Os pressupostos - 3
Felizmente
fazem-se ouvir também em nosso meio, as vozes, ainda isoladas, mas de
especialistas de peso, preocupados com o nível preocupante em que se encontra a
educação no país. Melhor ainda contamos com meios de divulgação de peso e vasta circulação que oferecem
espaço para os arautos da boa nova. No
artigo com o sugestivo título: “Educação para que?” o especialista em educação
Gustavo Ioschpe, publicado na revista Veja de 12 de dezembro de 2012, aponta
para o ponto crucial na formação, que prepara a criança e o adolescente para
enfrentarem a vida profissional com sucesso. Transcrevo a passagem em que
resume o seu ponto de vista.
A função primeira da escola é dar a seus
alunos os instrumentos de que necessitam para navegar no mundo: um domínio
básico da escrita e das operações matemáticas. Sem elas, é impossível funcionar de maneira autônoma.
Depois, a escola precisa transmitir aos alunos uma vasta base factual,
expondo-os ao conhecimento acumulado pela humanidade. Não apenas porque esse
conhecimento é indispensável para o desenvolvimento do raciocínio (falo mais
sobre isso em artigo futuro, sobre neurociência), nem porque, se bem ensinado,
é inteiramente estimulante, uma vez que crianças são naturalmente curiosas, mas
também porque essa exposição é necessária para que demos às crianças a chance
de ter contato com suas reais vocações. Talvez uma criança nasça com o
potencial de se tornar um médico extraordinário, mas precisará de algum contato
com a biologia para facilitar o encontro coma sua vocação. Claro, não podemos
ensinar na escola todos os milhares de
especializações do conhecimento humano, mas precisamos abordar as grandes áreas
nas quais esses conhecimentos estão inseridos (genericamente: linguagem,
matemática, ciências sociais, humanas e exatas, artes e educação física).
Finalmente a boa escola precisa fazer com que os alunos possam usar esses
diversos conhecimentos como ferramenta para desenvolver sua própria capacidade
de pensar. Não é importante estudar história para saber nomes e datas, mas sim
ser exposto a nomes e datas para que se perceba como o estudo da história pode
explicar o presente. Quanto mais ferramentas analíticas a pessoa tiver à sua
disposição, melhores serão suas decisões e mais próximo do seu máximo potencial
ela vai chegar. Por isso é que mesmo o aluno que sabe que vai ser advogado deve
estudar química: se bem ensinada, é mais uma ferramenta para ajudá-lo a pensar.
Uma boa educação gera multiplicidade: de interpretações e de opções. (Ioschpe,
Gustavo. Veja. Ano 45. Nº 50. 2012. p. 106)
As
reflexões sobre a inconsistência, para não dizer caos, que é a proposta da
educação em todos os níveis, poderia ser aprofundada. Resolveria muito pouco
para não dizer nada. Em todo o caso enquanto persistir a tutela do Estado, a
instrumentalização política e ideológica da educação, a produção de um conhecimento
de alto nível fica entregue a franco atiradores, a “free Lancers”. Nada de
relevante se pode esperar neste sentido na atmosfera viciada das instituições
formais de ensino. Não é por nada que se contam nos dedos das mãos os
portadores do prêmio Nobel na América Latina. Um detalhe. Todos em Literatura e
um da Paz. Nenhum em Medicina, Física, Química e Economia. O Brasil não conta
com nenhum, apesar do discurso megalômano das autoridades e da empáfia de não
poucos pesquisadores e ou “pensadores”. O que de alguma forma se produziu de valor em termos de Conhecimento,
aconteceu fora do clima contaminado das
universidades. Nelas há condições apenas para repetir e reciclar, não raro de
forma tosca Marx, Engels, Hegel, Lenin, Trotzki, Gramschi e outros na moda, por
“pensadores” que nunca leram seus autores no original. Penetraram no pensamento
deles por meio de textos recosidos e devidamente interpretados de acordo
com conveniências políticas e
ideológicas. São aqueles que mereceram do Pe. Rambo a descrição:
Depois
de revirar um monte de alfarrábios e depois de confabularem traças e escorpiões,
reúnem tudo num único texto e chamam isso produzir conhecimento
A
razão de fundo que não autoriza sonhar a curto e médio prazo numa reversão do
quadro que acabamos de descrever, foi expressa na observação do Pe. Alfonso
Borrero. Para ele foi surpreendente a maciça presença de filósofos na
formulação do programa da reforma universitária da Alemanha no começo do século
XIX: Kant, Schelling, Schleiermacher, Fichte, Hegel, Humboldt e outros. Quando hoje se coloca na
mesa dos debates o tema universidade, confrontam-se as ideias de políticos,
economistas, jornalistas, contadores, planejadores e administradores da
educação. Desinformados sobre a História e a Filosofia da Ciência, sobre a
História e Filosofia da Universidade, sobre a História e Filosofia da Educação,
não deixam espaço para a opinião do filósofo.
Até
aqui a nossa linha de reflexão teve como foco a necessidade de uma educação e
formação, capaz de consolidar uma compreensão integradora do universo, da
natureza e do homem, e ao mesmo tempo, oferecer uma sólida base teórica e
metodológica. Em países como a Europa
Central e do Norte, Inglaterra, Estados Unidos, Canadá, etc., as universidades oferecem esse perfil, com a autonomia assegurada de direito e de fato.
Esses países investem pesado no ensino
fundamental e médio, na formação básica de natureza generalista e
interdisciplinar, das línguas, literaturas, humanidades, ciências da natureza,
sem se esquecer dos instrumentos técnicos e tecnológicos, sem os quais é
inconcebível qualquer instituição de
ensino. Nas universidades sobretudo as atividades são conduzidas nos limites “sagrados da liberdade
de ensinar e liberdade de aprender” – “Lehrfreiheit und Lernfreiheit” dizem os
alemães. A autonomia no plano acadêmico permite liberdade de escolha “do que” e
“do como ensinar” e “do que” e “do como
aprender”. E para que isso possa acontecer exige-se na outra ponta autonomia
econômica e financeira e a maior distância possível, de preferência total, do
Estado, da Igreja, de partidos políticos e ideologias na moda. Nessa situação
os governos centrais ou regionais têm o
direito e o dever de destinar os recursos necessários. Uma vez depositados na
conta de alguma universidade, cabe aos seus
órgãos administrativos internos determinar as prioridade para
aplicá-los.
Pelo
que foi visto até aqui é na ausência de autonomia de fato que reside o maior
problema do ensino tutelado pelo Estado. Esse modelo de ensino alimenta-se do “leite envenenado da legislação
napoleônica de 1806-1808, como diria o Pe. Borrero. Sem autonomia de fato, a formação fragmentada, superficial,
inconsistente, a serviço de exigências
ocasionais, serve talvez para dar conta de situações pontuais. Produzir
conhecimento digno desse nome, abrangente de longo prazo, nem falar.