A dimensão da questão ambiental. Para Wilson há três empecilhos, ou se quisermos três desafios a considerar quando se trata de encarar a questão ambiental com seriedade, honestidade e objetividade. O primeiro, refere-se à compreensão que as pessoas quando falam da natureza ou do meio ambiente. Toda pessoa razoavelmente informada tem consciência de que se trata de um assunto de grande importância. Por isso mesmo não tem consciência das razões porque o cuidado com o meio físico-geográfico é de tamanho significado e porque são corresponsável pela sua preservação. Poucos se dão conta de que lidamos com um assunto que afeta a própria sobrevivência da espécie humana. Menor é ainda o número que enxerga no zelo para com a natureza um desafio ético-moral pelo fato de os recursos naturais serem um bem comum. Como tal a sua posse e uso tem como limite o direito do uso e fruto dos bens de todos os tipos que ela oferece. O segundo problema que se põe tem a ver com o primeiro e encontra-se na raiz do conhecimento precário, superficial e distorcido que muitas pessoas tem da natureza. Acontece que no ensino em todos os níveis, especialmente no fundamental e médio, o tema, se é contemplado, recebe um tratamento pouco profundo porque outras disciplinas são ou parecem mais importantes. Sobre essa base precária de informações o assunto ecologia, preservação e outros termos que são correntes, oferece facilmente munição para todo o tipo de manipulação ideológica, política e simplesmente interesseira. A enorme complexidade que os estudos e pesquisas no campo da biologia vem revelando, representa o terceiro motivo porque as pessoas comuns normalmente não tem um conhecimento suficientemente abrangente e profundo que lhes permita uma avaliação crítica das questões ambientais. Os avanços no campo da biologia são tamanhos que até especialistas na área tem dificuldade em manter-se atualizados com todas as principais novidades que brotam dos laboratórios de pesquisa.
A solução para superar as três dificuldades: ignorância em relação ao ambiente natural, formação precária das pessoas no assunto e a enorme complexidade do problema podem ser superadas, conforme Wilson, está “em reformulá-las e condensá-las num só problema”. (A Criação, p. 22), e conclui a reflexão com uma proposta ao seu interlocutor.
Pastor, espero que a sua opinião sobre o assunto seja de que toda a pessoa instruída deveria saber alguma coisa sobre a questão. Tanto o professor como o aluno vão se beneficiar ao reconhecer que a Natureza viva abriu um vasto caminho até o coração da própria ciência, que a amplidão da nossa vida e do nosso espírito depende da sobrevivência da Natureza. É necessário compreender e discutir, sobre um terreno comum, este princípio: como fazemos parte da Criação, o destino da Criação é o destino da humanidade. (Wilson, 2008, p. 22).
Depois de sinalizar o caminho a trilhar para uma correta compreensão da natureza, tomar as atitudes certas e escolher os meios adequados, nos demais capítulos do livro “A Criação”, Wilson mostra como as pesquisas na área da Biologia, levam à conclusão de que a Natureza resultou de uma grandiosa síntese, num “Fato Objetivo”, como ele próprio a definiu. Bertalanffy fala em “Sistema” e Collins em “BioLogos”, Teilhard de Charden em “Unidade na complexidade”. No fundo o sentido é o mesmo. Para se convencer de que a natureza é um “Fato”, Wilson apoiou-se em conclusões que foi tirando do resultado de suas pesquisas em laboratório, mas principalmente observando ecossistemas naturais e humanizados.
Wilson começa sus reflexões sobre a natureza alertando para o fato de que os dados objetivos de que a Biologia em todas as suas ramificações dispõe de momento, são totalmente insuficientes para se fazer uma ideia aproximada do que seja a natureza. Sua complexidade ultrapassa qualquer tentativa de abarcá-la. “Se parece ser impossível conhecer Deus, o mesmo se dá com a maior parte da biosfera”. (A criação, p. 23). Os animais domésticos propriamente ditos e aqueles, embora selvagens, mas familiares ao homem, são incapazes de oferecer dados mínimos, nem quantitativos, muito menos qualitativos, para desenhar um retrato da natureza que corresponda à realidade objetiva, nem mesmo nos seus traços mais essenciais. De outra parte as simulações mais refinadas dos processos vitais produzidas em laboratório somados a modelos matemáticos, estão a quilômetros de distância daquilo que efetivamente acontece na multiplicidade e nos incontáveis níveis de complexidade que a biosfera oferece. Todas a tentativas de criar em laboratório formas de vida, mesmo as mais rudimentares como as arqueobactérias, foram até agora frustradas. “Novos mundos e descobertas intermináveis se mantêm à espera na Natureza, e entre elas a solução do mistério dos mistérios, o significado da vida humana”. (A Criação, p. 23). Donde viemos, o que somos e para onde vamos?. Esse quadro coloca-nos diante de um desafio de bom tamanho, no momento em que nos arriscamos a condensar num conceito conciso, porém, compreensivo, do que seja a Natureza. Wilson formulou assim esse conceito: “A Natureza é aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do impacto humano. Ou – Natureza é tudo aquilo no planeta Terra que não necessita de nós e pode existir por si só” (A Criação, p.23).
Esta, ou qualquer outra definição que procura sintetizar o que é a Natureza, encontra suas dificuldades por uma série de razões. Acontece que a interferência do homem na Natureza e a humanização das paisagens mais remotas, avançou a tal ponto que pouco resta das suas características originais. Sendo assim uma definição como a que acabamos de citar, para muitos não tem grande serventia prática. Isto é, caracteriza uma terra que existiu até que, durante o neolítico, o agricultor e o criador de animais, deram início à humanização progressiva dos ambientes naturais. Os vales de aluvião dos rios e as florestas nas latitudes temperadas e subtropicais, tiveram sua cobertura vegetal original substituída pelas plantações. as aldeias e cidades de agricultores, interligados por vias de comunicação cortando a paisagem em todas direções. Passados 15000 anos encontramo-nos diante de uma realidade que preocupa e obriga a refletir. Hoje será difícil, senão impossível encontrar uma área geográfica de porte razoável nunca pisada pelo homem. Quem sabe uma ilha, ou regiões remotas do Alasca, do Canadá, ou da Sibéria ou qualquer outro ponto extremo de um continente ou no interior deles, ou nas montanhas mais difíceis de escalar. De meio milênio para cá a navegação marítima desencadeou uma verdadeira febre para conhecer novas terras, novos continentes, novos mundos com seus habitantes e culturas “exóticas”, suas belezas naturais e, principalmente, seus recursos e riquezas naturais. A revoada de viajantes conquistadores, comerciantes, aventureiros, cientistas, missionários, emigrantes, colonizadores que desembarcou nas praias mais remotas do mundo, teve o seu clímax no século XIX e começo do século XX. De então para cá a humanização da paisagem com sua face positiva e negativa avançou até os rincões mais remotos e mais impossíveis do planeta terra. As gigantescas florestas tropicais, os imensos desertos, as savanas, os campos naturais, as estepes, as pradarias, os pampas, as cordilheiras de montanhas, as florestas subpolares, as tundras, as ilhas mais remotas dos oceanos e até os polos da terra, já foram pisados pelo homem. As pegadas que deixou estão impressas em toda a parte. Sua passagem e sua instalação definitiva em metrópoles e regiões sempre mais densamente povoadas mascaram os vestígios da natureza original que, cá e lá, conseguem subsistir a muito custo. Nuvens de emissões de gás carbônico toldam o firmamento e o odor do asfalto roubou o lugar da hálito gostoso exalado pela floresta virgem e os campos cobertos de flores silvestres. Somam-se a isso as centenas de milhões de toneladas de lixo industrial e dejetos domésticos que não poupam nem os rios, nem os mananciais de água subterrânea, nem os mares e oceanos, nem as regiões mais remotas perto dos polos. A humanização da grande maioria dos ecossistemas naturais trouxe consigo a ameaça da extinção e da extinção de fato da assim chamada megafauna, isto é, animais com peso superior a 10 quilos. As manadas sem fim de mastodontes, elefantes peludos, varas incontáveis de porcos javalis, milhões de búfalos pastando livres nas pradarias americanas, não passam de registros guardados pela memória histórica fixada porartistas plásticos do paleolítico ou posteriores. Há 12000 anos a fauna das planícies americanas era mais rica do que a da África. Apesar de todo esse panorama desolador que ficou na esteira da intervenção implacável do homem, a natureza resiste. Wilson observa a respeito.
Em seu estado mais puro, ela existe em locais que ainda são chamados legitimamente de áreas naturais intactas. Em linhas gerais, uma área natural em plena escala, com tamanho adequado para sustentar a megafauna, é definida como um agregado relativamente grande e não perturbado de habitats contíguos. Tal como é especificado pela Conservação Internacional (CI), em um estudo recente, trata-se de uma área de 10000 quilômetros quadrados (um milhão de hectares) ou mais, da qual pelo menos 70% contam com vegetação natural. Domínios dessa magnitude abrangem as grandes florestas tropicais da bacia amazônica, da bacia do Congo e a maior parte da ilha da Nova Guiné, além da taiga – o cinturão de florestas, sobretudo de coníferas, que se estende pelo Norte da América e continua pela Sibéria até a Fenoscândia (Finlândia, Suécia e Noruega). Áreas naturais de um tipo muito diferente sãos os grandes desertos da Terra, as regiões polares, o alto-mar e o leito dos oceanos em grandes profundidades (em contraste são poucos os deltas de rios e águas costeiras que permanecem em seus estado original). (Wilson, 2008, p. 25)