Uma observação mais atenta da “hierarquia
dos sistemas” de Bertalanffy por ele adaptada de uma proposta de Boulding, faz
perceber um paralelismo surpreendente
com a visão integradora da natureza e universo de Teilhard de Chardin. Não há
evidências mais explícitas de que este tenha influído na formulação sistêmica
da natureza como um todo e nas partes individualizadas daquele. Considerando,
porém, que Bertalanffy publicou o”Biologisches Weltbild” e “Theoretische
Biologie” no final da década de 1940 e começos de 1950, na década final da vida
de Teilhard de Chardin, é de supor que tenham tomado conhecimento mútuo das suas
obras e das respectivas conclusões
relativas à natureza. De qualquer forma a hierarquia dos sistemas a começar
pelos mais simples ou as “estruturas estáticas” na base e terminando no homem
com seus sistemas “sócio-culturais” e sistemas “simbólicos”, proposto por
Bertalanffy, aproxima-se em muito de uma réplica do fio condutor que perpassa o
“Fenômeno Humano” de Teilhard, polarizado pela “Pré-Vida”, a “Vida”, o
“Pensamento” e a “Sobrevida”. Ampliando mais essa reflexão descobre-se que a
coincidência de cosmovisão dos dois eminentes cientistas, não é original nem num nem no outro. Ainda na transição entre a
Idade Média e a Renascença, ainda na fase pré-científica, Nicolau de Cusa
formulou a sua concepção do mundo e da natureza no mesmo sentido ao propor com
o seu “ex partibus omunibus ellucet totum” – “as partes denunciam o todo”.
Nicolau de Cusa não dispondo de evidências científicas teve o acerto de suas conclusões confirmado
por von Bertalanffy e Teilahrd de Chardin, em dados obtidos pelas Ciências
Naturais. Teilhard partiu dos seus sólidos conhecimentos científicos em geral
e, principalmente, dos conhecimentos especializados em paleoantropologia,
arqueologia, etnografia, etnologia e outras áreas afins e valendo-se de
instrumentos conceituais como “complexificação”, “ponto alfa e ponto ômega”,
“consciência”, “interioridade”, “árvore da vida”, “cefalização”,
“cerebralização”, “litosfera”, “biosfera”, noosfera” e outros mais, concluiu
pela unidade estrutural, funcional e teleológica da Natureza. Von Bertalanffy,
tirou a mesma conclusão valendo-se dos seus conhecimentos especializados em
Biologia e áreas complementares como a
química, a física, modelos matemáticos, etc. Construiu a base teórica da sua
concepção em torno dos conceitos de “organismo e sistema”. Condensou tudo nas duas
obras de referência: “Biologisches Weltbild” e “General Theory of Systems”. A
Natureza, incluindo o homem, vem a constituir-se numa grande unidade, num “Sistema”, fruto da
integração e interação de subsistemas dos mais simples aos mais complexos.
Assim existe um arranjo de modelos de sistemas,
mais ou menos avançados e complexos. Certos
conceitos, modelos e princípios da teoria geral dos sistemas, tais como
ordem hierárquica, diferenciação progressiva, retroação, características dos
sistemas definidas pela teoria dos conjuntos e dos gráficos, etc., são
largamente aplicáveis aos sistemas materiais, psicológicos e sócio-culturais.
Outros conceitos, tais como os do sistema aberto, definidos pela troca de
matéria, limitam-se a certas subclasses.
A prática da análise aplicada aos sistemas mostra que é preciso aplicar
diversos modelos de sistemas, de acordo com a natureza do caso e os critérios
opcionais. (Bertalanffy, 2009, p. 50)
Com
essa percepção sistêmica da natureza von Bertalanffy abre caminho para uma
compreensão unitária do mundo não inédita mas original na forma como se dá a
aproximação de sua identificação. A originalidade consiste, segundo ele, em
nada menos do que a exploração de um novo campo de investigação que implica
necessariamente numa postura e numa prática interdisciplinar. É preciso ir além
da concepção mecanicista e reducionista predominante durante o século XIX e
parte do século XX. Ela parte do pressuposto teórico de que o universo,
incluindo os seres vivos em todos os níveis evolutivos, também o homem, não
passam de máquinas, como tais funcionam e como tais têm que ser entendidas. O
passo decisivo acima e além ficaria a cargo da “Teoria Geral dos Sistemas”. Em
que consiste, ou quais são fundamentos teórico-metodológicos que identificam
esse “novo campo” das Ciências? A resposta foi resumida nos seguintes termos
pelo próprio von Bertlanffy:
Trata-se de um campo lógico-matemático,
cuja tarefa é a formulação e a derivação dos princípios gerais aplicáveis aos
“sistemas” em geral. Desta maneira, torna-se possível a exata formulação dos termos totalidade e
soma, diferenciação, mecanização progressiva, centralização, ordem hierárquica,
finalidade e equifinalidade, etc., termos que aparecem em todas as ciências que
tratam com “sistemas e implicam sua homologia lógica. (Bertalanffy, 2009, p.
333)
Ludwig von Bertalanffy pretende, portanto,
por meio da sua “Teoria Geral dos Sistemas”, encontrar um caminho para superar
o impasse criado pela fragmentação em todos os sentidos e a todos os níveis
criados pela civilização pós-moderna. As Ciências da Natureza, valendo-se de
métodos analíticos a serviço de uma visão mecanicista, de tanto dissecar
perderam a noção da vida que animou a célula, o genoma, o DNA que observam sob
o microscópio. O químico, o físico, o biólogo, o geneticista, o geógrafo, o
sociólogo, o economista, o antropólogo, o historiador, o filósofo e até o
teólogo, recolhem-se aos seus casulos impermeáveis. A perda da capacidade de
perceber o Todo, a Totalidade, é diretamente proporcional ao avanço e
aprofundamento de suas descobertas e elucubrações. De tanto dissecar, desmontar
e analisar já não percebem o corpo muito menos a alma. Só restam tecidos, peças
de máquina, fatos e ideias dispersas. Há mais de setenta anos escrevia Teilhard
de Chardin, prenunciando a pós-modernidade que se anunciava no horizonte.
Ao contrário dos “primitivos” que dão
personalidade a tudo que se mexe, ou mesmo dos primeiros grupos que divinizavam
todos os aspectos todas as forças da
natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar ou de impersonalizar
o que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise –
esse maravilhoso instrumento da pesquisa científica, o qual devemos todos os
nossos progressos, mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa escapar uma
após outra todas as almas e acaba por nos deixar perante uma pilha de
engrenagens desmontadas e de partículas
que se esvaem. E a segunda é a
descoberta do mundo sideral, objeto tão vasto que se tem a impressão que toda a
proporção entre o nosso ser e as dimensões do Cosmos à nossa volta, foi
abolida. (Teilhar de Chardin,
A questão de fundo a ser resolvida como
passo inicial para refazer a “síntese desfeita” e devolver-lhe
a “alma”, consiste na reeducação radical da mente de como se percebe o
universo e o mundo. A análise como método científico teve o grande mérito de
levar até as bases estruturais e funcionais da natureza. A estrutura atômica já
não é mais segredo e a mecânica do seu funcionamento encontra aplicação pacífica universal de um lado e do
outro, como poderoso instrumento de
intimidação e chantagem, com os artefatos armazenados nos paióis de
armas atômicas. Com a penetração na
estrutura e natureza do genoma, incluindo o humano, tem-se como entender o
fundamento material da vida, as leis que comandam o seu funcionamento e,
consequentemente, abre caminhos para atacar males com base hereditárias ou,
melhorar geneticamente vegetais e animas, e o que seria uma aberração,
programar os seres humanos com objetivos
eugênicos. Não é difícil concluir que de tanto lidar com tijolos a casa
fica em segundo plano, de tanto ocupar-se com as árvores perde-se a noção de floresta, de tanto dissecar tecidos já não se percebe o organismo, de
tanto desmontar as células foge a perspectiva de que foram vivas e para
desempenharem o papel de fundamentos estruturais e funcionais devem estar a
serviço da vida. Estendendo essa linha de reflexão a outros campos, chega-se
sempre à mesma constatação: conceitos como “totalidade” ou “unidade” não contam
na avaliação dos resultados, dos benefícios ou malefícios que resultam das
descobertas feitas no campo científico. O mesmo fenômeno, ressalvadas as
peculiaridades, pode ser projetado para os campos ligados ao homem: a sociologia, a história, a economia, a arte,
a religião, a filosofia e até a teologia. Em todos eles a visão mecanicista e
os correspondentes métodos e instrumentos de trabalho, levou a um
aprofundamento cada vez maior nos meandros dos respectivos objetos de
interesse. Os resultados obviamente foram de valor inegável. Sem eles não há
como imaginar o nível em se encontra a ciência e tecnologia em qualquer uma das
suas ramificações. Aos que apostam todas as fichas na incursão cada vez mais
acelerada e mais refinada em direção as perguntas que ainda pedem uma resposta
nesses campos, passa despercebido que há um contraponto a essa situação que não pode ser ignorado. A
consciência da totalidade, da unidade
diminui na mesma proporção em que avança e se aprofunda o
conhecimento especializado. A
especialização isola cada vez mais os campos específicos de conhecimento.
Parece que se erguem muros, estendem-se cercas e trancam-se os acessos com
cadeados. As soluções para os grandes problemas que afligem o homem e a
humanidade não passam daqueles que os dados de um laboratório foram capazes de
oferecer, uma pesquisa de campo sugere
ou uma cabeça voltada sobre si mesma engendrou.
Estamos assim diante de uma linhagem de cientistas e intelectuais sem voo
próprio, que se alinham e filiam à linha
teórica e metodológica de uma determinada autoridade científica ou escola
teórica. Com orgulho autodenominam-se marxistas, liberais, positivistas,
hegelianos, tomistas, platônicas, aristotélicos, agostinianos, darwinistas,
etc., etc. Costumam analisar tudo sob a ótica teórica e seguir a cartilha metodológica
da sua preferência. Quase sempre terminam numa percepção unilateral e parcial
da realidade e com facilidade aderem a ideologias de ação equivocadas que,
se lavadas ao extremo, terminam em
posições fundamentalistas, tanto no campo estritamente religioso, quanto no
político, econômico e até científico. Essa é a sina que ronda cientistas,
pesquisadores, pensadores e estudiosos em geral, na civilização pós-moderna.
Diante de um universo fragmentado e a ponto de perder a noção do todo,
constroem mundos individuais cada vez
mais acanhados e estanques. O Físico, o biólogo, o geneticista, o geógrafo, o
sociólogo, o economista, o antropólogo, o historiador, o filósofo, o teólogo,
recolhem-se aos seus casulos impermeáveis. A perda da capacidade de perceber o
Todo, a Totalidade, a Verdade, é diretamente proporcional ao avanço das suas
descobertas. De tanto dissecar, desmontar e analisar já não enxergam mais o
corpo, muito menos a alma. Só restam tecidos, peças de máquina, fatos e ideias
dispersas. O resultado mais desastroso resume-se num endemismo do espírito em
que o particular, o detalhe, as leis formuladas a partir de métodos de natureza
diferente válidos para realidades também diversas, são usados para emitir
juízos de valor sobre fatos situados em níveis diversos. Quando se chega a esse
ponto a situação de fato se complica. O cientista extrapola dos resultados do
seu laboratório e sai dando palpites sobre questões de ética e moral e
questionar princípios doutrinários privativos do teólogo. Vindos da outra ponta
filósofos e teólogos intrometem-se em assuntos que competem ao cientista serem
trabalhados com seus métodos e instrumentos de trabalho. No cenário criado pela indevida invasão mútua
de campos e competências, trava-se então uma guerra inglória, inútil e
prejudicial para ambos os lados. Nela não há lugar para vencedores, só para
perdedores com prejuízos tanto para as Ciências Naturais quanto para as
Ciências do Espírito.
O remédio proposto por Ludwig von
Bertalanffy para superar esse impasse consiste numa mudança profunda de
natureza teórica e consequentemente também de natureza metodológica. Em vez de
partir do pressuposto de que se chega à
compreensão dos fatos desmontando-os
até os últimos componentes, é preciso partir de uma outra perspectiva. O
esforço deve concentrar-se em entender a peça a partir da máquina e não a
máquina a partir da peça. Em se tratando de seres vivos sua natureza não se
encontra desmontando uma célula nos seus elementos estruturais e funcionais
últimos, mas buscando entender a sua razão de ser, a sua função a partir do
todo em que está inserida e a partir do serviço que presta ao todo. Em outras
palavras, a partir da funcionalidade que lhe é própria enquanto atuando no
todo, ou como von Bertalanffy diria, enquanto atua no “Sistema”. Fora do
sistema, isolada da máquina, uma roda, uma mola, um circuito elétrico é apenas
uma peça em forma de roda, objeto em forma de mola, uma seqüência de fios
conectados numa determinada ordem. A rigor nada falam, nada explicam da razão
de ser da sua forma de ser e da sua aparência morfológica. Isso só fica claro
quando incorporados num “sistema”, no qual ocupam um lugar específico que
permite que exerçam a função para a qual o engenheiro a concebeu e calculou e o
mecânico a confeccionou. Mudadas as
características e as peculiaridades,
aplica-se o mesmo raciocínio à análise dos elementos que compõem um
organismo. Compreender um órgão um tecido, um célula na sua natureza mais
íntima, só mesmo ocupando o respectivo lugar num organismo em plena atividade
vital. Portanto um coração por ex., só é um coração no verdadeiro sentido da
palavra, quando garante uma circulação normal do sangue e, ao mesmo tempo,
funciona como base material das emoções, dos sentimentos, das paixões e outras
reações sentimentais no caso do homem.
Portanto, o coração não se limita a ser uma bomba automática de alta
performance e precisão e de grande durabilidade, mas é responsável para que
manifestações de natureza não empírica tenham condições de se desencadear.
Argumentar que a elevação ou a queda da pressão sanguínea induz, no caso do
homem, a sentimentos e emoções, vem a ser apenas a metade da explicação.
Dependendo da situação concreta em que uma pessoa se encontra a elevação da
pressão sanguínea leva à uma explosão de raiva ou ao diametralmente oposto, um
arroubo de amor. Por aí fica muito claro que o conjunto de estruturas e funções
que fazem reagir o aparelho circulatório, leva a resultados, já não mais a
nível morfológico e funcional, mas situados em outro plano cuja origem tem a
sua explicação numa situação concreta de natureza pessoal ou social em que a
pessoa se encontra no momento.
A lógica do exposto leva a conclusões
importantes. O primeiro passo a ser dado quando se pensa em investigar algum
objeto, alguma realidade ou algum fenômeno, consiste em identificar o contexto
em que está inserido. Isso vale para as realidades mais simples e mais
elementares como são os minerais, como para as mais complexas como a planta, o
animal ou o homem. E o contexto nada mais é do que um “todo, uma totalidade, um
sistema”. O termo que se prefere em última análise é secundário. O que importa
é a opção teórica combinada com a linha metodológica com que se conduz a
investigação científica e se orienta o
raciocínio lógico. Como pano de fundo quem dá o norte é a pergunta pelo
significado do objeto da investigação em curso no contexto mais amplo de que
faz parte. O pertencer a um contexto implica necessariamente numa
funcionalidade e esta supõe uma teleologia que se realiza em diferentes níveis.
Remetemos o detalhamento e a hierarquia dos níveis ao esquema apresentado mais
acima. Quanto mais elevado e mais complexo é o nível mais evidenciam-se os
elementos de funcionalidade e teleologia. Acontece que os níveis de
complexidade a que nos referimos não são
realidades estanques. A passagem de um para o outro não se dá pela
complexificação morfológica, estrutural e funcional em si, mas pelo que
representa no todo maior. Em outras palavras. Os sais minerais, os aminoácidos,
as proteínas, as gorduras, etc. incorporados no organismo vivo adquirem um
funcionalidade superior, mais elevada que serve a um propósito, uma teleologia
que consiste em manter as atividades vitais em harmonia com os demais
componentes. O mesmo vale para qualquer um nos níveis e ou sistemas em que a
natureza possa ser escalonada.