Archive for novembro 2014

Fronteiras de colonização #5

Depois de frustradas as tentativa de implantar um projeto de colonização, no Rio Grande do Sul, os dirigentes da Sociedade União Popular foram em busca de uma área em Santa Catarina. Ao longo da margem direita do rio Uruguai, no extremo oeste daquele estado, uma companhia protestante adquiria 2000 quilômetros de floresta virgem. Em 1924 ofereceu à Sociedade União Popular 500 quilômetros da porção mais ocidental, na fronteira com a Argentina. Na biografia do Pe. Rick o Pe. Rambo deixou a observação: “A compra foi acertada após longas negociações. As terras ofereciam uma vantagem rara no sul do Brasil. Não havia dúvidas sobre a legalidade dos títulos de propriedade nas mãos dos donos”. (Rabuske, Arthur, Rambo, Arthur, 2004, p. 59).
O Pe. Rick descreveu a sua primeira viagem à região nos seguintes termos:

Em inícios de 1926, quando o término das intranquilidades revolucionárias permitiu uma colonização organizada, viajei em companhia do Sr. Faulhaber (diretor da companhia de terras) e dos irmãos Stangler até Barril, e de lá, na estrada em construção até Porto Feliz (sede da colonização protestante), para, no dia seguinte, descermos o rio Uruguai num barco a motor. Pernoitamos ao relento e, ao amanhecer do dia seguinte, chegamos ao rio Macaco, onde encontramos um agrimensor alemão de nome Mayentzhüsen. Em nossa volta erguia-se a floresta virgem. Os conhecedores da região diziam que os solos eram excelentes. As árvores eram vigorosas, mas as madeiras nobres haviam sido roubadas por balseiros argentinos. (Rabuske, Arthur - Rambo Arthur. 2004, p. 59)

O ano de 1926 pode ser considerado como fundamental  e decisivo para a colonização católica do extremo oeste de Santa Catarina. Foram realizadas quatro reuniões da Diretoria da Sociedade União Popular para tratar da aquisição da área e dar início à colonização. A primeira dessas reuniões teve lugar no dia 25 de janeiro de 1926 em Santa Cruz do Sul, a segunda no dia 28 de janeiro também em Santa Cruz do Sul e a terceira, com a participação dos delegados, em Novo Hamburgo, em 16 de março e a quarta, só com a Diretoria, em 6 e 7 de junho do mesmo ano.

 As terras ofereciam  uma vantagem rara no sul do Brasil. Não havia dúvidas sobre a legalidade dos títulos de propriedade, nas mãos dos donos”. (Rabuske, Arthur – Rambo, Arthur. 2004, p.5)

Porto Novo
O ano de 1926 pode ser considerado como o começo definitivo da colonização no estremo oeste de Santa Catarina. De quatro reuniões da Diretoria da Sociedade União Popular saiu a decisão da compra da área pela qual deveria começar o projeto. Na  ata da primeira dessas reuniões realizada em Santa Cruz do Sul em 25 de janeiro de 1926, constam detalhadamente os dados sobre a aquisição dos primeiros cem lotes. O Senhor Herrmann Faulhaber diretor da Empresa Chapecó-Peperi Ltda, proprietária do complexo de terras e o Secretario Geral da Sociedade União Popular, Pe Johannes Rick, seu presidente, Senhor Jacob Becker, o Senhor Albano Volkmer, gerente geral da Central das Caixas  Rurais e outros integrantes das Caixas e delegados, acertaram os termos da aquisição dos primeiros cem lotes no valor total de cento e dez contos (110:000$000) ao custo de um conto e cem mil réis (1:100$000) o lote. Nos acertos iniciais entrou ainda o compromisso de a Companhia Chapecó-Peperi Ltda. construir uma estrada entre Porto Feliz (Mondai) e Porto Novo. A ata registra ainda as tratativas envolvendo a infra-estrutura e a expansão da área a ser colonizada. Ao molde de Serro Azul Porto Novo deveria evoluir como uma colonização étnica e confessionalmente identificada. (Maiores detalhes sobre o a história posterior e evolução do empreendimento podem ser encontrados em “Somando Forças – O projeto social dos Jesuítas no sul do Brasil – do autor do presente capítulo).

A data oficial  da fundação de Porto Novo ficou sendo 11 de abril de 1926. A liderança do primeiro grupo de pioneiros coube o Pe. Max von Lassberg, veterano fundador das fronteiras de colonização de Serro Azul, Santo Cristo, San Alberto e Puerto Rico, no alto Paraná na Argentina. Rezou a primeira missa à sombra do primeiro laranjal cultivado em Porto Novo. Ele anotou em suas “Reminscências”.

Dessa forma chegamos em Porto Novo no sábado. Não havia nem casa, nem cabana, nem barraca, mas um bonito pomar de laranjeiras. Nele acampamos, mais de trinta pessoas e acendemos vários fogos. Perto da noite começamos a arrumar entre as árvores o altar para a missa da manhã seguinte. Como pano de fundo, estendemos uma  capa limpa entre as árvores e fixamos nela um crucifixo. A mesa foi armada com varas e folhas e depois ornamentada. Amarramos as velas em duas estacas fincadas no chão. Depois de cuidar das coisas de Deus, cuidamos também de nós. Para comer tínhamos o suficiente e cada qual arrumou a cama onde como lhe agradou. Dormimos bem. O misterioso rumor do grande rio misturou-se com os nossos sonhos. A santa missa começou pelas oito horas da manhã. Os homens rodearam o altar numa atitude solene e piedosa. Na magnífica catedral de Deus, por meio do Santo Sacrifício, imploraram a bênção para a nova colônia. (Reminiscências. 2002, p. 124)

Os trinta pioneiros que acompanharam o Pe. Lassberg, procediam de Serro Azul, Santo Cristo e Selbach. Considerando que as duas primeiras colonizações, contavam com menos de trinta anos desde a sua fundação e a terceira não muito mais, uma boa parte deles havia participado  da abertura dessas fronteiras. Foram os herdeiros autênticos da estirpe de homens e mulheres que ousaram abandonar tudo na Europa, enfrentar o oceano e construir  a vida e o futuro no Brasil. Deve-se isso a um misto de espírito aventureiro, de inquietude, de vontade de progredir sem parar e à mística quase messiânica de uma missão a cumprir.

Uma grande admiração, um reverência atávica deve ter-se apoderado dos exploradores, ao contemplarem aquele majestoso cenário de florestas intocadas. Bem como seus ancestrais germânicos do centro e norte da Europa, souberam encarar a mata virgem como promessa de um porvir promissor.

No Paraná – uma nova fronteira?
No decorrer da década de 1950 foram adquiridos os últimos lotes postos à venda pela Sociedade União Popular no este de Santa Catarina. O crescimento vegetativo da população continuava no mesmo ritmo das décadas anteriores. Aos excedentes  da região colonial mais antiga, somavam-se os da Serra, Missões e Alto Uruguai e, por incrível que pareça, o fenômeno já emitia os primeiros sinais de alerta em Porto Novo, passada apenas uma geração da sua fundação.

Diante dessa realidade, e tendo em vista os empreendimentos bem sucedidos de Serro Azul, Santo Cristo e Porto Novo, os dirigentes da Sociedade União Popular focaram suas atenções sobre o oeste do Paraná, já que no oeste de Santa Catarina  não havia mais terras disponíveis com área suficiente. Grandes complexos de mata virgem aguardavam o momento de cederem lugar a terras cultivadas. A qualidade do solos e a topografia pouco acidentada eram um convite irresistível. O aproveitamento integral, inclusive com emprego de máquinas, acenava para um futuro promissor. Conforme a Ata da Reunião da Diretoria, de 26 de março de 1954, deliberou-se sobre um novo projeto de colonização. Na ocasião, reuniram-se  os membros da diretoria, o presidente, Antônio Campani, o secretario geral, Dr. Arthur Fischer, o segundo conselheiro José Wiest. Convidados haviam sido o Pe. Balduino Rambo e o secretário itinerante, Pe. Albano Berwanger e o responsável pelo departamento de colonização. O Dr. Arthur Fischer mostrou aos presentes como os últimos lotes de Porto Novo não demorariam a serem vendidos; como o número de candidatos à compra de terras crescia de dia para dia; como, por isso, urgia partir para um novo e amplo projeto de colonização. As terras na mira da diretoria situavam-se no oeste do Paraná, concentradas ao longo do rio Capanema. O Dr. Fischer comunicou que haviam sido  feitos entendimentos com a “Fundação Paranaense de Colonização e Imigração”, com sede em Curitiba. Para o começo do novo núcleo de colonização, a Sociedade União Popular pretendia adquirir 1500 lotes medindo dez alqueires cada um, no município de Foz do Iguassú. Até uma minuta de contrato de compra havia sido elaborada. As negociações, entretanto, estagnaram nesse ponto, pois, surgiram dúvidas sobre a legitimidade de posse daquelas terras, por parte da “Fundação Paranaense de Colonização e Imigração”. Outro fator que levou à desistência dessa área foi o fato de muitos lotes já terem sido escriturados em nome de terceiros.

Com essa dúvida as negociações com a empresa foram encerradas e partiu-se para outra alternativa. Veio então a oferta  da companhia “Pinho e Terra”, também com sede em Curitiba. As terras oferecidas compunham-se de 1000 lotes de dez alqueires, numa extensão de  vinte quilômetros de frente e doze de fundos, pela margem esquerda do rio Iguassú. O complexo de terra  fazia parte das possessões das “Empresas Incorporadas” conhecidas como “Chopinzinho”. Os solos eram de boa qualidade e a estrada de Pato Banco a Laranjeiras do Sul conferia à região um localização econômica favorável. Uma vistoria mais detalhada, mostrou as terras de qualidade inferior na parte alta, o afloramento  da rocha, o terreno pedregoso e, principalmente, as condições de venda exigidas por parte da “Pinho e Terra”, levaram, à desistência do negócio.

A terceira empresa  a oferecer terras no Paraná foi a “Clevlândia Industrial  e Territorial”, também na margem esquerda do rio Iguassú,  a jusante das terras da “Pinho e Terra”. Em 1954 uma comissão formada pelo Pe. Balduino Rambo, o Senhor Albino Both e o Dr. Mário Fontana, sobrevoou a área, com foco no complexo “Missões”, localizado em ambas as margens do rio Capanema.  À primeira vista constataram-se, entre os aspectos positivos, a ausência de intrusos, a  mata “branca”, sinal de bons solos, topografia suave, abundância de mananciais e fontes. Uma comissão maior formada pelos Padres Balduino Rambo e Luiz Sehnem, os Senhores Egon Berger, Bruno Lengert, Albino Both, Willi Eich, Bernardo Macke, Bruno Werlang, Bruno Eidt e Albino Franz examinou a área por terra.  No relatório a comissão foi unânime em afirmar que as terras vistoriadas, pela sua localização, acessibilidade, características edafológicas, topográficas e climáticas, satisfaziam plenamente às condições estabelecidas pela Sociedade União Popular.

A análise dos títulos de posse, entretanto, demonstrou haver sérias dúvidas sobre a lisura de uma série de negociações efetivadas, relativas à legitimidade da segurança legal da posse daqueles complexos de terras. Em resumo a conclusão levou à desistência também daquela área. O desfecho frustrado do empreendimento foi comunicado ao público da Sociedade União Popular pelo Pe. Balduino Rambo, no nr. 8. Do Skt. Paulusblatt de 1954.

Quando há dois anos e meio viajamos para o Paraná, não tínhamos a menor ideia das incríveis confusões envolvendo a posse das terras. Inclusive a área oferecida pelo governo mostrou-se insegura e envolvida em processo. São circunstâncias que talvez pouco interessam aos especuladores de terra e aos intrusos. Nós, entretanto, não nos permitimos fundar uma colônia, sem sentirmos chão firme debaixo dos pés. Além disso, a tarefa colonizadora da Sociedade União Popular não é somente uma questão de dinheiro, é também uma questão de consciência. (Skt. Paulusblatt. Nr. 8. 1954. P. 218)


Esse comunicado publicado no órgão oficial da Sociedade União Popular por seu redator soa como a decisão final, sobre o terceiro grande projeto de uma colonização étnica e confessionalmente identificada. Encerra-se assim também o atendimento a um dos objetivos estabelecidos para a Sociedade União Popular por ocasião da sua fundação, isto é, “preocupar-se com novas colonizações para católicos” com se previa no item 4, nº. 2 do esboço dos estatutos.

Fronteiras de colonização #4

Quando, em 1958, o Pe. Balduino Rambo redigiu  a biografia do Pe. Johannes Rick, resumiu o quadro histórico demográfico das colônias alemãs do sul do Brasil como segue:

A expansão das colônias alemãs que começou em 1924, foi entregue durante o século XIX mais ou menos ao acaso. Depois que as terras da Fazenda Imperial haviam sido ocupadas, os povoadores penetraram, já desde o início da década de 1850, nas terras vizinhas. Estas faziam parte das assim chamadas fazendas ou sesmarias pertencentes  aos ricos barões do gado, que estavam satisfeitos em vender a preços compensadores as terras povoadas por tigres e índios selvagens. Já em meados dos anos de 1850, a migração para o oeste, composta em parte pro novos imigrantes em parte pelos filhos dos imigrantes alemães, ocupara a beirada sul do planalto, numa extensão de 300 por 100 quilômetros.

Essa migração alimentada somente pelo impulso da expansão e razões de natureza econômica, continha um grande inconveniente: a mistura confessional das comunidades. Das antigas colônias só um número pequeno de comunidades eram inteiramente católicas, nos casos em que corretores de terras excluíram outras confissões.  Em todas as demais, católicos e protestantes conviviam  nas situações mais diversas, numa proporção média de 46% de católicos e 54% de protestantes. (Rabuske, Arthur, Rambo, Arthur Blasio. Pe. João Evangelista Rick, SJ – Cientista, colonizador, apóstolo social, professor, Edit. Unisinos, 2004, p. 56-57)

Explícitas ou nas entrelinhas das observações do Pe. Rambo identificam-se as causas e os motivos que levaram a Associação dos Agricultores e a Sociedade União Popular a eleger  a questão da colonização como uma das suas preocupações centrais. A ocupação de uma região tão vasta em poucas décadas, aponta para uma realidade demográfica já mencionada em outra parte do presente estudo. É notória a elevada taxa de natalidade entre os imigrantes naquela época. Ao mesmo tempo a alimentação relativamente farta e equilibrada, somada a hábitos e condições de higiene de bom nível, fizeram com a mortalidade infantil se situasse num nível aceitável. O resultado da soma desses fatores, levou a um permanente estado de saturação populacional nas comunidades coloniais. Conforme estatísticas da época, cada 1000 famílias geravam em torno de 200 excedentes por ano. A conclusão é óbvia. Esses excedentes obrigavam-se a procurar e construir o futuro fora dos limites das picadas e linha em que tinham nascido.

Às altas taxas de natalidade e à baixa mortalidade infantil, somou-se outro fator de peso. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial houve um afluxo contínuo de imigrantes novos. Um quarto fator, já mencionado agravou o quadro ainda mais. As dimensões dos lotes coloniais, assim denominadas “colônias”, entre 25 e 70 hectares, não permitiam mais do que uma ou no máximo duas subdivisões. A situação assim criada levara a questão da terra a um ponto crítico no começo do século XX. Tanto assim que o primeiro grande desafio enfrenado pela Associação dos Agricultores foi exatamente a questão da terra. Cálculos então feitos, tomando como base a realidade demográfica, demonstraram que seriam necessários 35000 quilômetros quadrados  de terras para desafogar por um prazo mais ou menos longo, a pressão gerada pela superpopulação da região colonial mais antiga e satisfazer de alguma maneira a demanda por terras virgens. A solução encontrada com a colonização de Serro Azul (Cerro Largo), Santo Cristo e, no decorrer das décadas seguintes, o restante da região das Missões, Serra e Alto Uruguai, provou que no decurso de uma geração, era preciso partir para outro empreendimento colonizador de grande porte.

Frente a esse quadro os fundadores da Sociedade União Popular, elegeram novamente a abertura de novas fronteiras de colonização como uma das grandes prioridades. No primeiro esboço dos estatutos definitivos, já constava como primeira área de atuação: “a preocupação com novas colonizações para católicos”. Na colonização de Serro Azul, Santo Cristo e arredores, encontramos o Pe. Max von Lassberg como personagem central e alma do empreendimento. Naquela iniciativa foi ele que imprimiu o ritmo e as características da sua personalidade de representante emblemático do catolicismo bávaro. Ele imortalizou seu nome como fundador de colônias até na Província argentina de Missiones. Em companhia do seu amigo e parceiro Karl Culmey, acompanhou a implantação das colônias de Serro Azul e Santo Cristo e levou centenas de colonos vindos do sul do Brasil, para dar início à colonização de Puerto Rico e San Alberto. Assim liderou o primeiro grupo de 11 pioneiros para dar início a Serro Azul, em 4 de outubro de 1904, celebrou com eles a primeira missa, conduziu também o primeiro contingente de colonos para a margem direita do rio Uruguai e, à sombra  da floresta virgem, celebrou a missa de fundação de Porto Novo, a Itapiranga de hoje, em 31 de julho de 1926.

A tarefa de implantar e consolidar o projeto colonizador posto em andamento na metade da década de 1920, foi confiada a um outro jesuíta, o Pe. Johannes Rick, nascido no Tirol austríaco. Para começar, distinguia-se de Max von Lassberg pela estatura de perto de 2 metros. Mass distanciava-se ainda mais pela sua maneira de ser, pela personalidade e o caráter.
A Max von Lassberg e Theodor Amstad, veio somar-se a personalidade avassaladora de Johannes Rick. Pouco ou nada afeito a detalhes, registros exatos e demonstrações estatísticas, impulsionava-o uma quase fúria de desbravador, que não perde tempo na limpeza e na organização do terreno conquistado. Confiava essa tarefa àqueles que o seguiriam. Ele dizia de si próprio que se tivesse nascido na Renascença, não se tria feito jesuíta mas um “condottiere” italiano. Essa definição aplica-se a ele em todas as atividades que exerceu nos 45 anos em que batalhou pelo bem-estar e a saúde material e espiritual daqueles que lhe tinham sido confiados. Foram muitas e variadas essas atividades, exigindo a envergadura de um gênio e a ousadia de um conquistador, para dar o lance certo no momento exato, sobre o tabuleiro “multicolorido da tabuleiro de xadrez”, como costumava definir a sua vida. E nesse tabuleiro de xadrez, foi preciso colocar em xeque-mate os desafios enfrentados no decorrer das pesquisas sobre fungos, nas aulas de matemática no colégio, na cátedra de moral no Seminário, nas obras assistenciais, nas negociações com o Presidente do Estado, no desencontro com as autoridades eclesiásticas e religiosas, na batalha contra os sofrimentos crônicos de natureza psíquica e, de modo especial, na implantação e consolidação da sua obra maior, a colonização de Porto Novo. (Rabuske, Arthur, Rambo Arthur. 2004, p.10)

Pois, a esse personagem  de perfil raro, foi confiada a missão de em primeiro lugar encontrar uma área de terra,  em condições de dar vazão ao excesso populacional acumulado nas áreas coloniais do Rio Grande do Sul, no começo da década de 1920. Uma primeira tentativa foi tentada em terras públicas ainda remanescentes no Estado. No joelho noroeste do rio Uruguai, na margem rio-grandense, aguardava uma área considerável coberta por uma pesada floresta virgem. Todos os esforços objetivando a sua aquisição e transformá-la numa nova fronteira de colonização, foram frustradas. Após demoradas negociações, envolvendo diretamente o Presidente do Estado, Borges de Medeiros, a ideia foi frustrada. Em suas “Memórias Especiais”, o Pe. Rick resumiu assim o resultado das negociações com o Presidente do Estado:

Numa consulta do sr. Alberto Bins, feita ao Presidente do Estado, dr. Borges de Medeiros, pronunciou-se este disposto a colocar terras devolutas à venda para católicos alemães. Por isso fixamos um requerimento de terras, situadas perto de Santa Rosa e Três Arroios. Entregou-se essa petição ao dr. Borges de Medeiros, mas ela acabou não tendo qualquer resposta. Fui eu mesmo, por vezes, ao palácio por motivo dessa situação. Desculpou-se Sua Senhoria de cada vez com o fato da falta de medições.

Na minha última visita, disse-lhe eu sucintamente que pouco se nos dava da circunstância de a medição fazer-se um ano mais cedo ou um ano mais tarde, sendo o nosso desejo o de termos uma resposta decisiva neste sentido de realmente podermos esperar a recepção das terras... E ela, ou seja, tal resposta não veio. O homem a impedir os negócios era o dr. Carlos Torres Gonçalves, inimigo dos “alemães” e pessoa hostil aos católicos. (Lembramos aqui que ele era funcionário da Secretaria de Obras Públicas do Rio Grande do Sul, onde exercia o cargo de  d diretor da Diretoria de Terras e Colonização e de Viação Pluvial, diplomado em Engenharia Civil). Em vista disto vimo-nos forçados a recorrer a Santa Catarina. Tratava-se, na verdade, de uma expulsão, mesmo que tudo isso se desse por uma imposição moral.

Mais adiante em suas considerações o Pe. Rock acentuou ainda:

Também no caso dessa colonização havíamos tentado trabalhar com o Governo do Rio Grande do Sul, mas, assim procedendo, não progredimos um só palmo. Por causa de uma antipatia nativista e religiosa, perderam-se dessa forma para o Estado Gaúcho milhões em dinheiro e material humano. O mais curioso da questão reside no fato de que, dois anos mais tarde, a vasta floresta que se estende até Três Arroios, a qual não se quis ceder para compra a católicos teuto-brasileiros, simplesmente foi aproveitada por colonos italianos, sem que as terras se medissem e fossem adquiridas por meio de compra. (Rabuske, Arthur, Rambo Arthur. 2004, p.125)

Nos Anais da Assembleia Geral dos Católicos realizada em Porto Novo em 1934, lê-se nas paginas 10 e 11:


O projeto  da fundação de uma colônia, destinada a católicos teutos, ao modelo da bem sucedida iniciativa em todos os sentidos, da colônia de Serro Azul, vencidas as primeiras dificuldades, não foram novidade para a Sociedade União Popular. A ideia já amadurecera entre os anos de 1916 e 1917. Conversações estavam em andamento com o empreendimento de colonização Luce, Rosa & Cia. Negociava-se a possibilidade de a Colonizadora  colocar à disposição da Sociedade União Popular, observadas certas pré-condições, um complexo de sua vasta área de colonização, localizada a leste do atual Porto Novo. A entrada do Brasil na Guerra contra a Alemanha e as circunstâncias assim criadas, as organizações não de alemães como também  de teuto-brasileiros, foram paralisadas. Com isso a Sociedade União Popular viu-se condenada à inanição no momento crucial da negociação e um contato promissor com a Firma Luce tornou-se inviável. Com volta à normalidade, as negociações foram retomadas. A Sociedade União Popular assista com preocupação como os colonos rio-grandenses de origem alemã se deixavam aliciar pela propaganda de empreendimentos privados e, fixavam-se em assentamentos étnica e confessionalmente  mistos. O argumento decisivo que levou a Sociedade União Popular defender essa linha de ação não deve ser procurada na intolerância étnica ou confessional. O motivo foi única e somente a preocupação pelo bem-estar espiritual e corporal dos migrantes. A organização das comunidades de igreja e escola, a criação de  cooperativas, inclusive a fundação de associações recreativas, tornam-se possíveis somente numa comunidade étnica e religiosamente identificada. E, mesmo na suposição de o colono colher safras tão abundantes num contexto estranho, apostar tudo em boas colheitas termina na submersão no materialismo. Ele manifestar-se-á de maneira perniciosa nas gerações futuras. Os tesouros e valores culturais, assim como a fé estarão a perigo, principalmente em relação às futuras gerações. Essa realidade foi determinante para a a Sociedade União Popular tomar a si o empenho pela colonização. (Rhode, Maria. Anais do Congresso dos Católicos, 1934 em Porto Novo, p. 19)

Fronteiras de colonização #3

Para evitar contratempos na implantação da nova fronteira de colonização a Associação dos Agricultores tomou algumas providências. Entregou a Diretoria Central a responsabilidade a competência para da andamento e execução  à obra. Além disso foram tomadas outras iniciativas para facilitar a consolidação da obra. Obedecendo ao disposto na resolução de nº 7 da Assembleia Geral, em cada município foram credenciadas uma ou duas pessoas para orientar os candidatos à emigração para a nova colônia. Essa providência tinha as suas razões. Estava em jogo um empreendimento de grandes proporções. Os desejosos de se estabelecer na nova fronteira de colonização eram, na totalidade, filhos de agricultores, simples, confiantes e até ingênuos, dotados de uma enorme vontade de construir o futuro em terras virgens e, não poucos, movidos por um tal ou qual espírito de aventura. Compreende-se assim que se generalizara um clima  favorável para todo tipo de espertalhões aproveitarem-se da ocasião. Como sempre acontece em tais circunstâncias, apresentam-se aqueles que ofereciam terras quase de graça, outros vendiam terras inexistentes, outros ainda vendiam duas ou mais vezes a mesma colônia. Prometiam-se våantagens e facilidades impossíveis e sempre havia os desavisados que se deixavam enganar. Por isso, pessoas bem informadas sobre os detalhes da colonização e merecedoras de confiança tinham condições para diminuir em muito esses riscos.

Mais duas providências foram acrescentadas que podiam ser aplicadas também em iniciativas de colonização fora da jurisdição da Associação dos Agricultores, em colônias estaduais como de Santa Rosa, municipais como de Santo Ângelo, de companhias colonizadoras particulares ou mesmo empreendimentos de pessoas físicas, já em andamento na região da Serra e avançando para o Alto Uruguai. Insistiu-se que, em primeiro lugar, que os colonizadores formassem, quanto possível, grupos maiores de pessoas que se conheciam. Desaconselhava-se a dispersão entre colonos estranhos. Esse tipo de medida tinha como objetivo imediato facilitar o começo de uma nova vida em situações normalmente precárias. Facilitaria também a organização de novas comunidades. Houve também consenso entre os participantes da Assembleia, católicos, protestantes e italianos e que o povoamento se desse à base de comunidades confessional e etnicamente identificadas. Essa preocupação ficou expressa na resolução de nº 9 da Assembleia: “Ao se tratar de assentamentos novos, expressou-se o desejo generalizado de que fosse sugerido o critério da separação por confissão religiosa”.

Fazer da confissão religiosa um critério para orientar novos assentamentos, pior ainda por etnia, soa aos ouvidos de hoje como algo inaudito, um contrassenso, um atentado de tudo que se prega por aí como sendo politicamente correto, sobre inclusão e outras palavras de ordem. Na primeira década do século XX, porém, figurava entre os procedimentos perfeitamente normais. Embora na Associação dos Agricultores, católicos e protestantes, padres e pastores, representantes da colônia italiana e do meio luso-brasileiro, analisassem e debatessem juntos a problemática colonial e, unidos, procurassem soluções para todo o tipo de desafio, contudo sob o aspecto teológico e doutrinário assim como no cultivo das tradições de cada um permaneciam cada qual fiel à sua. O respeito mútuo pautava o relacionamento confessional e étnico. De um depoimento publicado no “Bauernfreund”, nº 5, 1903, p. 37, consta:

O que se pode prever é que  a Associação contribuirá grandemente para a preservação do relacionamento confessional pacífico entre católicos e protestantes. Pois, logo nos primeiros contatos muitos dos irmãos da outra confissão mostraram vontade e determinação de  se filiarem à Associação. E, de fato, a Associação compõe-se hoje de quase metade de protestantes, uma prova de que eles não se orientam por uma mentalidade estreita e exclusivista e, ao mesmo tempo, constitui-se numa prova de que na colônia reina um espírito de boa convivência entre os irmãos separados pela religião.

Um outro aspecto da questão mercê ser apontado. Estamos a 6 décadas do Concílio Vaticano II. Um católico casar com uma protestante ou vice-versa, acarretava numa série de inconvenientes e obrigava à sujeição de cláusulas canônicas hoje ultrapassadas. Ao católico proibia-se servir de padrinho num batizado protestante. Frequentar o culto numa igreja evangélica era interpretado como uma atitude herético, passível de excomunhão. De outra parte, não se admitia padrinho protestante em batizado católico e o cônjuge protestante num casamento misto, era obrigado a prometer educar os filhos como católicos, e não interferir nas convicções do parceiro ou parceira. Para as gerações do começo do terceiro milênio, fica difícil de entender esses preceitos canônicos. Acontece que até o concílio Vaticano II, faziam parte dos critérios que regulamentavam as relações interconfessionais entre católicos e protestantes.


Certos ou errados os critérios utilizados, discutível ou não a orientação seguida, católicos e protestantes foram capazes de deixar de lado as diferenças e as querelas de natureza doutrinaria e confessional, para naquelas circunstâncias únicas, para unidos, colocarem os fundamentos da sociedade colonial no noroeste do Rio Grande do Sul no começo do século XX. E, enquanto é possível avaliar acertaram o rumo e escolheram as estratégias corretas e empregaram os meios eficazes. O resultado está aí para comprová-lo. Nas Missões, no Alto Uruguai e na região da Serra fervilha em centenas e milhares de propriedades, uma próspera atividade agrícola em constante crescimento. Os métodos e as técnicas  acompanharam a evolução da história. Modernas rodovias substituíram as precárias trilhas de cem anos passados. Os resultados da produção avolumam-se a cada ano, agroindústria e o agronegócio estão em alta. Espalhada pela colônia ou concentrada em vilas e cidades de tamanho pequeno ou médio, vive trabalha uma população progressista e próspera.

Frentes de colonização #2

O passo seguinte foi a aquisição de uma área para começar imediatamente o assentamento dos primeiros colonos. Com essa finalidade fora convidado para a Assembleia o dr. Horst Hoffmann, procurador da Companhia Colonizadora da Estrada de Ferro Noroeste. Sua explanação sobre  as atividades colonizadoras da Companhia que representava, causou a melhor das impressões. Seu discurso objetivo não fazia transparecer segundas intenções. Finalizando, propôs que a Associação dos Agricultores escolhesse uma comissão para, às expensas da Companhia que representava, realizar in loco uma inspeção da área oferecida. Acolhida a proposta, uma comissão encabeçada pelo Pe. Max von Lassberg, viajou para Serro Azul e, tomando o relatório como base, a Associação acertou a compra do complexo de terras que hoje formam o município de Cerro Largo e arredores.

O Pe. Lassberg deixou, no livro de suas “Reminiscências” um relato, não muito longo mas detalhado do que foi aquela viagem para avaliar as possibilidades de uma colonização em grande escala das terras oferecidas pelo sr. Horst Hoffmann e pertencentes à “Ferrovia Noroeste”.

Aconteceu assim: tornou-se cada vez mais premente a necessidade de novas áreas para atender à demanda da população em crescimento. Já na assembleia geral dos católicos em Harmonia, no ano de 1898, o assunto foi seriamente discutido. Não demorou e as atenções voltaram-se para as antigas Missões no oeste, mais exatamente sobre Serro Pelado no rio Uruguai. Pedi e obtive autorização para seguir até lá, contanto que no mínimo 20 famílias se decidissem assentar-se no local. Quando fiz pública a proposta, imediatamente todos emudeceram. Sobraram um solteiro e um pai de família e este ainda mostrou dúvidas. Assim, o empreendimento não deu em nada. A providência divina colaborou, como me pude certificar mais tarde. Na época a colonização de Serro Pelado ter-se-ia defrontado com dificuldades insuperáveis e provavelmente fracassado. Foi quando apareceu na assembleia geral da Associação dos Agricultores, em fevereiro de 1901, em São José do Hortêncio, o dr. Horst Hoffmann, representante da Companhia Alemã  de Estradas de Ferro Noroeste. Propôs à Associação uma parceria na organização da colonização  na área da concessão de terras ao longo da planejada estrada de ferro. Sugeriu ainda que a Associação mandasse até lá imediatamente, às expensas da Companhia, uma comissão a fim de examinar a região do atual Serro Azul, onde o empreendimento deveria ter início, e emitir uma opinião sobre ela. Eu não estive na Assembleia. Falando honestamente: a precipitada fundação da Associação dos Agricultores não fora do meu gosto. Mais tarde engajei-me para, da minha parte, apoiar e promover o bem que a Associação seria capaz de realizar. A proposta foi aceita com alegria e foi formada uma comissão de 10 homens, católicos e protestantes. Deveria acompanhar um padre católico e um pastor protestante. Na última hora o pastor Kreuzer teve um contratempo. Como padre católico, o superior da Missão, Pe. Faeh, indicou a minha pessoa. Não me agradou e aleguei: 1º de momento não me sentia bem, estava cansado e tinha trabalhado em excesso; 2º parecia-me que para essa tarefa o Pe. Amstad era muito mais indicado. O Pe. Faeh, porém, respondeu sem qualquer rodeio: ‘O senhor viaja com eles’. Desta maneira estavam superadas as minhas objeções e dificuldades. Fiz-lhe saber então: ‘Neste caso vou levar a sério a minha tarefa e peço autorização para não ficar apenas alguns dias com a delegação, mas demorar-me por mais tempo na região para conhecer também as redondezas e verificar as condições relativas a uma expansão, as estradas e muitos outros aspectos fundamentais para começar uma para iniciar uma colônia organizada, tão importantes como  local inicial dos assentamentos’. ‘É a minha opinião sincera também’, disse o Pe. Faeh.  ‘Por isso é meu desejo que fique por mais tempo e proceda uma boa avaliação’.

Em fins de abril fomos a cavalo até Serro Azul. A permanência aí foi de uns três dias, parcialmente perturbados pela chuva. Mas  o tempo foi bem aproveitado por todos e percorremos com assiduidade as picadas em medição em todas as direções no mato e dentro das possibilidades avaliamos tudo. Antes da viagem de volta, reunimo-nos e conferimos as nossas observações, trocamos impressões, informamo-nos com a direção sobre muitos aspectos e, de posse desses dados, redigimos um parecer compreensivo, assinado por todos, incluindo tudo que foi observado. O documento deveria ter sido publicado imediatamente no “Bauernfreund”, órgão oficial da Associação dos Agricultores, com a finalidade de esclarecer a todos que aguardavam notícias. Conforme o plano acima mencionado, fiquei para trás e realizei muitas excursões, até a margem argentina do rio Uruguai. Só em fins de junho regressei a Porto Alegre e Feliz.

Para meu espanto o parecer não tinha sido publicado ainda. Na viagem de volta a Feliz enviei um escrito mais longo pra a diretoria da Associação, redigido pessoalmente por mim, baseado nas observações feitas e com a intenção de uma ulterior implementação do relatório. Não sei se o escrito chegou ao destino ou sequer foi lido; nunca mais soube nada a respeito. O nosso parecer foi publicado em julho no “Bauernfreund”. A folha publicou em alguns números posteriores matérias sobre Serro Azul de forma correta, referindo as diversas preocupações e as possíveis soluções. Da parte da Associação não aconteceu mais nada. Não sei a razão da demora.

Depois de vencermos muitas dificuldades  -  entretanto o decidido Pe. Faeh tinha falecido  -, viajei, desta vez sem credencial e sem ajuda da Associação dos Agricultores. Partimos nos últimos dias de setembro em companhia de 12 colonos. NO dia 4 de outubro de 1902 chegamos à casa do imigrante em Serro Azul. Como primeira tarefa esfiapamos palha de milho apa passar a noite. Poucos tinham levado arreios, e a bagagem chegou só mais tarde. Foi a data natalícia da hoje florescente colônia. Na manhã seguinte, na casa do imigrante, rezei a primeira missa na nova colônia.

Dos 12, três voltaram; um deles era um homem de muito valor, voltou por circunstâncias familiares; um segundo tinha a cabeça cheia de fantasias; o terceiro não encontrava cachaça suficiente para a muita sede. Os outros nove puseram mãos à obra com muito entusiasmo e confiança em Deus. Perseveraram apesar de todas as fadigas e experimentaram a bênção de Deus. Esses foram os primeiros começos de Serro Azul.

Somente um ou dois anos mais tarde aconteceu a transferência para a Associação dos Agricultores. Certo dia veio ter comigo em Dois Irmãos o representante da Companhia Ferrovia Noroeste. Informou-me que a Companhia pretendia liquidar o empreendimento, mas de qualquer forma desejava garantir a continuidade da colonização começada. Considerou isto e aquilo para chegar à proposta que lhe teria sido feita a partir da Europa, isto é, vender a colônia para a Associação dos Agricultores. Tive que rir  porque a Associação recém fundada e com poucos vinténs em caixa, fosse lançar-se a um empreendimento de tal monta. Ela não precisa de dinheiro, interveio ele. O pagamento será feito na medida em que as colônias forem vendidas. Com isso, iniciaram-se prolongadas  negociações, até que finalmente a Associação dos Agricultores assumiu de direito e legalmente a colônia; de então em diante ela se desenvolveu rápida e brilhantemente.

Eu teria tanta coisa a contar sobre estes primeiros começos de Serro Azul. Minha intenção, entretanto, é contar “reminiscências” e não fazer história. É óbvio que imediatamente se fizessem ouvir invejas e maledicências em abundância sobre o assunto, não poupando nem a minha pessoa. NO Congresso dos católicos em Dois Irmãos 3m 1903 fui provocado para dar explicações: Atribuíram-me ganhos de milhões com a colonização, que eu teria embolsado. Escutei alguma coisa de 7 milhões. Apesar disso meus bolsos estão vazios. Quais os meus ganhos? Quais os dividendos que lucrei? Pés e mãos inchados, picados por mosquitos e bichos-de-pé. Roupas rasgadas pelos espinhos e a pele arranhada até o sangue. Este é o meu lucro e a minha parte no negócio. Estou satisfeito com ele.

Depois vieram os pesados e duros dos começos em Serro Azul. Seca, más colheitas, gafanhoto, doenças e outras provações mais ameaçavam  sua existência. No final de um mês o diretor, com quem eu dividia quarto e comida na casa da imigração, constatou que as nossas despesas por pessoa e por dia importavam em 130 réis. Feijão, arroz e algum toucinho acompanhado de farinha de mandioca e café preto, de vez em quando alguma caça do mato, era tudo. Não havia pão. Todo e qualquer começo é difícil e antes de mais nada cada grande empreendedor deve estar preparado para muitas inimizades. Experimentei-o muitas vezes, também em outros assentamentos na floresta virgem, dos quais participei. Apesar de tudo, sempre estive satisfeito e fiquei velho. Em Serro Azul aconteceu o começo quase imperceptível de uma florescente colonização no oeste do Estado. Valeu a pena celebrar festivamente os 25 anos desta fundação. Devido ao mau tempo a festividade foi transferida do dia 4 para o dia 5 de outubro de 1927. Que vida e que animação! Todas as 20 escolas da paróquia de Serro Azul com seus professores fizeram-se presentes vindas a pé, a cavalo, de automóvel, em carroças de bois ou mulas. Presentes estavam em torno de 1400 crianças sem contar os adultos. Todos juntos, cantaram durante a minha missa na magnífica e grandiosa igreja, nossos belos cantos alemães. Depois, formou-se um grandioso cortejo festivo até o lugar onde antigamente ficava a casa do imigrante. Lá, exatamente no local onde havia então rezado a primeira missa, os moradores erigiram uma grande e vistosa cruz, para recordar o fundação da colônia. Ajoelhados agradecemos a Deus. Os primeiros fundadores, todos ainda vivos e que tinham assistido naquela ocasião à primeira missa, ajoelharam comigo na frente da cruz. Que diferença de então e hoje! Já não faltavam gêneros alimentícios. Para o almoço foram distribuídos entre as crianças 400 quilos de linguiça e centenas de pães, para que ninguém passasse fome e todos pudessem participar no lugar da festa de jogos divertidos, fazer apresentações artísticas e à noite voltar de alma lavada para casa.


Em março de 1928, ocorreu uma brilhante comemoração posterior com a realização do grande Congresso dos Católicos. Sobre ele os jornais de dentro e fora do País já relataram muita coisa.