Quando,
em 1958, o Pe. Balduino Rambo redigiu a
biografia do Pe. Johannes Rick, resumiu o quadro histórico demográfico das
colônias alemãs do sul do Brasil como segue:
A expansão das colônias
alemãs que começou em 1924, foi entregue durante o século XIX mais ou menos ao
acaso. Depois que as terras da Fazenda Imperial haviam sido ocupadas, os povoadores
penetraram, já desde o início da década de 1850, nas terras vizinhas. Estas
faziam parte das assim chamadas fazendas ou sesmarias pertencentes aos ricos barões do gado, que estavam
satisfeitos em vender a preços compensadores as terras povoadas por tigres e
índios selvagens. Já em meados dos anos de 1850, a migração para o oeste,
composta em parte pro novos imigrantes em parte pelos filhos dos imigrantes
alemães, ocupara a beirada sul do planalto, numa extensão de 300 por 100
quilômetros.
Essa migração alimentada
somente pelo impulso da expansão e razões de natureza econômica, continha um
grande inconveniente: a mistura confessional das comunidades. Das antigas
colônias só um número pequeno de comunidades eram inteiramente católicas, nos
casos em que corretores de terras excluíram outras confissões. Em todas as demais, católicos e protestantes
conviviam nas situações mais diversas,
numa proporção média de 46% de católicos e 54% de protestantes. (Rabuske,
Arthur, Rambo, Arthur Blasio. Pe. João Evangelista Rick, SJ – Cientista,
colonizador, apóstolo social, professor, Edit. Unisinos, 2004, p. 56-57)
Explícitas
ou nas entrelinhas das observações do Pe. Rambo identificam-se as causas e os
motivos que levaram a Associação dos Agricultores e a Sociedade União Popular a
eleger a questão da colonização como uma
das suas preocupações centrais. A ocupação de uma região tão vasta em poucas
décadas, aponta para uma realidade demográfica já mencionada em outra parte do
presente estudo. É notória a elevada taxa de natalidade entre os imigrantes
naquela época. Ao mesmo tempo a alimentação relativamente farta e equilibrada,
somada a hábitos e condições de higiene de bom nível, fizeram com a mortalidade
infantil se situasse num nível aceitável. O resultado da soma desses fatores,
levou a um permanente estado de saturação populacional nas comunidades
coloniais. Conforme estatísticas da época, cada 1000 famílias geravam em torno
de 200 excedentes por ano. A conclusão é óbvia. Esses excedentes obrigavam-se a
procurar e construir o futuro fora dos limites das picadas e linha em que
tinham nascido.
Às
altas taxas de natalidade e à baixa mortalidade infantil, somou-se outro fator
de peso. Até a eclosão da Primeira Guerra Mundial houve um afluxo contínuo de
imigrantes novos. Um quarto fator, já mencionado agravou o quadro ainda mais.
As dimensões dos lotes coloniais, assim denominadas “colônias”, entre 25 e 70
hectares, não permitiam mais do que uma ou no máximo duas subdivisões. A
situação assim criada levara a questão da terra a um ponto crítico no começo do
século XX. Tanto assim que o primeiro grande desafio enfrenado pela Associação
dos Agricultores foi exatamente a questão da terra. Cálculos então feitos,
tomando como base a realidade demográfica, demonstraram que seriam necessários
35000 quilômetros quadrados de terras
para desafogar por um prazo mais ou menos longo, a pressão gerada pela
superpopulação da região colonial mais antiga e satisfazer de alguma maneira a
demanda por terras virgens. A solução encontrada com a colonização de Serro
Azul (Cerro Largo), Santo Cristo e, no decorrer das décadas seguintes, o
restante da região das Missões, Serra e Alto Uruguai, provou que no decurso de
uma geração, era preciso partir para outro empreendimento colonizador de grande
porte.
Frente
a esse quadro os fundadores da Sociedade União Popular, elegeram novamente a abertura
de novas fronteiras de colonização como uma das grandes prioridades. No
primeiro esboço dos estatutos definitivos, já constava como primeira área de
atuação: “a preocupação com novas colonizações para católicos”. Na colonização
de Serro Azul, Santo Cristo e arredores, encontramos o Pe. Max von Lassberg
como personagem central e alma do empreendimento. Naquela iniciativa foi ele
que imprimiu o ritmo e as características da sua personalidade de representante
emblemático do catolicismo bávaro. Ele imortalizou seu nome como fundador de
colônias até na Província argentina de Missiones. Em companhia do seu amigo e
parceiro Karl Culmey, acompanhou a implantação das colônias de Serro Azul e
Santo Cristo e levou centenas de colonos vindos do sul do Brasil, para dar
início à colonização de Puerto Rico e San Alberto. Assim liderou o primeiro
grupo de 11 pioneiros para dar início a Serro Azul, em 4 de outubro de 1904,
celebrou com eles a primeira missa, conduziu também o primeiro contingente de
colonos para a margem direita do rio Uruguai e, à sombra da floresta virgem, celebrou a missa de
fundação de Porto Novo, a Itapiranga de hoje, em 31 de julho de 1926.
A
tarefa de implantar e consolidar o projeto colonizador posto em andamento na
metade da década de 1920, foi confiada a um outro jesuíta, o Pe. Johannes Rick,
nascido no Tirol austríaco. Para começar, distinguia-se de Max von Lassberg
pela estatura de perto de 2 metros. Mass distanciava-se ainda mais pela sua
maneira de ser, pela personalidade e o caráter.
A Max von Lassberg e
Theodor Amstad, veio somar-se a personalidade avassaladora de Johannes Rick.
Pouco ou nada afeito a detalhes, registros exatos e demonstrações estatísticas,
impulsionava-o uma quase fúria de desbravador, que não perde tempo na limpeza e
na organização do terreno conquistado. Confiava essa tarefa àqueles que o
seguiriam. Ele dizia de si próprio que se tivesse nascido na Renascença, não se
tria feito jesuíta mas um “condottiere” italiano. Essa definição aplica-se a
ele em todas as atividades que exerceu nos 45 anos em que batalhou pelo
bem-estar e a saúde material e espiritual daqueles que lhe tinham sido
confiados. Foram muitas e variadas essas atividades, exigindo a envergadura de
um gênio e a ousadia de um conquistador, para dar o lance certo no momento
exato, sobre o tabuleiro “multicolorido da tabuleiro de xadrez”, como costumava
definir a sua vida. E nesse tabuleiro de xadrez, foi preciso colocar em
xeque-mate os desafios enfrentados no decorrer das pesquisas sobre fungos, nas
aulas de matemática no colégio, na cátedra de moral no Seminário, nas obras
assistenciais, nas negociações com o Presidente do Estado, no desencontro com
as autoridades eclesiásticas e religiosas, na batalha contra os sofrimentos
crônicos de natureza psíquica e, de modo especial, na implantação e
consolidação da sua obra maior, a colonização de Porto Novo. (Rabuske, Arthur,
Rambo Arthur. 2004, p.10)
Pois,
a esse personagem de perfil raro, foi
confiada a missão de em primeiro lugar encontrar uma área de terra, em condições de dar vazão ao excesso
populacional acumulado nas áreas coloniais do Rio Grande do Sul, no começo da
década de 1920. Uma primeira tentativa foi tentada em terras públicas ainda
remanescentes no Estado. No joelho noroeste do rio Uruguai, na margem
rio-grandense, aguardava uma área considerável coberta por uma pesada floresta
virgem. Todos os esforços objetivando a sua aquisição e transformá-la numa nova
fronteira de colonização, foram frustradas. Após demoradas negociações,
envolvendo diretamente o Presidente do Estado, Borges de Medeiros, a ideia foi
frustrada. Em suas “Memórias Especiais”, o Pe. Rick resumiu assim o resultado
das negociações com o Presidente do Estado:
Numa consulta do sr.
Alberto Bins, feita ao Presidente do Estado, dr. Borges de Medeiros,
pronunciou-se este disposto a colocar terras devolutas à venda para católicos
alemães. Por isso fixamos um requerimento de terras, situadas perto de Santa
Rosa e Três Arroios. Entregou-se essa petição ao dr. Borges de Medeiros, mas
ela acabou não tendo qualquer resposta. Fui eu mesmo, por vezes, ao palácio por
motivo dessa situação. Desculpou-se Sua Senhoria de cada vez com o fato da
falta de medições.
Na minha última visita,
disse-lhe eu sucintamente que pouco se nos dava da circunstância de a medição
fazer-se um ano mais cedo ou um ano mais tarde, sendo o nosso desejo o de
termos uma resposta decisiva neste sentido de realmente podermos esperar a recepção
das terras... E ela, ou seja, tal resposta não veio. O homem a impedir os
negócios era o dr. Carlos Torres Gonçalves, inimigo dos “alemães” e pessoa
hostil aos católicos. (Lembramos aqui que ele era funcionário da Secretaria de
Obras Públicas do Rio Grande do Sul, onde exercia o cargo de d diretor da Diretoria de Terras e Colonização
e de Viação Pluvial, diplomado em Engenharia Civil). Em vista disto vimo-nos
forçados a recorrer a Santa Catarina. Tratava-se, na verdade, de uma expulsão,
mesmo que tudo isso se desse por uma imposição moral.
Mais
adiante em suas considerações o Pe. Rock acentuou ainda:
Também no caso dessa
colonização havíamos tentado trabalhar com o Governo do Rio Grande do Sul, mas,
assim procedendo, não progredimos um só palmo. Por causa de uma antipatia
nativista e religiosa, perderam-se dessa forma para o Estado Gaúcho milhões em
dinheiro e material humano. O mais curioso da questão reside no fato de que,
dois anos mais tarde, a vasta floresta que se estende até Três Arroios, a qual
não se quis ceder para compra a católicos teuto-brasileiros, simplesmente foi
aproveitada por colonos italianos, sem que as terras se medissem e fossem
adquiridas por meio de compra. (Rabuske, Arthur, Rambo Arthur. 2004, p.125)
Nos
Anais da Assembleia Geral dos Católicos realizada em Porto Novo em 1934, lê-se
nas paginas 10 e 11:
O projeto da fundação de uma colônia, destinada a
católicos teutos, ao modelo da bem sucedida iniciativa em todos os sentidos, da
colônia de Serro Azul, vencidas as primeiras dificuldades, não foram novidade
para a Sociedade União Popular. A ideia já amadurecera entre os anos de 1916 e
1917. Conversações estavam em andamento com o empreendimento de colonização
Luce, Rosa & Cia. Negociava-se a possibilidade de a Colonizadora colocar à disposição da Sociedade União
Popular, observadas certas pré-condições, um complexo de sua vasta área de
colonização, localizada a leste do atual Porto Novo. A entrada do Brasil na
Guerra contra a Alemanha e as circunstâncias assim criadas, as organizações não
de alemães como também de
teuto-brasileiros, foram paralisadas. Com isso a Sociedade União Popular viu-se
condenada à inanição no momento crucial da negociação e um contato promissor
com a Firma Luce tornou-se inviável. Com volta à normalidade, as negociações
foram retomadas. A Sociedade União Popular assista com preocupação como os
colonos rio-grandenses de origem alemã se deixavam aliciar pela propaganda de
empreendimentos privados e, fixavam-se em assentamentos étnica e
confessionalmente mistos. O argumento
decisivo que levou a Sociedade União Popular defender essa linha de ação não
deve ser procurada na intolerância étnica ou confessional. O motivo foi única e
somente a preocupação pelo bem-estar espiritual e corporal dos migrantes. A organização
das comunidades de igreja e escola, a criação de cooperativas, inclusive a fundação de
associações recreativas, tornam-se possíveis somente numa comunidade étnica e
religiosamente identificada. E, mesmo na suposição de o colono colher safras
tão abundantes num contexto estranho, apostar tudo em boas colheitas termina na
submersão no materialismo. Ele manifestar-se-á de maneira perniciosa nas
gerações futuras. Os tesouros e valores culturais, assim como a fé estarão a
perigo, principalmente em relação às futuras gerações. Essa realidade foi
determinante para a a Sociedade União Popular tomar a si o empenho pela
colonização. (Rhode, Maria. Anais do Congresso dos Católicos, 1934 em Porto
Novo, p. 19)