A
Natureza como um Sistema global.
Partindo do pressuposto de Edward Wilson
de que a “Natureza é um fato objetivo”, os
elementos estruturais e funcionais que entram na sua composição, não
podem deixar de ser também fatos, ou melhor, realidades objetivas. O primeiro
passo em busca de um entendimento, também objetivo, do que seja a Natureza como
um Sistema Global, consiste em identificar o fundamento, a base sobre a qual
está edificado. O estágio em que se encontra a ciência que se ocupa em elucidar
esse problema, aponta para a “Energia” como base e como ponto de partida de
tudo. Parafraseando o Gênesis pode-se então afirmar que no começo “era a
Energia”. Sem entrar na discussão polêmica de como aconteceu a passagem da
energia pura, ou pelo menos grande parte dela, para dar origem à matéria, vamos
tentar mostrar como se deu a edificação do Sistema Global da Natureza. A
materialização da energia resultou nos cento
e tantos elementos conhecidos e consignados na Tábua Periódica, e, quem
sabe, outros ainda não identificados. Mal comparado esses elementos são os
tijolos a partir dos quais edificou-se o complexo arcabouço da natureza. Uns
estão presentes em toda a parte. São aqueles responsáveis pelo arcabouço
estrutural tanto da natureza mineral inorgânica, como da orgânica, como da
viva. Ocupam o topo da lista o oxigênio, o nitrogênio, o carbono e o
hidrogênio. Seguem outros cuja presença é indispensável de modo especial nos
seres vivos ou sistemas vivos de todos os níveis. São em torno de duas dúzias entre os quais sobressaem
cálcio, ferro, potássio, sódio, enxofre, iodo, etc. Além dos universalmente
presentes no mundo mineral, orgânico não vivo e orgânico vivo, enumeram-se os
elementos menos freqüentes e, por isso mesmo, preciosos como ouro,
prata, platina ..., os instáveis
ou radioativos: urânio, rádio, tório ...
Sobre essa base material, isto é, a
interação dos diversos elementos de acordo com as afinidades químicas, físicas, estimulada pelas energias próprias
de cada elemento, somada à energia solar e demais fontes de energia livres que
atuam na Natureza, desencadeou-se, numa data muito remota, difícil de precisar,
a construção do universo. Teilhard de Chardin identificou os processos básicos
que tornaram possível essa formidável urdidura, como sendo a “agregação”, a
“incorporação”(repetição geométrica”) , a “complexificação” e a compressão”.
Átomos “agregam-se” formando moléculas. Estes e estas, por sua vez, passam a
ser “incorporados” em estruturas que seguem modelos-padrão, como acontece nos cristais. Na suposição de que a
natureza nos seus diversos níveis de arranjo e organização é o resultado de
processos por natureza quantitativos de agregação e incorporação, não tem como
explicar as características, as propriedades e as peculiaridades, que vão se
manifestando, multiplicando-se e somando-se,
na medida em que se sobe na hierarquia
das estruturas. Entra então em cena a
“complexificação”, um mecanismo de potencialidades ilimitadas. Teilhard
o resumiu em poucas linhas.
Depois da série harmônica dos corpos
simples estendendo-se do Hidrogênio ao Urânio, pelas notas da escala atômica e,
em seguida, a imensa variedade dos corpos compostos, em que as massas
moleculares vão se elevando até um certo valor critico acima do qual como
veremos, passa-se para a vida. Nem sequer um termo dessa longa série que não
deve ser olhado, com base em boas prova experimentais, como um composto de
núcleos e de elétrons. Essa descoberta fundamental de que todos os corpos
derivam, por ordenação, de um só tipo corpuscular inicial, é o clarão que
ilumina ao nosso olhar a história do Universo. À sua maneira a matéria obedece,
desde a origem, à grande lei biológica (à qual nos reportaremos
incessantemente) de “complexificação”. (Teilhard de Chardin, 1986, p. 46)
O foco, a perspectiva singular a partir da
qual os autores escolhidos observaram o universo, a natureza e o homem, sugerem
algumas conclusões de fundo. A pluralidade cerca-nos por todos os lados. O cenário no qual o homem construiu e
continua construindo a sua história é heterogêneo e múltiplas são as peças que
o compõem. Um olhar sem maiores pretensões nem científicas nem filosóficas,
muito menos teológicas, pode despertar no observador a sensação de estar
mergulhado num universo formado por uma infinidade de realidades inanimadas e
animadas, coexistindo nas suas incontáveis formas e níveis de complexidade, sem
uma relação mútua, pelo menos aparente. Assemelha-se à percepção daquele que
entra numa floresta e de tantas árvores, arbustos e cipós, não se dá conta de
que se encontra numa floresta. Para o homem comum cada árvore pode até fazer
sentido como uma realidade isolada, pela imponência do seu tronco, pela
grandiosidade da sua copa, pelas flores e frutos que pendem dos seus galhos. A
visão do madeireiro não é muito diferente. Para ele interessam aquelas árvores
que lhe oferecem a madeira que tem valor no mercado como matéria prima para as
mais diversas finalidades práticas. Bem diferente será a atitude do botânico
sistemata que faz o levantamento das mais diversas espécies, as classifica de
acordo com as regras taxonômicas, as cataloga e assim colabora com o inventário
das plantas, um passo indispensável para se formar uma idéia da cobertura
vegetal local, regional, continental e do mundo como um todo. Diferente também
é o espírito que anima o especialista interessado em descobrir os
inter-relacionamentos que explicam dependências mútuas entre os mais diversos
níveis entre as muitas espécies que compõem uma floresta. Não demora e o
botânico se dá conta de que de que a floresta não é só de vegetais. Os animais
que nela vivem, se alimentam, nidificam e se multiplicam, dependem da proteção
e do alimento que as árvores e arbustos lhes oferecem. Ao mesmo tempo as aves,
os mamíferos, os insetos, as minhocas, os vermes, e afinal tudo que se
movimenta acima, sobre e debaixo do chão, garante a polinização, a disseminação
das sementes, o processamento de folhas, galhos e troncos mortos,
transformando-os em novos nutrientes e assim garantindo que nada se ganhe, nada
se perca, tudo se transforme na natureza, evitando que o ciclo da vida na sofra
sobressaltos e interrupções no seu perpétuo vir e devir. Sempre nos servindo da
floresta como metáfora exemplar para explicarmos o universo e a natureza como
um todo, somos obrigados a chamar em auxílio especialistas em edafologia,
geografia, geologia, meteorologia e outros mais para, a partir dos dados que
nos oferecem suas especialidades, avançar em direção ao âmago, à essência, à
natureza mais profunda do que seja uma
floresta.
E assim de aproximação em aproximação, de
avanço em avanço sobre os meandros de uma floresta, vai ficando claro de que
estamos diante de uma realidade que forma, na sua essência, um sistema, um
organismo “sui generis” de alta
complexidade. Desde a micro-fauna e a micro-flora, passando pelos insetos, os
anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos, os vegetais de todos tipos e
tamanhos, os gigantes da floresta e a abobada moldada pela suas copas e o clima
de mistério que reina na penumbra que formam, animado pelos sons, os ruídos,
urros, gritos e cantos, tudo deixa de parecer um mero aglomerado. A multidão de
indivíduos, formas, melodias e sons, mascaram algo mais profundo. A pluralidade
sugere com sempre mais insistência uma unidade, a complexidade um todo, as
melodias dispersas e as dissonâncias aparentes uma sinfonia.O que se aplica à
floresta como uma parcela da natureza aplica-se, ressalvadas as peculiaridades,
ao todo do universo e da natureza.