência que se ocupa em elucidar esse problema, aponta para a “Energia” como base e como ponto de partida de tudo. Parafraseando o Gênesis pode-se então afirmar que no começo “era a Energia”. Sem entrar na discussão polêmica de como aconteceu a passagem da energia pura, ou pelo menos grande parte dela, para dar origem à matéria, vamos tentar mostrar como se deu a edificação do Sistema Global da Natureza. A materialização da energia resultou nos cento  e tantos elementos conhecidos e consignados na Tábua Periódica, e, quem sabe, outros ainda não identificados. Mal comparado esses elementos são os tijolos a partir dos quais edificou-se o complexo arcabouço da natureza. Uns estão presentes em toda a parte. São aqueles responsáveis pelo arcabouço estrutural tanto da natureza mineral inorgânica, como da orgânica, como da viva. Ocupam o topo da lista o oxigênio, o nitrogênio, o carbono e o hidrogênio. Seguem outros cuja presença é indispensável de modo especial nos seres vivos ou sistemas vivos de todos os níveis. São em torno  de duas dúzias entre os quais sobressaem cálcio, ferro, potássio, sódio, enxofre, iodo, etc. Além dos universalmente presentes no mundo mineral, orgânico não vivo e orgânico vivo, enumeram-se os elementos menos freqüentes e, por isso mesmo, preciosos como  ouro,  prata, platina ...,  os instáveis ou radioativos: urânio, rádio, tório ...
Sobre essa base material, isto é, a interação dos diversos elementos de acordo com as afinidades químicas,  físicas, estimulada pelas energias próprias de cada elemento, somada à energia solar e demais fontes de energia livres que atuam na Natureza, desencadeou-se, numa data muito remota, difícil de precisar, a construção do universo. Teilhard de Chardin identificou os processos básicos que tornaram possível essa formidável urdidura, como sendo a “agregação”, a “incorporação”(repetição geométrica”) , a “complexificação” e a compressão”. Átomos “agregam-se” formando moléculas. Estes e estas, por sua vez, passam a ser “incorporados”  em  estruturas que seguem  modelos-padrão, como  acontece nos cristais. Na suposição de que a natureza nos seus diversos níveis de arranjo e organização é o resultado de processos por natureza quantitativos de agregação e incorporação, não tem como explicar as características, as propriedades e as peculiaridades, que vão se manifestando,  multiplicando-se e somando-se, na medida em que se sobe na hierarquia  das estruturas. Entra então em cena a  “complexificação”, um mecanismo de potencialidades ilimitadas. Teilhard o resumiu em poucas linhas.
Depois da série harmônica dos corpos simples estendendo-se do Hidrogênio ao Urânio, pelas notas da escala atômica e, em seguida, a imensa variedade dos corpos compostos, em que as massas moleculares vão se elevando até um certo valor critico acima do qual como veremos, passa-se para a vida. Nem sequer um termo dessa longa série que não deve ser olhado, com base em boas prova experimentais, como um composto de núcleos e de elétrons. Essa descoberta fundamental de que todos os corpos derivam, por ordenação, de um só tipo corpuscular inicial, é o clarão que ilumina ao nosso olhar a história do Universo. À sua maneira a matéria obedece, desde a origem, à grande lei biológica (à qual nos reportaremos incessantemente) de “complexificação”. (Teilhard de Chardin, 1986, p. 46)
O foco, a perspectiva singular a partir da qual os autores escolhidos observaram o universo, a natureza e o homem, sugerem algumas conclusões de fundo. A pluralidade cerca-nos por todos os lados.  O cenário no qual o homem construiu e continua construindo a sua história é heterogêneo e múltiplas são as peças que o compõem. Um olhar sem maiores pretensões nem científicas nem filosóficas, muito menos teológicas, pode despertar no observador a sensação de estar mergulhado num universo formado por uma infinidade de realidades inanimadas e animadas, coexistindo nas suas incontáveis formas e níveis de complexidade, sem uma relação mútua, pelo menos aparente. Assemelha-se à percepção daquele que entra numa floresta e de tantas árvores, arbustos e cipós, não se dá conta de que se encontra numa floresta. Para o homem comum cada árvore pode até fazer sentido como uma realidade isolada, pela imponência do seu tronco, pela grandiosidade da sua copa, pelas flores e frutos que pendem dos seus galhos. A visão do madeireiro não é muito diferente. Para ele interessam aquelas árvores que lhe oferecem a madeira que tem valor no mercado como matéria prima para as mais diversas finalidades práticas. Bem diferente será a atitude do botânico sistemata que faz o levantamento das mais diversas espécies, as classifica de acordo com as regras taxonômicas, as cataloga e assim colabora com o inventário das plantas, um passo indispensável para se formar uma idéia da cobertura vegetal local, regional, continental e do mundo como um todo. Diferente também é o espírito que anima o especialista interessado em descobrir os inter-relacionamentos que explicam dependências mútuas entre os mais diversos níveis entre as muitas espécies que compõem uma floresta. Não demora e o botânico se dá conta de que de que a floresta não é só de vegetais. Os animais que nela vivem, se alimentam, nidificam e se multiplicam, dependem da proteção e do alimento que as árvores e arbustos lhes oferecem. Ao mesmo tempo as aves, os mamíferos, os insetos, as minhocas, os vermes, e afinal tudo que se movimenta acima, sobre e debaixo do chão, garante a polinização, a disseminação das sementes, o processamento de folhas, galhos e troncos mortos, transformando-os em novos nutrientes e assim garantindo que nada se ganhe, nada se perca, tudo se transforme na natureza, evitando que o ciclo da vida na sofra sobressaltos e interrupções no seu perpétuo vir e devir. Sempre nos servindo da floresta como metáfora exemplar para explicarmos o universo e a natureza como um todo, somos obrigados a chamar em auxílio especialistas em edafologia, geografia, geologia, meteorologia e outros mais para, a partir dos dados que nos oferecem suas especialidades, avançar em direção ao âmago, à essência, à natureza mais profunda do que seja uma  floresta.

E assim de aproximação em aproximação, de avanço em avanço sobre os meandros de uma floresta, vai ficando claro de que estamos diante de uma realidade que forma, na sua essência, um sistema, um organismo “sui generis”  de alta complexidade. Desde a micro-fauna e a micro-flora, passando pelos insetos, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos, os vegetais de todos tipos e tamanhos, os gigantes da floresta e a abobada moldada pela suas copas e o clima de mistério que reina na penumbra que formam, animado pelos sons, os ruídos, urros, gritos e cantos, tudo deixa de parecer um mero aglomerado. A multidão de indivíduos, formas, melodias e sons, mascaram algo mais profundo. A pluralidade sugere com sempre mais insistência uma unidade, a complexidade um todo, as melodias dispersas e as dissonâncias aparentes uma sinfonia.O que se aplica à floresta como uma parcela da natureza aplica-se, ressalvadas as peculiaridades, ao todo do universo e da natureza.

Ludwig von Bertalanffy - 5

De outra parte os diversos níveis ou sistemas da natureza interagem vertical e horizontalmente uns com os outros como fatores de equilíbrio setorial e global. Desta forma a natureza concebida como um todo forma um “Sistema” cuja integridade, saúde, vigor e perenidade depende da presença e da qualidade dos seus componentes e da relação de interdependência harmônica entre as partes. A aceitação da concepção de que o mundo ambiente em que o homem vive e sobrevive forma um grande, e complexo  sistema global construído sobre estruturas frágeis interagindo numa dinâmica de relações não menos vulneráveis, e por isso mesmo, facilmente sujeitas a danos irreversíveis. Qualquer intervenção,  por menor e menos visível que seja, reflete-se de alguma forma no todo. Não resta dúvida de que a percepção sistêmica assim como a concebeu von Bertalanffy, pressupõe como base a convicção de que a Natureza forma um Todo. O notável é que esse ponto de vista vem sendo defendido, não por filósofos como Nicolau de Cusa, mas por cientistas de renome partindo dos dados obtidos pelas pesquisas científicas mais atualizadas. Como amostra temos a posição de Edward Wilson da universidade de Harvard, entomólogo reconhecido internacionalmente pela autoridade em sua especialidade. Depois de analisar os ecosistemas das ilhas que compõem o Parque Nacional de Boston Harbor Islands, as ilhas Florida Keys, no Golfo do México, florestas tropicais, áreas fortemente humanizadas com presença de pastagens ou lavouras, escreveu a seguinte observação.
Alguns filósofos pós-modernos, convencidos de que a verdade é relativa e dependente apenas da visão de mundo de cada um, argumentam que não existe uma entidade objetiva tal como a “Natureza”. Para eles trata-se de uma falsa dicotomia, que surgiu em algumas culturas e não em outras. Estou disposto a levar em conta esse ponto de vista, pelo menos por alguns minutos, mas já atravessei tantas fronteiras  nítidas entre ecossistemas naturais e humanizados que não posso duvidar da existência objetiva da Natureza. ( Edward Wilson, 2008, p. 31)
Essa conclusão de Edward Wilson merece um reflexão muito séria. Nela o autor tocou em questões  de fundo que deveriam ficar bem claras e servirem de orientações quando o assunto é meio ambiente, políticas ambientais, atividade econômica sustentável, políticas e ações de preservação, e temas do gênero. “A existência da Natureza é um fato objetivo”. E fatos objetivos  requerem abordagens científicas e filosóficas objetivas. Os desafios que essa verdade elementar coloca para qualquer pessoa séria, seja representante das Ciências Naturais, seja das Ciências do Espírito, são enormes e assustadores. Entender as causas que atuam em a Natureza, as leis e mecanismos que determinam a sua mecânica, enxergar o seu sentido e  destino em termos gerais e do homem em particular, não é assunto para amadores. Exige Espíritos desarmados, conhecimentos especializados, instituições aparelhadas, centros de estudos e reflexão de alto nível. Não há mais lugar para abordagens simplistas levadas à base de receitas ditadas por convicções pré-concebidas, nem do lado das Ciências Naturais, nem do lado das Ciências do Espírito. Questões como “Natureza”, “meio ambiente”, “origem da vida”, “evolução das espécies vivas,  consciência,  memória,  instinto,  inteligência,  reflexão, não admitem serem tratados num clima de beligerância inútil e de fundamentalismo estéril. Exigem como ponto de partida espíritos preparados e, principalmente, desarmados. Nomes de peso neste sentido aparecem com sempre maior freqüência nos últimos anos. Cito mais uma vez Edward Wilson. O que o torna um exemplo emblemático é o fato de ele ter defendido uma postura  agressiva contra as posições fundamentalistas de algumas denominações religiosas em relação à interpretação da Bíblia, assim como outra qualquer abordagem dos temas em pauta, por outra via que não fosse a “científica”. Em 2006 Wilson publicou o “The Cration –  An appeal to save life on Earth” – tradução em português: “A Criação – Como salvar a vida na Terra”. Neste livro, escrito na forma de uma carta a um pastor fundamentalista ele propõe um pacto de colaboração entre a ciência e a religião para “salvar a vida na terra”. Deixando de lado o radicalismo propôs a seguinte reflexão ao destinatário anônimo:
Meus alicerces de  referência foram a cultura  da ciência e algo do secularismo baseado na ciência, tal como eu o compreendo. A partir dessa base, concentrei-me na interação de três problemas que afetam todos nós: o declínio do meio ambiente vivo, a inadequação da educação científica e as confusões morais causadas pelo crescimento  exponencial da biologia. Para solucionar esses problemas, como já argumentei,  será necessário encontrar um terreno comum onde as poderosas forças da religião e da ciência possam se unir. E o melhor lugar é começar a tarefa de zelar pela vida. (Edward Wilson, 2008, p. 185)
E, ao terminar as suas reflexões conclui com um apelo para deixar de lado as diferenças entre a cosmovisão abstrata, tanto da Religião quanto da Ciência, e celebrar um pacto de esforço comum para salvar a “Criação”.
Tanto o senhor como eu somos humanistas no sentido mais amplo: o bem-estar da humanidade está no centro dos nossos pensamentos. Mas a diferença entre o humanismo baseado na religião e o humanismo  baseado na ciência se irradia por toda a filosofia, e até pelo sentido que atribuímos a nós mesmos como espécie. Essa diferença  afeta a maneira como cada um de nós valida a nossa ética, nosso patriotismo, nossa estrutura social, nossa dignidade pessoal.
O que devemos fazer? Esquecer as diferenças, digo eu. Encontrarmo-nos no terreno comum. Isto talvez não seja tão difícil como parece à primeira vista. Pensando bem, nossas diferenças metafísicas tem um efeito notavelmente pequeno sobre a conduta da sua vida e da minha. Minha suposição é de que somos ambos pessoas éticas, patrióticas e altruístas mais ou menos no mesmo grau. Somos produtos de uma civilização que surgiu não só da religião como igualmente do iluminismo fundamentado na ciência. De boa vontade  nós dois serviríamos no mesmo júri, lutaríamos nas mesmas guerras, tentaríamos com a mesma intensidade, santificar a vida humana. E, com certeza, compartilhamos o amor pela Criação. (Edward Wilson, 2008, p. 187)

Depois dessas digressões voltemos à “proposta sistêmica” de von Bertalanffy como caminho escolhido para nos apropriarmos de uma concepção que se aproxime o mais possível  da “natureza como uma realidade objetiva”.

Ludwig von Bertalanffy - 4

Uma observação mais atenta da “hierarquia dos sistemas” de Bertalanffy por ele adaptada de uma proposta de Boulding, faz perceber um paralelismo  surpreendente com a visão integradora da natureza e universo de Teilhard de Chardin. Não há evidências mais explícitas de que este tenha influído na formulação sistêmica da natureza como um todo e nas partes individualizadas daquele. Considerando, porém, que Bertalanffy publicou o”Biologisches Weltbild” e “Theoretische Biologie” no final da década de 1940 e começos de 1950, na década final da vida de Teilhard de Chardin, é de supor que tenham tomado conhecimento mútuo das suas obras  e das respectivas conclusões relativas à natureza. De qualquer forma a hierarquia dos sistemas a começar pelos mais simples ou as “estruturas estáticas” na base e terminando no homem com seus sistemas “sócio-culturais” e sistemas “simbólicos”, proposto por Bertalanffy, aproxima-se em muito de uma réplica do fio condutor que perpassa o “Fenômeno Humano” de Teilhard, polarizado pela “Pré-Vida”, a “Vida”, o “Pensamento” e a “Sobrevida”. Ampliando mais essa reflexão descobre-se que a coincidência de cosmovisão dos dois eminentes cientistas, não é original nem  num nem no outro. Ainda na transição entre a Idade Média e a Renascença, ainda na fase pré-científica, Nicolau de Cusa formulou a sua concepção do mundo e da natureza no mesmo sentido ao propor com o seu “ex partibus omunibus ellucet totum” – “as partes denunciam o todo”. Nicolau de Cusa não dispondo de evidências científicas  teve o acerto de suas conclusões confirmado por von Bertalanffy e Teilahrd de Chardin, em dados obtidos pelas Ciências Naturais. Teilhard partiu dos seus sólidos conhecimentos científicos em geral e, principalmente, dos conhecimentos especializados em paleoantropologia, arqueologia, etnografia, etnologia e outras áreas afins e valendo-se de instrumentos conceituais como “complexificação”, “ponto alfa e ponto ômega”, “consciência”, “interioridade”, “árvore da vida”, “cefalização”, “cerebralização”, “litosfera”, “biosfera”, noosfera” e outros mais, concluiu pela unidade estrutural, funcional e teleológica da Natureza. Von Bertalanffy, tirou a mesma conclusão valendo-se dos seus conhecimentos especializados em Biologia e áreas  complementares como a química, a física, modelos matemáticos, etc. Construiu a base teórica da sua concepção em torno dos conceitos de “organismo e sistema”. Condensou tudo nas duas obras de referência: “Biologisches Weltbild” e “General Theory of Systems”. A Natureza, incluindo o homem, vem a constituir-se  numa grande unidade, num “Sistema”, fruto da integração e interação de subsistemas dos mais simples aos mais complexos.
Assim existe um arranjo de modelos de sistemas, mais ou menos avançados e complexos. Certos  conceitos, modelos e princípios da teoria geral dos sistemas, tais como ordem hierárquica, diferenciação progressiva, retroação, características dos sistemas definidas pela teoria dos conjuntos e dos gráficos, etc., são largamente aplicáveis aos sistemas materiais, psicológicos e sócio-culturais. Outros conceitos, tais como os do sistema aberto, definidos pela troca de matéria, limitam-se  a certas subclasses. A prática da análise aplicada aos sistemas mostra que é preciso aplicar diversos modelos de sistemas, de acordo com a natureza do caso e os critérios opcionais. (Bertalanffy, 2009, p. 50)
 Com essa percepção sistêmica da natureza von Bertalanffy abre caminho para uma compreensão unitária do mundo não inédita mas original na forma como se dá a aproximação de sua identificação. A originalidade consiste, segundo ele, em nada menos do que a exploração de um novo campo de investigação que implica necessariamente numa postura e numa prática interdisciplinar. É preciso ir além da concepção mecanicista e reducionista predominante durante o século XIX e parte do século XX. Ela parte do pressuposto teórico de que o universo, incluindo os seres vivos em todos os níveis evolutivos, também o homem, não passam de máquinas, como tais funcionam e como tais têm que ser entendidas. O passo decisivo acima e além ficaria a cargo da “Teoria Geral dos Sistemas”. Em que consiste, ou quais são fundamentos teórico-metodológicos que identificam esse “novo campo” das Ciências? A resposta foi resumida nos seguintes termos pelo próprio von Bertlanffy:
Trata-se de um campo lógico-matemático, cuja tarefa é a formulação e a derivação dos princípios gerais aplicáveis aos “sistemas” em geral. Desta maneira, torna-se possível  a exata formulação dos termos totalidade e soma, diferenciação, mecanização progressiva, centralização, ordem hierárquica, finalidade e equifinalidade, etc., termos que aparecem em todas as ciências que tratam com “sistemas e implicam sua homologia lógica. (Bertalanffy, 2009, p. 333)
Ludwig von Bertalanffy pretende, portanto, por meio da sua “Teoria Geral dos Sistemas”, encontrar um caminho para superar o impasse criado pela fragmentação em todos os sentidos e a todos os níveis criados pela civilização pós-moderna. As Ciências da Natureza, valendo-se de métodos analíticos a serviço de uma visão mecanicista, de tanto dissecar perderam a noção da vida que animou a célula, o genoma, o DNA que observam sob o microscópio. O químico, o físico, o biólogo, o geneticista, o geógrafo, o sociólogo, o economista, o antropólogo, o historiador, o filósofo e até o teólogo, recolhem-se aos seus casulos impermeáveis. A perda da capacidade de perceber o Todo, a Totalidade, é diretamente proporcional ao avanço e aprofundamento de suas descobertas e elucubrações. De tanto dissecar, desmontar e analisar já não percebem o corpo muito menos a alma. Só restam tecidos, peças de máquina, fatos e ideias dispersas. Há mais de setenta anos escrevia Teilhard de Chardin, prenunciando a pós-modernidade que se anunciava no horizonte.
Ao contrário dos “primitivos” que dão personalidade a tudo que se mexe, ou mesmo dos primeiros grupos que divinizavam todos os aspectos  todas as forças da natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar ou de impersonalizar o que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise – esse maravilhoso instrumento da pesquisa científica, o qual devemos todos os nossos progressos, mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa escapar uma após outra todas as almas e acaba por nos deixar perante uma pilha de engrenagens desmontadas e de partículas  que se esvaem. E  a segunda é a descoberta do mundo sideral, objeto tão vasto que se tem a impressão que toda a proporção entre o nosso ser e as dimensões do Cosmos à nossa volta, foi abolida. (Teilhar de Chardin,
A questão de fundo a ser resolvida como passo inicial para refazer a “síntese desfeita” e  devolver-lhe  a “alma”, consiste na reeducação radical da mente de como se percebe o universo e o mundo. A análise como método científico teve o grande mérito de levar até as bases estruturais e funcionais da natureza. A estrutura atômica já não é mais segredo e a mecânica do seu funcionamento encontra  aplicação pacífica universal de um lado e do outro, como poderoso instrumento de  intimidação e chantagem, com os artefatos armazenados nos paióis de armas atômicas. Com a penetração  na estrutura e natureza do genoma, incluindo o humano, tem-se como entender o fundamento material da vida, as leis que comandam o seu funcionamento e, consequentemente, abre caminhos para atacar males com base hereditárias ou, melhorar geneticamente vegetais e animas, e o que seria uma aberração, programar os seres humanos com objetivos  eugênicos. Não é difícil concluir que de tanto lidar com tijolos a casa fica em segundo plano, de tanto ocupar-se com as árvores perde-se  a noção de floresta, de tanto dissecar  tecidos já não se percebe o organismo, de tanto desmontar as células foge a perspectiva de que foram vivas e para desempenharem o papel de fundamentos estruturais e funcionais devem estar a serviço da vida. Estendendo essa linha de reflexão a outros campos, chega-se sempre à mesma constatação: conceitos como “totalidade” ou “unidade” não contam na avaliação dos resultados, dos benefícios ou malefícios que resultam das descobertas feitas no campo científico. O mesmo fenômeno, ressalvadas as peculiaridades, pode ser projetado para os campos ligados ao homem:  a sociologia, a história, a economia, a arte, a religião, a filosofia e até a teologia. Em todos eles a visão mecanicista e os correspondentes métodos e instrumentos de trabalho, levou a um aprofundamento cada vez maior nos meandros dos respectivos objetos de interesse. Os resultados obviamente foram de valor inegável. Sem eles não há como imaginar o nível em se encontra a ciência e tecnologia em qualquer uma das suas ramificações. Aos que apostam todas as fichas na incursão cada vez mais acelerada e mais refinada em direção as perguntas que ainda pedem uma resposta nesses campos, passa despercebido que há um contraponto  a essa situação que não pode ser ignorado. A consciência da totalidade, da unidade  diminui na mesma proporção em que avança e se aprofunda o conhecimento  especializado. A especialização isola cada vez mais os campos específicos de conhecimento. Parece que se erguem muros, estendem-se cercas e trancam-se os acessos com cadeados. As soluções para os grandes problemas que afligem o homem e a humanidade não passam daqueles que os dados de um laboratório foram capazes de oferecer, uma pesquisa  de campo sugere ou uma cabeça voltada sobre si mesma engendrou.  Estamos assim diante de uma linhagem de cientistas e intelectuais sem voo próprio,  que se alinham e filiam à linha teórica e metodológica de uma determinada autoridade científica ou escola teórica. Com orgulho autodenominam-se marxistas, liberais, positivistas, hegelianos, tomistas, platônicas, aristotélicos, agostinianos, darwinistas, etc., etc. Costumam analisar tudo sob a ótica teórica e seguir a cartilha metodológica da sua preferência. Quase sempre terminam numa percepção unilateral e parcial da realidade e com facilidade aderem a ideologias de ação equivocadas que, se  lavadas ao extremo, terminam em posições fundamentalistas, tanto no campo estritamente religioso, quanto no político, econômico e até científico. Essa é a sina que ronda cientistas, pesquisadores, pensadores e estudiosos em geral, na civilização pós-moderna. Diante de um universo fragmentado e a ponto de perder a noção do todo, constroem mundos  individuais cada vez mais acanhados e estanques. O Físico, o biólogo, o geneticista, o geógrafo, o sociólogo, o economista, o antropólogo, o historiador, o filósofo, o teólogo, recolhem-se aos seus casulos impermeáveis. A perda da capacidade de perceber o Todo, a Totalidade, a Verdade, é diretamente proporcional ao avanço das suas descobertas. De tanto dissecar, desmontar e analisar já não enxergam mais o corpo, muito menos a alma. Só restam tecidos, peças de máquina, fatos e ideias dispersas. O resultado mais desastroso resume-se num endemismo do espírito em que o particular, o detalhe, as leis formuladas a partir de métodos de natureza diferente válidos para realidades também diversas, são usados para emitir juízos de valor sobre fatos situados em níveis diversos. Quando se chega a esse ponto a situação de fato se complica. O cientista extrapola dos resultados do seu laboratório e sai dando palpites sobre questões de ética e moral e questionar princípios doutrinários privativos do teólogo. Vindos da outra ponta filósofos e teólogos intrometem-se em assuntos que competem ao cientista serem trabalhados com seus métodos e instrumentos de trabalho.  No cenário criado pela indevida invasão mútua de campos e competências, trava-se então uma guerra inglória, inútil e prejudicial para ambos os lados. Nela não há lugar para vencedores, só para perdedores com prejuízos tanto para as Ciências Naturais quanto para as Ciências do Espírito.
O remédio proposto por Ludwig von Bertalanffy para superar esse impasse consiste numa mudança profunda de natureza teórica e consequentemente também de natureza metodológica. Em vez de partir do pressuposto de que se chega à  compreensão dos fatos desmontando-os  até os últimos componentes, é preciso partir de uma outra perspectiva. O esforço deve concentrar-se em entender a peça a partir da máquina e não a máquina a partir da peça. Em se tratando de seres vivos sua natureza não se encontra desmontando uma célula nos seus elementos estruturais e funcionais últimos, mas buscando entender a sua razão de ser, a sua função a partir do todo em que está inserida e a partir do serviço que presta ao todo. Em outras palavras, a partir da funcionalidade que lhe é própria enquanto atuando no todo, ou como von Bertalanffy diria, enquanto atua no “Sistema”. Fora do sistema, isolada da máquina, uma roda, uma mola, um circuito elétrico é apenas uma peça em forma de roda, objeto em forma de mola, uma seqüência de fios conectados numa determinada ordem. A rigor nada falam, nada explicam da razão de ser da sua forma de ser e da sua aparência morfológica. Isso só fica claro quando incorporados num “sistema”, no qual ocupam um lugar específico que permite que exerçam a função para a qual o engenheiro a concebeu e calculou e o mecânico a confeccionou.  Mudadas as características e as peculiaridades,  aplica-se o mesmo raciocínio à análise dos elementos que compõem um organismo. Compreender um órgão um tecido, um célula na sua natureza mais íntima, só mesmo ocupando o respectivo lugar num organismo em plena atividade vital. Portanto um coração por ex., só é um coração no verdadeiro sentido da palavra, quando garante uma circulação normal do sangue e, ao mesmo tempo, funciona como base material das emoções, dos sentimentos, das paixões e outras reações  sentimentais no caso do homem. Portanto, o coração não se limita a ser uma bomba automática de alta performance e precisão e de grande durabilidade, mas é responsável para que manifestações de natureza não empírica tenham condições de se desencadear. Argumentar que a elevação ou a queda da pressão sanguínea induz, no caso do homem, a sentimentos e emoções, vem a ser apenas a metade da explicação. Dependendo da situação concreta em que uma pessoa se encontra a elevação da pressão sanguínea leva à uma explosão de raiva ou ao diametralmente oposto, um arroubo de amor. Por aí fica muito claro que o conjunto de estruturas e funções que fazem reagir o aparelho circulatório, leva a resultados, já não mais a nível morfológico e funcional, mas situados em outro plano cuja origem tem a sua explicação numa situação concreta de natureza pessoal ou social em que a pessoa se encontra no momento.

A lógica do exposto leva a conclusões importantes. O primeiro passo a ser dado quando se pensa em investigar algum objeto, alguma realidade ou algum fenômeno, consiste em identificar o contexto em que está inserido. Isso vale para as realidades mais simples e mais elementares como são os minerais, como para as mais complexas como a planta, o animal ou o homem. E o contexto nada mais é do que um “todo, uma totalidade, um sistema”. O termo que se prefere em última análise é secundário. O que importa é a opção teórica combinada com a linha metodológica com que se conduz a investigação científica e se orienta o  raciocínio lógico. Como pano de fundo quem dá o norte é a pergunta pelo significado do objeto da investigação em curso no contexto mais amplo de que faz parte. O pertencer a um contexto implica necessariamente numa funcionalidade e esta supõe uma teleologia que se realiza em diferentes níveis. Remetemos o detalhamento e a hierarquia dos níveis ao esquema apresentado mais acima. Quanto mais elevado e mais complexo é o nível mais evidenciam-se os elementos de funcionalidade e teleologia. Acontece que os níveis de complexidade a que  nos referimos não são realidades estanques. A passagem de um para o outro não se dá pela complexificação morfológica, estrutural e funcional em si, mas pelo que representa no todo maior. Em outras palavras. Os sais minerais, os aminoácidos, as proteínas, as gorduras, etc. incorporados no organismo vivo adquirem um funcionalidade superior, mais elevada que serve a um propósito, uma teleologia que consiste em manter as atividades vitais em harmonia com os demais componentes. O mesmo vale para qualquer um nos níveis e ou sistemas em que a natureza possa ser escalonada.