A
tonalidade e a combinação das cores tem um efeito estético fora do comum. O
belo que perpassa uma paisagem iluminada como um todo pela combinação de cores
abrangendo grandes extensões, dependendo do caso, é capaz de induzir à sensação
do belo lírico ou aproximar-se do belo grandioso. Maria Rohde pioneira na colonização de Porto Novo no
extremo este de Santa Catarina, descreveu o cenário que se desdobrou diante dos
seus olhos quando aguardava pela travessia do rio Uruguai numa tarde de dezembro de 1927.
Graças a Deus! Finalmente
chegamos! Ao descermos do caminhão ouvimos de todas gargantas profundos
suspiros de alívio. O motorista gritou para o outro lado “Vem-nos atravessar!”. Estupefatos
contemplamos o espetáculo na nossa frente. Os últimos raios do sol perto do
horizonte rebrilhavam na superfície esverdeada do rio. Não demorou o vermelho e
o ouro mergulharam a paisagem toda no púrpura e ouro. Nosso olhar não se
cansava. Diante de nós o majestoso caudal refletindo ambas as margens em suas
águas tranquilas. Lá na encosta da outra margem a sede da colônia de Porto Novo. Identificamos nitidamente as
simpáticas moradias com seus estilos de construção que faziam-nos uma boa
impressão. A clareira na floresta era bem ampla e a nossa estupefação não tinha
limites. (Rohde, 1950, p. 45)
Ainda
no mesmo mes de dezembro de 1927, num passeio de canoa pelo rio Uruguai, deixou
outra descrição do entardecer que merece ser citada.
O melhor de tudo,
entretanto, foi a magnífica volta para casa, coroando o primeiro Natal na
floresta virgem. Enquanto sentados em absoluto silêncio na estreita canoa,
voltando o olhar para trás, para o por do sol, ninguém ousou dizer uma palavra
de admiração. ( ... ) Meu marido colocou o remo na canoa e deixamos que a
correnteza do meio do rio nos levasse. O verde azul da água foi tomado
pelo vermelho-cobre, depois pelo
vermelho-sangue, em seguida pelo violeta. No oeste vislumbravam-se os contornos
de figuras inusitadas em meio ao clarão glorioso do sol que se punha. Em ambas
as margens o rio refletia a floresta numa tonalidade de ouro profundo, com
tamanha nitidez, que pareciam selvas de verdade. Parecia estarmos no mais belo
reino de fadas e ninfas que, na forma de peixinhos, subiam e mergulhavam na
corrente. Os últimos raios do sol mergulharam no horizonte e tudo ao seu redor,
transportou-nos de volta para o reino fantástico dos contos de fada da nossa
infância. (Rohde, 1950, p. 66).
Na
visita que fez ao Grand Canyon e demais parques
norte-americanos em 1956, o Pe. Rambo antou no seu diário.
Nos dias seguintes, passei muitas horas no alto,
sentado, contemplando o Grand Canyon, no jogo da alternância da luz e cores.
Quando os primeiros raios do sol da manhã, vindos da direção do Painted Desert,
derramam sua luz sobre os abismos escuros, os rochedos do leste brilham na
tonalidade ouro de uma delicadeza impossível de definir, enquanto nas encostas
do oeste, os vales e os abismos jazem
mergulhados em cores negro azulados. Pela hora do meio dia as cores fortes vão
desmaiando para o amarelo-cinza, o marrom-cinza, o vermelho-ferrugem e o
branco. No final da tarde repete-se na sequência inversa a mudança dos jogos de
luz e sombra da manhã. Mas o vermelho-dourado da manhã transforma-se em
vermelho-púrpura do ocaso. A maioria das fotos coloridas, reproduzidas em
livros, foi tirada nesse horário. Deixam a impressão de que o Grand Canyon veste, por natureza
esse manto real colorido. Pouco depois
do por do sol, o vermelho passa para um púrpura escuro e as tonalidades cinza,
amarelo e verde se modificam para um azul fantasmagórico, que vai mergulhando
cada vez mais na escuridão da noite. (Rambo, 2015, p. 307).
Na
contemplação da natureza um dos elementos importantes são pontos específicos
que se destacam na paisagem. Atraem a atenção e convidam para a reflexão. São
de natureza múltipla esses pontos e se incarnam numa infinidade de modalidades.
Atraem a atenção pela maneira singular com que chamam a atenção e convidam para
deleitar-se com a sua beleza. “No meio
da multiplicidade das formas, coloridos e agrupamentos, a vista procura um
ponto ou uma linha de repouso, na qual possa descansar por um momento, à qual
possa como que amarrar suas reflexões”. (Rambo, 1942, p. 334). Pontos de
repouso ou de reflexão podem ser identificados em qualquer paisagem. Nos Campos
de Cima da Serra, os capões em que algumas araucárias centenárias escaparam à
sanha dos madeireiros, são de uma beleza que beira o sublime. Um ou outro fica
bem perto da estrada Tainhas-Cambará. Um deles, às esquerda de quem viaja para
Cambará, é excepcionalmente belo. As coroas majestosas de meia dúzia de
araucárias seculares elevam-se bem acima
do mato branco. Com os galhos curvados para cima parecem sentinelas do planalto
em atitude de oração. “Ali, o maior símbolo da floresta é a araucária. Vista de
baixo para cima, os galhos parecem tocar o céu. Mas é só desviar os olhos em
direção à terra para ver que há raízes fortes encravadas no chão. Rambo
costumava dizer que, nesse lugar, à sombra dessa árvore, era a sua pátria no
mundo. Talvez visse nos pinheirais a mediação entre o céu e a terra, uma
caminho próximo para entender Deus. (Tavares- Dalto, 2.007, p. 12).
Para
culturas que se consolidaram à sombra de floretas, espécies de maior destaque
transformaram-se em símbolos. No Antigo Testamento fala-se com empolgação dos
cedros do Líbano e dos cipreste do Monte Sião. Entre os povos germânicos o
carvalho simboliza a solidez do caráter e a tradição profundamente enraizada.
Cultos em homenagem aos deuses costumavam ser celebrados sob as copas
gigantescas de carvalhos milenares. A história narra o episódio em que São
Bonifácio derrubou um desses carvalhos diante do povo atônito, como
demonstração prática que o Deus do cristianismo era mais poderoso do que os
deuses pagãos. Exemplos encontramos também entre nós no sul do Brasil. A
araucária veio a simbolizar personalidades a prova de tempestades, raios,
trovões e granizo: “inabalável como um pinheiro!”. A integridade moral tem no
cerne da cabriúva a sua referência: “incorruptível como o cerne da cabriúva”. A
nobreza tem no louro o seu símbolo: “Seu rosto parecia talhado num tronco de
louro”, diziam os pioneiros do extremo oeste de Santa Catarina do Pe. Johannes
Rick consolidador daquela fronteira de colonização. A madeira do cedro
incarnava algo de místico e por isso
gozava de preferência na confecção de altares e demais móveis nas
igrejas. O símbolo da persistência e perseverança apesar de tudo coube à
canafístula: “Somos como a canafístula lá o alto do morro. Resiste ao embate de
qualquer eventualidade e não se importa se sobre seus galhos andam os quatis ou
pousam os urubus”, declarou um velho colonizador
pioneiro do oeste de Santa Catarina.
Há
ainda a harmonia dos contrastes “que comunicam à paisagem um elemento novo. Na
paisagem natural, seus elementos estão
antes de tudo nas linhas de contato de várias formas de relevo e na
distribuição da vegetação”. (Rambo, 1942, p. 334). São exemplos as linhas de
transição entre elementos contrastantes de uma paisagem. Os exemplos são
muitos. Esse tipo de harmonia pode ser observado e apreciado na transição do
campo aberto e os capões no planalto e na mesma paisagem a transição ente o
campo aberto e o mato branco com as araucárias que acompanham as bordas dos
Aparados da Serra.
A
última categoria de paisagens descrita
pelo Pe. Rambo é a paisagem humanizada. A paisagem fruto da harmonia entre as
obras do homem no seu habitat natural. Relembrando a metáfora do Papa: a
harmonia que resulta da inserção da
moradia humana na “casa natural” do seu
meio geográfico. Em outras palavras. A simbiose harmônica entre a obra do homem e seu habitat natural. Essa harmonia
desaparece por completo onde a artificialidade
da intervenção do homem na natureza quebrou o equilíbrio entre a obra
humana e a obra da natureza. Assim, um floresta devastada, uma metrópole na
qual o relevo e a vegetação foram mascarados pela geometria dos traçados, o
concreto e o asfalto, falar em harmonia do conjunto só com muita imaginação. O
verde das árvores em ruas, avenidas,
praças e parques parecem implorar por um pouco de sol e ar puro, afogados num
mar de concreto e asfalto. Nem chegam a fazer parte do conjunto. Dão a
impressão de intrusos num complexo de cimento armado. No momento em que
atrapalham a abertura ou ampliação de
ruas e avenidas, ou se encontram numa área favorável para a implantação de um
condomínio a vegetação e as árvores são sumariamente eliminados. A obrigação legal de compensar a
destruição plantando árvores em outro lugar, quando obedecida, não muda nada no
dano estético já causado. A harmonia entre a paisagem natural e a presença do
homem só então é real quando “as obras
humanas se adaptam ao estilo natural da região, quanto mais a conservação das
belezas naturais denota o respeito do homem pelas obras da mão do Criador,
tanto mais o sentimento estético nelas se deleita”. (Rambo, 1942, p. 334)
Exemplos
da harmonia, da simbioses estética entre a obra da natureza e a obra homem,
ainda hoje podem ser apreciados. O Pe. Rambo destaca no Rio Grande do Sul as
estâncias da Campanha acomodadas à paisagem, os arrozais distribuídos entre as
coxilhas, a paisagem rural no vale do Taquari
as taipas de pedra nos Campos de Cima da Serra. “o belo ameno da
paisagem é condicionado a fatores semelhantes aos que se encontram na pintura;
e é este o motivo porque a maioria das pinturas de paisagem tem como conteúdo o
belo ameno”. (Rambo, 1942, p. 335).
Até
aqui nos ocupamos com as várias modalidades do belo exibido pelas paisagens. Ao
“belo ameno” associa-se em condições especiais o “belo grandioso”. “É aquela
sensação estética, que, de um lado abala o espírito em sua pequenez diante das
forças da natureza, do outro lado, compensa tais abalos pela consciência íntima
da realeza humana sobre todas as forças naturais”. (Rambo, 2942, p. 335). (Obs.
As reflexões sobre o Belo continuam na próxima postagem).