Frentes de colonização #2

O passo seguinte foi a aquisição de uma área para começar imediatamente o assentamento dos primeiros colonos. Com essa finalidade fora convidado para a Assembleia o dr. Horst Hoffmann, procurador da Companhia Colonizadora da Estrada de Ferro Noroeste. Sua explanação sobre  as atividades colonizadoras da Companhia que representava, causou a melhor das impressões. Seu discurso objetivo não fazia transparecer segundas intenções. Finalizando, propôs que a Associação dos Agricultores escolhesse uma comissão para, às expensas da Companhia que representava, realizar in loco uma inspeção da área oferecida. Acolhida a proposta, uma comissão encabeçada pelo Pe. Max von Lassberg, viajou para Serro Azul e, tomando o relatório como base, a Associação acertou a compra do complexo de terras que hoje formam o município de Cerro Largo e arredores.

O Pe. Lassberg deixou, no livro de suas “Reminiscências” um relato, não muito longo mas detalhado do que foi aquela viagem para avaliar as possibilidades de uma colonização em grande escala das terras oferecidas pelo sr. Horst Hoffmann e pertencentes à “Ferrovia Noroeste”.

Aconteceu assim: tornou-se cada vez mais premente a necessidade de novas áreas para atender à demanda da população em crescimento. Já na assembleia geral dos católicos em Harmonia, no ano de 1898, o assunto foi seriamente discutido. Não demorou e as atenções voltaram-se para as antigas Missões no oeste, mais exatamente sobre Serro Pelado no rio Uruguai. Pedi e obtive autorização para seguir até lá, contanto que no mínimo 20 famílias se decidissem assentar-se no local. Quando fiz pública a proposta, imediatamente todos emudeceram. Sobraram um solteiro e um pai de família e este ainda mostrou dúvidas. Assim, o empreendimento não deu em nada. A providência divina colaborou, como me pude certificar mais tarde. Na época a colonização de Serro Pelado ter-se-ia defrontado com dificuldades insuperáveis e provavelmente fracassado. Foi quando apareceu na assembleia geral da Associação dos Agricultores, em fevereiro de 1901, em São José do Hortêncio, o dr. Horst Hoffmann, representante da Companhia Alemã  de Estradas de Ferro Noroeste. Propôs à Associação uma parceria na organização da colonização  na área da concessão de terras ao longo da planejada estrada de ferro. Sugeriu ainda que a Associação mandasse até lá imediatamente, às expensas da Companhia, uma comissão a fim de examinar a região do atual Serro Azul, onde o empreendimento deveria ter início, e emitir uma opinião sobre ela. Eu não estive na Assembleia. Falando honestamente: a precipitada fundação da Associação dos Agricultores não fora do meu gosto. Mais tarde engajei-me para, da minha parte, apoiar e promover o bem que a Associação seria capaz de realizar. A proposta foi aceita com alegria e foi formada uma comissão de 10 homens, católicos e protestantes. Deveria acompanhar um padre católico e um pastor protestante. Na última hora o pastor Kreuzer teve um contratempo. Como padre católico, o superior da Missão, Pe. Faeh, indicou a minha pessoa. Não me agradou e aleguei: 1º de momento não me sentia bem, estava cansado e tinha trabalhado em excesso; 2º parecia-me que para essa tarefa o Pe. Amstad era muito mais indicado. O Pe. Faeh, porém, respondeu sem qualquer rodeio: ‘O senhor viaja com eles’. Desta maneira estavam superadas as minhas objeções e dificuldades. Fiz-lhe saber então: ‘Neste caso vou levar a sério a minha tarefa e peço autorização para não ficar apenas alguns dias com a delegação, mas demorar-me por mais tempo na região para conhecer também as redondezas e verificar as condições relativas a uma expansão, as estradas e muitos outros aspectos fundamentais para começar uma para iniciar uma colônia organizada, tão importantes como  local inicial dos assentamentos’. ‘É a minha opinião sincera também’, disse o Pe. Faeh.  ‘Por isso é meu desejo que fique por mais tempo e proceda uma boa avaliação’.

Em fins de abril fomos a cavalo até Serro Azul. A permanência aí foi de uns três dias, parcialmente perturbados pela chuva. Mas  o tempo foi bem aproveitado por todos e percorremos com assiduidade as picadas em medição em todas as direções no mato e dentro das possibilidades avaliamos tudo. Antes da viagem de volta, reunimo-nos e conferimos as nossas observações, trocamos impressões, informamo-nos com a direção sobre muitos aspectos e, de posse desses dados, redigimos um parecer compreensivo, assinado por todos, incluindo tudo que foi observado. O documento deveria ter sido publicado imediatamente no “Bauernfreund”, órgão oficial da Associação dos Agricultores, com a finalidade de esclarecer a todos que aguardavam notícias. Conforme o plano acima mencionado, fiquei para trás e realizei muitas excursões, até a margem argentina do rio Uruguai. Só em fins de junho regressei a Porto Alegre e Feliz.

Para meu espanto o parecer não tinha sido publicado ainda. Na viagem de volta a Feliz enviei um escrito mais longo pra a diretoria da Associação, redigido pessoalmente por mim, baseado nas observações feitas e com a intenção de uma ulterior implementação do relatório. Não sei se o escrito chegou ao destino ou sequer foi lido; nunca mais soube nada a respeito. O nosso parecer foi publicado em julho no “Bauernfreund”. A folha publicou em alguns números posteriores matérias sobre Serro Azul de forma correta, referindo as diversas preocupações e as possíveis soluções. Da parte da Associação não aconteceu mais nada. Não sei a razão da demora.

Depois de vencermos muitas dificuldades  -  entretanto o decidido Pe. Faeh tinha falecido  -, viajei, desta vez sem credencial e sem ajuda da Associação dos Agricultores. Partimos nos últimos dias de setembro em companhia de 12 colonos. NO dia 4 de outubro de 1902 chegamos à casa do imigrante em Serro Azul. Como primeira tarefa esfiapamos palha de milho apa passar a noite. Poucos tinham levado arreios, e a bagagem chegou só mais tarde. Foi a data natalícia da hoje florescente colônia. Na manhã seguinte, na casa do imigrante, rezei a primeira missa na nova colônia.

Dos 12, três voltaram; um deles era um homem de muito valor, voltou por circunstâncias familiares; um segundo tinha a cabeça cheia de fantasias; o terceiro não encontrava cachaça suficiente para a muita sede. Os outros nove puseram mãos à obra com muito entusiasmo e confiança em Deus. Perseveraram apesar de todas as fadigas e experimentaram a bênção de Deus. Esses foram os primeiros começos de Serro Azul.

Somente um ou dois anos mais tarde aconteceu a transferência para a Associação dos Agricultores. Certo dia veio ter comigo em Dois Irmãos o representante da Companhia Ferrovia Noroeste. Informou-me que a Companhia pretendia liquidar o empreendimento, mas de qualquer forma desejava garantir a continuidade da colonização começada. Considerou isto e aquilo para chegar à proposta que lhe teria sido feita a partir da Europa, isto é, vender a colônia para a Associação dos Agricultores. Tive que rir  porque a Associação recém fundada e com poucos vinténs em caixa, fosse lançar-se a um empreendimento de tal monta. Ela não precisa de dinheiro, interveio ele. O pagamento será feito na medida em que as colônias forem vendidas. Com isso, iniciaram-se prolongadas  negociações, até que finalmente a Associação dos Agricultores assumiu de direito e legalmente a colônia; de então em diante ela se desenvolveu rápida e brilhantemente.

Eu teria tanta coisa a contar sobre estes primeiros começos de Serro Azul. Minha intenção, entretanto, é contar “reminiscências” e não fazer história. É óbvio que imediatamente se fizessem ouvir invejas e maledicências em abundância sobre o assunto, não poupando nem a minha pessoa. NO Congresso dos católicos em Dois Irmãos 3m 1903 fui provocado para dar explicações: Atribuíram-me ganhos de milhões com a colonização, que eu teria embolsado. Escutei alguma coisa de 7 milhões. Apesar disso meus bolsos estão vazios. Quais os meus ganhos? Quais os dividendos que lucrei? Pés e mãos inchados, picados por mosquitos e bichos-de-pé. Roupas rasgadas pelos espinhos e a pele arranhada até o sangue. Este é o meu lucro e a minha parte no negócio. Estou satisfeito com ele.

Depois vieram os pesados e duros dos começos em Serro Azul. Seca, más colheitas, gafanhoto, doenças e outras provações mais ameaçavam  sua existência. No final de um mês o diretor, com quem eu dividia quarto e comida na casa da imigração, constatou que as nossas despesas por pessoa e por dia importavam em 130 réis. Feijão, arroz e algum toucinho acompanhado de farinha de mandioca e café preto, de vez em quando alguma caça do mato, era tudo. Não havia pão. Todo e qualquer começo é difícil e antes de mais nada cada grande empreendedor deve estar preparado para muitas inimizades. Experimentei-o muitas vezes, também em outros assentamentos na floresta virgem, dos quais participei. Apesar de tudo, sempre estive satisfeito e fiquei velho. Em Serro Azul aconteceu o começo quase imperceptível de uma florescente colonização no oeste do Estado. Valeu a pena celebrar festivamente os 25 anos desta fundação. Devido ao mau tempo a festividade foi transferida do dia 4 para o dia 5 de outubro de 1927. Que vida e que animação! Todas as 20 escolas da paróquia de Serro Azul com seus professores fizeram-se presentes vindas a pé, a cavalo, de automóvel, em carroças de bois ou mulas. Presentes estavam em torno de 1400 crianças sem contar os adultos. Todos juntos, cantaram durante a minha missa na magnífica e grandiosa igreja, nossos belos cantos alemães. Depois, formou-se um grandioso cortejo festivo até o lugar onde antigamente ficava a casa do imigrante. Lá, exatamente no local onde havia então rezado a primeira missa, os moradores erigiram uma grande e vistosa cruz, para recordar o fundação da colônia. Ajoelhados agradecemos a Deus. Os primeiros fundadores, todos ainda vivos e que tinham assistido naquela ocasião à primeira missa, ajoelharam comigo na frente da cruz. Que diferença de então e hoje! Já não faltavam gêneros alimentícios. Para o almoço foram distribuídos entre as crianças 400 quilos de linguiça e centenas de pães, para que ninguém passasse fome e todos pudessem participar no lugar da festa de jogos divertidos, fazer apresentações artísticas e à noite voltar de alma lavada para casa.


Em março de 1928, ocorreu uma brilhante comemoração posterior com a realização do grande Congresso dos Católicos. Sobre ele os jornais de dentro e fora do País já relataram muita coisa.

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