Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Ação policial em Santa Catarina

Mas a espera não foi bem assim. No relato o dr. Volkmer acentuou de que o Chefe da Segurança Nacional, general Portella, nunca ordenara a evacuação de colonos da nossa região. Já antes da entrada  dessa notícia, mulheres e crianças gravemente doentes, tinham voltado do acampamento dos romenos e encontravam-se acamadas conosco. Por ai pode-se imaginar o tamanho da catástrofe se essa marcha tivesse sido levada até o fim, sem proteção e sob um  sol impiedoso.

23 de fevereiro. Com a carta nas mãos cavalguei ao clarear o dia seguinte para uma nova negociação com a policia em Itapiranga. No caminho tive ocasião de informar a todas as caravanas acampadas junto a estrada. Aqueles que já tinham passado adiante meus filhos alertaram que ficassem onde estavam até a minha volta. O calor era impiedoso. Homens e animais estavam ofegantes sob o fardo da aflição.

Como costumava fazer fiz uma visita à vovó. A sua casa servia também de refúgio e todos aguardavam desesperados por uma notícia. Pela primeira vez encontrei a vovó chorando junto com as pessoas que foram até o seu quarto de enferma, para despedir-se. Foram os meses que há anos ela saudara por ocasião da sua imigração, jovens, cheios de vida e de esperança. Foram homens  queimados pelo sol, mãos calejadas, , orgulhosos do seu trabalho e cônscios da obra construída. Muitos entre eles não tinham sido agricultores na Europa mas  apesar do preço amargo tinham vencido. E agora?

Vovó abençoou-me com as palavras: “Que teu anjo protetor te  acompanhe”. Depois continuei a cavalgada. A cidadezinha parecia deserta. Os moradores que assistiam a esses acontecimentos inomináveis, mantinham-se reclusos. Os estrangeiros que não dispunham de carroças, aguardavam por todo lugar à espera de uma oportunidade para seguir. Falava-se que para todos aqueles que não dispunham de viatura, seriam requisitados dois caminhões, um para os da Linha Becker, que seriam levados naquele dia. Consegui avisar alguns conhecidos que carregavam em carrinhos de mão, suas malas e baús para o ponto do carregamento, que aguardassem, que a ajuda certamente viria. A notícia espalhou-se como um rastilho e não demorou para que os motoristas se negassem a transportar aquele povo.

Dirigi-me então até a delegacia. Encontrei apenas o substituto porque, segundo me informaram, o “Delegado tinha viajado a Porto Feliz para uma visita”. Mostrei-lhe o documento que tínhamos recebido e pedi que deixasse as pessoas voltarem para as suas casas, devido ao calor, a escassez de pasto e adoecimento de muitos devido à situação  insuportável. O substituto percebeu o rumo dos acontecimentos e que os escritos deveriam ser autênticos, mas não autorizou o retorno dos expulsos por “não ter em mãos tal determinação”.

Disparei mais um telefonema a Porto Alegre: ”Estamos sobre brasas, imploro por um imediato socorro”. Demorei-me o dia todo para aguardar a resposta, porque não estava disposta a fazer a longa cavalgada até em casa. Naquele dia deveria entrar sem falta um comunicado oficial. O calor tornava-se cada vez mais abafado e insuportável. Na cidade quase não havia mais água potável, somente água do rio, que tinha que ser fervida. No antigo hotel Harnau que abrigava a maioria dos expulsos, a notícia espalhou-se rapidamente. Cheguei no colégio das irmãs cansada e exausta. A irmã Tabita entendeu a minha angustia. Tinha compreensão para tudo já que, na medida do possível, prestava assistência para os expulsos e sempre tinha algum refrigerante quando eu me apresentava cansada e abatida pelo calor.

Cavalgar no calor dia era impossível. Ao anoitecer dirigi-me ainda uma vez par a agência telegráfica para pedir ao funcionário, caso entrasse uma determinação oficial, que a mandasse imediatamente para o hotel, onde eu aguardaria. Em homenagem ao telegrafista Erasmo de Mello seja dito aqui, de que dentre todos os funcionários ele foi uma honrosa exceção. Sempre sés portou com honradez e simpatia para com as pessoas e mostrou consciência do dever e correção em todas as situações. Lamentando profundamente os acontecimentos respondeu-me: “Volte tranquilamente para casa, a ordem vem amanhã”.

Com isso sabia o suficiente. A determinação já entrara. Faltava o anuncio oficial e como o delegado estava ausente, era preciso informa-lo primeiro. Já era noite escura quando voltei para casa. As pessoas esgueiravam-se ao longo do caminho esperando a minha passagem. Na atura de Fortaleza acampava uma grande caravana vinda do interior, que suportara muita penúria. Dei-lhes o conselho de que as mulheres e as crianças fossem para casa depois do nascer da lua, já que tinha horas de caminhada pela frente e os homens permanecem para salvar a aparência até que entrasse a contra-ordem no dia seguinte. Um suspiro do mais profundo da alma foi a primeira manifestação de alegria pois, estavam apreensivos devido a minha demora temendo que tivesse sido presa.

Esta exausta e mortalmente cansada de corpo e de alma e tinha um único desejo, descansar. As mulheres do acampamento trouxeram-me no meio da escuridão chá alguma coisa para comer. Só então dei-me conta de que quase não tinha ingerido nado em meio ao alvoroço do dia. Alguém trouxe uma lanterna e foi possível observar os olhos cheios de lágrimas de alegria. Homens robustos ajudaram-me a montar e um aperto de mão de todos os lados que dizia muito mais do palavras, parti. Como não admitiram que eu seguisse sozinha pela noite, um deles mandou seu filho acompanhar-me. Durante a cavalgada ele contou-me todas as minúcias acontecidas durante a expulsão.

Perto de uma hora mais tarde ergueu-se no oeste um temporal que cobria desde ameaçador o céu desde o anoitecer. Pedi que meu acompanhante  voltasse, para ajudar aos seus expostos ao vento e ao tempo. Eu da minha parte, em caso de emergência, alcançaria a casa da minha irmã e da vovó. O animal que eu montava não era o meu tordilho que conhecia sua senhora. Tinha exigido demais nessas cavalgadas loucas e ele necessitava d e descanso. Uma das famílias acampadas conosco emprestara-me uma mula mansa, mais resistente. Naquela noite ela deu demonstrações de que o leviano xingamento “mula burra”, não era nada justa. A mula do senhor Deter era, pólo mínimo, uma honrosa exceção. Deu de si o melhor para levar-me em segurança. No último trecho de mato desabou a tempestade. O vento e o furacão levantavam nuvens de pó, que nos envolviam os dois, a mula e a mim, impedindo a visão e a respiração. Instintivamente seguia adiante e os raios davam-me a certeza de que nos encontrávamos ainda no caminho certo. O temporal uivava e bramia em minha volta como se todos os demônios estivessem soltos e prestes a desferir o golpe de misericórdia aos expulsos. Aos raios vermelhos seguiam os estrondos dos trovões, como se as forças da natureza estivessem dispostas a vencer a batalha decisiva. Percebia como o animal tremia sob a sela. Um enorme galho podre caiu bem perto de nós. A mula contornou-o assustada e cautelosa. Soltei a rédeas e ela farejando e soprando, encontrou o caminho certo, contornando o obstáculo. O temporal passou sobre nós sem chuva  e um vento um pouco mais ameno soprou ao nosso encontro, trazendo algum alivio. Relaxados e mais tranqüilos seguimos pela noite afora.

Lá longe no moro da Capela  enxerguei uma luzinha solitária brilhar na casa da minha irmã, onde a vovó esperava por minha volta. Sem apear dei a notícia de que no seguinte viria a ordem de voltar para casa. Do quarto da vovó fez-se o ouvir um aliviado: “Graças a Deus filha. O velho Deus ainda vive! Fica conosco, filha, estás cansada”.

Era quase meia noite. Sabia que por toda a parte mães e pais esperavam apreensivos. Segui em frente, faltava mais ou menos ainda uma hora para concluir o trabalho. Neste meio tempo a lua subira para o alto e as estrelas faiscavam alegremente. Apesar de me ter acometido um enorme cansaço físico, percebi contudo um relaxamento dos meus nervos tensos. A mula trotava tranqüila. Esse alivio transferira-se também para o animal. Alcançado o topo do morro da Capela olhei satisfeita para trás. Lá longe no ocidente continuavam ziguezaguear os raios vermelhos, por sobre Porto Novo e onde sabia estarem as nossas caravanas reinava paz e tranqüilidade no silêncio da noite.

Chegada em casa, enxerguei de longe uma vela acesa no gramado, certamente para orientar-me no caminho. Ao aproximar-me  percebi que um grande grupo de homens me esperava senado, Silenciosos olhavam para a escuridão sob o peso das preocupações. Ao dobrar pela moita na cerca, meu animal relinchou e o seu alegre “iaaa”, fez  com que num abrir e fechar de olhos todos saltassem em pé. Na luz da lanterna constatei que os homens dos acampamentos vizinhos estavam presentes. Durante horas aguardaram o meu retorno e já sem esperança de ouvir algo de bom entregues numa apatia desoladora. Tanto mais foi o júbilo ao ouvirem o anúncio antecipado da ordem de voltarem para casa.

A meia noite passara quando entrei em casa. Ninguém mais pensava em dormir e de ânimo renovado permaneceram acordados. Eu própria estava completamente exausta. Caí no leito e não percebi que uma hora mais tarde chegara um mensageiro de Porto Feliz, mandado pelo delegado,  com a ordem: “Quem quisessem voltar para casa, estava autorizado a voltar para casa”. Não quiseram perturbar o meu descanso e, quando de manhã cedo acordei refeita do meu cansaço, escutei o barulho arreios e correntes e observei como as carroças estavam viradas. Tudo se movimentava. Ouviam-se marteladas,  pertences eram carregados, quando escutei a alegre notícia: “Alguém gritou: e se quisermos voltar para casa !?”

“O caminho de volta para casa é mais  curto do que o contrário – até os animais sabem disso!”.  E antes mesmo do nascer do sol, a primeira caravana já estava a caminho de casa. É preciso ter passado por muita coisa, para saborear a sensação que tomou conta de nós quando, depois da aflição e perigo, finalmente, aliviados do fundo da alma brotou um “Graças a Deus! Conseguimos!” Foi assim mais ou menos que se passou no meu íntimo. Não envergonhamos das lágrimas de  alegria, derramadas por ocasião da partida.

Meus filhos corriam por todos os lados com suas motocicletas para espalhar a grande notícia. Nos dias 24 e 25 de fevereiro uma caravana depois da outra punha-se a caminho de casa, os animais com o passo acelerado de os homens com os rostos mais alegres do quando chegaram. Apesar dos muitos prejuízos e perdas a saudação de despedida geral foi: “Graças a Deus!”.

Finalmente no dia 27 de fevereiro apareceu a caravana que tinha avançado até Porto Feliz e tinha perdido a esperança de um retorno. Os animais tinham sofrido muito com a falta de água e a escassez de pasto. Apesar de tudo retornaram sãos e salvos. Em nome de todos que haviam voltado para casa seguiu naquele dia um telegrama de agradecimento para Porto Alegre, nos termos: “Hoje regressam os últimos expulsados. Agradecem a todos os senhores que fizeram possível este regresso”.

Lamento que essa epopéia histórica não pôde ser registrada em fotos pois, seria para nós um documento  memorável das peripécias daquele cortejo de quilômetros, assunto a ser comentado por nossos filhos e netos. Os nossos aparelhos fotográficos, na medida em que não foram requisitados, encontravam-se em segurança em outro lugar. Não houve quem não contasse com prejuízos. Muitos haviam vendido a colheita por um valor irrisório, vendido gado, móveis e ouros pertences, para amealhar pelo menos alguns vintes para  as emergências da viagem. Na maioria dos casos as propriedades foram oferecidas para uma recompra, poupando-os da amarga sensação, que outros tiraram vantagem da sua desgraça.

Mas, mesmo depois do regresso dos últimos, a situação não se acalmou de todo. A cada passo eram presos homens isolados ou grupos inteiros e deportados. As razões não eram comunicadas nem a eles nem às famílias. Na falta de transporte recebiam ordens de ir a pé até Chapecó. As autoridades não se importavam se alguém morria de fome ou perecia por outro motivo qualquer na viagem. Soube que o trio Berger, Lengert e Custodis, os últimos a serem deportados, foram tratados como criminosos perigosos. Em Chapecó foram internados em prisões junto com delinqüentes comuns, em pequenas celas, sem poderem nem sentar-se nem deitar-se, sendo ainda obrigados a limpar com as próprias mãos o canto que ocupavam. Quando depois de interrogatórios não foi possível arrancar-lhes uma confissão, de depois de longa anos foram libertados, sem deixar claro de que estavam livres para voltar para as suas casas e sem oferecer-lhes qualquer meio para o retorno. Certa noite puseram-se a  caminho às escondidas e por atalhos e desvios voltaram para casa. Acontece que para dois deles já foi o segundo retorno, foi mais fácil localizar os conhecidos  locais para hospedar-se, que também desta vez os abrigaram. No dia 30 de setembro de 1943 retornaram esfarrapados, maltratados e esfomeados mas de maneira alguma derrotados.

As novelas de horror vividas por muitos, soam como os contos do tempo dos índios e como os métodos russos na Sibéria. Não é preciso insistir no fato de que a Sociedade União Popular que tem sua sede em Porto Alegre, acionou todos os dispositivos para acelerar a intervenção e assim evitar o pior. O encarregado no Rio para conduzir a intervenção, assim como os dirigentes da Sociedade União Popular e a Central das Caixas Rurais, não pouparam sacrifícios, inclusive financeiros, não se importaram com o tempo gasto. São credores de gratidão, que o terror teve um fim definitivo em outubro de 1943, com a incorporação de todo o território da colônia da Sociedade União Popular, no “Distrito Federal”, seguido de uma total substituição do pessoal administrativo e a paz foi totalmente restabelecida.


Comenta-se que os responsáveis por aqueles exageros foram chamados a prestar contas às instâncias  competentes. Isso não nos importa muito. O que vale é que todos enriqueceram suas personalidades com os acontecimentos e com a certeza de tudo isso ter sido possível com muita confiança em Deus e muita fortaleza de espírito. Depois de tudo o que aconteceu, recordamos o mandamento: É do agrado do Pai que não perdoes sete vezes, mas setenta vezes sete!” 

Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Ação policial em Santa Catarina A caravana dos expulsos de 1943

Naquela noite corri sem descanso de um lado para o outro em busca de uma forma para paralisar a situação. Na minha casa eu desocupara todo e qualquer espaço disponível e meus  filhos esfregavam e limpavam os galpões, os depósitos de milho e a garagem, para oferecer abrigo aos expulsos. Contudo no meu íntimo eu esperava que as coisas não chegassem ao extremo e que uma contra-ordem estaria sendo articulada, antes que as caravanas fossem obrigados a se por em movimento. Mas o  inacreditável aconteceu e era preciso agir. Apesar de todas as ameaças de enquadrar-me, apesar da minha cidadania americana, não me intimidei em enfrentar a policia com um: “até aqui e nenhum palmo além”. Pensei comigo: “My house my castle!”. E quem teria poder em impedir-me de abrir as portas e as cancelas e receber e reter as pessoas nos limites da minha propriedade. O que mais poderia suceder-me além de mandado para o exílio junto os demais. Ninguém ousava pôr-me a mão e vista do meu passaporte americano. Valia agora como trunfo e eu o explorei.

Na tarde de 17 de fevereiro entrou na nossa propriedade a primeira grande caravana. Eram os rumenos da linha Popi. Durante a viagem uma pancada de chuva molhara tudo que levavam na carroça. De resto mal molhara o pó da estrada. Reinava uma inquietante atmosfera abafada e homens e animais estavam mortalmente exaustos. Em todos os rostos eu lia o apelo: “É verdade que de fato podemos permanecer na sua propriedade?” Sem perder tempo coloquei à disposição tudo que tinha telhado e sem perder tempo e na melhor das disciplinas estava tudo acomodado. No grande potreiro havia lugar para os animais e as vacas de leite encontraram abrigo na sombra do pomar. A sala de aula dos meus filhos eles próprios a tinham transformado em dormitório para as crianças pequenas e suas mães. Mostravam-se encantadas que em seus berços e carrinhos de bonecas descansavam bebês de verdade. Por tudo corriam e arrastavam-se crianças pequenas. A alegria das minhas meninas era grande por poderem dar a sua contribuição nos banhos coletivos dos muitos bebês, em especial de uma dupla de gêmeos de poucos messes. As mulheres e moças abrigamos em nossa casa, os homens e rapazes no galpão e na garagem. Todos estavam felizes por terem encontrado sombra e descanso.

O dia 18 de fevereiro passou sem notícias e sem aparecimento da policia. Alimentávamos a alegre esperança que não demoraria uma notícia de Porto Alegre. A casa e o pátio pareciam um acampamento de  ciganos. A cera com que  foram impermeabilizados lençóis, improvisados por falta de melhor proteção para as carroças, escorrera com o calor do sol, as roupas de cama ficaram molhadas. Tudo estava estendida ao sol para secar. Várias crianças e mulheres estavam doentes,  isto quando a viagem apenas começara com apenas três dias na estrada.

19 de fevereiro. Martelava-se em todas carroças, melhorava-se e acomodava-se a carga. Um carro de duas rodas acidentado na viagem teve que ser consertado. A pobre família perdeu muitos pertences. No acidente misturaram-se melado, banha e querosene com a roupa, roupa de cama e gêneros alimentícios e a família passou por enorme privação. Contaram-me que a filha de 16 anos portara-se como uma heroína, segurando com força sobre-humana os bois pelos chifres, até que as crianças pequenas fossem retiradas do carro tombado, as correias e laços pudessem ser cortados para evitar uma tragédia maior.

A atmosfera oprimente perdurou também durante todo esse dia que terminou também sem uma notícia. A coragem e a esperança por socorro começou a diminuir aos poucos entre as pessoas. Custou-me muito trabalho mantê-las confiantes.

Na entrada da noite percebemos a aproximação de um automóvel. Todos correram até a estrada para certificar-se o que significava. Eu pessoalmente tinha que estar sempre a postos, para estar presente se alguma coisa acontecesse.  Estava consciente da responsabilidade que assumira de livre escolha da minha parte,  pelos meus atos . Corri até lá. O carro passou lentamente na frente do pomar com o motor desligado, em cuja sombra estavam estacionados as carroças dos fugitivos. No banco da frente encontrava-se além do capitão fardado o nosso delegado. No portão de entrada do pomar o carro parou um momento e escutamos quando o capitão chamou a atenção do delegado que apontava satisfeito para as carroças: “Veja, senhor, já estão aqui”. O automóvel seguiu então o caminho em direção a Porto Feliz. Mais tarde soube-se que o delegado queria estar ausente, para que uma contra-ordem vinda donde viesse, se tornasse inviável  para que os expulsos fossem obrigados a continuar a marcha para o exílio.

Sabíamos agora o que estava acontecendo. O senhor capitão deveria ter a impressão de que a evacuação estava acontecendo em perfeita ordem e que as pessoas seguiam “meio voluntárias”. Não há dúvida de que a impressão era bastante positiva. Ao transeunte poderia parecer um acampamento de fim de semana em nosso pomar. O fato de morarmos bem próximo do limite do território éramos também a última estação em condições de oferecer abrigo para uma caravana e pasto para os muitos animais. O sr. capitão nem suspeitava a miséria que reinava nos fundos.

Neste meio tempo algumas pessoas tinha contraído infecções intestinais ao ponto de termermos uma epidemia de tifo pois, alguns casos já haviam sido constatados na colônia. A penúria de água era demasiada e restava outra saída senão beber a água do rio. Meu cunhado dr. Neff vinha todos os dias fazer uma visita aos doentes e deixar-lhes medicamentos.

20 de fevereiro. Em vão e angustiados esperávamos a entrada de notícias para aquela noite. A cavalo percorri todos locais onde supunha se encontrarem pessoas nossas. Queria ter uma idéia de quantos se encontravam nas estradas e organizar tudo de tal maneira que a marcha progredisse  o mais lentamente possível. Insisti que permanecesse por mais um ou dias nos pousos pois, confiava que a ajuda viria de qualquer forma. Observei o desespero em tantos e tantos rostos e tive que recorrer às últimas reservas para convencer  que as pessoas a manter o ânimo em pé.

A ameaça contra mim de um forasteiro qualquer que passara provocou a desconfiança no acampamento dos romenos. Ninguém queria que queria que o acampamento deles resultasse em algum mal feito contra mim e decidiram e decidiram continuar o deslocamento com sua caravana, para deixar lugar para os que vinham vindo. Fiaram para trás somente alguns doentes e aos demais recomendei com insistência que não passasse dos limites do território da Sociedade União Popular, a fim de não perdermos o contato. Pra que o contato não se desfizesse cuidaram meus filhos com suas motocicletas. Sentia-se orgulhosos quando tinham novidades a comunicar. Não demorou para tornaram-se íntimos com os mais jovens dos acampamentos de fugitivos.

Seguiu-se uma intensa atividade de limpeza e de desinfecção do ambiente para, pelo meio dia acolher a seguinte coluna. Eram todas famílias alemãs das linhas  Dourado, Hervalzinho e São João com muitas crianças pequenas. Fizemos tudo para por à disposição o que era o possível. Liberamos a roça para colher pasto para os animais. Os homens tinha sempre algo a fazer nas carroças, concertando, adaptando, modificando o que se mostrara pouco prático. A situação era  especialmente dolorosa para as mães com crianças e contudo não perderam o ânimo e a confiança em Deus. Uns ajudavam aos outros e nessa situação a unidade e a disposição de ajudar-se mutuamente, era maior do que nunca.

Minhas filhas estavam fora de si entre tantas crianças queridas das quais podiam cuidar. Já tinham escolhidas as mais pequenas que ficariam conosco para não enfrentarem a viagem. Havia uma movimentação colorida na casa e arredores. A rotina diária, da manhã à tarde, consistia em lavar roupa, cozinhar, dar banho nas crianças, fazer pão e satisfazer as boquinhas com fome. Além das famílias havia neste grupo também alguns solteiros. Era de fato comovente como se doavam aos outros. De manhã cede até noite a dentro carregavam lenha, aqueciam o forno, faziam pasto, ordenhavam as vacas e mostravam-se de todas as maneiras como companheiros queridos e práticos.

Depois de me certificar de que todos estavam bem acomodados, cavalguei de volta para sustar a marcha dos que vinham depois. Insisti que todos ficassem no ponto em que se encontravam. Mas horas passavam e a situação tornava-se cada vez mais desesperadora. Havia abrigados também nas propriedades das minhas irmãs e da vovó, como também em ao longo da estrada onde havia galpões e telhados. Um grupo bem humorado havia avançado até a atura o nosso vizinho. Autodenominavam-se os 12 apóstolos e o “Zöllner”, (cobrador de impostos). Tratava-se dos homens casados com brasileiras, aos quais era mais fácil manter o humor pois, as mulheres e as propriedades foram mantidas em funcionamento. Marchavam a pé cada qual levava apenas o mais indispensável.

Dois homens vieram de Porto Feliz para informar-se sobre um possível socorro e orientar os expulsos de lá acordo  com a resposta. Minha situação tornava-se cada vez mais difícil, porque eu esperava tão desesperadamente por notícias quanto os demais. Agarrava-me cada vez mais no conteúdo de  um telegrama do sr. Gaston Englert de oito dias arás, no  qual se pedia para reter os colonos. Sempre tive o sr. Gaston Englert como um dos dirigentes mais proeminentes da Sociedade União Popular. Isso impediu-me que eu vacilasse  o sr. Englert pode ter a certeza que o telegrama enviado na ocasião foi a última centelha de esperança de todos os dispersos. Com certeza dificilmente e toda a sua vida um telegrama dirigido a pessoas na maior das angustias e aflições, significou tanto quanto este que decidiria sobre um destino tão desumano. O fato de as negociações de uma intervenção nos acontecimentos se  arrastassem deve ser creditado à distancia e as circunstâncias, sob as quais foram conduzidas. De qualquer forma da minha parte fiz tudo ao meu alcance para manter em pé a fé e a esperança das pessoas.

Como a primeira coluna já avançara até Catres, pedi a um dos padres que rezasse ainda uma missa e ministrar-lhes os sacramentos se até o domingo não entrasse uma contra ordem pois, para mim estava claro, que para não poucos significaria uma marcha para a morte. O sacerdote atendeu de boa vontade ao pedido.

Tarde naquela noite escutamos o ronco de um carro na altura da barca. Meu filho precipitou-se imediatamente até lá, mas o caminhão já se fora. Soube, entretanto, que um religioso viajara com ele. Enquanto esperava a volta do meu filho na beira da estrada, apareceu um passageiro do caminhão. Perguntei-o por notícias, mas de medo ele nada informou.  Por fim consegui que ele dissesse que tinha escutado que o socorro estava a caminho. Forneceu-me também o nome de um conhecido que chegara pela outra estrada até Itapiranga. Deduzi que ele era o portador da notícia. As pessoas vinha correndo de todos os acampamentos com a esperança que se tratava da notícia tão esperada. Contudo não passou de uma centelha de esperança. Pisávamos em brasas. A inquietude aumentava constantemente e a maioria começou a perder a esperança por uma salvação. Tinham medo dos castigos com que foram ameaçados na eventualidade de resistência. Não restou-me outra saída a não ser pedir que esperassem até o domingo.

Pela meia noite quando a lua  nasceu e subiu no firmamento, iluminando o caminho, meu filho percorreu com a motocicleta o longo caminho até Itapiranga, a fim de informar-se se alguém sabia de alguma novidade. Naquele domingo de manhã reunimo-nos em nossa casa para uma devoção. Vieram também os  acampados na vizinhança, ocupando todo espaço disponível. Há muito tempo estavam proibidos os cantos religiosos em língua alemã. Mas naquele dia ressoaram no “meu castelo” os velhos versos, talvez pela última vez, carregados pela nostalgia pela quietude do domingo. Comovi-me com a devoção, de modo especial dos homens pois, aquele domingo foi para todos um dia decisivo e o clima de incerteza minava os nervos. Minhas filhas acompanharam as belas canções no harmônio e no final uma senhora pediu pelo menos mais um canção. Entendi muito bem a sua angustia pois, deixara para trás, com as irmãs de Itapiranga a meno para evitar que sucumbisse naquela marcha para a morte.

Implorou para minha filha: cantemos mais uma vez a canção: “Confia minha alma, confia no Senhor”. Todos entoaram com muita seriedade a canção, mas já não era um cantar mas um implorar, o último grito de socorro vindo do fundo da alma e do abandono. Impossível reter as lágrimas: “Quando tudo desaba, Deus não nos abandona pois, a angustia não é maior do que Salvador”.  Enquanto lá dentro repetíamos o último verso, ouvimos lá fora na estrada  meu filho dava sinal na motocicleta. O último “Deus fiel”, mas deixara de soar, quando todos se apressaram em correr para fora. A motocicleta contornou a esquina e avistei meu filho levantar bem alto e sacudir uma carta, enquanto gritava: “De Porto Alegre”.

Foi esta a resposta imediata ao grito de socorro e que nos abalou a todos. Constatou-se mais uma vez de que: “Onde a necessidade é maior, Deus está mais perto”. Eram duas cartas, uma do meu marido que nos comunicava que poderíamos ficar todos onde estávamos e um longo relato do dr. Albano Volkmer, dando conta das providências que estavam sendo tomadas no Rio de Janeiro para intervir no processo e que esperássemos tranquilamente até ser emitido um  documento oficial neste sentido da parte das autoridades. Todos respiramos aliviados pois, tínhamos certeza que o cortejo da morte seria interrompido.

( O relato conclui na postagem que segue)

Nacionalização e ação policial no Estado Novo - Nacionalização e ação policial em Santa Catarina A caravana dos expulsos de 1943

Nota introdutória
Os anos de 1942, 1943, 1944 e 1945 foram especialmente difíceis ara os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil, de modo especial  nos estados do sul. A Campanha de Nacionalização, desencadeada em 1938, assumira características de uma perseguição sistemática e implacável  contra tudo e todos que, de alguma forma sugerissem  alguma relação com o que era alemão, ou assim  pudesse ser interpretado. A situação agravou-se em muito depois da entrada  do Brasil na Guerra, em agosto de 1942. Falar alemão, ler alemão, manter relações de amizade com algum alemão, ou simplesmente  ter cabelos louros, colocava a pessoa sob suspeita  de traição. A ação policial tornou-se cada vez mais ostensiva  e mais draconiana. As prisões se sucediam. O confinamento  em cadeias comuns ou em colônias penais, tornou-se  um fato rotineiro. Não se respeitavam nem os princípios mais elementares  da inviolabilidade dos lares, do livre ir e vir e a integridade física ou moral. Instalou-se um clima generalizado de  suspeitas, de vinganças, de temores. Em não poucos casos, as pessoas acuadas pela ação policial, viviam com que em prisão domiciliar.

O documento aqui publicado é bem uma amostra dos extremos a que se pode chegar em circunstâncias como as que predominaram nos estados do Sul durante a Segunda Guerra Mundial. Foi redigido pela sra. Maria Rhode, alemã de nascimento, mas portadora de cidadania norte americana e esposa de Carlos Rhode, diretor da Colônia de Porto Novo (Itapiranga), no extremo oeste de Santa Catarina A Colônia contava na época com apenas dezoito anos. Fundada em 1926, compreende hoje os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. As terras haviam sido adquiridas pela Sociedade União Popular, organização dos teuto-brasileiros católicos, com sede em Porto alegre, e estavam sendo vendidas aos associados, dentro de um projeto étnica e confessionalmente identificado. Entendem-se perfeitamente as preocupações das autoridades frente a uma população exclusivamente de alemães  e descendentes de alemães, assentada numa área de fronteira desprotegida com a Argentina, manifestamente simpática à Alemanha, e o Brasil, em estado de guerra declarada àquele país. O fato de uma  porcentagem significativa  dos moradores da Colônia terem sido alemães natos, imigrados para Brasil depois da Primeira Guerra Mundial, foi um motivo a mais para suspeitas. Acontece, porém, que entre eles não havia ninguém filiado  ao partido nazista, como acontecia com frequência em outros lugares no Sul do Brasil. Pelo contrário. Uma porcentagem significativa deles tinha emigrado da Romênia. Eram descendentes  dos antigos   alemães imigrados para a Rússia, expulsos pelo regime. Portavam certidões de nascimento russos. Refugiados na Romênia, obtiveram passaportes alemães e haviam imigrado legalmente para o Brasil. Um segundo grupo era formado por profissionais liberais, inclusive de nível superior, que haviam abandonado a Alemanha devido à sua posição  contrária ao regime nacional-socialista. Foram tentar a vida como colonos naquela fronteira de colonização. Os demais tinham o perfil do imigrante convencional que migra a procura de melhores oportunidades em outro país.

Fica mais do que evidente que os alemães estabelecidos na Colônia de Porto Novo, não tinham nenhum envolvimento, muito menos compromisso com a ideologia  nacional-socialista. Pelo contrário. Um bom número deles podia ser considerado banido pelo sistema nazista. Um segundo grupo era composto por cidadãos russos expulsos pelo regime comunista. Pessoas comuns, para as quais o nazismo não oferecia nada que as pudesse aliciar,  formavam o terceiro grupo.

Pois bem. Foi exatamente naquela fronteira de colonização, no extremo oeste de Santa Catarina, que a Campanha de Nacionalização produziu um dos episódios policiais mais negros, mais constrangedores e por isso mesmo, quem sabe, pouco conhecido. Os alemães romenos expulsos da Rússia, os alemães que haviam abandonado o país por causa do nazismo, os alemães emigrados em busca de melhores oportunidades de vida, descendentes de imigrantes alemães de até a quarta geração, foram todos nivelados pela acusação de terem sido nazistas ou no mínimo simpatizado com o nacional-socialismo. A distância, o isolamento e as dificuldades de comunicação, facilitaram uma ação   policial que, objetivamente falando, avançou para além dos limites do aceitável, mesmo em tempo de guerra.

O documento não deixa claro até que ponto as autoridades locais e regionais agiram por conta própria e até que ponto estavam obedecendo orientações superiores. De qualquer maneira fica difícil imaginar  que delegados de polícia locais e comandantes subalternos da policia assumissem, por sua conta e responsabilidade, o confisco  de bens e propriedades,  a deportação de centenas de homens, mulheres e crianças, com o objetivo de concentrá-los num campo de confinamento, sem assistência, sem infra-estrutura, abandonados à própria sorte.

Da época da Segunda Guerra Mundial tem-se notícia de mais três campos de confinamento de alemãs no Brasil, porém, com características diferentes daquele de Porto Novo e até certo ponto compreensíveis nas circunstâncias. Dois deles foram instalados no vale do Paraíba para receber  as tripulações de navios mercantes alemães fundeados no porto de Santos, por ocasião  da declaração de guerra do Brasil à Alemanha. Um terceiro, noticiado ultimamente pela revista Veja, edição de nº 1338, de 18 de março de 1998, encontrava-se em Pernambuco, com a finalidade específica de confinar os funcionários alemães das Lojas Lundgreen. Suspeita-se neste caso que o confinamento tivesse, na verdade a finalidade de proteger os funcionários da Lundgreen, para não serem molestados pelo fato de serem alemães.

O caso de Porto Novo assumiu conotações muito mais dramáticas do que os demais. Colonos com suas famílias, homens, mulheres e crianças, depois de espoliados dos seus bens e sequestradas as economias, de um dia para o outro, foram simplesmente expulsos da Colônia e obrigados, sem um mínimo de apoio logístico, a empreender uma peregrinação até Xanxerê. Essa localidade ficava a 200 quilômetros  para o norte no estado de Santa Catarina, na região do campo. Vamos ao relato de Maria Rhode.

O sol escaldante torrava toda a paisagem, as plantações ressequidas, a mata vigem seca, por sobre os caminhos, sobre os homens e os animais. Os alegres arroios que em melhores tempos rumavam céleres e alegres ao encontro do grande irmão Uruguai, estavam secos. Seus leitos cobertos de pedras e cascalhos nus, ofereçam um espetáculo desolador. Aqui e lá, ora perto, ora longe levantavam-se incêndios bastava cair uma fagulha para incendiar a vegetação seca. Um odor pesado de fumaça e fogo tomava conta da atmosfera. Nenhuma brisa mexia as folhas e um calor de 32 a 35 graus R. Na sombra, paralisava  qualquer ser vivo.

Haviam-se passado três semanas de medo e preocupações pois, os incêndios na mata faziam-se visíveis  por toda  a parte. As ondas de fogo aproximavam-se também de nós. Atrás do morro na propriedade a mata virgem estava em chamas e não havia água para apagar o fogo. Jamais os estados do sul tinham passado por tamanha estiagem. Há meses que não caía uma chuva satisfatória e a grande maioria dos poços tinham secado. Só com muito trabalho os colonos conseguiam água para os animais domésticos. Não poucos viam-se obrigados a levar o gado até bebedouros afastados. E quando a  propagação da voracidade avançou ao ponto de ameaçar as benfeitorias e as plantações dos colonos, os vizinhos uniam-se e abriam largas brechas na mata virgem, para atalhar o avanço do fogo. E como não soprava uma brisa sequer obtiveram êxito.

Num desses dias meu ilho mais velho chegou em casa com tantas e tamanhas bolhas na a ponto de quase não conseguir movimentar a mão.  Foram os terríveis dias do verão 1942-1943. Jamais esqueceremos o que passamos.

Continuava parecer-me inacreditável a ordem de partir de todos os estrangeiros. Já não bastara que os homens arrimos da família fossem levados e durante semanas não se tinha notícia do seu paradeiro, enquanto mulheres e crianças lutavam sozinhas nas roças para garantir o pão de cada dia. E agora, todos eram obrigados a partir? É verdade que as crianças nascidas no Brasil podiam ficar para trás. Mas, será que esses desumanos por acaso acreditavam que uma mãe alemã deixaria seus pequenos sozinhos para trás? Era possível apenas no caso de que os filhos já estivessem mais crescidos, ou se pudessem ser confiados a pessoas de confiança. As bondosas irmãs de Itapiranga assim como famílias decentes, encarregaram-se algumas das menores, sem condições de suportar os incômodos da viagem. No geral, porém, as mães não se separaram dos filhos.

Havia também imigrantes alemães casados com mulheres brasileiras e vice-versa, fazendo com não poucas famílias fossem separadas à força. Qualquer pode imaginar-se o que significa deixar para trás a casa, as benfeitorias, as plantações e mudar-se para uma terra desconhecida, sem recursos e sem meios de locomoção; percorrer caminhos sem sombra, parte pela mata virgem, parte pelo campo, com temperaturas beirando os 35º. Penalidades legais seriam aplicadas aqueles que até o dia 15 de fevereiro não tivessem deixado suas propriedades.

No dia 16 de fevereiro, a primeira coluna de expulsos, movimentava-se lentamente pelos caminhos cobertos de pó. Onze simples carroças de colonos, carregadas com gêneros alimentícios, alguma louça, roupa de cama e crianças pequenas. Alguns homens e mulheres seguiam com vacas, outros as levavam presas às carroças, puxadas  por cavalos, mulas ou bois.

A “coluna dos condenados à morte”, por nós chamada assim para expressar o nosso estado espírito pois, que outra coisa esperariam as pessoas em tais circunstâncias?

Em países em guerra os cidadãos inimigos são internados em campos de confinamento, onde encontram abrigo e onde se lhes garante o básico de alimentação. Nada disso aconteceu aqui. Os estrangeiros inimigos foram proibidos de vender propriedades, seus depósitos nos bancos bloqueados, todas as armas arrestadas. A estação do trem ficava a 200 quilômetros de distância e não oferecia possibilidade de transporte. Os caminhões que não conseguiam gasolina, mantinham a muito custo o contato com o mundo exterior. De mais a mais nem havia possibilidade de trafegar nas estradas em péssimo estado até o longínquo local do exílio.

Naquela altura nem dispunha de um único caminhão em condições de trafegar em Porto Novo. Todos encontravam-se em viagem e tenho certeza de que nenhum dos nossos motoristas teuto-brasileiros, tinha vontade de colaborar que a determinação desumana, abstraindo do fato de que dificilmente alguma das famílias dos colonos dispunha de meios para pagar a viagem. Ninguém tinha a mínima ideia onde se localizava Xanxerê  e como eram as condições de lá. Dizia-se que ficava, na região do campo  cerca de 200 quilômetros para o norte. Noticiava-se também que já se tinham apresentado certos patifes, tentando espoliar os miseráveis de seus últimos recursos, oferecendo a colônia de terra por 7:000$000 ou por 600$000 de aluguel lotes em condições de serem cultivados. Para agravar a situação a estação do plantio demoraria meio ano e a colheita meses mais depois.

Era de chorar o aspeto dessas tristes caravanas. Muito mais miseráveis do que viaturas de ciganos. Estas pelo menos dispunham de uma cobertura e normalmente pelo menos uma lona protegendo os carros, coisas que as nossas caravanas careciam. A crescia a tudo isso o grande número de crianças pequenas e em não poucas famílias a presença de crianças de peito. Todas elas tinham nascido aqui. Eram todas brasileiros natos e cidadãos de plenos direitos. E neste caso?

Os primeiros a chegar foram os teuto-romenos do interior. Durante a primeira Guerra Mundial esses alemães fugindo da Rússia, tinha perdido tudo. A Alemanha empobrecida recebera na ocasião os fugitivos como netos e bisnetos dos antepassados emigrados. Tratou-se com simpatia e mais tarde receberam a autorização de imigrar, para aí construir uma nova pátria e agora estavam sendo coagidos a peregrinar como apátridas, arrastando consigo uns poucos pertences. Receberam o tratamento simples e puro de estrangeiros inimigos, só porque tinham viajado com passaportes alemães, embora portassem atestados de nascimento russos.

Esta foi a primeira caravana: 64 pessoas e 58 animais. A esta seguia caravana após caravana, os demais homens, mulheres e crianças, alemães de nascimento. A revolta e estupefação paralisava toda a população de Porto Novo. Toda a população teuto-brasileira estava de tal forma intimidada pelas buscas domiciliares que haviam precedido, pelos procedimentos brutais e à revelia da lei, como na caso dos cidadãos brasileiros Kliemann e Eidt, que ninguém ousava uma reação. Como todos os demais também o clero tinha as mãos amarradas pois, bastava uma palavra para ser ameaçado com prisão e pauladas e em alguns casos levados a  efeito.


(O relato  continua na postagem seguinte)