Conhecimento na
Pós-Modernidade
Terminada
a segunda Grande Guerra entrou sorrateiramente em cena uma revolução que abalou
pela base a modernidade. Anunciava-se quase imperceptivelmente no começo,
depois com evidência crescente, para no final do século XX impor-se como um
fenômeno avassalador que veio para ficar, a Pós-Modernidade. Subverteu pela
base tudo que a modernidade tinha construído, quando, no dizer de Alexandro
Serrano Caldera “desvalorizou o futuro, fez cair as utopias, cancelou as
certezas e implantou o reino do ceticismo moral. (M.M.M., p. 91) Em outra
passagem conclui que “A Pós-modernidade não é apenas a deslegitimação e
desconstrução dos modelos e paradigmas que deixariam, entre outras coisas, a
ideologia arquivada nos museus do tempo, irremediavelmente passado, sendo que a construção de novos
modelos dar-se-ia a partir de uma realidade globalizante. (M.M.M., p. 91-92) Ou
ainda “O protótipo do homem dominante da
atualidade é um bárbaro digital”. (M.M.M., p. 91).
O
autor das “Meditações Máximas e Mínimas” deixou outras dezenas de caracterizações da Pós-Modernidade. Todas
elas convergem para um ponto comum. A
eliminação de referências estáveis, a fragmentação e a compartimentação em
todos os campos, de maneira mais visível e perversa na produção do
Conhecimento. Em meio a esse quadro o passado perde a importância como fonte de
referências e o futuro deixa de fazer sentido como um universo que importa
construir. O que conta é o presente. “A modernidade está em crise porque está
em crise a idéia do futuro. O homem contemporâneo vive em função do aqui e
agora”. (M.M.M., p. 91)
Somando
os efeitos negativos do ensino e
pesquisa tutelados e burocratizados, à tendência centrífuga própria da
Pós-Modernidade, temos o caldo ideal para o cultivo dos obstáculos que
atravancam o caminho àquele que se
aventura pelo caminho da produção do conhecimento.
A
tendência centrífuga, à qual nos acabamos de referir pode ser sentida, fazendo
uma comparação com a dinâmica da Evolução em Teilhard de Chardin. Ele valeu-se do globo terrestre como recurso
didático para tornar palpável a evolução global. O mesmo recurso, ressalvadas
as peculiaridades, parece útil para explicar o que vínhamos teorizando. Para
Teilhard a evolução do universo teve o seu começo num ponto único de partida, o
“pólo sul”, o “Alfa”. Pelos mecanismos combinados da “agregação”, da
“incorporação” e da “complexificação”, o todo
expande-se e diversifica-se. À maneira dos meridianos terrestres o leque
segue em direção ao equador abrindo-se e diversificando-se cada vez mais. Num
corte transversal à altura do equador, observado da perspectiva do pólo norte,
dezenas, centenas e milhares de linhas
ou meridianos, sugerem um situação de isolamento ou separação entre
elas, com a tendência de afastar-se cada vez mais umas das outras. Parece que
não existe relação de interdependência. A miopia do homem pós-moderno faz com
que perceba apenas os terminais dos meridianos, gerando a ilusão de que a
dispersão continuará a se acentuar cada vez mais. O pólo sul donde partem os
meridianos parece nada ter em comum com os meridianos isolados, observados a
partir dos trópicos ou do equador. Na comparação os meridianos correspondem aos
muitos campos possíveis do conhecimento. As gerações de estudantes e não poucos
dos seus professores já não percebem que as áreas em que pretendem
especializar-se e atuar futuramente, à maneira dos meridianos, têm um ponto de
partida comum, o pólo sul, o “Alfa”. A razão última de ser de tudo deve ser
procurada lá no começo. Lá estão concentradas as energias que explicam a diversificação,
e ao mesmo tempo, garantem que no avanço pelo tempo, apesar de as aparências
simularem o contrário, a grande unidade persiste e deveria nortear qualquer
iniciativa de construção de conhecimento.
Continuando
a comparação da produção do conhecimento com a trajetória dos meridianos, a
situação gerada pela pós-modernidade, termina levando a sérios equívocos. É
muito comum a falsa impressão de que na altura do equador os meridianos
separam-se de vez, assim como os conhecimentos parciais por eles significados.
Sendo assim a tendência que se observa é
de ignorar o ponto de partida comum no qual e pelo qual a enorme multiplicidade
encontra a razão de ser. Estamos assim frente a um risco de proporções
catastróficas de perder de vista a dimensão histórica dos fatos e acontecimentos. Pior. Não se vai
apenas a historicidade como a própria História do universo, da natureza e do
homem. A noção do passado, a noção de
História como referência esclarecedora importante dos fatos, já não acrescenta
nada ao conhecimento do homem pós-moderno.
O que importa é procurar lidar com a pluralidade e movimentar-se numa
floresta na qual só se enxergam e interessam as árvores e não se percebe que
fazem parte da floresta, que é um sistema, uma unidade. A ausência da noção
histórica leva à desvalorização do passado e o ceticismo em relação ao futuro.
Porque preocupar-se com um passado que pouco ou nada de útil oferece e com um
futuro sem fascínio. “Para ele (o homem pós-moderno) o Paraíso não está num
passado remoto nem num mais além dessa vida: só se existe nessa vida e nesse
mundo; nele o ser humano, dono da razão e de si mesmo, é capaz de construí-lo”,
ou “o homem contemporâneo vive em função
do presente, do aqui e agora”. Ou ainda “Vivemos o tempo da irrupção do presente”.
(M.M.M., p. 91).
Há
sinais, ainda que muito tímidos é verdade, de que a pós-modernidade começa a
esgotar seus potenciais de dispersão e
fragmentação. A abolição das referências em todos os setores da vida, a perda
da perspectiva do todo e da razão de ser que explica a dinâmica das coisas,
começou a produzir seus efeitos. Multiplicam-se as manifestações em favor do
retorno a uma visão unificadora e integradora. Não se trata de um movimento
saudosista interessado numa volta pura e simples ao passado. Não se postula a
restauração do paraíso perdido, o retorno ao mundo mitológico dos antigos, ou à
crença de que o presente nada mais é do que um momento de passagem, ou que a
dinâmica do universo obedece à mecânica semelhante a de um relógio. Já há
sinais evidentes de que a complexidade da pluralidade que nos cerca, encontra a
explicação, mais ainda a própria razão de ser, num todo, numa totalidade, que
explica sua existência e responde pela sua dinâmica. Retornando à metáfora do
globo terrestre de Teilhard, na base de tudo há um “pólo sul”, um “Alfa”, do
qual se originam e partem as realidades naturais, e ao mesmo tempo,
diversificam-se e se expandem, para novamente convergir em busca do “pólo
norte”, o “Ômega”.
Os
argumentos em favor de uma compreensão integradora e globalizante, partem com
freqüência crescente de manifestações de cientistas de renome. Representantes
emblemáticos são Francis Collins, diretor do projeto Genoma, Edward Wilson, um
dos maiores especialistas em insetos, professor há cinco décadas em Harvard e o
próprio Einstein. Obviamente enumeram-se entre esses depoimentos, os de
cientistas renomados oriundos do contexto religioso como, Erich Wassmann,
Teilhard de Chardin, Johannes Rick, Ferdinand Theissen, Girolamo Bresadolla,
Balduino Rambo, Luiz Sehnem e muitos outros. Apontam para o fato de que está em
curso um movimento de retorno a uma compreensão unitária do universo. Significa
também que a visão da dispersão e fragmentação, deve estar chegando ao limite.
Voltando ao globo terrestre de Teilhard, estamos estacionados na altura do
equador. Começou o movimento de
reencontro dos fragmentos, a retomada da reaproximação e reintegração. Os meridianos começaram a
inflexão em direção ao pólo norte, o “Ômega”. Num futuro talvez ainda distante
acontecerá o reencontro. A pluralidade
será subsumida pela unidade. Não é aqui o lugar nem o momento para divagar
sobre questões de prazos e o tempo necessário para a conclusão, do fecho dessa
dinâmica. Mas com certeza não se trata de uma linha de horizonte que se
distancia na medida em que se tenta alcançá-la, mas um pólo real, um “ômega”
real a ser alcançado.
O
desafio situa-se em outra esfera. É
preciso empenhar-se para reaproximar a
Pluralidade dispersa da Unidade que lhe dá sentido, a partir de base teórico-metodológica
adequada. Em outras palavras. Qual o caminho que permite recolocar no seu
devido lugar e importância da relação
da Pluralidade com a Unidade, as partes
com o Todo e o Todo com as partes.
Partindo
dessa preocupação a lógica leva a concluir que as partes são inter-relacionadas,
interagem entre si, inter-determinam-se e inter-legitimam-se. O desafio que se
coloca consiste em identificar as
partes, descobrir as relações mútuas, estabelecer o nível de importância de cada uma em relação ao todo. Falar em
conhecimento só faz sentido depois de alguém se ter apropriado da compreensão
do plural no uno e do uno no plural.
O
caminho a percorrer oferece suas dificuldades. Costuma ser longo e trabalhoso.
E como já sinalizamos mais acima, pressupõe algumas premissas. Com uma delas já
nos ocupamos. O pretendente a produtor de conhecimento tem que estar munido de
uma formação multidisciplinar e, principalmente, interdisciplinar ampla e
consistente. E o que se entende por esse tipo de formação? Antes de mais nada inclui
as ferramentas mínimas que permitem o acesso aos conteúdos, dados e
informações, que representam a matéria prima com que se pretende trabalhar.
Entre elas merecem destaque: domínio das línguas, pelo menos ao nível da
leitura, nas quais está preservado o patrimônio do conhecimento; conhecimentos
teórico-metodológicos para conferir
credibilidade e solidez a todos os passos, e de modo especial, a síntese final
com que culmina o verdadeiro conhecimento; em se tratando de investigações no
campo das ciências naturais, o perfeito domínio do manuseio dos aparelhos e
tecnologias usadas nos respectivos laboratórios de pesquisa; estar de posse dos
conhecimentos gerais mínimos que permitem a compreensão de que o universal, o
todo, não se resume na simples soma aritmética das partes.