Archive for julho 2016

Deitando Raízes #33

No que se refere aos custos da construção, depois da morte do velho Datsch, Blauth e Colling receberam 35 contos do governo, o que eleva a conta de toda a ponte para 75 contos, incluídos os dois prolongamentos da ponte propriamente dita. Só a pedreira é capaz de fornecer os dados de quantas cargas de pedra foram empregadas na totalidade da obra. O jovem Datsch informou que durante a vida do pai foram retiradas da pedreira da sua propriedade 1.100 cargas de carroça. No que se refere aos salários da primeira fase da construção, encontramos nos dois livros  que foram gentilmente postos à disposição pelo senhor Jacob Datsch, os seguintes detalhes interessantes. Encontramos a seguinte conta relativa à primeira semana de 23 a 29 de agosto de 1859:
Na condição de arquiteto e mestre de obra João Sauter recebeu 3 mil réis por dia; João Hüther e Jacob Hahn, oficiais de pedreiro, dois mil réis por dia: Nicolaus Datsch como servente e cozinheiro, um mil réis: João Jacob Müller, servente, um mil réis. Os outros dados serão acrescentados mais tarde quando a Crônica (127) for publicada em forma de livro, por ex., o número de dias trabalhados, os salários do mestre e dos oficiais, a maneira como trabalharam empreendedores na ponte, como atuaram nela mais engenheiros, entre eles o major Campos e o acima mencionado major Martins.
A primeira travessia da ponte, ainda não pavimentada, coube a Mathias Lauermann, montado no seu bagual branco, o que certamente não foi um mau prenúncio, tato pelo cavaleiro quanto pelo animal. Mais sério foi o boato de que seria instalada uma barreira e cobrada uma taxa de pedágio. Um grande alvoroço tomou conta de toda a região com o argumento contra de que todos tinham contribuído para a construção. Um grupo de homens, entre eles Lauermann e Sänger, foi conversar com Blauth para chamar-lhe a atenção. Mas este saiu-se com a resposta seca: "Não há nada a fazer. Não se deve contestar o governo." Em extremo amargurados com esta comunicação, os acima citados dirigiram-se a Philipp Herzer, para com ele deliberar sobre a situação. Este tinha opinião diferente de Blauth. Era de parecer que obviamente havia o que fazer, contanto que as pessoas o apoiassem. Foi convocada uma reunião para o domingo seguinte na residência de Philipp Herzer para acertar os passos necessários a serem dados.  Unanimemente rejeitaram  o pedágio da ponte e encarregaram Philipp Herzer e Jacob Datsch júnior a tratar da questão junto ao Governador. Sem perder tempo os dois puseram-se a caminho, já que o leilão do pedágio estava marcado para a quarta feira. Datsch levou três cartas de recomendação endereçadas a Karl von Koseritz, mas Herzer preferiu dirigir-se primeiro ao dr. Florêncio. Ao lhe passarem o documento que o capitão Jahn (autor da obre sobre a Colônia de São Leopoldo), redigira, exclamou ao observar as expressões fortes: "Isto não passa. O Presidente escreverá simplesmente: Não dê lugar, isto é, não merece consideração." Datsch revoltado aproximou-se da janela. Repentinamente voltou-se para Herzer e declarou: "Sigamos o nosso caminho." No corredor o velho Herzer meteu as mãos nos cabelos hirsutos e disse: "E agora, o que fazemos?" Datsch respondeu curto e decidido: "Vamos recorrer ao Koseritz." Assim fizeram, mas não o encontraram em casa. O chapeleiro sugeriu que voltassem  às oito horas. Na hora indicada os dois emissários apresentaram-se na casa do sr. von Koseritz, o qual contudo não se encontrava. O sr. Herzer  pôs-se a procurá-lo e não demorou voltou em sua companhia. Von Koseritz recebeu o documento e soube da resposta do dr. Florêncio. Leu o requerimento e observou: "está um pouco forte, mas apesar disto o faremos chegar às mãos do homem." Pediu que às 11 horas estivessem na residência de Ter Brüggen. Os  três subiram até o palácio e foram recebidos e Koseritz explicou brevemente do que se tratava, o que levou alguns minutos. Depois von Koseritz ocupou o lugar em frente ao Presidente e começou uma longa conversa, não sobre o pedágio da ponte mas sobre a emigração norte americana. Concluída a conversa, os emissários recomendaram-se a von Koseitz. Lá fora este lhes disse: "Vão para casa tranqüilos. Tomarei as iniciativas necessárias, a questão está bem encaminhada."
Koseritz encontrou-se mais duas vezes com o Presidente e o leilão nunca aconteceu e  ninguém mais ouviu falar sobre a taxa relativa à ponte que deveria ser arrecadada. Koseritz recebe 35 mil réis pelo seu trabalho. Cada colono colaborara com uma moeda a título de despesas de viagem. O que sobrou Herzer utilizou para aterrar os atoleiros na estrada no Buraco do Diabo. Outras particularidades (128) relativas às circunstâncias em que aconteceu a continuação da obra, vieram de outras testemunhas.
Jacob Datsch, como se sabe, faleceu em 15 de novembro de 1862. Os trabalhos foram interrompidos por mais ou menos um ano. Depois o governo pressionou pela continuação da obra. Os empreendedores foram Blauth, Colling e Kilp de Porto Alegre. Este último era o responsável técnico.
Johann Dapper  da Wallachai desempenhou o papel de pedreiro chefe, na sua ausência substituído por Peter Schnorr, atualmente residente em Estrela. O engenheiro propriamente dito que parava na casa de Philipp Herzer, raras vezes era visto. Só uma vez os trabalhadores perceberam a sua presença, isto é, na ocasião em que inspecionou o pilar e condenou o trabalho, fato que não impressionou nada bem os operários. Como canteiros distinguiram-se Johann Finger, filho do fabriqueiro, Jacob Petri do Bohnenthal e outros mais. No que se refere à pedreira que fornecia o material da ponte, no início foi usada a de propriedade de Jacob Datsch e, mais tarde, aquela que ficava nas terras de Jacob Kehl, nas proximidades do atual estande de tiro. Da primeira saíram as pedras para os quatro pilares, da última o material  para os arcos. Examinemos  a atividade na pedreira um pouco mais de perto, tomando como base a descrição de alguém que dela participou.
As pedras uma vez extraídas eram carregadas por quatro homens: Karl Becker, o "preto Tyrolerhannes", um outro Becker de Petrópolis e Christoph Führ do Bohnenthal. Este último é de momento professor no local. De manhã cedo, antes de o sol nascer, o duplo par já estava a caminho da pedreira e trabalhavam até a entrada da noite. Havia cinco carroças disponíveis, quatro delas pertenciam a Blauth, a quinta a um filho de Johann Nicolaus Datsch. Faziam quatro viagens por dia de maneira que a cada dia 20 cargas chegavam ao local da construção. A vida às vezes era  muito difícil, quando se tratava de blocos grandes. Especialmente uma, a maior, custou muito esforço. Media 14 polegadas de espessura, 28 de largura e 11 pés de comprimento, um verdadeiro gigante, cujo transporte causou muitas dificuldades. Primeiro foram retiradas as rodas dos eixos e a carroça colocada sobre o chão. Depois o colosso foi depositada sobre ela com o auxílio de rolos. Feito isto a carroça foi erguida e as rodas postas nos devidos lugares. Foi a última carga daquela tarde, um fecho digno para a jornada do dia. Quando a carroça chegou na casa do Ruschel, lá no alto, os quatro homens sentaram-se sobre a pedra e, com voz sonora, entoaram um canto.  Jacob Blauth que estava almoçando ouviu o canto, correu até a porta e olhou morro acima. Ao avistar a carroça na estrada gritou:: "Puxa!, estes trazem uma pedra para valer!" É óbvio que uma pedra tão especial merecia um lugar também especial. Depois do almoço a pedra foi colocada em cima do dique com o auxílio de rolos e assentada sobre o pilar. Todos os demais operários tiveram que colaborar. Uma vez no seu lugar em cima do pilar, Blauth dispensou para aquele dia os quatro homens que a tinham trazido, uma compensação que, com certeza, tinham merecido. A tarefa de carregar as pedras era, sem dúvida, muito pesada e, por isso, não é de se admirar que mais tarde as quatro trabalhadores pediram a Blauth, que destacasse um quinto para os ajudar. Blauth prometeu mais um homem, mas quando se foram entregou-lhes apenas uma garrafa de cachaça.
De então para frente os quatro carregadores de pedra recebiam, em vez de uma garrafa de cachaça, duas. Isto, porém, não lhes resolveu o problema. Como homens morigerados não lhes era possível liquidar sozinhos a "água de fogo" que lhes era fornecida. Era fácil encontrar uma saída. O que sobrava os trabalhadores davam para um velho cesteiro, Mentkes de nome que, (129) em companhia de sua mulher,  servia-se com vontade.
Como um serviço prestado chama o outro, cada um dos quatro recebeu a promessa de um cestinho e, daí em diante, as sobras migravam para a casa do cesteiro. Os demais operários, 30 a 40, recebiam diariamente apenas duas garrafas. Para matar o restante da sede dispunham da água ruim do rio. Cada manhã recebiam uma moringa dela no local do trabalho.
As refeições eram servidas em comum e de graça. No fogão funcionavam como cozinheiros o velho Müller Heinrich e a mulher, nascida Weber. A comida era simples mas boa. Em compensação trabalhavam  com vontade, sobressaindo de modo especial o preto Adam Blauth, um escravo de Blauth. Não servia para trabalhos que exigiam inteligência. Em compensação a Providência o dotara de uma força hercúlea. Não lhe era demais levantar três sacos. Por isto Blauth o colocou junto ao muro para preencher com todo tipo de pedras pequenas e grandes os vãos na estrutura, tarefa que não exigia muito da sua inteligência. Mas a experiência não foi de todo inútil para o preto Adam. Mais tarde, a serviço de Grünewald, tornou-se um pedreiro bastante eficiente. A sua incrível força pode ser concluída do  seguinte episódio. Quando os operários se defrontavam com uma pedra que mais homens juntos não conseguiam carregar, o mestre de obras Grünewald limitava-se a chamar: "Adam, meio mil réis." O Adam vinha e a pedra parava no lugar. Por brincadeira e para alcançar mais facilmente as metas, Grünewald prometera meio mil réis ao Adam. Era um negócio à parte e o Adam compreensivelmente estava cada vez mais disposto. Mais tarde Grünewald observaria: "Vou acabar  com estas apostas, caso contrário o Adam me leva todos os meus meio mil réis."
Mais tarde o Adam não ficou com Blauth. Trabalhava por conta em Bom Jardim, São Leopoldo e Dois Irmãos. Recebia três mil réis de salário por dia, dos quais era obrigado a entregar dois  para o seu senhor. Quando  Adam não remeteu mais pontualmente  a soma, Blauth quis vendê-lo para um vapor. Adam se encontrava na ocasião em Estrela, ocupado com um poço junto a um cervejeiro. Veio a ordem de prendê-lo e despachá-lo para o Rio. Quando, apesar de tudo, arriscou-se num domingo ir à igreja, por precaução retirara-se antes do final da missa, derrubado por um relho caiu desacordado no chão na venda de Michel Ruschel. Levantou-se, mas tornou a cair. Foi preso e levado para o Rio. Depois da libertação dos escravos trabalhou ainda por algum tempo no Rio, dirigiu-se depois para Santa Catarina de onde, conforme conta seu irmão, pretendia voltar ao Rio Grande do Sul.


A construção da ponte foi toda concluída e entregue ao tráfego em 1864. Não demorou e apareceram rachaduras nos arcos. Foram acrescentados pilares de apoio e reforços laterais nos pilares. Importou num novo gasto de cinco contos. As obras foram executadas por Peter Cassel e resolveram plenamente o problema, pois, desde então não houve mais nenhum contratempo  com a solidez da obra. Durante trinta anos de cavalos, carroças e pedestres passaram pela ponte, sem que se percebesse um único sinal de fadiga. Prevê-se que continuará por tempo indeterminado sendo uma via de comunicação segura e um ornamento para Bom Jardim.

Deitando Raízes #32

Capítulo terceiro
A ponte sobre o Feitoria
Quem já passou alguma (123) vez a cavalo por esta região romântica, certamente já se perguntou: quem construiu e quando foi construída essa obra? Tanto o comprimento quanto a solidez fazem dela algo de ser visto na mata virgem. Todas as outras pontes, de perto e de longe, perdem dela em muito em todos os sentidos. A ponte sobre o rio em São Leopoldo sobrepuja-a certamente em quatro vezes e, no que diz respeito à solidez, não há o que discutir, porque descansa sobre pedras talhadas e, após 30 anos, não precisou de nenhum reparo. De outra parte os custos de construção estão de acordo com o comprimento e a solidez da ponte. Enquanto o  observador superficial a estima, sem mais, em 100 contos, a comissão construtora calculou os custos em 20 contos, antes de começar a obra. Na verdade os números reais ficaram tanto abaixo dos 100 contos, quanto acima dos 20. Somando todas as despesas os custos ficaram em torno dos 75 contos. Donde vieram os recursos? É útil sabê-lo porque muitos, ao transitar pelo local, podem imaginar-se que tudo saiu do imenso bolso do estado. Conforme nos relatou  o senhor Jacob Datsch da Linha 48, cujo pai foi o primeiro responsável pela construção da ponte, dispomos  dos seguintes dados. A construção da nova ponte teve início em 1857. Na época existia uma de madeira que remontava ao tempo da revolução. O mestre da obra foi o assim apelidado "Grande Schmitz". Sua filha ainda viva é a viúva de Jacob Kehl. O "Grande Schmitz" tem este apelido para distingui-lo do "Pequeno Schmitz", construtor do moinho do Biehl no Bohnenthal. A anterior uma ponte baixa ligava os dois barrancos, do tipo ponte para macacos, porque com enchentes ficava debaixo da água. As três pontes sucessivas, simbolizam, por assim dizer, o progresso de toda a picada. Voltemos à ponte de pedra. A maioria das pessoas estava convencida da necessidade de uma travessia duradoura que permitisse o trânsito a qualquer hora e em quaisquer circunstâncias. Hoje até os mais ignorantes reconhecem que se tratou de uma atitude inteligente. Uma observação à parte. Não seria o caso de emprestar um pouco mais de atenção às estradas e não considerar os investimentos nelas como uma espécie de desperdício? Ter sempre à disposição boas estradas é de igual proveito do que uma ponte sólida e passável a qualquer hora. Como costuma acontecer, mesmo que todos  tenham aprovado  a realização  do projeto da ponte, foram principalmente os homens de visão e dispostos a sacrificar-se, que com determinação puseram mãos à oba. Entre eles conta-se, sem dúvida, em primeiro lugar, o velho Jacob Datsch. Depois de decidida a construção da obra, passou-se à coleta de contribuições. Já que a ponte serviria a toda a redondeza, toda ela deveria contribuir para cobrir os custos. Foi estipulado que os proprietários dos lotes mais próximos, até Peter Krug,  contribuiriam com duas onças, os mais afastados, da chamada 48 Baixa, com 43 mil réis e os ainda mais afastados, Holanda até o nr. 75, com 20 mil réis. Desta forma foram reunidos  10 contos. Quando o dinheiro acabou o governo ordenou a continuação da obra de qualquer maneira. Sob a presidência do Dr. Ferraz foram  postos à disposição sete contos. Mais tarde o governo não quis levar a sério o desembolso.
O novo Presidente negou-se a liberar o dinheiro. Datsch suspendeu os trabalhos e mandou os operários para casa.  Durante um ano a obra ficou interrompida. Depois o governo começou a pressionar pela retomada  da construção. Datsch poderia ter  dado continuidade à obra, mas não se empenhou. Estava agastado com o governo que se negava a reembolsar o dinheiro gasto. Neste meio tempo ele faleceu em 15  de novembro de 1862. Os novos empreendedores, Blauth, Colling e Kilp exigiram que o filho de Datsch entregasse as ferramentas: marretas, cunhas, alavancas, picaretas e outros  utensílios como mesas, etc. De comum acordo com a comissão de construção, da qual fazia parte, Theobald Schenkel e Friedrich Feyh, o jovem Datsch recusou-se a atender e declarou: "Enquanto não me pagarem, nada feito." Seu adversário pediu então que fornecesse por escrito a declaração. O jovem Datsch declarou-se prontamente disposto. Um caixeiro viajante de nome Sessiano, por acaso presente de passagem, redigiu a mensagem para o Presidente. Utilizava termos tão fortes que, ao lê-la, um dos presentes observou: "Se o Presidente o ler, o telhado pega fogo." Mas o que interessa é que o escrito obteve resultados. No primeiro dia do Natal apareceu um filho do Anschau com uma carta de Anton Diehl, especial amigo de Jacob Datsch, anunciando que o dinheiro fora trazido pelo vapor. Jacob Datsch relata: "Pedi imediatamente  que me alcançassem  a roupa, enquanto minha mulher encilhava o cavalo. Fui a cavalo até a casa de Friedrich, que estava a caminho da igreja. Quando lhe comuniquei do que se tratava, ele observou: "Vamos juntos até o Passo (São Leopoldo)." Dito e feito. Apearam  na casa de Anton Diehl e receberam a recomendação para reunir os operários no dia seguinte, segundo dia do Natal, para ouvir suas reclamações e receberem o dinheiro que lhes era devido. Datsch Júnior opinou que era impossível.  Chegaram a um acordo no sentido de que os que moravam mais perto fossem reunidos no dia seguinte feriado e os de mais longe (Feliz, Forromeco, Petrópolis), para o terceiro. Apresentaram-se então em dois dias subseqüentes na coletoria onde, um certo Gouveia, funcionário vindo de Porto Alegre, esperava, incumbido para distribuir o dinheiro. Bonito era de se ver como aconteceu a distribuição. O dinheiro formava três montes. O primeiro destinava-se ao pagamento da alimentação, o segundo ao pagamento do que ainda era devido aos trabalhadores e o terceiro para reembolsar  o que Datsch Sênior dera como adiantamento. Desses montes saiu o dinheiro para alguns pagarem a alimentação, a outros coube como salário atrasado. O terceiro monte coube a Datsch, que já pagara do próprio bolso alguns trabalhadores. Para uns adiantara 100 mil réis, para outros uma onça e duas para outros, etc.
Sete contos deveriam ter sido pagos, porque este era o valor das despesas com os trabalhos realizados. Mas somente quatro estavam disponíveis. Faltavam  os três contos  que o major Campos havia estipulado como honorários para o velho Datsch. Qualquer um entende facilmente que  esta recusa desgostou muito o velho Datsch, porque lançava uma sombra sobre a sua boa reputação, além de representar um grande prejuízo material. Não é de todo inverossímil que essa situação desagradável contribuísse para a sua doença e, finalmente,  para a sua morte. Queremos relatar aqui todo o andamento desta história, de um lado para esclarecimento e justificativa e, do outro, para fazer justiça para esse homem correto e respeitado por todos.
O carroceiro Wilke registrara na sua conta 16 cargas a mais do que o jovem Datsch, que fora encarregado pelo pai para anotar os fornecimentos. Este fato fez subir a reclamação de Wilke a 100 mil réis. Em nome da paz o velho Datsch dispôs-se a pagar  todo o montante com a condição de lhe ser fornecida uma quitação sobre apenas 66 mil réis. . Wilke não quis concordar. Apesar disto Datsch depositou os 100 mil réis junto a João Lourenço e Julien, para que Wilke os pudesse retirar. (125) Julien declarou mais tarde nada ter recebido e Wilke encaminhou sua exigência a Colling. Só 11 anos mais tarde Colling foi procurar  o jovem Datsch e, acompanhado por ele, dirigiu-se a João Lourenço, onde de fato os 100 mil réis lhe foram entregues. O desentendimento com Wilke teve as suas conseqüências  no que se refere aos três contos que o governo estava devendo ao velho Datsch. Capistrano, um homem influente, era amigo de Wilke. Em certa ocasião declarara na cara do velho Datsch: "Enquanto não te entenderes com Wilke, os três contos estão congelados." Certo dia Wilke declarou a Datsch Júnior: "Ele te conseguiria a metade dos três contos sob a condição de renunciar à outra metade." Foi-lhe apresentado um documento no qual Datsch declarava renunciar à metade contra o pagamento da outra metade. Tanto ele como Peter Cassel assinaram o documento, mas como foi visto acima, sem qualquer efeito. Sobre o registro de um outro acerto de contas de 270 mil réis, também de Datsch, falaremos mais adiante.
O seguinte fato se deu por ocasião das eleições. A comissão distrital estava reunida na casa de Philipp Herzer. O jovem Datsh fez-se presente também  e disse: "Leiam os nomes". Quando apareceu o nome Nunes, disse Datsch: "Este eu não aceito. Antes de mais nada ele me precisa pagar os 270 mil réis que me deve." Essas palavras provocaram grande alvoroço ao ponto de a sala inteira  parecer-se com um enxame de abelhas. Johann Schmitt disse: "Isto pode levar-te à cadeia." Depois disto dispersou-se a reunião sem resolver nada. Certa noite o vizinho Rihl  foi ter com Datsch levando como notícia ma saudação de Blauth e o recado de que Datsch levasse a São Leopoldo para o engenheiro José Martins o cavalo que ele sempre montara. A muito custo Datsch se decidiu. Sua mulher disse-lhe: "O que pretendes acompanhando este homem que provocou a morte do teu pai?" Apesar disso Datsch decidiu atender o pedido. Na várzea encontrou-se com a comissão eleitoral, na qual, entre outros,   encontrava-se Julien, o guarda-livros de velho Datsch. Ele perguntou em tom bastante áspero: "Que provas tens? Fui o contador do teu pai e não sei de nada." Datsch respondeu: "Isto não é da sua conta," A comissão eleitoral subiu até a pedreira de Datsch, para avaliar a quantidade de pedras quebradas. Ao chegarem no morro veio a galope, num cavalo coberto de suor, Peter Lasset, cunhado de Datsch, a quem Julien esquentara o inferno, e disse: "Escuta, esta é uma situação complicada." O interpelado sorriu e disse: "Deixa comigo. Sei como provar." Depois da inspeção da pedreira o engenheiro foi até a casa de  Datsch, para saudar a família. Quando Datsch se pôs a desencilhar o cavalo, Johann Schmitt, hoje coronel, convidou-o para acompanhá-lo  até a residência  de Blauth, pois o Nunes encontrava-se lá para se explicar. Datsch se dispôs prontamente e puseram-se a caminho. A negociação começou com a participação de Nunes. Os recibos dos dois primeiros contratos foram examinados e aprovados. Para entender melhor a situação observamos que o pagamento dos colonos dividiam-se em quatro contratos. Até esta altura Nunes mostrara cara de vencedor. Datsch perguntou então: "São estes todos os recibos?" "Não há outros", respondeu Julien. "Não é o suficiente", interrompeu Datsch, dirigindo-se para Blauth. Depois continuou: "Traga, por favor, os recibos que recebeu do Nunes." Blauth, pego de surpresa, respondeu: "Posso Trazê-los." Bastou Blauth aparecer com os recibos para que Nunes se evaporasse. Os novos recibos foram examinados. Datsch fez a soma de cabeça e, quando lhe pareceu correta, interrompeu o exame com as palavras: "Basta!" Julien respondeu: "Não, não basta." Quando. porém, conferiu a soma, sobravam 10 mil réis sobre os 270 e havia ainda um bom número de recibos que não tinham sido examinados.
Depois de esclarecida a situação para todos, (126) Datsch, seguro de si, perguntou: "E agora, quem vai para a cadeia?" Ninguém respondeu. Acontece que ninguém tinha segurança para dizer claramente: "O dinheiro pertence ao Datsch." Estava aí a prova de que Nunes emitira um recibo a Blauth para cada um que estava em atraso com o pagamento. Datsch sabia muito bem que os recibos se encontravam em poder de Blauth e que, pelos seus cálculos deveria haver dinheiro disponível. Assim a honra do velho Datsch fora salva e as reclamações do jovem Datsch aceitas como procedentes.
Essa foi uma história desagradável que aconteceu durante a construção da ponte,  mas não comprometeu a sua continuidade. A obra avançou com determinação de forma que, por vezes, chegavam a trabalhar  50 homens.
O vão central da ponte não foi tarefa fácil. Para início de conversa foi preciso cavar até abaixo  do leito do rio. Só neste ponto mais fundo topou-se com uma camada de argila apropriada, firme, sobre a qual foi possível construir com segurança. Além dessa havia uma outra dificuldade a ser superada. Foram encontradas camadas inclinadas de folhas, pedregulho e areia, difíceis de isolar. A conseqüência foi que, durante a noite, a água invadia as escavações destinadas a receber os pilares. Acontecia então que se ocupava toda a manhã para esgotar a água, sobrando pouco tempo para avançar na obra. Para contornar este inconveniente foi preciso retirar a água durante a noite. 15 homens foram  escalados  para a tarefa. Três revezavam-se  a cada duas horas com outros três. Um certo Anton Müller foi encarregado de acordar os homens na hora certa. Na noite anterior à colocação  do fundamento de um dos pilares, os homens escalados para o turno, não acordaram, de forma que Datsch com seus dois auxiliares, Peter Adam e Waldschmitt, foram obrigados a trabalhar o dobro. Executaram a tarefa dentro da água o que na ocasião não os preocupou muito. Mais tarde, porém, fizeram-se sentir as conseqüências  desagradáveis. De modo especial foi Peter Adam que contraiu mais tarde um mal grave do qual o farmacêutico Heinrich Wolfenbüttel o curou definitivamente. A situação inconveniente mencionada, isto é, a inclinação das camadas do lado da Picada 48, encontra sua explicação no fato de a terra e a areia terem sido depositados pelo rio no local, obrigando o Feitoria a desviar o leito ao redor do monte de entulho.

Deitando Raízes #31

Perguntamos, o que está sendo feito para formar tais professores ou simplesmente para atrai-los para as colônias? Não dispomos de Seminários para a formação de professores e poucos se dispõem a um sacrifício em dinheiro em favor de um bom professor. Torcemos para que o futuro Congresso dos Católicos, caso não assuma a causa, pelo menos a ponha em andamento. Uma coisa  é certa. Da solução desse problema depende em grande parte o futuro as colônias alemãs. A própria situação do professor exige uma regulamentação urgente. De outra parte é claro também que a contratação ou a demissão de professores não pode estar definitivamente nas mãos de um punhado de pais de família. Esse tipo de coisas pode ser até tolerado em algumas situações, nunca, porém, adotado como uma regra ou uma lei. É certo que os pais são os primeiros interessados, mas acima deles está a representação da comunidade, por sua vez escolhida dentre os pais de família. Acima de todos, a decisão superior deve estar nas mãos  das autoridades eclesiásticas, do pároco e do bispo diocesano. Este é o único caminho que leva a condições sadias e aceitáveis no que diz respeito à escola. Só assim teremos professores com autonomia de ação e escolas eficientes.
Depois que fizemos passar (120) diante dos nossos olhos a vida do professor Schütz, nas suas facetas mais importantes, o prédio da escola como local onde ela acontece, merece pelo menos uma rápida atenção, tanto mais que durante  quase 50 anos serviu àquela finalidade. Distingue-se em muito pouco das moradias simples dos colonos, a não ser pelo anexo  em foram de sala no seu lado direito. Tomando-se em consideração o muito tempo que já serviu para a finalidade, era de se esperar encontrar uma espécie de ruína em vez de uma casa  em boas condições. O forro um tanto caído por causa da viga curva, de fato dá a impressão de uma ruína. É evidente que essa expressão é apenas uma comparação que, como todas as demais, é um pouco capenga, mas de alguma forma corresponde à verdade. É notório que é próprio de homens tratar com certa reverência as testemunhas do passado.  Parece-nos então que nesse sentido uma velha escola não faz má figura. Examinemos, pois, com coragem o velho prédio escolar e tentemos entender o seu fascínio secreto. Em primeiro lugar destacamos a sua localização cinematográfica. O lugar como que feito para uma escola, ficava numa depressão solitária, alguns minutos afastado da estrada principal. As verdes elevações em volta, isolavam o pequeno vale do restante do mundo, de maneira que qualquer perturbação da aula era mantida longe. Não se escutava o barulho das carroças que passavam e não se enxergavam nem pedestres nem cavaleiros. Avistava-se o mato e as rochas dos morros e, de vez em quando, o vento carregava de longe o rumorejar da cascata. Em resumo. Somando tudo uma localização extraordinariamente feliz. E, para aumentar ainda mais o encanto do local, um arroio de águas cristalinas serpenteava por entre as elevações, oferecendo no verão um gole de água fresca para a juventude sedenta. A idade da construção exerce igualmente  um efeito benéfico sobre o espírito das crianças. Foi nesta escola que sentaram os pais, quem sabe os avós das crianças, para assimilar conhecimentos úteis. Além do mais o professor era o mesmo que ensinara os irmãos mais velhos e até os pais e sem ele nem sequer era possível imaginar a casa.  Como se sabe o professor Schütz manteve-se em boa forma até o último ano de sua vida. E assim sucedeu que professor e escola mostrassem sempre o mesmo rosto. Professor e escola amalgamaram-se numa única realidade e o prédio reforçava e aprofundava de alguma forma o conceito e o respeito que o professor irradiava. Ambos, por assim dizer, representavam a dupla face da mesma realidade, a escola. Ambos eram velhos conhecidos da mesma idade, cuja presença envolvia a alma das crianças num clima solene. E quantas reminiscências tinham como ponto de referência a velha escola lá no verde vale!  Para muitos as melhores recordações da melhor parte da juventude tem a ver com a escola, os companheiros há muito falecidos ou que partiram para longe,  os acontecimentos alegres ou, por vezes, dolorosos, mas todos eles no final das contas, proveitosos.
Quantas pessoas que agora moram longe de Bom Jardim e que algum dia freqüentaram a escola deste excelente mestre, não se recordam de alma comovida da escola e do professor.
O príncipe austríaco que foi fuzilado como imperador do México, expressou-se, na sua descrição do Brasil, de forma pouco favorável ao referir-se às casas de família. "A moradia brasileira ignora o conceito de um pequeno mundo voltado inteiramente para si. O clima lhe é desfavorável. Não é preciso precaver-se  contra nada de áspero e não há necessidade de criar ilusões. (121) O clima agradável e a vegetação oferecem tanto que o povo não se entrega àquela intimidade de que há necessidade em regiões onde o inverno e o verão contrastam fortemente. No Brasil a casa não representa o local que polariza o encontro do pequeno mundo da família. Cabe-lhe apenas o papel de alternadamente servir de guarda-sol ou de guarda-chuva e oferecer à noite um leito e local para se livrar da roupa sem ser perturbado. A maldição da casa dos países tropicais consiste  no fato de, condicionada pelas circunstâncias da natureza, não guardar recordações, nem ter história. Imprime no caráter das pessoas a marca da inconstância, da alternância, incompatível com o conceito de família, pois assim como seu chão é passageiro, os laços que unem a família são apenas momentâneos." Mesmo que estas observações valham, no seu sentido pleno para as regiões tropicais e os brasileiros, os alemães do Rio Grande do Sul as confirmam, ao menos na medida em que também eles perderam algo do sentido da casa, do espírito caseiro, do sedentário e de algumas coisas mais relacionadas com eles. Tanto mais a escola deveria fazer o papel de elo de união entre eles, de alguma forma como são as casas de Deus, as igrejas, já que a escola e a igreja perseguem um objetivo comum. Que essas linhas sobre a escola despertem recordações agradáveis nos antigos alunos do professor Schütz e reforcem o amor e a veneração por ele. Sobre suas últimas horas oferecemos uma poesia, composta naquela época, que reproduz com toda a autenticidade, o espírito do bom professor nos seus últimos anos de vida.