Archive for julho 2015

O Conhecimento como Síntese 7ª parte

O método sintético-dedutivo

A via da caminhada  sintético-dedutiva, começada pelos filósofos gregos mais antigos, foi definitivamente consolidada por Aristóteles. Sua obra traduzida para o árabe recebeu mais tarde sua versão latina. Os escritos de Platão não tiveram a mesma sorte. Por isso mesmo não foram tão conhecidos na Idade Média. De outra parte  a obra de Aristóteles  ofereceu aos pensadores do Medioevo uma verdadeira enciclopédia do saber elaborado até aquela altura da história. Nela o Estagirita discorreu sobre todos os campos do saber, menos a medicina  e a matemática. Demorou-se na metafísica, na física, astronomia, ciências naturais, fisiologia, ética, estética e política. Explorou sobretudo o potencial da lógica. A lógica funciona para Aristóteles como eixo polarizador, como “Leitmotiv”, como norteadora transdisciplinar de todo o seu pensamento. O Pe. Alfonso Borrero resumiu assim a importância de Aristóteles na Alta Idade Media.

A lógica de Aristóteles funcionava em todo o momento como “disciplina diagonal”, ou nexo de articulação nos currículos da Idade Media.  Não é então de se admirar que para a segunda Idade Média, dominada por essa massa de saber coerente e deslumbrada por uma inteligência fora do comum, que Aristóteles se convertesse no representante da verdade e ideal de perfeição humana. Encarnava o príncipe dos que sabem, o poder do saber encarnado, a garantia para os que ensinam. Aristóteles ensinava e era ensinado; era objeto de discussão e comentários. Era explicado e seus conceitos eram trabalhados, como aconteceu na obra de Tomas de Aquino. (ASCUN. Borrero. Nº 20, p. 19)

E de maneira concisa e clara o Pe. Borrero resumiu em poucas linhas, o que Aristóteles significou para a construção do conhecimento, em primeiro lugar na Idade Media e na primeira geração de universidades.

Foi por essa via, pela lógica como referência, para a construção do conhecimento, que Aristóteles entrou nas escolas e universidades. O seu saber dirige-se para as mentes  sedentas do saber. Na percepção dos medievais Aristóteles era, antes de mais nada, ciência. Antes mesmo de ser filosofia, reveste-se de valor próprio como “saber científico”, e não como uma relação ou parentesco com alguma atitude religiosa que a impõe. Pelo contrário, o Aristotelismo parece em princípio incompatível com a postura religiosa, tanto do cristão quanto do maometano. Entre outras doutrinas aquelas que ensinam a eternidade do mundo, são abertamente contrárias às verdades da religião revelada, incluindo com isso um Deus Criador. Por essas razões Aristóteles foi condenado pelas autoridades responsáveis pela ortodoxia religiosa. Os filósofos da Idade Média trataram então de repensar o Estagirita e torná-lo compatível com a doutrina cristã e seus dogmas religiosos. Esse esforço alcançou o triunfo maior com Santo Tomas de Aquino. Ele, por assim dizer, cristianizou Aristóteles e fez dele a base do ensino ocidental. O aristotelismo converteu-se no “itinerarium mentis in Deo” – o caminho da investigação que leva a mente até Deus, objetivo maior da universidade da Idade Média. É o “Deus-Pensamento” de Aristóteles ao lado do “Deus-Bem” de Platão e o “Deus Uno” de Plotino”. (ASCUN, 20, p.19)

A universidade medieval fundamentava a consistência da produção do conhecimento na sabedoria dos antigos, compendiadas nas famosas “Sumas” ou “Sínteses”.  A maneira de apresentar as questões seguia o mesmo padrão e orientava-se pelo mesmo método e guiava-se pela mesma  lógica na condição de “trandisciplina”.

No contexto da presente reflexão sobre a construção do conhecimento, cabe um aprofundamento maior do “aristotelismo cristianizado” por Tomas de Aquino. O importante está no fato de que a lógica como “transdisciplina” polarizou todo o esforço na produção do conhecimento. O fato de o “aristotelismo cristianizado” polarizar todo o esforço intelectual valendo-se da lógica como “transdisciplina”, resultou no “Deus-Pensamento”. Chega-se assim à conclusão de que tanto o “Deus-Pensamento” do aristotelismo cristianizado, quanto o “Deus-Bem” de Platão e o “Deus Uno” de Plotino, representa o centro das reflexões dos filósofos, que buscam a raiz do pensamento  num fundamento pré-existente. Em outras palavras. Uma síntese prévia fornece os elementos a partir dos quais se deduz a natureza e a razão de ser das muitas maneiras de se tornar visível e palpável. Em outras palavras ainda. Parte-se da unidade para explicar a pluralidade. Ou ainda. Entende-se  o plural pelo uno.

Pouca ou nenhuma diferença faz o nome dado ao  “uno” ou “unidade”, se é no sentido do “Deus-Pensamento” do aristotelismo cristianizado por Tomás de Aquino, do “Deus-Bem” de Platão, do “Deus Uno” de Plotino, do “Deus infinito em ato e o universo em potência” de Nicolau de Cusa, da “Razão como fonte da Ciência  e a Ética” de Sócrates, a “Moral bem supremo e fonte da Ciência” de Confúcio, a “Razão” de Kant, o “Cogito ergo sum” de Descartes, O Deus “in fieri” – “der werdende Gott”, de Hegel,  Poderíamos levar ao indefinido as referências nessa direção. Parecem o bastante para ilustrar o que vimos afirmando. A grande Filosofia, para não falar em Teologia, construiu, como constrói ainda hoje, o conhecimento a partir de referenciais postos, a partir de uma síntese prévia. Valendo-se da dedução parte-se para a compreensão das partes, as correlações entre elas e o seu significado em função do todo. A pluralidade é explicada pela unidade. Com a supremacia do Aristotelismo, o método predominante na produção do conhecimento, veio a ser sintético-dedutivo-unificante. O esforço intelectual para chegar à compreensão das causas últimas, relegava para um segundo plano o interesse pelas diretamente observáveis. Não se perdia tempo com a explicação dos fenômenos imediatos, dos acontecimentos rotineiros, dos dados concretos e a interpretação dos seus significados. O que interessava ao filósofo, alinhado principalmente com o aristotelismo, era o conhecimento como tal. Com isso o valor maior cabia à Metafísica. Para a filosofia medieval havia uma verdade objetiva e dada. Apropriar-se dessa verdade acontecia via assimilação. Tratava-se  de um método realista para considerar a relação objeto-sujeito, manifestado numa cosmovisão unificante. (cf. ASCUN, 1992, 20, p. 18

Conhecimento como síntese 6ª parte

A questão do método – 1.

Para quem pretende enveredar pela produção do conhecimento dispõe, em última análise  de duas vias básicas de aproximações do objeto em causa. Francis Bacon os definiu como sendo o método “sintético-dedutivo” e o  “analítico-indutivo”. O primeiro, o sintético-dedutivo, parte do todo, do grande conjunto para, dessa perspectiva analisar e interpretar as partes. O método analítico-indutivo faz a aproximação pelo lado oposto, pela identificação das partes. Teilhard de Chardin classificou-o como “esse maravilhoso instrumento de investigação, ao qual devemos todos os nossos progressos ...” Chamou, porém, a atenção para as limitações e os riscos quando se exagera na aplicação, e principalmente, nas conclusões que se tiram dos resultados. Teilhard completou a frase interrompida logo acima: “ ... mas que de, síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e fragmentos que se esvaem”.  Cabe então a pergunta. Considerando a natureza de cada um dos métodos, qual dos dois merece ser privilegiado, qual dos dois oferece potencial mais rico para o investigador? A resposta é complexa pela sua própria natureza. Depende de uma série de fatores que dizem respeito ao objeto e os objetivos perseguidos pelo investigador.  Filósofos e Teólogos não hesitam em se decidir pela síntese e pela dedução como método reitor dos seu trabalho. Para Tales, por exemplo,  a água  representou o princípio universal no qual as demais realidades encontram a devida explicação. Alexandro S. Caldera condensou num diálogo imaginário entre Tales e Anaximandro, o pensamento do filósofo grego. “Não te esqueças  desta lição, Anaximandro. O que verdadeiramente importa é aptidão para captar o abstrato; a possibilidade de um pensamento sem  imagem, como o reconheceu Nietzsche em começos do século XX, várias décadas antes de se instalar no mundo o reino da imagem sem pensamento. O importante é a unidade do múltiplo. (Todo Tempo futuro foi melhor. Caldera. P. 18)

Num outro diálogo, agora entre Parmênides e seu discípulo Zenon, faz o primeiro afirmar. “(...) pois, eu sustento que o ser é uno, imóvel e indivisível, que o múltiplo é uma ilusão e, portanto, não existe”. E um pouco mais adiante continua no mesmo dialogo. “Toda a aparência é falsa, Zenon, o mundo sensível é o não ser. O único real é o pensamento. O pensamento é o ser”. (idem. P. 31.) A essa afirmação categórica de Parmênides, Zenon recomendou cautela ao mestre. Num salto de visionário de três mil anos para o futuro, lembrou que então “se dirá que o único verdadeiro é a aparência; e a única realidade é a imagem que se projeta na pequena tela de um estranho aparelho que denominarão televisor”. - A essa observação Parmênides contrapôs a sua opinião. “Nada deverá mudar, pois se o ser é uno, não pode ser outro; se é imóvel, não pode  transformar-se. Além do mais, é único e unitário e a unidade é eterna”. – Zenon não se deu por satisfeito e fez o mestre preocupar-se com o futuro. – “Não obstante, Parmênides, alguém chegado desse futuro distante e remoto disse-me que não somente o ser não existe, como que ninguém lhe importa se  o ser existe ou não. Não há realidade real nem essencial, o único que existe é a realidade virtual das redes de computadores; e afirma, além disso, que a imagem que criam os televisores é mais certa e  verdadeira que os seres de alma, carne e osso”. – Parmênides repreende o discípulo pela afirmação afoita. – “Fazes muito mal, Zenon, em prestar atenção a esses disparates, pois segundo o que tu dizes deveríamos concluir de que o que não tem imagem, não existe, e que o mundo permanece num limbo quando esses artefatos se apagam ou desconectam, para voltar a renascer quando são conectados outra vez”. – Zenon nada disse apenas concordou enquanto Parmênides continuou a reflexão. – “Além disso, pelo que ouço, pois não posso dizer pelo que vejo, a televisão e o computador conduzem à abolição do pensamento e, portanto, do ser”. – Zenon encerrou o diálogo com uma referência a Descartes. – “Alguém tão radical como Descartes, que existirá dentro de dois mil anos, e a quem se atribui ser o fundador da modernidade, ficou, com toda a sua modernidade, convertido numa peça de museu. Seu penso, logo existo, melhor penso logo sou, tem sido substituído pelo vejo logo existo, ou também, pelo só existe que se vê”. ( Cf. Todo Tempo futuro foi melhor. Caldera. P. 31-32).

Esse diálogo entre Parmênides e Zenon  que viveram há 3000 anos, fornece elementos valiosos para a reflexão que estamos desenvolvendo sobre a construção do conhecimento. Fica claro, em primeiro lugar, que a filosofia ocidental que tem os filósofos gregos como base principal, vale-se  do método dedutivo, partindo do geral para o particular, do todo para as partes, da síntese para a análise. Como não é do nosso interesse fazer história da filosofia, mas chamar a atenção à questão do método, conclui-se que a filosofia ocidental seguiu o método dedutivo até os tempos modernos. Dessa fonte alimentaram-se os grandes expoentes  do pensamento filosófico até os dias atuais. Em segundo lugar, fica evidente que o método sintético-dedutivo enfrenta problemas sérios no momento em que se trata de começar um diálogo construtivo com as Ciências Naturais, que parte do lado metodológico oposto, o analítico-indutivo. Obtiveram os dados com que lidam e os resultados com que argumentam, via análise e indução, da pluralidade  para a unidade, a compreensão do todo analisando as partes.


Os dois métodos de que acabamos de falar, o sintético dedutivo e o analítico indutivo, polarizam em última análise, as duas vias básicas que levam à construção do conhecimento. O método sintético-dedutivo preocupa-se, antes de mais nada, com a unidade do saber. O que importa é descobrir o elo, o vinculo, a razão de ser das realidades com as quais o investigador se ocupa. Como sugere o próprio sentido etimológico latino “in-vestigium-ire”, significa perseguir a compreensão de algum objeto, como que percorrendo as trilhas da sua história, em busca da sua natureza ontológica..

Conhecimento como Síntese 5ª parte

Conhecimento na Pós-Modernidade

Terminada a segunda Grande Guerra entrou sorrateiramente em cena uma revolução que abalou pela base a modernidade. Anunciava-se quase imperceptivelmente no começo, depois com evidência crescente, para no final do século XX impor-se como um fenômeno avassalador que veio para ficar, a Pós-Modernidade. Subverteu pela base tudo que a modernidade tinha construído, quando, no dizer de Alexandro Serrano Caldera “desvalorizou o futuro, fez cair as utopias, cancelou as certezas e implantou o reino do ceticismo moral. (M.M.M., p. 91) Em outra passagem conclui que “A Pós-modernidade não é apenas a deslegitimação e desconstrução dos modelos e paradigmas que deixariam, entre outras coisas, a ideologia arquivada nos museus do tempo, irremediavelmente  passado, sendo que a construção de novos modelos dar-se-ia a partir de uma realidade globalizante. (M.M.M., p. 91-92) Ou ainda “O protótipo do homem  dominante da atualidade é um bárbaro digital”. (M.M.M., p. 91).

O autor das “Meditações Máximas e Mínimas” deixou outras dezenas de  caracterizações da Pós-Modernidade. Todas elas convergem  para um ponto comum. A eliminação de referências estáveis, a fragmentação e a compartimentação em todos os campos, de maneira mais visível e perversa na produção do Conhecimento. Em meio a esse quadro o passado perde a importância como fonte de referências e o futuro deixa de fazer sentido como um universo que importa construir. O que conta é o presente. “A modernidade está em crise porque está em crise a idéia do futuro. O homem contemporâneo vive em função do aqui e agora”. (M.M.M., p. 91)

Somando os efeitos negativos  do ensino e pesquisa tutelados e burocratizados, à tendência centrífuga própria da Pós-Modernidade, temos o caldo ideal para o cultivo dos obstáculos que atravancam o caminho  àquele que se aventura pelo caminho da produção do conhecimento.

A tendência centrífuga, à qual nos acabamos de referir pode ser sentida, fazendo uma comparação com a dinâmica da Evolução em Teilhard de Chardin. Ele  valeu-se do globo terrestre como recurso didático para tornar palpável a evolução global. O mesmo recurso, ressalvadas as peculiaridades, parece útil para explicar o que vínhamos teorizando. Para Teilhard a evolução do universo teve o seu começo num ponto único de partida, o “pólo sul”, o “Alfa”. Pelos mecanismos combinados da “agregação”, da “incorporação” e da “complexificação”, o todo  expande-se e diversifica-se. À maneira dos meridianos terrestres o leque segue em direção ao equador abrindo-se e diversificando-se cada vez mais. Num corte transversal à altura do equador, observado da perspectiva do pólo norte, dezenas, centenas e milhares de linhas  ou meridianos, sugerem um situação de isolamento ou separação entre elas, com a tendência de afastar-se cada vez mais umas das outras. Parece que não existe relação de interdependência. A miopia do homem pós-moderno faz com que perceba apenas os terminais dos meridianos, gerando a ilusão de que a dispersão continuará a se acentuar cada vez mais. O pólo sul donde partem os meridianos parece nada ter em comum com os meridianos isolados, observados a partir dos trópicos ou do equador. Na comparação os meridianos correspondem aos muitos campos possíveis do conhecimento. As gerações de estudantes e não poucos dos seus professores já não percebem que as áreas em que pretendem especializar-se e atuar futuramente, à maneira dos meridianos, têm um ponto de partida comum, o pólo sul, o “Alfa”. A razão última de ser de tudo deve ser procurada lá no começo. Lá estão concentradas as energias que explicam a diversificação, e ao mesmo tempo, garantem que no avanço pelo tempo, apesar de as aparências simularem o contrário, a grande unidade persiste e deveria nortear qualquer iniciativa de construção de conhecimento.

Continuando a comparação da produção do conhecimento com a trajetória dos meridianos, a situação gerada pela pós-modernidade, termina levando a sérios equívocos. É muito comum a falsa impressão de que na altura do equador os meridianos separam-se de vez, assim como os conhecimentos parciais por eles significados. Sendo assim a tendência  que se observa é de ignorar o ponto de partida comum no qual e pelo qual a enorme multiplicidade encontra a razão de ser. Estamos assim frente a um risco de proporções catastróficas de perder de vista a dimensão histórica  dos fatos e acontecimentos. Pior. Não se vai apenas a historicidade como a própria História do universo, da natureza e do homem.  A noção do passado, a noção de História como referência esclarecedora importante dos fatos, já não acrescenta nada ao conhecimento do homem pós-moderno.  O que importa é procurar lidar com a pluralidade e movimentar-se numa floresta na qual só se enxergam e interessam as árvores e não se percebe que fazem parte da floresta, que é um sistema, uma unidade. A ausência da noção histórica leva à desvalorização do passado e o ceticismo em relação ao futuro. Porque preocupar-se com um passado que pouco ou nada de útil oferece e com um futuro sem fascínio. “Para ele (o homem pós-moderno) o Paraíso não está num passado remoto nem num mais além dessa vida: só se existe nessa vida e nesse mundo; nele o ser humano, dono da razão e de si mesmo, é capaz de construí-lo”, ou “o homem contemporâneo vive  em função do presente, do aqui e agora”. Ou ainda “Vivemos o tempo da irrupção do presente”. (M.M.M., p. 91).

Há sinais, ainda que muito tímidos é verdade, de que a pós-modernidade começa a esgotar  seus potenciais de dispersão e fragmentação. A abolição das referências em todos os setores da vida, a perda da perspectiva do todo e da razão de ser que explica a dinâmica das coisas, começou a produzir seus efeitos. Multiplicam-se as manifestações em favor do retorno a uma visão unificadora e integradora. Não se trata de um movimento saudosista interessado numa volta pura e simples ao passado. Não se postula a restauração do paraíso perdido, o retorno ao mundo mitológico dos antigos, ou à crença de que o presente nada mais é do que um momento de passagem, ou que a dinâmica do universo obedece à mecânica semelhante a de um relógio. Já há sinais evidentes de que a complexidade da pluralidade que nos cerca, encontra a explicação, mais ainda a própria razão de ser, num todo, numa totalidade, que explica sua existência e responde pela sua dinâmica. Retornando à metáfora do globo terrestre de Teilhard, na base de tudo há um “pólo sul”, um “Alfa”, do qual se originam e partem as realidades naturais, e ao mesmo tempo, diversificam-se e se expandem, para novamente convergir em busca do “pólo norte”, o “Ômega”.

Os argumentos em favor de uma compreensão integradora e globalizante, partem com freqüência crescente de manifestações de cientistas de renome. Representantes emblemáticos são Francis Collins, diretor do projeto Genoma, Edward Wilson, um dos maiores especialistas em insetos, professor há cinco décadas em Harvard e o próprio Einstein. Obviamente enumeram-se entre esses depoimentos, os de cientistas renomados oriundos do contexto religioso como, Erich Wassmann, Teilhard de Chardin, Johannes Rick, Ferdinand Theissen, Girolamo Bresadolla, Balduino Rambo, Luiz Sehnem e muitos outros. Apontam para o fato de que está em curso um movimento de retorno a uma compreensão unitária do universo. Significa também que a visão da dispersão e fragmentação, deve estar chegando ao limite. Voltando ao globo terrestre de Teilhard, estamos estacionados na altura do equador. Começou o movimento  de reencontro dos fragmentos, a retomada da reaproximação e  reintegração. Os meridianos começaram a inflexão em direção ao pólo norte, o “Ômega”. Num futuro talvez ainda distante acontecerá  o reencontro. A pluralidade será subsumida pela unidade. Não é aqui o lugar nem o momento para divagar sobre questões de prazos e o tempo necessário para a conclusão, do fecho dessa dinâmica. Mas com certeza não se trata de uma linha de horizonte que se distancia na medida em que se tenta alcançá-la, mas um pólo real, um “ômega” real a ser alcançado.

O desafio  situa-se em outra esfera. É preciso empenhar-se  para reaproximar a Pluralidade dispersa da Unidade que lhe dá sentido, a partir de base teórico-metodológica adequada. Em outras palavras. Qual o caminho que permite recolocar no seu devido lugar  e importância da relação da  Pluralidade com a Unidade, as partes com o Todo e o Todo com as partes. 

Partindo dessa preocupação a lógica leva a concluir que as partes são inter-relacionadas, interagem entre si, inter-determinam-se e inter-legitimam-se. O desafio que se coloca consiste  em identificar as partes, descobrir as relações mútuas, estabelecer o nível de importância  de cada uma em relação ao todo. Falar em conhecimento só faz sentido depois de alguém se ter apropriado da compreensão do plural no uno e do uno no plural.


O caminho a percorrer oferece suas dificuldades. Costuma ser longo e trabalhoso. E como já sinalizamos mais acima, pressupõe algumas premissas. Com uma delas já nos ocupamos. O pretendente a produtor de conhecimento tem que estar munido de uma formação multidisciplinar e, principalmente, interdisciplinar ampla e consistente. E o que se entende por esse tipo de formação? Antes de mais nada inclui as ferramentas mínimas que permitem o acesso aos conteúdos, dados e informações, que representam a matéria prima com que se pretende trabalhar. Entre elas merecem destaque: domínio das línguas, pelo menos ao nível da leitura, nas quais está preservado o patrimônio do conhecimento; conhecimentos teórico-metodológicos  para conferir credibilidade e solidez a todos os passos, e de modo especial, a síntese final com que culmina o verdadeiro conhecimento; em se tratando de investigações no campo das ciências naturais, o perfeito domínio do manuseio dos aparelhos e tecnologias usadas nos respectivos laboratórios de pesquisa; estar de posse dos conhecimentos gerais mínimos que permitem a compreensão de que o universal, o todo, não se resume na simples soma aritmética das partes. 

Conhecimento como síntese 4ª parte

Os pressupostos - 3


Felizmente fazem-se ouvir também em nosso meio, as vozes, ainda isoladas, mas de especialistas de peso, preocupados com o nível preocupante em que se encontra a educação no país. Melhor ainda contamos com meios de divulgação de  peso e vasta circulação que oferecem espaço  para os arautos da boa nova. No artigo com o sugestivo título: “Educação para que?” o especialista em educação Gustavo Ioschpe, publicado na revista Veja de 12 de dezembro de 2012, aponta para o ponto crucial na formação, que prepara a criança e o adolescente para enfrentarem a vida profissional com sucesso. Transcrevo a passagem em que resume o seu ponto de vista.

A função primeira da escola é dar a seus alunos os instrumentos de que necessitam para navegar no mundo: um domínio básico da escrita e das operações matemáticas. Sem elas,  é impossível funcionar de maneira autônoma. Depois, a escola precisa transmitir aos alunos uma vasta base factual, expondo-os ao conhecimento acumulado pela humanidade. Não apenas porque esse conhecimento é indispensável para o desenvolvimento do raciocínio (falo mais sobre isso em artigo futuro, sobre neurociência), nem porque, se bem ensinado, é inteiramente estimulante, uma vez que crianças são naturalmente curiosas, mas também porque essa exposição é necessária para que demos às crianças a chance de ter contato com suas reais vocações. Talvez uma criança nasça com o potencial de se tornar um médico extraordinário, mas precisará de algum contato com a biologia para facilitar o encontro coma sua vocação. Claro, não podemos ensinar na escola todos os milhares  de especializações do conhecimento humano, mas precisamos abordar as grandes áreas nas quais esses conhecimentos estão inseridos (genericamente: linguagem, matemática, ciências sociais, humanas e exatas, artes e educação física). Finalmente a boa escola precisa fazer com que os alunos possam usar esses diversos conhecimentos como ferramenta para desenvolver sua própria capacidade de pensar. Não é importante estudar história para saber nomes e datas, mas sim ser exposto a nomes e datas para que se perceba como o estudo da história pode explicar o presente. Quanto mais ferramentas analíticas a pessoa tiver à sua disposição, melhores serão suas decisões e mais próximo do seu máximo potencial ela vai chegar. Por isso é que mesmo o aluno que sabe que vai ser advogado deve estudar química: se bem ensinada, é mais uma ferramenta para ajudá-lo a pensar. Uma boa educação gera multiplicidade: de interpretações e de opções. (Ioschpe, Gustavo. Veja. Ano 45. Nº 50. 2012. p. 106)

As reflexões sobre a inconsistência, para não dizer caos, que é a proposta da educação em todos os níveis, poderia ser aprofundada. Resolveria muito pouco para não dizer nada. Em todo o caso enquanto persistir a tutela do Estado, a instrumentalização política e ideológica da educação, a produção de um conhecimento de alto nível fica entregue a franco atiradores, a “free Lancers”. Nada de relevante se pode esperar neste sentido na atmosfera viciada das instituições formais de ensino. Não é por nada que se contam nos dedos das mãos os portadores do prêmio Nobel na América Latina. Um detalhe. Todos em Literatura e um da Paz. Nenhum em Medicina, Física, Química e Economia. O Brasil não conta com nenhum, apesar do discurso megalômano das autoridades e da empáfia de não poucos pesquisadores e ou “pensadores”. O que de alguma forma se  produziu de valor em termos de Conhecimento, aconteceu fora do clima contaminado  das universidades. Nelas há condições apenas para repetir e reciclar, não raro de forma tosca Marx, Engels, Hegel, Lenin, Trotzki, Gramschi e outros na moda, por “pensadores” que nunca leram seus autores no original. Penetraram no pensamento deles por meio de textos recosidos e devidamente interpretados de acordo com  conveniências políticas e ideológicas. São aqueles que mereceram do Pe. Rambo a descrição:
Depois de revirar um monte de alfarrábios e depois de confabularem traças e escorpiões, reúnem tudo num único texto e chamam isso produzir conhecimento

A razão de fundo que não autoriza sonhar a curto e médio prazo numa reversão do quadro que acabamos de descrever, foi expressa na observação do Pe. Alfonso Borrero. Para ele foi surpreendente a maciça presença de filósofos na formulação do programa da reforma universitária da Alemanha no começo do século XIX: Kant, Schelling, Schleiermacher, Fichte, Hegel,  Humboldt e outros. Quando hoje se coloca na mesa dos debates o tema universidade, confrontam-se as ideias de políticos, economistas, jornalistas, contadores, planejadores e administradores da educação. Desinformados sobre a História e a Filosofia da Ciência, sobre a História e Filosofia da Universidade, sobre a História e Filosofia da Educação, não deixam espaço para a opinião do filósofo.

Até aqui a nossa linha de reflexão teve como foco a necessidade de uma educação e formação, capaz de consolidar uma compreensão integradora do universo, da natureza e do homem, e ao mesmo tempo, oferecer uma sólida base teórica e metodológica. Em países  como a Europa Central e do Norte, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, etc., as universidades  oferecem esse perfil, com a  autonomia assegurada de direito e de fato. Esses países  investem pesado no ensino fundamental e médio, na formação básica de natureza generalista e interdisciplinar, das línguas, literaturas, humanidades, ciências da natureza, sem se esquecer dos instrumentos técnicos e tecnológicos, sem os quais é inconcebível qualquer instituição  de ensino. Nas universidades sobretudo as atividades são  conduzidas nos limites “sagrados da liberdade de ensinar e liberdade de aprender” – “Lehrfreiheit und Lernfreiheit” dizem os alemães. A autonomia no plano acadêmico permite liberdade de escolha “do que” e “do como ensinar”  e “do que” e “do como aprender”. E para que isso possa acontecer exige-se na outra ponta autonomia econômica e financeira e a maior distância possível, de preferência total, do Estado, da Igreja, de partidos políticos e ideologias na moda. Nessa situação os governos centrais ou regionais  têm o direito e o dever de destinar os recursos necessários. Uma vez depositados na conta de alguma universidade, cabe aos seus  órgãos administrativos internos determinar as prioridade para aplicá-los.


Pelo que foi visto até aqui é na ausência de autonomia de fato que reside o maior problema do ensino tutelado pelo Estado. Esse modelo de ensino alimenta-se  do “leite envenenado da legislação napoleônica de 1806-1808, como diria o Pe. Borrero. Sem autonomia de fato,  a formação fragmentada, superficial, inconsistente, a serviço de exigências  ocasionais, serve talvez para dar conta de situações pontuais. Produzir conhecimento digno desse nome, abrangente de longo prazo, nem falar.