[ Reflexões ]

Com o homem as coisas se passam de maneira bem diferente. Munido de Inteligência Reflexa é capaz de “saber o porque do seu saber”. Por isso desde aquele momento único na história do universo em que, em alguma savana da África ou em qualquer outro lugar do nosso planeta, cintilou pela primeira vez a centelha da Consciência Reflexa e o homem se fez homem, sua natureza permaneceu a mesma até hoje. Se a espécie humana fosse apenas mais uma espécie de símios antropoides, de há muito as leis implacáveis da evolução a teriam varrido do cenário da vida, ou condenado a uma sobrevivência sem brilho. Suas mãos não especializadas servem para tudo, e por isso mesmo, não servem para nada específico. Seus dentes caninos servem para pouco mais do que completar a arcada dentaria. Seus sentidos pouco apurados não lhe garantem os alertas e alarmes suficientes, num entorno em que atrás de cada árvore, cada arbusto, cada rocha, ou na correnteza dos rios e fundo dos lagos, espreitam ameaças de toda a ordem. A Inteligência Reflexa não só compensou a precariedade da especialização anatômica, como a transformou em trunfo para o sucesso na competição pela conquista dos espaços e na batalha pela sobrevivência.

Com olhar curioso e inquiridor o homem perambulava pelas florestas, pelas estepes, pelos desertos, pelas montanhas e planícies, observando, experimentando, comparando, distinguindo e selecionando aquilo que a natureza lhe punha à disposição em alimentos, vestuário, abrigo, proteção, inspirações, simbolismos e estímulos, responsáveis pela formação do imaginário. A cepa original da espécie humana multiplicou-se e povoou a terra: a África, a Ásia, a Europa, as Américas e o mundo insular do Pacífico. Centenas de raças: brancas, negras, amarelas, vermelhas e todos os matizes que a miscigenação entre elas foi capaz de engendrar, construíram suas histórias, desenvolveram culturas e consolidaram civilizações. E nessa fantástica epopeia o homem buscou no seu entorno ambiental o sustento, o abrigo e os símbolos para construir o seu imaginário. A partir de então aconteceu a lenta e gradativa simbiose, a síntese entre o homem e a paisagem, e com ela, definiu-se o caleidoscópio multicolorido das culturas das centenas de milhares de povos que povoaram e ainda povoam a terra.

Fazer história consiste no esforço de acompanhar, passo a passo, o acontecer da síntese entre os muitos elementos que compõem a trajetória humana através do tempo e do espaço. E quais são os campos que necessariamente precisam ser tomados em conta se de alguma forma quisermos entender a história da humanidade no seu todo ou nas suas inúmeras formas particulares? Pelo fato de formar uma espécie biológica o homem acha-se imerso ontologicamente no mundo natural. Não é aqui nem o lugar nem o momento para uma análise mais aprofundada da sua vinculação com a natureza química, física, biológica, biogenética e evolutiva. O que não pode ser ignorado por nenhum historiador é a importância decisiva do entorno geográfico em que as culturas e civilizações históricas se desenvolveram. A disponibilidade, o tipo e a natureza das fontes de alimentação, o clima, a vegetação, a facilidade ou dificuldade de circulação, os solos, a topografia e outros elementos naturais, foram e são ainda fatores determinantes na moldagem do perfil histórico das culturas. Buscando no seu entorno geográfico os alimentos, o abrigo contra as intempéries, contra as feras e os inimigos da própria espécie, o homem consolidou uma relação de vida e morte com as vicissitudes circunstanciais. Mas não foi só isso. A natureza não oferece apenas o pão de cada dia como também os símbolos, os estímulos para alimentar o imaginário, dar vazão ao impulso estético, personificar o universo mitológico e fornecer respostas às questões existenciais. A dependência do homem da natureza ensinou-lhe caminhos, formas e alternativas, de como sobreviver nela, de como torná-la uma aliada sempre presente na construção das culturas e da história. E penetrando nos mistérios da natureza, e espelhando-se neles, procurou compreender-se a si mesmo, e dessa forma, entender e desvendar as incógnitas da própria existência. O imaginário, as crenças e cultos buscaram a inspiração na dinâmica da vida nos acampamentos dos pastores e aldeias dos agricultores e nos fenômenos naturais que envolviam o quotidiano. Fatos como nascer, viver e morrer; a jornada diária do sol, as fases da lua, a alternância das estações do ano, transformaram o sol e a lua em divindades, personagens mitológicos. Não tardou que os observadores mais atentos notassem que esse universo não tinha nada de estático. Os astros movimentavam-se numa dança disciplinada, percorrendo caminhos e roteiros em meio a movimentos que obedeciam a leis fixas. De tempos em tempos essa coreografia celeste sofria a intromissão de fenômenos estranhos. O sol ou a lua passavam por eclipses, clarões iluminavam as noites escuras ou algum astro peregrino emergia do desconhecido, passava pelo firmamento, para em seguida, submergir novamente no desconhecido. O inusitado e o mistério que acompanhavam a passagem de cometas e a queda de meteoros, devem ter mexido com o imaginário daqueles povos. E observando as galáxias em noites sem nuvens, os conjuntos de estrelas, as constelações, foram assumindo contornos de figuras de animais familiares como o cão, o capricórnio, a ursa, a libra, os peixes, o touro, o leão e outros mais. Dessa forma o firmamento acima de suas cabeças povoou-se de criaturas imaginarias, réplicas daquelas com as quais convivia no dia a dia. Não é de se admirar que as raízes da astrologia e os mais antigos conhecimentos de astronomia devem ser procurados entre os criadores de cabras e ovelhas e os agricultores do neolítico e provavelmente mais cedo ainda. A relação real ou imaginaria que se estabeleceu a partir daí entre o curso e a posição dos astros e a sorte e o destino dos homens, não parou de se aprofundar. Mesmo hoje, quando o progresso científico desvendou em grande parte os mistérios da natureza, as consultas ao horóscopo não perderam nem público nem popularidade e contando com um número de representantes nada desprezível nas camadas consideradas cultas e ilustradas.

O convívio imediato, diuturno e íntimo com a natureza, despertou no homem a percepção de fazer parte dela. Além de depender dela para a vida e a morte, a sua existência desenrolava-se na mesma cadência e nos mesmos ciclos. E nesse conviver simbiótico, o homem foi construindo a sua cultura, a sua história, o seu imaginário, a sua simbologia, suas crenças, sua religiosidade, suas religiões, seus rituais, seus sistemas éticos, enfim a sua cosmovisão. Tudo que o rodeava, por assim dizer se animava e se personalizava de acordo com o significado material, mágico ou religioso de que vinha revestido. Assumia vida e importância pelo que representava no quotidiano e pelo que sugeria à imaginação. Aconteceu assim um espelhar-se recíproco entre o homem e as realidades e fenômenos naturais. Em meio a essa dinâmica de interação, de amálgama e de síntese, as culturas foram desenhando seus perfis e a História definindo o seu rumo. 

Alguém poderia objetar que há exagero nessas afirmações. A importância atribuída ao meio geográfico poderia levar à falsa compreensão de que as culturas são, em última análise, subproduto do meio geográfico. É verdade que, quanto mais se recua na História, tanto mais se faz perceber essa impressão. Sem cair, porém, no exagero, defendendo o determinismo geográfico, não se pode esquecer que sem a colaboração do geógrafo a análise e a pesquisa histórica carecem de um elemento fundamental. Não por nada a História e Geografia formavam uma unidade acadêmica e curricular até a década de 1960, fornecendo ao egresso o diploma de bacharel ou licenciado em Geografia e História.
Nas entrelinhas do que vinha afirmando sobre a importância dos subsídios que a geografia fornece ao historiador, um outro campo de vital importância para as Ciências Humanas é formado pela Antropologia, Etnografia e Etnologia. No acontecer da simbiose entre o entorno geográfico e o homem ao qual já nos referimos várias vezes, pela versatilidade criativa que a inteligência reflexa lhe proporciona, foi imprimindo um crescente toque de humanização às paisagens naturais. Cabe ao antropólogo físico, antropólogo cultural e antropólogo social, etnógrafo e etnólogo, municiar o historiador com dados sem os quais este corre o risco de escrever uma história, original talvez, mas carente de sustentação objetiva. Se a origem e natureza das matérias primas empregadas na construção da cultura material, tem tudo a ver com o meio geográfico em que se encontram, as tecnologias de confecção e de utilização reclamam a participação do etnógrafo que as descreve e o etnólogo que realiza o estudo comparativo. Mas os dados por eles fornecidos não são suficientes. É preciso recorrer ao antropólogo cultural para de alguma forma oferecer uma visão e uma compreensão das bases materiais, ideais e organizacionais sobre as quais a humanidade construiu a sua história. O homem por natureza, ou por instinto se preferirem, é um ser social. Desde que dispomos de alguma maneira de informações confiáveis o homem sempre viveu em hordas, bandos, tribos e/ou sociedades complexas, que definiam as regras da convivência, de acordo com cada situação em particular e o nível de desenvolvimento cultural de cada agrupamento. Da mesma forma a organização econômica mais ou menos complexa, responsável pela regulamentação do acesso, posse e uso dos bens materiais, encontra-se presente em qualquer ambiente em que convivem humanos. À organização social e econômica veio somar-se a organização política e a organização religiosa, aquela encarregada de definir a hierarquia e esta as crenças, rituais e o comportamento ético e moral. Definiram-se assim os campos da Antropologia que hoje contam com um número crescente de adeptos e especialistas: A Antropologia Social, a Antropologia Econômica, a Antropologia Jurídica, A Antropologia Religiosa, a Antropologia Filosófica e a Antropologia Teológica.

E o que sugere o que acabamos de afirmar? Em algum momento que se perde nas brumas do tempo, começou a História, quando apareceu a primeira criatura dotada de inteligência reflexa. Não importa nem onde nem quando. Os dados fornecidos pela paleontologia antropológica, pela biogenética, pela arqueologia apontam para um fato que se deu uma única vez. Em outras palavras: A espécie humana é uma assim como sempre foi uma. À mesma conclusão chega-se quando se parte do conceito filosófico e teológico de espécie humana. A partir daí e na medida em que crescia em número, a humanidade foi ocupando sempre mais espaços, até marcar                               presença onde de alguma forma encontrava as condições mínimas de sobrevivência. E nesse processo que consumiu dezenas para não falar em centenas de milhares de anos, aconteceu a diversificação das raças e as incontáveis formas e modalidades de culturas das quais nos dão conta a geografia humana, a etnografia, a etnologia, a antropologia física e cultural, a história e as áreas complementares do conhecimento. Conclui-se daí que o homem construiu e continua construindo as suas culturas a partir da multiplicidade, da heterogeneidade e da complexidade dos estímulos que vêm do mundo ambiente em que vive. Mas não se pode perder de vista que essa pluralidade tem uma razão de ser na unidade radical de que fala Nicolau de Cusa, Teilhard de Chardin, Ludwig von Bertalannffy, Balduino Rambo, ou a pluralidade é a forma fenomênica do Uno, como observou Alexandro Serrano Caldera. Partindo desse pressuposto todas as culturas têm valor em si. É preciso superar velhos conceitos e preconceitos como: povos selvagens e povos civilizados, baixa, média, alta selvageria e civilização, primitivo e moderno, bárbaro e civilizado, cultura superior e inferior e outros mais. Uma outra base conceitual se impõe. As culturas encontram-se em níveis tecnológicos diferentes e em condições geográficas peculiares. Por isso elas são diferentes, o que não é prova de inferioridade ou superioridade evolutiva. Não são nem piores nem melhores umas do que as outras. São apenas diferentes. Cada cultura não passa de uma resposta singular dada por cada povo em particular, às necessidades materiais e espirituais sintonizadas com as características e estímulos vindos do entorno ambiental concreto.

Partindo dessa perspectiva foi tomando vulto a Filosofia Intercultural que parte do pressuposto de que todos as culturas são iguais na sua raiz.. Cada uma representa uma resposta peculiar dada aos desafios da vida, estimulada pelo contexto em que vive e como tal válida e digna de respeito. Todo empenho é pouco quando entra em questão o reconhecimento das diferenças, a aceitação das diferenças, o respeito às diferenças e o esforço sincero de incentivar o diálogo entre as diferenças. É a essa altura que se impõe o imperativo ético capaz de reger o encontro e as relações interculturais. Sem um fundamento ético toda a pregação e todo fascínio pela visão intercultural, estagna no plano da especulação, das constatações antropológicas, históricas, sociológicas, políticas ou ideológicas.

Voltamos assim ao ponto de partida: fazer História, diria Alexandro Serrano Caldera, “é percorrer novamente velhos caminhos, imaginar o ocorrido e sobre ele construir a nossa realidade, o que por sua vez, servirá de ponto de partida para a projeção do futuro pois, as coisas não são como as vemos, mas como as recordamos” (Caldera, 2004, p. 14). Trata-se de uma empreitada que requer um esforço interdisciplinar sério, honesto, despojado e desinteressado. Ao filósofo cabe identificar, analisar e interpretar os paradigmas, a visão do mundo, a concepção do homem e a sua razão de ser; cabe ao antropólogo interpretar a obra do homem nas suas ambições, limitações e grandezas; cabe ao geógrafo fornecer os dados para entender os milhares de perfis de culturas  que se sucederam e alternaram durante a História; cabe, enfim, ao Historiador a tarefa de, considerando o pano de fundo formulado pelo filósofo, a realidade humana pintada pelo antropólogo e a paisagem natural  desenhada pelo geógrafo, ordenar e descrever a marcha sincrônica e diacrônica do homem através dos tempos.

Conclui-se que a missão das Ciências que lidam diretamente com o homem, não é nem fácil, e não poucas vezes considerada dispensável, inútil e perda de tempo, num momento em que a tecnologia está em alta. O que vale é o aqui e o agora. O passado nada tem a oferecer e o futuro não passa de uma incógnita, uma ilusão, uma utopia ilusória e impossível. De outra parte, porém, os anseios mais profundos do homem clamam pela reversão do quadro de fragmentação, dissociação, desconstrução de paradigmas e a abolição de referenciais. Percebe-se um apelo crescente que pede por uma proposta de uma nova síntese, que recoloque o Todo, a Verdade, o Uno, como ponto de convergência, como norte, capaz de fazer com que o ser humano se reencontre de novo consigo mesmo e com a sua própria razão de ser.

[ Reflexões ]

Reflexão sobre o fazer História

Depois de mais de cinco décadas em sala de aula e dedicação à pesquisa chegou o momento de arriscar um olhar retrospectivo e proceder a um balanço dos resultados auferidos nessa jornada dedicada à academia. Esses anos todos não foram simplesmente consumidos em ministrar aulas, e por meio delas, familiarizar as novas gerações com os conhecimentos essenciais que cobrem os diversos campos do conhecimento, ou na orientação de trabalhos científicos, dissertações e teses. É comum a impressão de que a razão de ser de um mestre se esgota ao nível dessas atribuições formais. Acontece que as demandas que caracterizam um autêntico mestre, e eu me incluo entre eles, podem rotula-lo de falta de modéstia, não me importo, pressupõem uma constante atualização, ampliação e aprofundamento dos conhecimentos. E na medida em que informa e principalmente forma gerações de discípulos elabora, consolida e interioriza uma cosmovisão própria, fruto da percepção original e singular pela qual enxerga os acontecimentos e fatos que o rodeiam. Muitos há que não passam do alinhar-se ou filiar-se a linha teórica e metodológica de um determinado autor ou de uma determinada escola. Com orgulho autodenominam-se marxistas, liberais, positivistas, hegelianos, tomistas, platônicos, aristotélicos, agostinianos, cramscianos, da Escola de Frankfurt, etc. Costumam analisar e interpretar tudo sob a ótica teórica e seguir a cartilha metodológica das autoridades acadêmicas ou escolas de sua preferência. Em outras palavras. Bitolam suas investigações na linha de teóricos, teorias e escolas de plantão no momento. Uma opção nesta linha, porém, esconde uma perigosa armadilha. Não raro termina numa percepção unilateral e parcial da realidade e com facilidade leva à adesão a ideologias de ação equivocadas que, se levadas ao extremo, terminam em posições fundamentalistas, tanto no campo estritamente religioso, quanto no político, econômico e até científico. Não se  dão conta de que as teorias não costumam durar mais que “uma manhã de verão”, como alerta  Teilhard de Chardin. Essa é a sina que ronda cientistas, pesquisadores e estudiosos de modo especial na civilização pós-moderna. Diante de um universo fragmentado, a ponto de perder a noção do todo, constroem mundos individuais cada vez mais acanhados e estanques. O físico, o biólogo, o geneticista, o geógrafo, o sociólogo, o economista, o antropólogo, o historiador, o filósofo, o teólogo, recolhem-se aos seus cubículos sem janelas. A perda da capacidade de perceber o Todo, a Totalidade, é diretamente proporcional ao avanço de suas descobertas. De tanto dissecar, desmontar e analisar já não percebem mais o corpo, muito menos a alma. Só restam tecidos, engrenagens, peças de máquina, fatos e ideias dispersas. Há mais de setenta anos escrevia Teilhard de Chardin, prenunciando a pós-modernidade que se anunciava no horizonte:

Ao contrário dos “primitivos” que dão personalidade a tudo que se mexe, ou mesmo dos primeiros grupos que divinizavam todos os aspectos e todas as forças da natureza, o homem moderno tem a obsessão de despersonalizar o que mais admira. Duas razões para essa tendência. A primeira é a análise – esse maravilhoso instrumento da pesquisa científica, ao qual devemos todos os nossos progressos – mas que, de síntese em síntese desfeita, deixa-nos frente a uma pilha de engrenagens desmontadas e de partículas que se esvaem. E a segunda é a descoberta do mundo sideral, objeto tão vasto que se tem a impressão de que toda a proporção entre o nosso ser e as dimensões do Cosmos à nossa volta, foi abolida”. 

E a profecia de Teillhard de Chardin tornou-se dura realidade neste começo do terceiro milênio. O mundo pós-moderno caracteriza-se pela perda de referências e pela negação de princípios e valores sociais, éticos, morais e religiosos permanentes. E a razão de ser desse cenário preocupante é a perda da perspectiva de um Todo que serve de referência e faz com que o universo, a natureza e o próprio homem façam sentido e não desande em “náusea existencial”, no entender de Sartre.  O esforço maior, portanto, que cabe à Academia e mais especificamente à Universidade consiste, em de alguma forma, trilhar o caminho de volta ao reencontro com o Todo, a Totalidade, a Verdade. Alexandro Serrano Caldera chama a atenção que:

 “Vivemos num mundo cuja realidade é a dissociação, a dispersão e a fragmentação e que cabe à Universidade reunir de novo os fatores dispersos numa unidade que é o ser humano; numa síntese que é o homem, a mulher, o sujeito histórico”... “Há nisso a intenção fundamental de síntese e integração do ser humano com sua realidade, com a sua sociedade e com a sua história. É nesse particular que a Universidade e o Conhecimento têm de jogar um papel unificador”. (Caldera, 2004, p. 106)

Deixemos de lado os campos que se ocupam com as assim chamadas ciências empíricas, ciências experimentais, ciência exatas, ciências duras, ou qualquer outro nome que se prefira. O nosso “negócio”, para nos servirmos do termo tão prestigiado pelo homem pós-moderno, são as Ciências Humanas, e mais especificamente, as Ciências Históricas.

Como sugere o próprio conceito as “Ciências Humanas” cobrem um vasto e complexo campo de conhecimentos e investigações complementares que têm no homem o centro das preocupações. E sendo assim, todo e qualquer esforço para encontrar respostas para as muitas perguntas que se colocam para o historiador, pressupõe uma que é a condição sem a qual as demais ficam no ar: quem é afinal o Homem? As respostas são tantas quantos os pontos de vista a partir dos quais o observamos. Parece que os antigos gregos formularam uma que pode ser útil como ponto de partida para uma reflexão sobre o homem como ser histórico: o homem existe  como a natureza mineral; o homem existe e vegeta como as plantas; o homem existe, vegeta, sente como os animais; o homem existe, vegeta, sente e raciocina. Em outras palavras. Os minerais existem, as plantas existem e vegetam, os animais existem, vegetam, sentem, têm consciência e memória, o homem existe, vegeta, sente, tem consciência e memória, mas   distancia-se das categorias taxonômicas anteriores, por tomar conhecimento e “raciocinar”. São várias as conclusões que podemos tirar dessa constatação.

Primeiro. Ao percorrermos a história dos povos, um fato inequívoco impõe-se: a relação do homem e de suas culturas com o meio natural em que surgiram e se consolidaram. E não se trata de uma simples relação conjuntural, mas de uma inserção existencial, ontológica, no mundo natural. E não poderia ser de outra forma. Começa pelo fato de o corpo material do homem buscar os componentes estruturais entre os elementos comuns encontráveis na natureza: oxigênio, nitrogênio, carbono e hidrogênio, além de duas dezenas de outros, constantes na tábua periódica dos elementos.

Segundo. Como qualquer outra espécie animal o homem depende dos alimentos, depende dos abrigos e refúgios naturais para se proteger das intempéries e defender-se das feras e dos inimigos da própria espécie.

Terceiro. O homem partilha com os outros animais o mesmo ciclo de vida. É concebido, nasce, vive e morre em obediência às mesmas leis que regem a vida individual e coletiva das demais espécies. Mais. A humanidade, assim como nos é apresentada pelas Ciências, pela Antropologia, pela História, pela Filosofia e pela Teologia, forma uma única espécie. Pelo menos é assim que a definem os critérios taxonômicos da classificação das espécies animais e confirmam-no os estudos do genoma humano e os estudos da paleologia antropológica. As pesquisas arqueológicas, etnográficas e etnológicas, assim como a história da cultura, apontam para a mesma conclusão. E para não haver dúvida sobre a unidade da espécie humana, a Antropologia Filosófica e a própria Antropologia física e a Teológica concordam com as definições que as Ciências Naturais e as Ciências Humanas defendem na teoria e supõem como ponto de partida quando lidam na prática com questões humanas.

Quarto. A espécie humana, entretanto, embora com raízes ontológicas no mundo mineral ou na litosfera, no mundo vivo ou biosfera, supera-os pela inteligência reflexa, para dar vida e existência a uma esfera completamente nova, a “Noosfera”, para recorrer a um dos conceitos-chave de Teilhard de Chardin. Enquanto os minerais apenas existem, as plantas existem e vegetam, os animais existem, vegetam, sentem e se orientam pelos instintos, o homem existe, vegeta, sente e conta com os instintos como estímulos, mas sobretudo raciocina e reflete.  Não é o lugar nem o momento de entrarmos mais a fundo na discussão se a passagem do Rubicão que marca a fronteira entre o instintivo e o racional, foi um salto de qualidade ou apenas mais uma ascensão gradual prevista na lógica da evolução natural. O fato é que representou o ponto de partida para uma revolução inédita de uma espécie viva na solução dos desafios existenciais. Em outras palavras é lícito formular o “salto” a que nos acabamos de referir nos seguintes termos: o animal orientado pelo instinto “sabe” o que lhe convém e “sabe” o que lhe é prejudicial. O instinto cego garante-lhe o sucesso sempre que o âmbito do seu potencial não for ultrapassado. Nesse sentido pode-se afirmar que o instinto garante com certeza matemática o sucesso, e por isso o animal não tem versatilidade nem liberdade para escolher saídas alternativas, quando algum caminho se fecha.

[ Reflexões ]

Diante desse quadro parece que duas questões desafiam a nossa capacidade de resposta. Em que consiste o conhecimento sem adjetivos se é que se pode colocar o assunto nesses termos. Quem sabe os conhecimentos são múltiplos, pela própria natureza adjetivados e como tais traem o fato de que a multiplicidade dos modos, métodos e instrumentos, sugere a busca da compreensão do todo, da totalidade ou a verdade, que vem a dar sentido ao universo, à natureza e ao homem. Cientistas, teólogos, filósofos, literatos, artistas, e não em último lugar, a sabedoria popular, encontraram respostas, cada qual à sua maneira.  Todas elas levam a duas conclusões. Primeiro. Vêm expressos na linguagem e terminologia peculiar a cada um. Segundo. Apontam na direção de uma convergência, de um encontro num ponto final comum.  Teilhard de Chardin faz convergir todo o seu pensamento científico e a concepção do universo que a alimenta, frutos do conhecimento dos seus conhecimentos científicos, para o ponto “ômega”. Abstém-se em definir a natureza  dessa realidade, que segundo as suas conclusões, flui da lógica dos processos químicos, físicos, biológicos, ecológicos, geográficos, antropológicos e históricos, que lhe forneceram os dados para construir o arcabouço conceitual, no qual encontrou a sua resposta que marcou época, para as questões de fundo que vem sendo formuladas desde que o homem se fez homem. 

Outro cientista de reconhecimento mundial, Francis Collins, diretor do Projeto Genoma, responsável pelo mapeamento genético do homem, médico geneticista, foi bem mais ousado que seu colega jesuíta Teilhard de Chardin, no seu avanço sobre as fronteiras do conhecimento. Para ele o conhecimento científico, no caso particular seu, a biogenética, revelou-se uma via promissora para aproximar-se dos demais campos do conhecimento, em busca do objetivo último comum a todos. Em lugar do “Ômega” propõe o termo “Bio-Logos” como conceito harmonizador e integrador final. Discutível ou não, inusitado ou não, ousado ou não, o conceito composto por “bios” e “logos” reúne em si o potencial para aproximar dois caminhos em busca de um conhecimento cada vez mais global. O prefixo “bios” contempla o território explorado pelas Ciências Naturais por meio de suas ferramentas conceituais e instrumentos e tecnologias de investigação. O sufixo “logos” delimita o território explorado pelos conceitos e ferramentas das Ciências do Espírito. Para Collins a síntese entre a contribuição das duas partes, resulta não só num conhecimento mais rico e mais multiforme, mas num conhecimento de nível superior à soma de ambos, isto é, numa síntese que é de outra natureza do que a simples soma das partes. Portanto, o Conhecimento sem adjetivos não resulta da soma de conhecimentos adjetivados. Colocado nesses termos o Conhecimento consiste na apropriação da natureza da realidade, da qual as muitas modalidades de conhecer nada mais são do que aproximações por um dos muitos ângulos que ela se revela ao observador.

Um dos problemas de fundo criados pela pós-modernidade foi aprisionar o conhecimento em compartimentos estanques, em feudos isolados, em piquetes separados por cercas elétricas, para impedir o acesso de qualquer um que não se vale do caminho e dos métodos de análise que não sejam os utilizados pelos especialistas de plantão. 

Esqueceu-se o pressuposto elementar válido para qualquer objeto passível de produção de conhecimento. Ele faz parte de um Todo que se manifesta ao observador por meio de particularidades que mais chamam a atenção de acordo com as intenções e da capacidade de observação daquele que com ele se ocupa. “Ex partibus omnibus elucet totum”, já escrevia Nicolau de Cusa no século XIII, ou “a Verdade está no Todo e o Todo é a Verdade”. Para aproximar-se da compreensão do Todo, ou se quisermos da Verdade, é preciso que se somem e inter-relacionem e inter complementem os resultados das quatro vias de aproximação, cada qual valendo-se do seu instrumental teórico e metodológico próprio: a Ciência Experimental (empírica); a Razão; a Percepção intuitiva; a Fé. A cada uma delas compete uma parcela proporcional à natureza do objeto, para levar à compreensão do Todo, e aproximar-se da Verdade. 

Entre os cientistas de todas especialidades predomina em larga escala a convicção de que está em suas mãos a resposta para as interrogações que envolvem a natureza do universo como um todo e cada uma das partes que o integram, inclusive o homem.  Entusiasmados com os resultados obtidos nos dois últimos séculos, não são poucos, provavelmente a maioria, que não tem dúvidas. As respostas todas que possam ser formuladas virão como resultado da pesquisa científica desenvolvida nos laboratórios espalhados pelo mundo. Esse entusiasmo e essa euforia até que tem a sua razão de ser. O avanço da física nuclear com seus métodos e   equipamentos de eficiência e precisão comprovada, identificou os elementos que formam a base da composição dos átomos, é capaz de calcular o potencial energético neles contido. As leis básicas da hereditariedade biológica descobertas pelo monge austríaco Gregor Mendel no final do século XIX, abriu o caminho que levou a identificar os fundamentos do funcionamento da vida. De descoberta em descoberta, de avanço em avanço, citologistas, geneticistas, bioquímicos e especialistas em áreas afins, munidos com recursos técnicos cada vez mais eficientes, foram cercando os arcanos da vida biológica. E os resultados estão aí. Um a um os genomas de plantas e animais estão sendo identificados e devidamente mapeados. Há duas décadas um ambicioso projeto patrocinado pelo governo americano e coordenado pelo Dr. Francis Collins, ofereceu ao grande público e ao mundo científico, o mapa genético da espécie humana. Nele foram localizados com precisão científica os fundamentos biológicos da vida humana. Tornou-se possível identificar os genes ou pares de genes que comandam as diferentes funções vitais.

[ Reflexões ]

As reflexões que vínhamos fazendo até aqui provavelmente não interessam ao racionalismo científico e filosófico de hoje. Pelo contrário. Irrita-o, pois, mina as bases da sua consciência de superioridade. Subtrai-lhe o argumento do “nunca antes na história do conhecimento”, se descobriu algo tão definitivo, tão determinante, tão inovador. Como se pode ver a construção do conhecimento começa sem alarde. Vai ocupando o seu lugar e instalando a sua morada no cenário deste planeta como o homem seu protagonista, silenciosa e discretamente. Aliás tudo o que é sólido, consistente e durável, costuma ser gerado, gestado e consolidado em ambientes discretos e silenciosos, longe da zoeira, do barulho, da algazarra, dos foguetes e tambores. A harmonia é a antípoda das fanfarras. Em tais ambientes e para as pessoas que os frequentam “a harmonia é chata”, como constatou Francis Collins e se esquecem que o “Perene” que garante a solidez do conhecimento não é dado ao barulho, ao estardalhaço e cacofonia que inspira as manchetes dos noticiários dos meios de comunicação.

A questão temporal
Mas há um outro viés que merece ser considerado. Diz respeito à questão temporal envolvida na construção do conhecimento. Resume-se na pergunta de quanto tempo foi necessário para alcançar-se o nível de conhecimento até o momento em que dispomos de registros históricos definitivos e confiáveis. Retomando a Astrologia-Astronomia como exemplo ilustrativo é preciso destacar um elemento fundamental. A Astronomia como ciência só é possível com a ajuda de conhecimentos de Matemática. Não é por acaso que entre os povos que cultivavam a Astronomia como ciência, a Matemática aparece como a área de conhecimento mais desenvolvida. E não podia ser de outra forma. Sem a Matemática a Astronomia como ciência é impossível. É um fato histórico o lendário nível do conhecimento matemático a que chegaram os babilônios. O “Livro de Cálculo de Ahmes” de 1700 antes de Cristo, no Egito é o mais antigo manual de matemática historicamente conhecido. A um nível de domínio da matemática e dos seus diversos campos específicos de cálculo, parecido aos babilônios e egípcios, chegaram igualmente os Indus e as altas culturas da América Central e do Sul, com destaque para os Mayas, Incas e Astecas. 

As reflexões que acabamos de fazer sugerem mais uma. Pela sua natureza é a que oferece maiores dificuldades. Falamos do tempo que foi necessário par consolidar o conhecimento ao nível em que se encontrou, a partir do momento em que dispomos de registros materiais objetivos. De quinze mil anos para trás essa história submerge nas brumas do tempo. Os registros diminuem em número e as relações entre eles apagam-se, na medida em que se recua no tempo. Os dados dispersos reduzem-se finalmente aos “machados de punho”, a mais antiga ferramenta fabricada pelo homem de que se tem notícia. Associados aos artefatos líticos foram localizados fragmentos fósseis de humanos, seus prováveis fabricantes e usuários. É óbvio que com registros materiais nessas condições não é possível, nem sequer um esboço coerente dos conhecimentos que moldaram a cultura material e muito menos a imaterial de então. Uma certeza importante, porém, nos garantem os artefatos líticos, especialmente os “machados de punho”. São o resultado da manipulação intencional dos seus autores. São provas da intervenção programada em matérias primas que foram manipuladas para servirem a finalidades previamente estabelecidas. Pressupõem, portanto, toda uma sequência de operações mentais reflexivas. Em resumo. Supõem a inteligência reflexa. Paralelamente desenrolou-se a cadeia de procedimentos que acompanharam a construção do conhecimento relacionada com aqueles artefatos. A ordem das ações pode ser desdobrada mais ou menos assim. Começa com a tomada de consciência de um desafio a ser enfrentado. Segue uma avaliação do significado para em seguida buscar os caminhos para a solução. Escolhem-se os meios, as estratégias e as ferramentas adequadas para solucionar o impasse. A lógica autoriza concluir que toda essa cadeia de atos reflexos permitiu que os humanos daqueles tempos remotos, agissem da mesma forma com os desafios da vida como nós. 

Não posso deixar passar a ocasião para propor algumas reflexões contemplando um desses “machados de punho”. Para o historiador, o antropólogo, o etnógrafo, trata-se do testemunho material objetivo mais antigo a nos falar da história do homem. Para o artesão aquele fragmento de sílex toscamente afiado por lascamento é apenas uma demonstração da penúria das oficinas dos humanos da pré-história. Para o evolucionista estamos diante de uma evidência inegável, de um estágio da humanidade tentando superar a “selvageria”. Para o sociólogo essa humanidade encontrava-se em condições que inviabilizavam qualquer progresso digno desse nome. Concedemos alguma razão a todos eles e muitos outros que costumam emitir juízos de valor sobre a realidade daqueles tempos primigênios. Acontece, porém, que essa ferramenta, “coisa de selvagem ou meio selvagem”, se avaliada como fazendo parte da construção do conhecimento, significa muito mais, infinitamente mais, do que a prova material mais antiga da presença do homem no nosso planeta. Em primeiro lugar significa a superação da ineficiência e inadequação anatômica da mão. Comparada com as “mãos” de um macaco, as garras de um tamanduá, os cascos de um cavalo, as unhas de um tatu, etc., as mãos e dedos do homem, não têm as mínimas condições de competir com eficiência com nenhum deles. Serve para agarrar, mas agarra mal; serve para cavar, mas cava mal; serve para dar um tapa, mas não chega perto do tapa de um leão. Poderíamos continuar enumerando as limitações da mão impostas pela sua natureza anatômica. Chega-se à conclusão de que ela é inespecífica, não especializada, incapaz de manipulações com uma finalidade determinada. Anatomicamente a mão é um instrumento que serve a muitas finalidades, mas a nenhuma com eficiência. Levada a questão ao extremo podemos dizer que a mão serve para tudo e, ao mesmo tempo, não serve para nada, mas por isso mesmo pode ser considerado o instrumento mais versátil de que o homem dispõe para atender às suas necessidades

A superação dessa inadequação anatômica da mão representou um dos maiores desafios para o homem, na batalha pela sobrevivência. Entrou então em ação a inteligência reflexa, recurso exclusivo do homem. É permitido imaginar como deve ter sido a reação dos nossos antepassados remotos diante dos desafios da existência. Foi preciso conseguir alimentos, foi urgente proteger o corpo contra as intempéries, foi preciso instalar abrigos, foi preciso defender-se contra as feras e contra os próprios homens. Como o aparelhamento físico-anatômico não tinha como competir com o dos outros animais, a saída foi munir-se com equipamentos para suprir a ineficiência. Pressionado pelas circunstâncias o homem recorreu ao trunfo maior posto a sua disposição: a inteligência reflexa.

Como é normal em qualquer situação, começa-se pela tomada de consciência do problema a ser resolvido. Verifica-se o seu tamanho e extensão, o nível de dificuldade para resolvê-lo, avalia-se a repercussão sobre a vida e o quotidiano das pessoas e, por fim, parte-se à procura de soluções. Mas baixemos do nível abstrato para a batalha concreta dos primeiros homens pela vida. De saída ficou claro para eles que necessitavam de “instrumentos” mais eficientes do que as mãos para cavar a terra em busca de raízes e tubérculos, caçar animais, tirar a pele e a lã e confeccionar vestimenta, separar a carne dos ossos, instalar abrigos e defender-se das feras. É complicado para nós que vivemos numa civilização que dispõe de uma parafernália sem fim para nos socorrer nos desafios mais impossíveis, fazer uma ideia mais precisa das condições em que viviam os primeiros homens. 

[ Reflexões ]

Coleção de provérbios

Aplicação – Preguiça
Deus não estorva a quem trabalha. (Sérvia); - A sorte de um ao é determinada pela primavera – a sorte e um dia o vermelho da manhã – a harmonia a sorte da família – a aplicação a sorte da vida. (chinês); - Uma roda de moinho que gira sempre, não congela (japonês); - Quem levanta cedo fica rico. (turco).
A preguiça rima com pobreza. (inglês, alemão, francês); - Mérito e fama não conhecem pijama. (chinês); - O ócio leva ao vicio. (sueco); - Uma mente ociosa é a oficina do diabo. (inglês). 

Pressa – Paciência
A flor da paciência não floresce no jardim de qualquer um (Inglaterra) – A paciência é a mais forte das orações (Índia) – O esperar traz bons dias (Japão) – A paciência é o melhor remédio no infortúnio (Provença) -  A paciência, a lealdade, o amigo e a mulher, todos os quatro são testado na desgraça (infortúnio) (Índia) – Nada provoca tantos estragos quanto a iritação e nada rende tantos proveitos quanto a paciência (China) – O paciente possui todos os reinos da terra (Libéria) – O paciente vence (Kamerun).

A cautela é a mãe da sabedoria
Da cautela nasce a paz e da paz a prosperidade (Itália) – Não esperes nada daquele que promete muito (Itália) – Não confie ao lobo a guarda do carneiro (Escócia) – Nunca fecha uma carta sem a ter relido – nunca beba água sem antes tê-la examinado. (Espanha.

As roupas fazem as pessoas
As roupas fazem as pessoas (homens ou mulheres) (China) – Belas roupas fazem belos macacos (Japão) - Até um cepo é bonito quando vestido e enfeitado (Sérvia) – As roupas escondem o caráter. (Negros americanos) – A roupa faz com que se seja recebido e o juízo para ser despedido. (Russo) – Na minha cidade o que vale é o meu nome, na estranha vale o que visto (Hebraico).

Sobre o comer
Pessoas más vivem para comer, os sábios comem para viver (Sócrates segundo Plutarco) – Pouca comida, uma mente lúcida (Turquia) – O pão chora quando comido sem ter sido merecido. (Polônia) – A fome faz o feijão doce – Em tempos de carestia pão preto parece cuca – A que de fato sente fome o pão seco parece salame (Alemanha, Inglaterra, França e Itália) – É preferível uma boa refeição a um vestido bonito (França).

Sobre a bebida
O vinho não tem culpa na bebedeira, mas o beberrão (Cnina). – A bebedeira não produz os erros, apenas os traz à tona (China) – O melhor remédio contra a bebedeira é observar um bêbado quando se está sóbrio (China). – Afogam-se mais no copo do que morrem na guerra (Alemanha) – Diz o vinho: não sei quanto bem eu causei, mas a desgraça que causei não tem limites. (Armênia). – Ao beber vinho pensa na miséria da tua família. (China). – O que se peca na bebedeira, paga-se na sobriedade (Alemanha) – Falam quando bebo, mas calam sobre a minha sede. (Escócia)

A bênção da saúde
A saúde vale por mil desejos de bênção (Índia)  -  O homem com saúde é um homem rico (Suécia)  -  Não Há maior tesouro do que a saúde  -  Estar livre da doença é verdadeira felicidade e ter capacidades é a verdadeira riqueza  (Índia)  -  É fácil para o sadio aconselhar o doente 8Sérvia)  -  Valoriza-se  a saúde apenas então quando se está doente (alemão)  -  Os juros pelas diversões são pagos com a saúde (japonês).

Sobre o médico.  
A porta que fechas ao mendigo, abres para o medico (hebreu)  -  O médico é com um pai (Índia)  -  Tenha em grande conta o medico antes de precisar dele (hebreu)  -  Se desprezas o medico, despreza também a doença (bantu)  -  Quem toma o remédio e negligencia a dieta, desperdiça a habilidade do médico (chinês)  -  O remédio contribui com um terço e são juízo do homem, dois terços. (sul da Índia)  -  Recorra ao remédio tanto quanto à oração (Índia)  -  Um medico bem falante tem sucesso (Índia)  -  Meio médico é um perigo para a saúde, meio mullah um perigo para a fé (Índia maometana)  -  Deus cura e o médico recebe o pagamento  -  Um médico diligente não consegue curar-se a si mesmo (China).

Sobre o agricultor  
O príncipe exige sua fidelidade;  Os senhores clérigos dizem: não me importa; O nobre está sempre livre; o judeu entrega-se à usura; o comerciante grita: não dou nada; o mendigo diz: não tenho nada; Assim, Deus ocupa-se com seus afazeres no céu e o agricultor tem que alimentar os famintos. (velho ditado)  -  O arado é o rei, a oficina a rainha; qualquer outro negócio vem com o signo do inferno (Índia)  -  Onde o agricultor é pobre, todo o país é pobre (Polônia)  -  O agricultor não tem tempo para cavilar sobre o infortúnio (Ucrânia)  -  Ser um agricultor não é difícil, permanecê-lo uma honra (antigo)  -  Um agricultor e duas vacas são três animais rudes (Países Baixos)  -  O agricultor carrega o saco não importa o que ponhas dentro (Rússia)  -  Quem quiser enganar um agricultor, venha acompanhado de um outro agricultor (Países Baixos)  -  Se queres saber o que é um agricultor, dê-lhe uma vara na mão (Portugal)  -  Agricultores e montanheses:  calçados rústicos e cabeças finas (Itália)  -  A amabilidade do agricultor é por todos conhecida – ao rogar pragas mútuas segue uma conversa amigável (China)  

O lar é o melhor lugar
No oriente ou no ocidente – o melhor lugar é o lar (Ost und West, Daheim das beste)
A lebre permanece no local onde nasceu (Alemanha)
Somente na própria terra teus atos serão grandes (serão valorizados). (Libéria)
Todo o mendigo é rei em sua própria cabana. (Oriente)
Cada um é mestre em sua própria casa
My House, my castle
Todo cão é um leão na sua casa
Todo o galo é valente no seu monturo.
Em casa todo cachorro é valente

Nos outros países
Em todos os países o sol nasce de manhã
Aqui como lá as galinhas andam descalças
Em qualquer local as copas das árvores erguem-se para o alto. Em qualquer lugr no mundo os cachorros mordem e as bocas incomodam (Países Baixos)
Os negros pintem seus demônios de branco (Ucrânia)
Submete-te aos costumes do local onde te encontras (Japão)

Sorte e desgraça
Até o rio amarelo em seus dias belos (bonitos) – porque a sorte não visitaria de vez em quando as pessoas (Chinês)
Loucos felizes não necessitam de sabedoria. (Alemanha)
É fácil dançar quando a sorte toca a música. (Inglaterra – Suécia)
Quem não se faz presente quando a sorte vem – Quem vem quando a sorte está ausente. (Chinês)
A felicidade gosta de entrar na casa onde reina um alto astral. (Japão)
Não é fácil viver a felicidade com decência. (Inglaterra)
Tudo é suportável, menos felicidade demais. (França)
Tudo no mundo é suportável, menos uma série de dias agradáveis. ( Goethe)
A sorte é uma corcova difícil de suportar.
A sorte é uma madrasta. (Japão)
Na sorte não há parceiros (Bantu)
O amor e a sorte alternam-se como a lua (Itália)
Não existe chá (remédio) para curar a desgraça (infortúnio). (Quênia)
A doença tem cura, não a desgraça.
Para o azarento o cavalo árabe transforma-se em jumento. (Pérsia)
O azarento é mordido por um cachorro, mesmo montado num camelo (Pérsia)
São três as modalidades de infortúnio: perder o pai na juventude; perder a esposa na meia idade; não ter um filho na velhice. (Chinês)
Com a desgraça alheia não te tornas mais sábio. (Rússia)
Esquece a desgraça durante três anos e ela transforma-se em bênção. (Índia)

Fazer o bem
A bondade está acima da lei. (Chinês)
Fazer o bem rende juros.
Bondade que visa o presente, não é bondade. (Chinês)
Faze o bem e jogue-o no mar (na água) (Índia)
A bondade arrasta-se onde não consegue caminhar. (Escócia)

Eu e o outro.
A comida do prato do vizinho é sempre melhor. (Alemanha)
A vaca do vizinho tem sempre ubre maior (Suécia)
As flores do vizinho são sempre mais vermelhas (Japão)
O pregador (pastor) batiza primeiro seu próprio filho (Inglaterra)
São Francisco barbeou-se primeiro a si mesmo, depois seus monges. (Itália)
Todos cantam melhor quando está em jogo o “ora pro me” (Itália)
Quando queima o próprio celeiro, deseja-se ao vizinho mesmo. (Pérsia)
Quando alguém ri, é dos outros, quando chora é por ele próprio. (Índia)
O hálito alheio sempre cheira mal (fede). (Lituânia)
Só se enxergam os próprios defeitos com olhos alheios (Chinês.

Amizade.
Segura com as duas mãos o verdadeiro amigo. (Nigéria)
Nenhuma estrada é longa demais ao lado de um verdadeiro amigo. (Japão)
Um velho amigo é o melhor espelho. (Espanha)
Quem tem um bom amigo não precisa de espelho. (Malásia)
A verdadeira amizade é mais duradoura do que o parentesco. (Bantu)
Nem todos que te mostram sorrindo os dentes, são teus amigos. (Uganda)
A amigo de todos é o idiota de todos. (Alemanha)
Amigo de todos, amigo de ninguém. (Espanha)
Amigo demais, nenhum amigo. (Sérvia).
Não se faz festa sem amigos. (Índia)
Amizade selada com vinho, dificilmente passa de uma noite (Alemanha)
O amigo de copo abandona-te para já. (Sicília). 
Amigo de mesa é volúvel. (França)
Quem procura um amigo sem defeitos, termina sem amigo. (Turquia).
Celebra a amizade quando não a precisas. (Afro-americano)
O amigo conhece-se no infortúnio.
Três coisas só se percebem em três situações: a audácia no perigo; o bom senso na raiva; a amizade na necessidade. (França)
Um amigo na necessidade, um amigo na morte, um amigo na retaguarda, são três excelentes pontes. (Alemanha)
Amigo de verdade é aquele que fala bem de nós também pelas costas. (Inglaterra)
Queres conhecer alguém, pergunta quem são seus amigos. (Turquia). 
Faça amizade com a bondade de uma pessoa, não com seus bens. (Chinês)
Quem me diz as verdades no rosto não deixa por isso de ser uma pessoa honrada e meu amigo. (Chinês).
Quem não te diz a verdade não é teu amigo. (Bantu)
Para a amizade entre dois necessita-se a paciência de um. (Índia). 
Não sejas menos cego para os defeitos de um amigo do para as virtudes de inimigo. (Índia)
Os melhores amigos são aqueles que se visitam pouco (Islândia)
Se entras na casa de um amigo, deixa o estômago fora. (afro-americano)
A exatidão das contas preserva a amizade. (Alemanha)
Emprestar faz amigos, exigir o empréstimo de volta, inimigos. (Alemanha)
Amigo ao pedir emprestado, inimigo ao devolver o empréstimo. (França)
Emprestando perdem-se duas coisas: o dinheiro e a amizade. (Dinamarca)
É preferível perder um pouco de dinheiro do que um pouco de amizade. (Madagascar)
Não contes ao amigo o que não queres que teu inimigo saiba. (Dinamarca)
Ao brigar com um amigo, ficas sabendo o que sabem sobre ti. (afro-americano)
Um amigo perde-se com mais facilidade do que é conquistado. (Inglaterra) 
A ferida causada por um amigo, não sara. (África)
Amizade quebrada nunca sara. (França
Se procuras um amigo duradouro, vai ao cemitério. (Rússia)
Se procuras um amigo que nunca perdes, só Deus. (Índia-maometana)

Sobre Deus e seus servos
Deus vai ao encontro de quem o procura. (Rússia). 
Quando Deus dá alguma coisa a alguém, não pergunta pelo nome. (Índia)
A rede dos céus tem malha grossa, mas ninguém lhe escapa. (Japão). 
Quem na juventude cuspiu nos olhos do Senhor Deus, na velhice quer carrega-lo na palma da mão. (Lituânia). 
É melhor praticar uma boa ação em casa, do que correr o mundo para oferecer incenso. (Chinês). 
De nada adianta oferece uma luminária para uma mesquita, quando em casa é mais necessária. (Pérsia)
O gato comeu sete ratos, depois foi peregrinar. (Índia)
Nem todos que frequentam a igreja são santos (Itália)
Reza a Deus, mas não deixa de remar. (Rússia)
Teme a Deus e teme aquele que não teme a Deus. (Polônia)
Onde o bom Deus ergue uma igreja, o diabo ergue uma capela do lado. (Alemanha)
Passado o perigo, ri-se dos santos. (Europa)
Quem quiser uma casa limpa, não permita a entrada de padres, monges e pombas. (?)
Brâmanes, cães e cantores brigam entre si. (Índia). Um ama o pároco, o outro sua cozinheira. (Grécia antiga)
Procura o valente na prisão e o ignorante entre os clérigos. (Rússia). 

[ Reflexões ]

O conhecimento condensado.

O conhecimento construído tendo como ponto de partida a intuição, que o Pe. Rambo chamou de “condensado e perpassa a linguagem humana como uma melodia concomitante. É a nota dominante no concerto musical do espírito dinâmico do homem”. Coloca-se a essa altura a questão de como esse conhecimento, chamado também de “conhecimento popular”, pode ser observado, identificado e acompanhado no quotidiano dos indivíduos e das comunidades. Para quem tem olhos para ver e ouvidos para escutar, apresentam-se muitas modalidades que permitem perceber o “som subliminar” que acompanha como melodia de fundo a linguagem. Um simples diálogo entre dois camponeses, por ex., sobre valores de família, de honestidade em negócios, de lealdade comunitária, de solidariedade, de compromisso mútuo, de posicionamento relativo ao significado de gênero, revela um conhecimento consolidado pela tradição camponesa. O mesmo vale para inúmeras outras situações de manifestações da cultura popular: contos, novelas, romances, teatros, músicas, artes plásticas e por aí vai.  Não por nada a “História do Quotidiano” é valorizada hoje como uma fonte de informação aceita em qualquer centro de pesquisa para legitimar trabalhos acadêmicos, tanto dissertações de mestrado quanto teses de doutorado, artigos de revistas de circulação internacional ou livros de grande aceitação pelo público especializado. O conhecimento popular, portanto, está sendo tratado como fonte fidedigna para fazer ciência em História, em Sociologia, em Filosofia e em outros campos específicos do saber. 

Mas há uma modalidade que perpetua por excelência o “conhecimento condensado”: os Provérbios. Tanto as grandes culturas e civilizações do ocidente, quanto do oriente, da América pré-colombiana e as dezenas de milhares de culturas menores espalhadas pelos cinco continentes, consagraram o seu repertório de provérbios. Famosos tornaram-se os provérbios chineses, japoneses, romanos, gregos, só para destacar alguns. “O homem conhece tão pouco suas fraquezas, quanto o boi sua força” (chinês); -  “Nem em cem anos o homem chega à perfeição, para corromper-se basta um dia” (chinês); - “O homem ama seus próprios defeitos” (Cachimira); - “Os olhos enxergam tudo, menos a si mesmo” (Sérvia); - “O homem comporta-se como lobo para com os demais homens” (Roma); - “Despreza a tua própria vida e serás senhor da vida dos outros” (Tibet); - “Quem perde a vergonha perante os homens, perde o temor perante Deus” (Sérvia); - “Uma mula esfrega-se na outra” (Roma); - “É mais fácil tomar partido do que ficar fiel ao partido”. (Galês); - “Há muitos que não temem a Deus, ao bastão sim” (Sérvia); - É mais fácil ameaçar do que matar” (Itália); - “A alegria tem um corpo pequeno” (Nigéria); - “Deus perdoa ao ignorante” (Mauritânia); - “Os instruídos loucos são os melhores” (Suécia); - “Evita a quem nada sabe  e não sabe que não sabe – Ensina a quem não sabe e sabe que não sabe – Instrui a quem sabe e não sabe que sabe; Segue a quem sabe que sabe” (Índia); - “Saber pouco é perigoso” (chinês);  - “Com o juízo alheio não irás longe” (Lituânia); - A sabedoria não está nos anos, mas na cabeça” (Armênia); - “Deixa o ignorante agir, ele próprio se arruína” (Pérsia); - “Quem nada sabe, duvida de nada” (França); - “É fácil opinar quando se está na praia quando ocorre um naufrágio no mar” (Lapônia); - “Cuidado com loucos e tesouras” (Japão); - “As preocupações são como um tesouro que se confia  apenas aos amigos (Madagascar); - “Há quarenta formas de loucura, mas só uma de juízo sadio” (Bantu); - “Saber é poder” ( Inglaterra); - “O ignorante sempre se revela quando fica tempo demais” (Sânscrito); - “O que não se entende, admira-se” (Índia); - “Uma coisa é ocultar, outra é calar” (Roma); - “A barba não faz o filósofo” (Roma”); - “Um gago entende o outro” (Roma); - “Bem viveu quem soube viver na obscuridade” (Roma): -  Menos músculos, mais cérebro.

A verdade. 

A verdade é como o óleo, sobrenada sempre. (Holanda); - A verdade afunda, mas não perde a respiração. (Islândia): - A mentira anda a cavalo, a verdade a pé, mas não deixa de chegar a   tempo.  (Lapônia); - Velhas verdades, velhas leis, velhos amigos, livros velhos vinho velho, são as melhores coisas. (Polônia); - A verdade tem uma só cor, a mentira muitas.  (Alemanha); - A verdade não produz tanto bem no mundo, quanto a sua aparência desgraça. (Rochefoucault); - Dê-se um cavalo para fugir, a quem gosta de dizer a verdade. (Armênia); - Uma mulher que diz a verdade, encontra poucos amigos. (Dinamarca); - Quem fala a verdade, não encontra hospedagem. (alemão); - A verdade é a mãe do ódio. (Latino); - O anzol da verdade fisga apenas carpas pequenas – com a rede da mentira pescam-se grandes salmões. (Letônia); - Algo como a verdade não existe sem o erro, (chinês); - O que chamais de Verdade? os enganos que duram séculos – O que chamais de engano? a Verdade que durou apenas um minuto (Spinoza); - O que é verdade do lado de cá dos Pirineus, no outro é engano. (Pascal); - A verdade tem muitas faces. Todos acreditam que a possuem, mas cada um a tem à sua maneira. (Lessing).