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Formação da consciência ecológica

Na obra, “A Criação – como salvar a vida na terra”, Wilson dedica os capítulos 5º até o13º, para mostrar em detalhes como as categorias zoológicas que integram a Biosfera e uma intrincada complexidade de inter-relações  garantem a harmonia do funcionamento do todo como um “fato objetivo”. Não deixa de alertar que a par  da perfeição na montagem e do funcionamento perfeito e maravilhoso de cada um dos ecossistemas em função do todo, a biosfera não passa de um manto fino e extremamente frágil que envolve o nosso planeta. Qualquer intromissão mais profunda na sua estrutura e funcionamento, põe em risco a integridade do todo. Qualquer pessoa interessada no sua integridade e equilíbrio não pode dispensar um mínimo de conhecimentos sobre questões básicas do que significa a Natureza  para vida vegetal, animal e humana.

Não há necessidade de lembrar de que a humanização da terra  alcançou um patamar de interferência em todos os ecossistemas tal, que obriga a uma reflexão séria e profunda sobre o futuro do planeta e em consequência sobre o futuro da espécie humana. O tema ecologia, uso sustentável dos recursos naturais, aquecimento global, alimentos naturais, etc., etc., são temas sempre presentes. Na batalha em favor da defesa e preservação da natureza entram as motivações mais variadas e mais desencontradas. Os ativistas defendem a causa vão desde aqueles que o fazem por ser um dos tema da vez, passando por aqueles movidos por interesses de promoção pessoal, por razões ideológicas, políticas e outras menos confessáveis. A esses somam-se os muitos  que de fato se empenham pela questões ambientais como uma cruzada para atalhar a marcha da degradação das paisagens naturais que avança num ritmo e numa proporção no mínimo preocupante. Qualquer ação, qualquer programa ou, se quisermos, qualquer cruzada nesse sentido, motivada pela razão que for, pode ser considerada válida. Mas esses engajamentos, interesseiros ou idealistas, não passam  a médio e a logo prazo de esforços erráticos com resultados proporcionalmente pouco satisfatórios. Para que o movimentos comprometidos com a “salvação do planeta” tenham fôlego para contribuir de forma consistente na salvação dessa “mãe e pátria”, na definição de Balduino Rambo, supõem um compromisso existencial para com ela. É fundamental que as pessoas simples, as mais instruídas e os próprios cientistas tenham consciência dessa realidade. Não basta conhecer e agir para enfrentar o desfio, mas a consciência  que as raízes do ser humano se alimentam do chão em vive, nasce e morre.. Por isso, de um lado significa de que ele não é um mero administrador dos bens naturais, dos “frutos da terra”, mas como Homo sapiens” mais uma espécie, a mais evoluída por sinal. Esse fato deveria despertar nas pessoas, de um lado a consciência do pertencimento que termina em amor à natureza, resultando na preocupação e zelo pela sua integridade e do outro, que todos os homens, independentemente de raça, classe ou posses, a geração atual e as futuras,  possam usufruir de tudo que “a mãe e pátria  tem para oferecer. As propostas, os projetos e as ações para salvar o planeta somente então merecem credibilidade quando forem o resultado prático   dessa convicção.  E,  pelo princípio da ética de que o barco da Natureza em os homens navegam é igualmente  de todos, por isso mesmo, todos tem o direito de nele encontrar um lar habitável e não a tal ponto  degradado que todos corram perigo. O dilema resume-se no seguinte: ou o barco da natureza navega tranquilo e seguro rumo ao futuro com seus passageiros, ou naufraga com todos.  Wilson, partindo dessa constatação, descreve todo um caminho a ser percorrido para salvar o barco antes que naufrague. O pressuposto resume-se em despertar pelos meios de comunicação disponíveis, nas crianças já na família e depois na escola, nos adultos,  cientistas, humanistas e filósofos uma paixão até romântica e mística pela Natureza que os abriga. Em resumo. Para obtermos resultados de fato decisivos e definitivos na batalha pela salvação  da  biosfera, é preciso jogar-se na tarefa com todos o potenciais disponíveis nas pessoas, os naturais e os espirituais. Sem engajamento existencial na luta pela saúde e o equilíbrio do nosso planeta, todo o esforço irá resumir-se, no final das contes, numa sequência de ensaios e erros. Em outras palavras. Todo o esforço da ecologia  precisa alimentar-se da consciência de que a Natureza  e o homem inserido nela, são o fruto de uma síntese, um mega sistema, no qual cada peça, por insignificante que pareça, cumpre uma função na manutenção do equilíbrio do todo. Wilson dedicou os últimos quatro últimos capítulos de “A Criação”, para insistir de que não basta ter conhecimento especializado sobre a enorme complexidade da Natureza como sistema e os milhares de  subsistemas que a integram, como cada um deles funciona em função no todo e sua adaptação ao meio geográfico. É preciso algo mais, muito  mais profundo e abrangente.

O ingrediente básico  para o amor ao estudo é o mesmo do amor romântico, ou do amor aos país, ou por Deus, a paixão por um determinado assunto. O conhecimento acompanhado por emoções agradáveis permanece dentro de nós. Ele vem à tona, e quando é lembrado, desperta outras conexões criando a metáfora – a linha de frente do pensamento criativo. Em contraste, aquele aprendizado que se dá por meio  da memorização rotineira desaparece rapidamente, tornando-se um amontoado confuso de palavras, fatos e historietas. O Santo Graal da educação liberal é a fórmula pela qual a paixão pode se  expandir sistematicamente, tanto para a ciência como para as humanidades – e, portanto, para o melhor da cultura. (Wilson, 2008,  p. 145)

Para definir essa paixão  pelo objeto de estudo que alguém escolhe ou pela causa abraçada, Wilson lembrou a sua própria experiência como aluno de biologia na universidade do Alabama. Ao recordar três dos seus mestres e iniciadores na arte de fazer ciência, termina por traçar o perfil do pesquisador, do especialista que trabalha com paixão e sabe transmiti-la aos  alunos dispostos a pautar sua vida posterior pelos mesmos moldes. O mundo intelectual de sua professora de parasitologia médica, Septima Smith, eram os micróbios, pequenos vermes e outros invertebrados que infestavam a zona rural do Alabma. Fazia da parasitologia um estilo de vida e não apenas uma disciplina a ser ministrada. O segundo mestre que o marcou para o resto da vida chamava-se Allan Archer. Não exercia a docência mas trabalhava como curador do Museu de História Natural do Alabama situado dentro do campus da universidade. Seu laboratório ocupava um recinto dentro do museu. “Ensinou-me a falar a linguagem de verdadeiro pesquisador científico. Não se importava com dinheiro nem fama; importava-se com a biologia e classificação das aranhas”. (A Criação, p. 147). O mestre que mais o marcou foi Ralph Chermock. Sob sua orientação familiarizou-se com a “Síntese Moderna da teoria da evolução. Estimulado por ele, Wilson e seus colegas percorreram todos os recantos do Alabama, coletando anfíbios, répteis, formigas, besouros e outros mais. A vivência e o aprendizado com esse mestre deixou em resumo a seguinte impressão nos alunos. “Mas nossa vivência nessas pesquisas de campo e a alegria que sentíamos com esse treinamento prático penetraram nos nossos ossos e moldaram a nossa alma”. (A criação, p. 148). A compreensão da natureza aprendida com seus mestres na universidade e depois como professor universitário, lecionando entre outras disciplinas Introdução à Biologia para alunos que não iriam seguir o caminho da pesquisa biológica, chegou à conclusão de que esses princípios deveriam constar no currículo do  final do ensino médio, na graduação e pós-graduação. Como conclusão sobre o aprendizado da biologia aconselha cinco princípios que deveriam orientá-lo.

O primeiro princípio manda começar o tratamento de um assunto “de cima para baixo”, isto é, do geral para o particular. Por ex., ao estudar o ecossistema de uma área geográfica o primeiro passo consiste em traçar um perfil do conjunto, desenhar um mapa descritivo do todo ou a fisionomia da região em questão ou então outro tema qualquer a partir do todo para, depois, descer aos detalhes. Vale a pena reproduzir na versão original dessa premissa para começar o estudo de algum assunto novo.

Comece abordando uma questão ampla, do tipo que já é interessante para os alunos e relevante para a vida deles, e então descasque as camadas causais, tais como compreendidas no momento, aumentando aos poucos os detalhes técnicos e filosoficamente polêmicos, a fim de ensinar e provocar. Explique, por exemplo, o envelhecimento e a morte da melhor maneira possível, segundo nossos conhecimentos atuais da evolução, genética e fisiologia; explore a seguir as consequências para a demografia, as políticas públicas, a filosofia. Por fim tome caminhos laterais, se quiser, abordando as consequências  desse fenômeno para a história, a religião, a ética, as artes criativas. Não ensine de baixo para cima, do tipo “Vamos aprender um pouco disso e também um pouco daquilo e depois combinar esses conhecimentos  para formar  um quadro geral”. Não pinte o quadro em pequenas pinceladas pontilhistas, para alunos que se entendiam facilmente. Em vez disso, mostre o quadro inteiro, o mais depressa possível; mostre qual o motivo de sua importância naquele momento e durante toda  a vida deles. Passe a dissecar esse conjunto e chegue finalmente aos alicerces. (Wilson, 2008,  p. 150)

O segundo e o terceiro princípios pedem que se ultrapasse as fronteiras da área de conhecimento na qual alguém se especializa. Sob o conceito de Biologia, por ex., abrigam-se atualmente dezenas de especialidades que de forma interdisciplinar convergem para a compreensão  da vida e entender as inter-relações entre os seres vivos de todos os níveis de complexidade, como interagem entre si e como funciona a biosfera como um todo e cada um dos subsistemas  em que pode se dividida. Pela sua própria natureza ela transcende as suas próprias fronteiras permeando todos os demais campos do conhecimento. Fornece subsídios indispensáveis para entender o comportamento humano, a organização social, formação das raças humanas e sua expansão pelo diversos ecossistemas do mundo e sua inserção neles. Dessa maneira a Biologia avançou e ultrapassou as fronteiras para  iluminar um vasto campo intermediário ainda pouco explorado que promete surpresas para aqueles que nele se aprofundarem. A condição para obter sucesso nessa exploração resume-se na superação da concepção do que

antes se considerava uma divisão epistemológica entre os grandes ramos do aprendizado está emergindo da névoa acadêmica como algo muito diferente, e muito mais interessante: um amplo domínio intermediário de fenômenos, em geral  inexplorados, aberto a uma abordagem cooperativa vinda de ambos os lados daquela antiga divisão. Disciplinas vindas de um lado desse terreno intermediário, -  por ex., a neurociência e a biologia evolutiva – já se conectam com suas vizinhas mais próximas, a psicologia e a antropologia, do outro lado da linha divisória.
Esse domínio intermediário equivale a uma região de avanço intelectual excepcionalmente rápido. Mais ainda, trata de  assuntos nos quais os alunos (e todos nós) estão profundamente interessados: a natureza e  a origem da vida, o significado do sexo, a bases da natureza humana, a evolução da  vida, porque precisamos morrer, a origem da religião e da ética, as causas da reação estética, o papel do meio ambiente na genética humana e na evolução cultural, e outros mais. (Wilson, 2008,  p. 155)


Examinando com um pouco mais de atenção essa recomendação de Wilson, chega-se à conclusão  de que a superação das  barreiras  epistemológicas entre as diversas áreas do conhecimento, aponta o caminho  para uma verdadeira concepção sintética do que  e do como  acontece a Biosfera. Levada nesta perspectiva ações tópicas para salvar um espécie animal ou vegetal com risco de extinção, tem um valor limitado sem potencial para garantir o ecossistema em que vive. O inverso é verdadeiro. Um ecossistema qualquer subsiste sem  maior problema quando um dos seus componentes desaparece, por ex., uma espécie de macaco ou um felino, ou uma ave. Essas espécies e as demais, porém, não  sobrevivem  sem que o ecossistema de que precisam seja degradado além de um limite crítico. Pouco valor tem o esforço de salvar o mico-leão-dourado se a mata atlântica, seu habitat, for devastada. Em outras palavras, um projeto para salvar essa espécie necessariamente deve ser executado como parte de uma ação mais abrangente que consiste em salvar a mata atlântica, que lhe garante a subsistência e a sobrevivência a longo prazo. Caso contrário, a salvação da espécie será um esforço inútil. O máximo que pode acontecer é preservar um número limitado de exemplares em ambientes artificiais, recurso que em questão de algumas gerações vai modificando e até destruindo a natureza de uma espécie. Não se põe em dívida o valor e a urgência de ações que tem como finalidade a proteção de muitas espécies à beira da extinção pela caça  e  a pesca predatória que atingem certas espécies mas não destroem o ecossistema. Em resumo importa entender os problemas, no caso, das espécies de animais e plantas, inseridas e dependentes do meio em que surgiram e evoluíram. Da mesma forma todos os demais objetos de estudo como por ex., se alguém pretende entender o comportamento de uma pessoa ou um grupo de pessoas não adianta começar pelo estudo de casos localizados quando eles são apenas o reflexo de condicionamentos que tem sua origem em esfera mais ampla e acima dos indivíduos e das próprias organizações humanas. A explicação última de tudo que acontece a nível individual e coletivo, tem a sua fonte e raiz na Natureza humana. Consequentemente a lógica manda que o estudioso esteja de posse de um conhecimento mínimo do que seja a natureza humana; que organização social, a organização econômica,  organização política,  organização religiosa, a comunicação e as artes; que essas organizações atendem respectivamente a exigências básicas da natureza humana , como o acesso aos bens materiais de subsistência, a natureza social do homem, a natureza política, natureza religiosa, a necessidade de dar vasão e forma à natureza estética e artística. A conclusão é óbvia.  A economia, o direito, a sociologia, as religiões, as artes tem na sua origem na antropologia, entendida como a ciência que estuda o homem tanto na sua dimensão física quanto como uma espécie biológica, quanto na sua dimensão espiritual, como fundamento, raiz e razão de ser das necessidades básicas que se  acabam de mencionar.  Acontece que a natureza humana se realiza nessas duas  dimensões, existencialmente inserida na Biosfera e  como tal sua existência e sobrevivência dependem da bem sucedida relação com o seu meio físico-geográfico. Sendo assim não basta  uma noção superficial e romântica da natureza humana, como o que vem a representar para ele o universo biológico e físico no qual ela se realiza. Em outras palavras, o que vem a ser o palco sobre o qual o homem encontra as condições para desdobrar os potenciais da sua natureza única.  Sem entender minimamente a biosfera e sua estrutura até os mínimos detalhes não basta estar ao par quantas minhocas ou quantos micro-organismos vivem num metro quadrado de solo. É preciso entender como eles atuam no solo, o que um solo significa para todos os animais,  vegetais e o homem que se alimentam dele, e todo esse conjunto de realidades se inter-relacionam para resultar em algo maior do que a mera soma das integrantes, das quais são feitos os organismos e a complexidade dos  ecossistema em que vivem. A condição vem a ser que a qualquer compreensão da Natureza e qualquer iniciativa em favor da sua preservação, pressupõe o lugar e o sentido das partes num ecossistema, seu real potencial de manter manter-se em equilíbrio, o que representa para outros ecossistemas, suas repercussões para fora da natureza propriamente dita sobre a sobrevivência do homem e suas culturas e quais os limites críticos da sua sustentabilidade.

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Até a essa altura da história – entre 15000 a 20000 anos – a humanidade vivia e progredia numa quase perfeita harmonia com os ambientes naturais. Sua interferência na natureza não passava dos limites das suas necessidades básicas. Todos os ecossistemas, os grandes, os pequenos, os locais, os regionais e os continentais, ostentavam suas fisionomias originais. Dispersas pelas florestas, estepes e savanas observavam-se colunas de fumaça indicando os locais dos acampamentos, das moradas em abrigos artificiais ou em cavernas dos nossos antepassados remotos. Esse cenário começou a mudar com a “revolução dos alimentos” como a denominou Darcy Ribeiro, a entrada na história da agricultura e da criação de animais, ou a “primeira traição da natureza” conforme Edward Wilson. O motor dessa nova dinâmica que deu início ao Neolítico, tem a sua raiz em duas  descobertas dotadas de um poderoso potencial de libertação do homem da dependência total do meio geográfico e seu progressivo controle sobre os recursos necessários à sua subsistência. Esse lado da medalha justifica a afirmação de Darcy Ribeiro. De outra parte marca o começo da humanização das paisagens avançando em ritmo geométrico até alcançar níveis críticos neste começo do terceiro milênio. Avaliado sob esse prisma,  Edward Wilson está cheio de razão  quando fala em “traição à natureza”. A “revolução dos alimentos”” que pela sua própria natureza implicou numa “traição à natureza” mereceu o comentário.
O poder de destruição do Homo sapiens não tem limites, embora nossa biomassa seja quase invisível de tão minúscula. É matematicamente possível empilhar todas as pessoas da Terra em um único bloco de 4 quilômetros cúbicos e esconder esse bloco em alguma área remota do Grand Canyon, até que desapareça. Contudo, a humanidade é a primeira espécie na história da vida na Terra a se tornar geofísica. O homem, esse ser bípede, cabeça-de-vento,  já alterou a atmosfera e o clima do planeta, desviando-os em muito das normas usuais. Já espalhamos milhares de substâncias químicas tóxicas pelo mundo inteiro, já nos apropriamos de 40% da energia solar disponível para a fotossíntese, já convertemos quase todas as terra facilmente aráveis, já represamos a maioria dos rios, já elevamos o nível dos mares, e agora, em uma virada capaz de atrair a atenção geral como nunca antes se conseguiu, estamos perto de esgotar a água. Um efeito colateral  de toda essa atividade frenética é a  extinção contínua de ecossistemas naturais, junto com as espécies que os compõem. Trata-se do único impacto da atividade humana que é irreversível. (Wilson, 2008,  p. 38-39)

Diante desse quadro preocupante, Wilson como especialista em entomologia  e estudioso de todas as outras nano formas de vida, chama a atenção para a  importância delas na sustentação da biosfera como um sistema, como uma síntese de extrema complexidade e, ao mesmo tempo, de impressionante fragilidade. Há em primeiro lugar o fato de que a extinção de espécies, tanto animais quanto vegetais, priva irremediavelmente as futuras gerações de preciosos recursos naturais. Com a extinção de cada espécie animal e vegetal desaparece, sem deixar vestígio, mais uma parcela preciosa de informações de como funciona a Natureza, qual a função que lhe cabe no bom funcionamento do todo e até que ponto empobrece e fragiliza a natureza como uma síntese global. Incontáveis fontes de medicamentos, plantas comestíveis, madeiras, fibras estarão irremediavelmente perdidos. Perdida também estará a contribuição que as espécies de plantas extintas poderiam oferecer para  a restauração dos solos, somado à contribuição ao equilíbrio do clima, da umidade, do regime de chuvas  e da retenção e distribuição da água subterrânea.

Um outro aspecto da questão costuma passar despercebido para os críticos das iniciativas e cruzadas em favor do meio ambiente, e os próprio promotores e ativistas engajados em programas  de defesa da Natureza. Mais acima já tocamos nessa questão. Referimo-nos a nano e microfauna que povoa todos os cantos e recantos onde há um mínimo para viver. Sua importância é crucial para manter os ecossistemas em equilíbrio funcional, para que a síntese não se desfaça.

As plantas verdes, bem como as legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa existência. E eles o fazem por uma simples razão: por serem tão diversos geneticamente, o que lhes permite dividir seus papéis no ecossistema até um altíssimo grau de resolução. São tão abundantes que pelo menos alguns ocupam praticamente cada metro quadrado da superfície da Terra. Suas funções no ecossistema são redundantes: se uma espécie é eliminada, muitas vezes já há outra capaz de se expandir e tomar o lugar daquela, pelo  menos em parte. As demais espécies, em conjunto, constituídas sobretudo de “bichinhos” e “mato”, governam o mundo  exatamente do jeito como gostaríamos que ele fosse governado, pois, durante a pré-história, a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres e da garantia de estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo.
A Natureza viva  nada mais é do o conjunto dos organismos em estado natural e o equilíbrio físico e químico que essas espécies geram por intermédio de sua interação. Mas também é nada menos que esse conjunto e esse equilíbrio. O poder da natureza viva consiste em sua sustentabilidade por meio da complexidade. Basta desestabilizá-la. degradando-a para um estado mais simples, como a nossa espécie parece estar decidida a fazer, e o resultado pode ser catastrófico. Os organismo mais afetados provavelmente serão os maiores e mais complexos, inclusive o homem. (Wilson, 2008  p. 41)

Especialista que é em Entomologia, Wilson serve-se dos seus conhecimentos sobre insetos para exemplificar a sua afirmação. Entre todos os seres vivos conhecidos, estudados e catalogados, os insetos são de longe o grupo mais numeroso e diversificado. Por ocasião da publicação do livro “A Criação”, em 2006, constavam 900 mil espécies descritas e classificadas. Os cientistas estimam que o número das já descritas e as que aguardam a classificação deve chegar ao surpreendente número  de  10 milhões ou mais. O volume da biomassa  desse fantástico universo de insetos equivale ao quase inimaginável. Cerca de um trilhão de milhões de insetos se movimentam na biosfera. Estima-se que seu peso equivalha ao de 7 bilhões de seres humanos. Os insetos, os minúsculos copépodos, crustáceos marinhos, os ácaros e os vermes nematoides são responsáveis por quatro quintos da biomassa total do planeta. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas  criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação,, p. 42). Entre os  insetos, as abelhas por ex., são indispensáveis para a reprodução dos angiospermas, pois, respondem pela polinização. Pelo efeito de seu extermínio por meio de inseticidas, os chineses têm muito a lamentar. Milhões de dólares são necessários para polinizar pomares, trabalho prestado de graça pelas abelhas que de troco ainda fornecem o mel com as muitas qualidade nutritivas e medicinais. De outra parte os insetos dispensam a presença do homem. A recíproca já não e verdadeira. Se a humanidade desaparecesse de uma hora para a outra da face da terra, poucas ou nenhuma espécie de insetos seria afetada, além de algumas  exclusivamente adaptadas para parasitar o homem. Suposta a extinção da espécie humana em menos de meio milênio, os ecossistemas se regenerariam e voltariam a ostentar aa fisionomia de 10000 anos passados. Como já referimos, do acidente nuclear de Chernobil originou-se um laboratório natural significativo dessa capacidade de auto regeneração da Natureza. De  outra parte, porém, se os insetos fossem extintos na sua totalidade, todos os ecossistemas entrariam em colapso. Em resumo. A espécie humana não sobreviveria sem os insetos, mas os insetos sobreviveriam tranquilamente sem a presença do homem. Vale a pena esquematizar o  efeito dominó do colapso progressivo nos ecossistemas naturais com a ausência  dos insetos, elaborado por Wilson.

A maioria das plantas que dão flores - as angiospermas – privadas do seus insetos polinizadores pára de se reproduzir.
Entre elas a maioria das espécies de plantas  herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e as árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos, ou, em alguns casos raros, até séculos.
A grande maioria dos pássaros e outros vertebrados terrestres, privados da sua alimentação especializada de folhas, frutos e insetos, segue as plantas em extinção.
Desprovido dos insetos o solo não é revolvido, o que acelera  o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas, como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
Populações de fungos e bactérias explodem e  prosseguem no auge durante alguns anos, enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai se acumulando.
Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos polinizados pelo  vento e da pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, o sofrimento, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
Agarrando-se à sobrevivência em um mundo devastado, e aprisionados em uma verdadeira  Idade das Trevas do ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (Wilson, 2008,  p. 43-44)

Diante desse quadro sombrio, resultante da extinção dos insetos o autor adverte que é preciso avaliar com toda a seriedade o uso de inseticidas. Uma única espécie das centenas de milhares faz uma enorme falta na manutenção do equilíbrio ambiental. Somente em raríssimos casos, a erradicação seria aceitável. Entre eles contam os piolhos parasitas exclusivos do homem, ou os mosquitos  africanos Anopholes gambiae que se alimentam do sangue humano e transmitem  malária do tipo maligno. Apenas uma em 10 mil espécies de insetos merece se combatida por ser prejudicial ao homem. Um dos maiores, senão o maior dos  desafios que os estudiosos enfrentam, é entender exatamente como funciona a biosfera e os ecossistemas que a compõem. Esse esforço implica em definir como esses ecossistemas são estruturados, como funcionam e, principalmente, as causas capazes de desmontá-los. “A Terra é um laboratório no qual a Natureza ou Deus, se o senhor preferir Pastor) colocou diante de nós os resultados de incontáveis experiências. Ela fala conosco, então vamos escutá-la” (A Criação, p. 46). É sintomático como Balduino Rambo, Francis Collins e Edward Wilson, concordam, por assim dizer, nos próprios conceitos. Para o primeiro a Natureza é o livro aberto da Revelação. Basta saber lê-lo para entender a sua mensagem; para Collins o código genético é “Linguagem de que Deus se serve para comunicar-se  com seus interlocutores; para Wilson; a Natureza fala conosco”. Para entendê-la corretamente é preciso de muito conhecimento sobre a enorme complexidade da sua estrutura, sobre a fina calibragem que garante o perfeito funcionamento das partes em função da integridade e harmonia do todo, sobre os riscos que se enfrentam quando de  intervenções predatórias, mal pensadas e ou irresponsáveis. Esse alerta dos três grandes estudiosos e dos demais analisados até aqui e de muitos outros, sem dúvida, aponta para o argumento maior em favor de qualquer iniciativa que tem como objetivo a luta pela preservação da integridade e saúde do nosso Planeta. Como a espécie biológica humana é um rebento da natureza como todas as demais, sua existência e sua razão de ser consiste em servir-se dos bens da Natureza na medida em que todos os homens, individualmente, tenham acesso aos recursos necessários para o seu bem estar material e espiritual. Não há necessidades de recorrer a uma lógica complicada para perceber que estamos diante de um Postulado Ético. O interesse pela integridade dos ecossistemas e seus recursos naturais por razões econômicas, políticas, ideológicas, saudosistas ou qualquer outra, perde a razão de ser no momento em que se ignora  o “Fator Ético”.


Salvo melhor entendimento, está suficientemente claro o que Edward Wilson concluiu com suas pesquisas,  vivências, mais exatamente, com o estudo dos insetos e a observação do funcionamento dos ecossistemas, como ele próprio resumiu ao afirmar de que, “a Natureza é um fato objetivo”. Bertalanffy diria que a Natureza  é um “Sistema” gigantesco e infinitamente complexo. Teilhard de Chardin a descreveu por meio da sua grandiosa concepção do universo, que supõe um começo, um “alfa” que prima pela simplicidade, mas que foi o ponto de partida para uma complexificação auto alimentada em progressão geométrica, até o estado em que o Homo sapiens dotado de inteligência reflexa, entrou em cena e  foi perturbando gradativamente o equilíbrio da biosfera como um todo até um patamar preocupante

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Algumas reflexões

Analisando com um pouco mais de atenção o que significa a “Natureza como um fato objetivo”, percebe-se que esse conceito, coincide na essência com o de “Sistema” de Ludwig von Bertalanffy e o de “Biologos” de Francis Collins. Por vias de aproximação diferentes os três cientistas chegaram a mesma conclusão  final. Os resultados dos modelos matemáticos utilizados por  Bertalanffy, as descobertas genéticas e o mapeamento do genoma humano por Collins, a observação dos ecossistemas  naturais e humanizados de Wilson, convergem  para o consenso de que a natureza é um sistema, a natureza é uma unidade biológica, a natureza é um fato objetivo. Esses três pesquisadores representam o contexto em que se pratica ciência de alto nível sem nenhum compromisso com alguma filiação filosófica e ou religiosa. Apesar disso Collins, depois de  passar pela experiência do agnosticismo e do ateísmo, terminou como crente convicto na existência de Deus; Wilson declara-se um “humanista secular”; Bertalanffy não declara suas convicções filosóficas, mas dá a entender que pelo menos admite algo nessa direção ao incluir em sua concepção sistêmica todas as áreas do conhecimento.
Edward Wilson, além de fazer ciência de alto nível alimenta uma preocupação paralela de fundamental importância para as circunstâncias atuais. Quer colaborar com os esforço generalizado que está sendo feito em todos os níveis e das formas mais diversas, para enfrentar o avanço desenfreado da deterioração da natureza. Na sua obra “A Criação – como salvar a vida na terra”, persegue um nítido propósito pedagógico, isto é, oferecer o fundamento científico sólido e coerente para servir de base para as ações concretas a serem postas em prática na cruzada pela preservação do meio ambiente.

Mais.  Acima já apontamos para a intenção expressa do autor de, na forma de um diálogo com um pastor fundamentalista, encontrar um caminho comum entre a Ciência e a Fé para chegar a um consenso sobre o que é a Natureza e, partindo dai, sugerir estratégias da ação fundamentadas e consistentes. Para tanto é preciso ter em vista, em primeiro lugar, que a “Natureza é uma realidade objetiva”, um fato objetivo, o resultado final de uma grande síntese. Parece que essa dimensão da Natureza  ficou suficientemente clara nas considerações feitas até aqui. Entretanto, o “fato objetivo” que esse “ente” que é a Natureza é, é surpreendentemente limitado e frágil. “O Homo sapiens é uma espécie confinada a um nicho extremamente pequeno”. (A Criação, p. 35). Para Wilson esse é o “Primeiro Princípio da Ecologia Humana”. Depois de formulado esse Primeiro Princípio, chama a atenção às duas dimensões que caracterizam a espécie humana: a mente e o corpo. Os voos da mente não são limitados nem pelo tempo nem pelo espaço. No tempo a mente é capaz de retroceder bilhões de anos e imaginar como foi o começo do universo, como a energia original  deu origem  a tudo que se pode encontrar em nossa volta; como se formaram os continentes, os mares e suas ilhas; como em um dado momento sugiram as primeiras formas de vida; como a evolução   povoou a terra com  incontáveis nano- micro- e macro espécies vivas de plantas e animais; como num determinado momento entra em cena o Homo sapiens; como os nossos antepassados, na condição de caçadores e coletores, passaram dezenas e dezenas de milhares de anos limitados pela fontes de alimentação;  como  penosamente  desenvolveram as primitivas tecnologias de lascar  pedras, instalar abrigos e confeccionar vestes; como se organizaram em sociedades sedentárias ou nômades; como construíam o seu imaginário mágico e/ou religioso; como foi a evolução da história desde os povos agricultores e caçadores do neolítico até hoje. 

Se a mente humana é capaz de percorrer os incontáveis milênios do passado do universo e do nosso planeta terra, também não encontra limites para se movimentar livremente no universo em que estamos confinados. Numa fração de segundos a nossa mente ultrapassa os confins do sistema solar, cruza todas as galáxias e vai em busca dos limites do universo. Com a mesma velocidade percorre continentes, florestas, desertos, mares,  oceanos e regiões polares, ou desce pela cratera de um vulcão até as entranhas da terra. Resumindo, não há barreiras nem temporais nem espaciais capazes de parar a mente humana. Para a mente humana o tempo e o espaço não oferecem barreiras. Quem sabe é por aí que temos um argumento em favor da imortalidade. Se a mente é capaz de ultrapassar as limites impostos pelo tempo e o espaço, ela não necessita necessariamente de um corpo limitado pelo tempo e o espaço. O problema é o corpo. Seu universo de movimentação é inversamente proporcional ao da mente. Sua trajetória de vida consuma-se nos limites de “uma bolha microscópica de restrições físicas”. (A Criação, p. 36).  Wilson resumiu essa realidade nos termos que seguem.

A Terra oferece uma bolha auto regulada que nos sustenta indefinidamente, sem nenhum raciocínio ou artifício da nossa parte. Esse escudo de proteção é a biosfera – a totalidade da vida, criadora  de todo ar, purificadora de todas as águas, administradora de todo o solo; mas ela é, em si  mesma, uma frágil membrana que mal se consegue se agarrar à superfície de planeta. Da sua delicada saúde nós dependemos para cada momento da nossa vida. (...) nascemos aqui como espécie, somos intimamente adaptados às suas condições severas – não a todas, apenas àquelas reinantes em alguns regimes climáticos encontrados em certas partes da área terrestre. (Wilson, 2008,  p. 36),

A permanência temporária do homem, porém, é possível encerrado em bolhas artificiais, que lhe possibilitam viver em ambientes climáticos extremos aqui na terra, como também na lua e futuramente quem sabe em Marte ou outros  planetas do sistema solar. Acontece que para realizar essas façanhas é obrigado a se confinar em cápsulas nas quais estão reproduzidas as condições climáticas da terra. Qualquer falha na manutenção desse artifício, significa a morte certa dos inquilinos. E há um segundo detalhe a ser considerado. Mesmo que tecnicamente seja viável mandar para a Lua  ou, quem sabe para Marte, os equipamentos necessários para montar um acampamento permanente, ou como é o sonho de não poucos cientistas, instalar uma colônia, a própria condição humana impede uma permanência mais longa nessas condições totalmente artificiais. Mesmo física e tecnicamente possível, psicologicamente se tornaria insuportável. Não nos iludamos, a querência do homem é o planeta terra e mesmo este só em parte. A verdade é que a evolução equipou o homem para viver e sobreviver na frágil, porém, espantosamente complexa e finamente calibrada biosfera. Essa realidade  deveria servir de advertência para que não passe se dos limites ao se servir dos recursos que a Natureza  põe à disposição.  

Durante todo o Paleolítico, o período mais longo da história – desde que surgiu o homem até aproximadamente 20000 anos – ele pouco ou nada ameaçou os ecossistemas naturais. Caçando, pescando e coletando raízes, tubérculos e frutas, sua agressão ao meio ambiente não foi maior do que das manadas de búfalos nas pradarias do Mississipi ou as matilhas de lobos do hemisfério norte ou dos leões nas savanas da África. Abrigava-se em cavernas e outros refúgios naturais, protegia-se com peles e folhas ou andava nu nos ambientes de clima mais quente. Antes da descoberta do fogo consumia os alimentos in natura como os animais. Acontece que o homo sapiens não era uma espécie zoológica igual às demais. Em seu cérebro faiscava a centelha da inteligência reflexa. Desde que surgiu em alguma savana da África ou em qualquer outro ambiente da terra, o primeiro  homem, sua relação com  o mundo natural, foi tomando um rumo e assumindo características ausentes nas demais espécies, por mais que seu DNA  se aproxime, por ex., ao do chimpanzé – 97%. A dinâmica ímpar que levou o homem  desde o começo a impor-se  ativamente aos desafios do entorno geográfico, tem o seu motor na inteligência reflexa, essa maravilhosa prerrogativa que faz com que  seja capaz de “saber os porquês do seu saber” ou ter “conhecimento” de si mesmo, enquanto as demais  espécies apenas “sabem” ou “conhecem”. Munido com essa ferramenta   única, os seres  humanos  não se limitavam ao ato instintivo de caçar, coletar ou abrigar-se em refúgios disponíveis em sua volta. Observando a natureza, examinando e comparando  os dados, fatos e fenômenos que encontrava, tirando conclusões sobre o que o rodeava, deu os primeiros passos que lançaram as bases sobre as quais evoluíram as culturas e civilizações.


Desde muito cedo caçadores e coletores começaram a fabricar instrumentos de pedra lascada, osso, chifre e madeira. O mais antigo vem a ser o “machado de punho” lascado de sílex. Tosco, pouco eficiente, servindo a muitos usos mas para nenhum especializado, foi o protótipo do qual evoluíram as ferramentas para cortar, cavar, bater, arremessar, além de muitos outros usos. É legítimo deduzir que paralelamente à  indústria lítica desenvolveu-se, aperfeiçoou-se e diversificou-se a indústria de ferramentas e utensílios a partir da madeira, chifre e osso como matéria prima. Por uma  razão muito simples os vestígios dessa indústria fica evidente bem depois da indústria lítica. Não resistem a milênios de exposição às intempéries e demais agentes de degradação. No andar e evoluir progressivo dessa história, a descoberta do fogo com suas múltiplas utilidades, veio a imprimir um dinamismo fora do comum com um leque de múltiplas novas oportunidades de sobrevivência  e progresso. Não parece exagerado falar numa autêntica revolução operada pela incorporação do fogo no quotidiano do paleolítico. Pouco importa se  descoberta do fogo aconteceu com uma erupção vulcânica, uma queda de raio, batendo um no outro dois fragmentos de sílex, por fricção, etc. O fato é que ele significou uma poderosa revolução no quotidiano do homem paleolítico, abrindo um leque sem fim de novas opções de vida e sobrevivência. O reflexo mais importante fez-se sentir no que para a sobrevivência é o mais fundamental: o alimento. Um série de recursos vegetais que precisam ser cozidos ou assados para se tornarem comestíveis puderam ser aproveitados. Raízes, tubérculos, frutas não aproveitáveis in natura, passaram a integrar a rotina do cardápio diário. Algumas delas tornaram-se a base da alimentação de povos inteiros e determinaram o perfil da sua cultura alimentar. A mandioca e o inhame passaram, por assim dizer, a significar abundância ou carestia em não poucos grupos humanos na América do Sul ou nas ilhas tropicais do Pacífico. A carne assada  melhora em muito  o sabor e torna-se mais digesta do que a  crua. Com o auxílio do fogo abriram-se novas e importantes perspectivas para a expansão territorial do homem.  Inesgotáveis  reservas de caça povoavam as regiões frias da Europa, Ásia e América. A permanência dos caçadores do paleolítico, sobretudo no inverno, tornou-se possível com o fogo aquecendo as cavernas e outros abrigos que lhe serviam de moradia. Pela múltiplas aplicações práticas o fogo não tardou em fazer parte do imaginário mágico e religioso desses povos. O culto ao fogo é um prática que pode ser observada de alguma forma em todas culturas de que se tem notícia na história.