De outra parte os diversos níveis ou
sistemas da natureza interagem vertical e horizontalmente uns com os outros
como fatores de equilíbrio setorial e global. Desta forma a natureza concebida
como um todo forma um “Sistema” cuja integridade, saúde, vigor e perenidade
depende da presença e da qualidade dos seus componentes e da relação de
interdependência harmônica entre as partes. A aceitação da concepção de que o
mundo ambiente em que o homem vive e sobrevive forma um grande, e complexo sistema global construído sobre estruturas
frágeis interagindo numa dinâmica de relações não menos vulneráveis, e por isso
mesmo, facilmente sujeitas a danos irreversíveis. Qualquer intervenção, por menor e menos visível que seja,
reflete-se de alguma forma no todo. Não resta dúvida de que a percepção
sistêmica assim como a concebeu von Bertalanffy, pressupõe como base a
convicção de que a Natureza forma um Todo. O notável é que esse ponto de vista
vem sendo defendido, não por filósofos como Nicolau de Cusa, mas por cientistas
de renome partindo dos dados obtidos pelas pesquisas científicas mais
atualizadas. Como amostra temos a posição de Edward Wilson da universidade de
Harvard, entomólogo reconhecido internacionalmente pela autoridade em sua
especialidade. Depois de analisar os ecosistemas das ilhas que compõem o Parque
Nacional de Boston Harbor Islands, as ilhas Florida Keys, no Golfo do México,
florestas tropicais, áreas fortemente humanizadas com presença de pastagens ou
lavouras, escreveu a seguinte observação.
Alguns filósofos pós-modernos, convencidos
de que a verdade é relativa e dependente apenas da visão de mundo de cada um, argumentam
que não existe uma entidade objetiva tal como a “Natureza”. Para eles trata-se
de uma falsa dicotomia, que surgiu em algumas culturas e não em outras. Estou
disposto a levar em conta esse ponto de vista, pelo menos por alguns minutos,
mas já atravessei tantas fronteiras
nítidas entre ecossistemas naturais e humanizados que não posso duvidar
da existência objetiva da Natureza. ( Edward Wilson, 2008, p. 31)
Essa conclusão de Edward Wilson merece um
reflexão muito séria. Nela o autor tocou em questões de fundo que deveriam ficar bem claras e
servirem de orientações quando o assunto é meio ambiente, políticas ambientais,
atividade econômica sustentável, políticas e ações de preservação, e temas do
gênero. “A existência da Natureza é um fato objetivo”. E fatos objetivos requerem abordagens científicas e filosóficas
objetivas. Os desafios que essa verdade elementar coloca para qualquer pessoa
séria, seja representante das Ciências Naturais, seja das Ciências do Espírito,
são enormes e assustadores. Entender as causas que atuam em a Natureza, as leis
e mecanismos que determinam a sua mecânica, enxergar o seu sentido e destino em termos gerais e do homem em
particular, não é assunto para amadores. Exige Espíritos desarmados,
conhecimentos especializados, instituições aparelhadas, centros de estudos e
reflexão de alto nível. Não há mais lugar para abordagens simplistas levadas à
base de receitas ditadas por convicções pré-concebidas, nem do lado das
Ciências Naturais, nem do lado das Ciências do Espírito. Questões como
“Natureza”, “meio ambiente”, “origem da vida”, “evolução das espécies
vivas, consciência, memória,
instinto, inteligência, reflexão, não admitem serem tratados num
clima de beligerância inútil e de fundamentalismo estéril. Exigem como ponto de
partida espíritos preparados e, principalmente, desarmados. Nomes de peso neste
sentido aparecem com sempre maior freqüência nos últimos anos. Cito mais uma
vez Edward Wilson. O que o torna um exemplo emblemático é o fato de ele ter
defendido uma postura agressiva contra
as posições fundamentalistas de algumas denominações religiosas em relação à
interpretação da Bíblia, assim como outra qualquer abordagem dos temas em
pauta, por outra via que não fosse a “científica”. Em 2006 Wilson publicou o
“The Cration – An appeal to save life on
Earth” – tradução em português: “A Criação – Como salvar a vida na Terra”.
Neste livro, escrito na forma de uma carta a um pastor fundamentalista ele
propõe um pacto de colaboração entre a ciência e a religião para “salvar a vida
na terra”. Deixando de lado o radicalismo propôs a seguinte reflexão ao
destinatário anônimo:
Meus alicerces de referência foram a cultura da ciência e algo do secularismo baseado na
ciência, tal como eu o compreendo. A partir dessa base, concentrei-me na
interação de três problemas que afetam todos nós: o declínio do meio ambiente
vivo, a inadequação da educação científica e as confusões morais causadas pelo
crescimento exponencial da biologia.
Para solucionar esses problemas, como já argumentei, será necessário encontrar um terreno comum
onde as poderosas forças da religião e da ciência possam se unir. E o melhor
lugar é começar a tarefa de zelar pela vida. (Edward Wilson, 2008, p. 185)
E, ao terminar as suas reflexões conclui
com um apelo para deixar de lado as diferenças entre a cosmovisão abstrata,
tanto da Religião quanto da Ciência, e celebrar um pacto de esforço comum para
salvar a “Criação”.
Tanto o senhor como eu somos humanistas no
sentido mais amplo: o bem-estar da humanidade está no centro dos nossos
pensamentos. Mas a diferença entre o humanismo baseado na religião e o
humanismo baseado na ciência se irradia
por toda a filosofia, e até pelo sentido que atribuímos a nós mesmos como
espécie. Essa diferença afeta a maneira
como cada um de nós valida a nossa ética, nosso patriotismo, nossa estrutura
social, nossa dignidade pessoal.
O que devemos fazer? Esquecer as
diferenças, digo eu. Encontrarmo-nos no terreno comum. Isto talvez não seja tão
difícil como parece à primeira vista. Pensando bem, nossas diferenças
metafísicas tem um efeito notavelmente pequeno sobre a conduta da sua vida e da
minha. Minha suposição é de que somos ambos pessoas éticas, patrióticas e
altruístas mais ou menos no mesmo grau. Somos produtos de uma civilização que
surgiu não só da religião como igualmente do iluminismo fundamentado na
ciência. De boa vontade nós dois
serviríamos no mesmo júri, lutaríamos nas mesmas guerras, tentaríamos com a
mesma intensidade, santificar a vida humana. E, com certeza, compartilhamos o
amor pela Criação. (Edward Wilson, 2008, p. 187)
Depois dessas digressões voltemos à
“proposta sistêmica” de von Bertalanffy como caminho escolhido para nos
apropriarmos de uma concepção que se aproxime o mais possível da “natureza como uma realidade objetiva”.