Bicentenário da Imigração - 77

Além dos três jornais de alcance estadual, nacional e internacional, circulou um número considerável de folhas locais. Falar de todos eles detalhadamente excederia em muito o propósito da presente matéria. Restringimo-nos por isso à citação dos mais importantes. 

O “Serra Post” publicado na cidade de Ijuí desde 1910, destinou-se, em primeiro lugar,  à população das colônias da chamada Serra. Como São Leopoldo era o centro da irradiação da região colonial antiga, assim Ijuí fez o papel de  centro de irradiação  da região colonial nova que hoje compreende  cidades importantes como Santa Rosa, Santo Ângelo, Palmeira das Missões, Cruz Alta, Ibirubá, Selbach, Tapera, Cerro Largo, Criciumal, Três Passos, Panambi, Sarandi, etc. 

Um jornal de características semelhantes ao “Serra Post”, foi o “Kolonie” que começou a circular em Santa Cruz do Sul a partir de 1891. Destinava-se, antes de mais nada, atender às populações do Rio Pardo e vizinhanças.

Resumindo pode-se afirmar que os jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul, que tiveram expressão regional, estadual e até mais ampla, foram os supra citados “Deutsche Zeitung”, “Deutsches Volksblatt”, “Deutsche Post”, “Koseritz Deutsche Zeitung”, “Neue Deutsche Zeitung”, “Serra Post e “Kolonie”. Na sua grande maioria os demais eram  apenas folhas locais ou um pouco mais e não poucos com existência efêmera. Uma exceção foi o “Täglicher Anzeiger”, fundado em Porto Alegre por Theodor Reinecken, com a pretensão de cobrir todo o Estado. Foi o primeiro jornal  diário em língua alemã, mas teve vida curta de apenas quatro anos: 1901-1904. Quanto à periodicidade dos grandes jornais em língua alemã “Hundert Jahre Deutschtum” informa:

No dia 1º de janeiro de 1903 o “Deutsches Volksblatt” começou a circular como jornal diário e três anos depois também o “Deutsche Zeitung” e o “Neue Deutsche Zeitung”. O exemplo foi seguido também pelo “Deutsche Post”. Adaptando-se  às características daqui, o “Deutsches Voklsblatt”, “Neue Deutsche Zeitung” e “Deutsche Posto”, apareciam em edições diárias e edições semanais, acrescidos de suplementos semanais de caráter recreativo. As edições semanais eram obviamente  lidas de preferência na colônia, onde existia geralmente apenas uma conexão semanal com o correio. (Hundert Jahre Deutschum, 1999, p 288)

Tentaremos a seguir traçar um quadro resumido dos jornais menores em língua alemã, publicados no Rio Grande do Sul até a Segunda Guerra Mundial.

No sul do Estado encontramos numerosos alemães em Pelotas, Rio Grande e arredores além da grande Colônia de São Lourenço. Circularam aí os dois jornais: “Bote von São Lourenço”, iniciativa do pastor Alexander Voss. Circulou de 1892 a 1912. Em seu lugar entrou o “Deutsche Wacht” de Pelotas, sob a direção de Rudolf Schäfer. Chegou a ter edições diárias  e bissemanais até ser empastelado como vitima da guerra em 1917. A partir do final da Primeira Guerra Mundial as comunicações do sul do Estado com a capital melhoraram sensivelmente e o acesso aos grandes jornais de Porto  Alegre dispensou a existência de jornais locais. 

Em plena guerra começou a circular em 1916 em São Sebastião do Caí, o “Cahy Zeitung”. A proibição de todos os jornais em língua alemã com a entrada do Brasil na guerra contra a Alemanha, encerrou prematuramente as atividades desse empreendimento jornalístico, direcionado em primeiro lugar para o vale do Caí e arredores. 

Santa Cruz do Sul foi o grande polo irradiador cultural do vale do Rio Pardo e, em parte, do Taquari e Jacuí. Sempre muito progressista teve, desde o final do século dezenove, nada menos do que três jornais: “Fortschritt” – 1901-1903; “Santa Cruzer Anazeiger- 1903-1907. Apenas um deles, o “Kolonie” dmonstou viabilidade e atendeu aos interesses, além de Santa Cruz do Sul, a região de Venâncio Aires, Rio Pardo e Candelária.

Almanaques
Ao lado dos jornais os almanaques constituíram-se no alimento do espírito mais importante entre os alemães e seus descendentes no rio Grande do Sul. Ao referir-se a esse gênero de publicações Hundert Jahre Deutschtum, faz o seguinte comentário: 

O gênero de imprensa mais cultivado aqui é o dos almanaques (os Kalender). Apesar  de tudo, todo o colono mesmo que more na picada mais afastada na mata virgem, embora nunca leia um livro, talvez nem assine um jornal em companhia com um outro, por hábito que lhe vem de longe, compra um almanaque, a fim de se manter a par do calendário de  festas, fases da lua e outros assuntos. De momento (1924) circulam nada menos do que sete almanaques que, conforme a sua idade são:

Koseritz Deutscher Volkskalender desde 1874  Krahe & Cia
Kalender für die Deutschen in Brasilien desde 1881 – Rotermund & Cia
Familien-Freund Kalender desde 1912 – Hugo Metzler
Riograndenser Marienkalender desde 1916 – J. R. Da Fonseca
Kalender der Riogandenser Synode    desde 1922 – Irmãos Siegmann
Kalender der Serra Post desde 1922 – Livraria Serrana

A literatura de almanaque pode ser considerada, com toda a razão, o gênero mais adequado para, nas circunstâncias  daqui, garantir a informação e a formação do povo. Os almanaques daqui afortunadamente contém, da forma como vêm ao público hoje evitam o acirramento confessional e matérias ofensivas aos bons costumes , tanto em textos como em gravuras. Isto nos permite a nós alemães, olhar com orgulho para a literatura alemã de almanaque, nas comemorações dos cem anos de atividade no Rio Grande do Sul. (Hundert Jahre Deutschtum, 1999, p. 281-282).

A estrutura mestra do almanaque era comum a todas as publicações desse gênero. Com  periodicidade anual destinava-se essencialmente para a informação e formação do seu público leitor. No que diz respeito à informação o almanaque costumava começar com um calendário, indicando os acontecimentos fixos que ocorrem durante o ano,  as fases da lua, os feriados religiosos e civis e, dependendo da orientação, os santos do dia, as datas litúrgicas... Costumava também haver um calendário para orientar os agricultores na plantação em época adequada, informações sobre doenças, como preveni-las e como curá-las, sobre os cuidados com animais domésticos, o manejo do mato e dos solos, etc. Uma retrospectiva sobre os acontecimentos de repercussão regional, nacional e internacional, com o titulo “Retrospectiva do Ano (Jahresrundschau)”. Em nenhum almanaque que se prezava, podiam faltar informações sobre o câmbio, medidas e pesos. A parte final costumava ser reservada para anúncios dos mais variados tipos. Em alguns almanaques ocupavam as 40 ou mais páginas finais. Preenchiam obviamente a finalidade de custear uma boa parcela dos custos da edição e, ao mesmo tempo, colocar o público leitor ao par das novidades oferecidas na praça, desde máquinas, tecidos, sementes, terras em áreas de colonização, até xaropes, pomadas, cosméticos, etc. A seção de anúncios, muitos deles ilustrados com desenhos e gravuras, constituem-se numa fonte riquíssima e pouco explorada, para estudar  as técnicas e os instrumentos de propaganda de uma época em que a única forma de chegar ao público consumidor se dava via imprensa. O rádio começava timidamente a se popularizar, a televisão  era apenas um sonho e ninguém sequer podia imaginar os meios eletrônicos atuais à disposição da propaganda.

A parte formativa dos almanaques era constituída por contos, ensaios, narrativas de viagens, biografias e sobretudo poesias. Para preencher os espaços entre as matérias de tamanho maior ou completar páginas, colocavam-se peças de humor ou provérbios. O humor representou um  recurso pedagógico de inegável eficácia para os leitores dos almanaques. Fustigava os vícios, os desvios de comportamento e as atitudes não aceitas  pela sociedade de então. Não há necessidade de insistir que os provérbios pela sua própria natureza eram um gênero pedagógico de comprovada eficácia. Dependendo da orientação filosófica seguida pelos editores dos almanaques, os conteúdos dos contos, dos ensaios, os personagens das biografias, o viés predominante dos relatos de viagem e, de modo especial, o motivo inspirador das poesias, indicam uma escolha cuidadosa, preocupada com a formação religiosa, moral e disciplinar do público leitor.

Passemos agora para um análise rápida dos almanaques que tiveram uma influência decisiva na formação da opinião dos teuto-brasileiros até meados do século vinte. Optamos pela ordem cronológica em que começaram a circular.

O mais antigo de todos os almanaques editados no Rio Grande do Sul foi o “Koseritz Deutscher Volkskalender”. A primeira edição data de 1874, coincidindo, portanto, com o cinquentenário da imigração  alemã no Estado. Os motivos que levaram Karl von Koseritz a oferecer ao público teuto o seu almanaque, estão expostos na apresentação que escreveu para o ano I;

A convicção de que os almanaques que vêm da Europa, redigidos visando as circunstâncias de lá, não preenchem inteiramente as finalidades do público alemão daqui, estimulou-me a editar um almanaque composto aqui para os alemães desta Província. O almanaque constitui-se no primeiro e mais influente de todos os livros de família. Neste caso é preciso que corresponda às respectivas características e seja capaz de influenciar profundamente a vida das pessoas para as quais se destina. Deduz-se daí a necessidade de um almanaque composto no local mesmo onde é lido e com o conhecimento das circunstâncias concretas. As vantagens de uma publicação dessas devem ser procuradas na influência que todos os livros autenticamente populares exercem, principalmente os almanaques. Foram essas as razões que me levaram, apesar da exiguidade de tempo, a assumir a tarefa de editor do almanaque (Kalendermann) e espero por muito tempo. Peço que não interpretem o fato como vaidade ou como supervalorização da minha pessoa. Minha intenção foi sinalizar claramente, desde o início, a linha que o almanaque irá seguir. No momento em que o livro recebeu o nome de  “Almanaque Koseritz” ficou claro para qualquer um, qual a orientação irá seguir. (Koseritz deutscher Volkskanlender,  135, p. 29).

Nessa manifestação de von Koseritz há duas coisas importantes a observar. A primeira é a insistência em deixar  claro que o almanaque fosse produzido aqui, por gente conhecedora da circunstâncias características da terra e as matérias publicadas e inspiradas também em fatos, na história e na realidade do Rio Grande do Sul e do Brasil. Fica claro assim que se pretendia fazer literatura brasileira ou riograndense em língua alemã para um  segmento da população, os teuto-brasileiros, cidadãos brasileiros de fala alemã. O segundo aspecto importante a observar refere-se ao fato de a linha editorial do almanaque expressar a orientação filosófica do público a que se destinava. No caso do “Koseritz Deutscher Volkskalender” os leitores eram os teutos livre pensadores em oposição aos protestantes e católicos. Sob este aspecto o almanaque de von Koseritz e o “Deutsche Zeitung” e mais tarde o “Neue Deutsche Zeitung”, complementavam-se como instrumentos  de informação e formação do segmento liberal teuto-brasileiro. 

Em 1881 começou a circular o segundo mais antigo dos almanaques em língua alemã no Rio Grande do Sul, o “Kalender für die Deutschen in Basilien”, sob a responsabilidade de Wilhelm Rotermund. Destinava-se a fazer parceria  com o jornal “Die Post”, como veículo de formação e informação do segmento protestante teuto no Rio Grande do Sul. Apresenta as mesmas características  de conteúdo e de forma do seu congênere liberal.  Suas matérias de fundo inspiraram-se em temas regionais ou nacionais, na história do Estado ou do Brasil. Por ocasião do quinquagésimo aniversário lê-se no seu editorial, entre outras coisas, o seguinte: 

Os 50 anos do “Rotermund Kalender” formam na sua totalidade um “Brockhaus Teuto-Brasileiro”. De um começo modesto cresceu organicamente, um abeto alemão em solo brasileiro, lançando raízes  cada vez mais profundas na terra amada. Seus ramos encontraram uma querência onde quer que a maneira alemã de ser e os hábitos alemães, a língua e a canção alemã se fazem presentes.

Nas asas do “Rotermund Kalender” o farfalhar alemão perpassou a floresta, o espírito alemão alcançou todos os vales e todas as montanhas da grande e magnífica querência brasileira. 

Em pareceria com seus camaradas almanaques dotados do mesmo ideal, foi um vanguardeiro na defesa da cultura e da maneira de ser alemã, empenhando-se incansavelmente pela sua compreensão e pela  promoção do Brasil, o grande pais do futuro.

Os 50 volumes constituem-se numa mina para o conhecimento étnico, da germanidade e da brasilidade, da agricultura e da história natural, da história e da literatura. (Kalender für die Deutschen in Brasilien, 1931, p. 2)

Embora o jornal católico “Deutsches Volksblatt” tivesse começado a sua trajetória já em 1971, o almanaque que lhe faria parceria, o “Familienfreund Kalender”, teve a sua primeira edição apenas em 1912. As características jornalísticas são as mesmas dos dois congêneres anteriores. Em parceria com o “Deutsches Volksblatt” cumpriu a missão  de bem informar e formar os leitores teuto-católicos. Como as demais publicações em língua alemã, sua circulação foi interrompida com a Campanha de Nacionalização e a Segunda Guerra Mundial. Depois da guerra sua publicação foi  retomada sem a companhia do “Deutsches Volksblat”. As profundas mudanças operadas pela guerra e a Campanha de Nacionalização, entretanto, fizeram com que depois de alguns anos o “Familienfreund Kalender” desse definitivamente por encerada a sua missão.

O editorial do primeiro numero em 1912 colocou nestes termos os objetivos do almanaque:

Para aqueles que, com a minha apresentação, formularam a pergunta: porque entre tantos almanaques alemães no Brasil, mais este? Eu respondo: nós católicos alemães, numerosos no campo e na cidade, espalhados por muitos lugares no chão da pátria brasileira, queremos ter e ler o nosso próprio almanaque. Assim nos conheceremos mutuamente, tomaremos consciência de quantos são os que pensam como nós e encontraremos um lugar para nos manifestarmos abertamente sobre esses temas. 
Em 1901 a “Associação de Professores Evangélicos”, fez circular o “Allgemeine Lehrerzeitug”, como seu órgão oficial, também com periodicidade mensal. As publicações das duas Associações de Professores, constituem numa fonte que nenhum estudioso das escolas comunitárias alemãs no Rio Grande do Sul pode ignorar. De 1906, data o primeiro numero dos “Evangelische Lutherische Kirchenblätter”, sob a responsabilidade doa “Evangelische Lutherische Pastralkonferenz”. Em 1912 veio à luz o “Skt. Paulusblatt”, periódico mensal publicado pela Sociedade União Popular. Este periódico veio fazer parceria com o jornal “Deutsches Volksblatt” e o que interessa a cada um, podendo dispensar os meios de comunicação com outra orientação.

O “Familienfreund”, este é o nome do almanaque, é destinado a exercer o papel de  elo de união entre os católicos de descendência alemã no Brasil, ao promover a compreensão e a união mutua. Esta é a sua missão. (Familienfreundkalender, 1912, p. 17)

Entre os almanaques publicados no Rio Grande do Sul merece ainda destaque o “Ignatius Kalender”, publicado pelos jesuítas do Sul do Brasil. O primeiro número data de 1933. Ocupou um lugar peculiar entre os demais almanaques. A principal preocupação de sua linha editorial resumia-se na difusão entre seus leitores da visão do catolicismo defendida pelos jesuítas e, ao mesmo tempo, exerceu o papel de um poderoso instrumento  de propaganda para despertar vocações religiosas. Assim como os demais almanaques sua circulação foi suspensa entre 1941 e 1947. Reapareceu em 1947 com as mesmas características  de um veículo de formação e informação, fortemente orientado para o lado confessional. Passou por diversas transformações principalmente devidas às mudanças impostas pelo Concílio Vaticano II. Continua aparecendo ainda hoje com o nome “Familien Kalender, na condição de uma das raras publicações  em língua alemã no Rio Grande do Sul.

No Estado circularam mais três almanaques de boa influência.  Foram eles o “Riogandenser Marienkalender”, publicado desde 1916 por J. R. Da Fonseca & Cia, o “Kalender der Riograndenser Synode”, editado pelos irmãos Siegmann desde 1922 e o “Kalender der Serra Post”, editado também desde 1922 pela Livraria Serrana. Complementara e reforçaram, até certo ponto, respectivamente a posição católica, a protestante e um posição mais independente no caso do “Serra Post Kalender”. A esses somou-se mais uma meia dúzia de outros almanaques  de menor significado. Enumera-los levaria muito longe.

Periódicos
Paralelamente aos jornais circulou entre os anos de 1887 e 1940  mais do que uma dúzia de periódicos de associações. A começar pelo decano dessas publicações, foram as seguintes: “Evangelisches Sontagsblatt editado em Novo Hamburgo pelo Sínodo Riograndense. A segunda publicação mais antiga desse gênero temos o “Brasilianische Bienenflege”, publicado pelo “Inkerverein” de Porto Alegre, desde 1896. A partir da década de 1920 ele passou a circular como suplemento do “Neue Deutsche Zeitung”. A Associação Riograndense de Agricultores, fundada em 1899, como um projeto de desenvolvimento e de promoção humana de natureza inter-étnica e interconfessional, publicou a partir de 1900 o “Bauernfeund”, como órgão de difusão de suas atividades de formação dos seus associados e a população do Rio grande do Sul. Deixou de circular em 1914 com a dissolução da Associação. Em 1898 foi fundada a Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul que publicou mensalmente seu órgão de comunicação interna “Mitteilungen” (Comunicações). Em 1907 o nome foi modificado para “Lehrerzeitung” (Jornal do Professor). Circulou com esse nome até 1939. Fazendo parceria com o “Familienfreundkalender”, começou a crcular, também em 1912, o periódico mensal “Skt, Paulusblatt”. Como as demais de publicações  em língua alemã, também o “Skt. Paulusblatt” teve a sua circulação interditada durante a Segunda Guerra Mundial e  Campanha de Nacionalização. Terminada a Guerra e encerrada a Campanha de Nacionalização, sua circulação foi retomada. Constituiu-se num dos meios mais importantes de formação e informação dos teuto-católicos do Sul do Brasil. Continua até hoje sendo publicado como um dos raros periódicos em língua alemã no Brasil. 

Em 1915 a Federação dos Ginastas de Porto Alegre (o Turnerbund), hoje a SOGIPA, começou a oferecer os “Deutsche Turnblätter”. São uma fonte indispensável para quem pretende fazer um estudo sobe a ginástica no Rio Grande do Sul. De uma iniciativa do Pastor Herman Dohms, saíram a luz em 1915 em Cachoeira os “Deutsche Evangelische Blätter”. Também este periódico continua sendo editado ainda hoje. Em 1920 Friedrich Kniestedt começou a editar em porto Alegre o “Der Freie Arbeiter”, de orientação claramente anarquista.

Bicentenário da Imigração - 76

A Imprensa Teuto-Brasileira

A presença dos imigrantes alemães marcou e marca ainda hoje regiões inteiras do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. No Rio Grande do Sul contribuem com aproximadamente um terço da população total do Estado. O mesmo se pode afirmar de  Santa Catarina, No Paraná constata-se uma forte presença dos descendentes de alemães da região metropolitana de Curitiba, nos arredores de Rio Negro, nas áreas litorâneas e encostas do leste nas regiões mais novas no oeste do Estado.

Na quase totalidade das regiões onde predomina o elemento teuto-brasileiro, constata-se uma prosperidade econômica e um nível de bem estar social, bem acima da media brasileira. Isto não significa que não houve problemas. Esses, porém, não fora de molde a criar situações insolúveis, como é comum em inúmeras áreas tanto rurais como urbanas no restante do Pais. Se formos procurar as causas dessa realidade, que não raro destoa positivamente  da imagem do restante do Brasil, iremos encontrar vários elementos que apontam para uma mesma direção. Os alemães e seus descendentes sempre sobressaíram aos demais componentes étnicos da comunidade nacional, pelo seu nível de instrução bem acima da media, no meio em que se estabeleceram. Essa realidade tem a sua explicação, como já foi  lembrado inúmeras vezes nas página que antecederam, em duas instituições que sempre foram caras aos imigrantes e seus descendentes, mesmo nas comunidades mais isoladas, em frentes pioneiras de colonização, na mata virgem. Refiro-me à Escola, à Educação e à Imprensa. Esperava-se de qualquer descendente de alemães que soubesse ler, escrever, fazer contas, ter noções sólidas de religião, conhecimento da história sagrada, de elementos de geografia, história, estar informado sobre os acontecimentos locais, regionais e quanto possível nacionais e internacionais.

No decorrer das décadas de 1850 e 1860 definiram-se entre os teuto-brasileiros três  grandes vertentes do pensamento: a católica romana com a chegado dos padres jesuítas alemães em 1849, a protestante com a vinda  da Alemanha de pastores ordenados e os primeiros passos na organização do Sínodo Riograndense e a corrente liberal com a fixação definitiva de muitos Brummer depois de desmobilizados, tendo Karl von Koseritz como porta-voz mais conhecido.  Estava posto o cenário em que surgiriam e se desenvolveriam as mais diversas  forma de imprensa em língua alemã no Rio Grande do Sul. Trata-se de uma imprensa engajada e comprometida com os interesses de uma ou outra das três correntes filosófico doutrinarias citadas. Como era de se esperar houve também uma rica e variada produção de livros, relatos de viagem, diários, etc. não diretamente engajados ou até completamente neutras.

O presente capítulo pretende apresentar um quadro geral da imprensa produzida pelos imigrantes alemães e seus descendentes no Rio Grande do Sul, entre 1850 e 1940. Esse período corresponde aos noventa anos em que a corrente imigratória deitou raízes em solo riograndense, consolidou sua presença e finalmente deu mostras de um crescimento vigoroso e uma significativa prosperidade. No final da década de 1930 e no começo da de 1940, a imprensa em língua alemã foi proscrita pela Campanha de Nacionalização. Apos 1945 apenas alguns jornais, almanaques e periódicos voltaram a circular. A grande maioria, entretanto, foi de duração efêmera. Hoje circula ainda uma ou   outra publicação  em língua alemã no Rio Grande do Sul. 

Uma boa parte dessa imprensa encontra-se preservada em diversos acervos. A análise dos seus conteúdos demonstra claramente que ela alimentava preocupações bem definidas, comprometida como estava com as correntes do pensamento mais significativas, os católicos romanos, os luteranos alemães, os liberais e correntes menores, como anarquismo de Friedrich Kniestedt. Partindo dessa constatação vamos encontrar como modalidades básicas de imprensa, jornais, almanaques, publicações periódicas regulares, relatos de viagem, contos, ensaios, romances, poesias, literatura didática, literatura religiosa etc. Passamos em seguida a dedicar maior atenção para as modalidades de imprensa que, na opinião dos entendidos, foram as principais responsáveis pelo nível cultural médio relativamente alto entre os descendentes dos imigrantes alemães.

A Imprensa jornalística.
Numa rápida retrospectiva sobre a imprensa jornalística no Rio Grande do Sul, encontramos a primeira experiência com um jornal em língua alemã com o “Deutsche Kolonist”. Não era um jornal autônomo mas uma seção do jornal brasileiro “O Mercantil”. O idealizador foi Emil Mabilde com suas preocupações para com a comunidade alemã, de modo especial a urbana. Foi uma experiência bem intencionada, mas que em pouco tempo mostrou-se pouco adequada à realidade. Sua fundação data de 1852. Deixou de circular já em 1853.

 Kieckbach, redator do “Deutscher Einwanderer” trouxe o jornal do Rio de Janeiro para Porto Alegre, movido pela convicção de que o jornal teria mais êxito no Rio Grande do Sul, principal fronteira de colonização alemã na época. Nas mãos de sucessivos editores, o jornal levou uma existência difícil e precária até ter sua edição encerrada em 1863.

As instalações tipográficas do “Deutscher Einwanderer” foram vendidas. O episódio serviu de ponto de partida para um novo empreendimento jornalístico alemão, “Deutsche Zeitung”. Esse jornal tornar-se-ia em pouco tempo o porta-voz mais vibrante da intelectualidade liberal teuto-brasileira. O suporte financeiro, as matérias publicadas e a administração do jornal foram confiadas a elementos identificados com essa corrente filosófica. Entre eles destacaram-se não poucos Brummer e de modo especial Karl von Koseritz,  o personagem mais combativo e mais brilhante do pensamento liberal. 

O “Deutsche Zeitung” contou entre seus redatores homens dotados de grande competência para a tarefa. A todos sobressai Karl von Koseritz. No livro do centenário da imigração “Hundert Jahre Deutschtum” ressalta-se a  sua atuação como jornalista político, que empenhou sua pena com igual maestria nas duas línguas, a alemã e a portuguesa. 

Além de von Koseritz destacaram-se  na redação do jornal Hans von Frankenberg, Wilhelm Schweitzer e Arno Philipp. O último permaneceu na redação de 1893-1917, ano em que o jornal encerrou suas atividades. O jornal enfrentou uma série de altos e baixos que tiveram como ponto culminante a mal sucedida exposição alemã de 1881, somada a divergências políticas. A crise provocou a saída de Karl von Koseritz que por sua vez criou o novo jornal, “Koseritz Deutsche Zeitung”, passando a fazer concorrência com o “Deutsche Zeitung”, ridicularizando fatos  pouco recomendáveis, provocando protestos gerais contra o jornal. Como consequência dois dos redatores mais habilitados, o barão von Varnbüler e Hans von Frankenberg, deixaram a redação. 

O “Koseritz Deutsche Zeitung”, circulou com esse titulo até 1906, quando adotou o nome definitivo de “Neue Deutsche Zeitung”. 

Como já se informou  mais acima o “Deutsche Zeitung”, o “Koseritz Deutsche Zeitung” e o “Neue Deutsche Zeitung”, foram os porta-vozes do pensamento liberal tuto-riograndense durante quase 80 anos. Nessa condição entraram em conflito aberto com o segmento teuto-riograndense católico, de modo especial com as lideranças religiosas representadas, em primeiro lugar, pelos jesuítas. Principalmente nas três primeiras décadas da sua circulação as matérias publicadas, demonstraram uma virulência anti-cristã e anti-clerical muito forte, por vezes muito rude e destemperada. Em parte pelo menos entende-se o fato, porque na Alemanha correspondeu ao auge do “Kulturkampf”. Um bom número dos  jesuítas mais influentes  e mais bem preparados da época, transferiram-se  para o sul do Brasil, expulsos por Bismarck. Aqui fundaram colégios, lideraram a pastoral nas colônias, ditavam as normas para a escola e a educação elementar nas escolas comunitárias, envolveram-se em projetos  de desenvolvimento regional e de promoção humana. Tudo isso perfeitamente afinado com as diretrizes e orientações do Projeto da Restauração Católica, comandadas por Roma. O autor do “Hundert Jahre Deutschtum” assim se expressou sobre o assunto: “ ( ... ) explica-se o fato de nos encontrarmos na época do Kulturkampf, cujas ondas repercutiam da Alemanha fazendo-se perceber até na tranquilidade  da mata virgem”. Hundert Jahre Deutschttum, 1999, p. 207) As tensões existentes entre a cosmovisão dos liberais expressa e defendida no seu jornal e a cosmovisão católica que estava sendo formulada  no Concílio Vaticano I, fórum máximo da Igreja Católica, alcançaram o seu clímax nas décadas finais do século XIX. É compreensível que um jornal como o “Deutsche Zeitung”, a serviço da divulgação das conquistas  das ciências, do evolucionismo pregado por Darwin e das ideias materialistas de Haeckel, entrasse em choque frontal com os jesuítas, defensores irrestritos das propostas  doutrinárias e disciplinares discutidas  e impostas pelo Concílio Vaticano I. 

Em São Leopoldo circulou entre os anos de 1867 e 1877 o jornal “Der Bote von São Leopoldo”. Esse jornal, por assim dizer, fez parceria com o “Deutsche Zeitung”, de modo especial com seus ataques aos jesuítas e sua atuação. Seu redator nos primeiros anos foi Curtius. A partir de 1875 até o fim da sua circulação teve Wilhelm Rotermund como redator. 

No contexto dessa polêmica nasceu em 1871 o jornal “Deutsches Volksblatt” como porta-voz oficial do segmento católico, liderado pelos jesuítas e como resposta às investidas do “Deutsche Zeitung” e do “Bote von São Leopoldo”. 

O “Deutsches Volksblatt” teve um começo modesto, quase insignificante nos padrões de hoje, numa casinha nos fundos do jardim do Colégio dos jesuítas em São Leopoldo. Seu primeiro redator foi Jakob Dillenburg. Acumulava ao mesmo tempo as funções de  redator, tipógrafo, impressor e expeditor. Dispunha apenas de uma prensa manual, algumas  caixas de tipos e de um pequeno estoque de papel. Dessa forma o “Deutsches Volksblatt” foi  um exemplo típico de como começou a maioria dos jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul. Apesar de suas dimensões modestas correspondeu bem às necessidades de informação e formação do público leitor da época. A Jakob Dillenburg seguiu na redação, entre os anos de 1875 e 1890, o Pe. Jesuíta Mathias Müch.

Depois da proclamação da República o “Deutsches Volksblatt” assumiu o papel de porta-voz do Partido Católico do Centro, transferido para Porto Alegre, assumido pela Typographia do Centro uma sociedade anônima. Teve como primeiro redator Clemens Wallau, seguido por Hugo Metzler, Josef König, Franz Metzler. Como todos os jornais e demais publicações em língua alemã, encerrou suas atividades, quando da deflagração da Campanha de Nacionalização e o começo da Segunda Guerra Mundial. Com quase setenta anos de circulação o “Deutsches Volksblatt” era, na data de sua última edição, o decano de todos os jornais em língua alemã no Rio Grande do Sul.

O “Deutshes Volksblatt” manteve-se, durante  toda a sua história, fiel às intenções dos seus fundadores e primeiros redatores: servir de porta-voz e de veículo de formação e informação ao segmento católico do Rio Grande do Sul. Na sua primeira fase, 1871-1890, serviu para marcar o espaço ocupado pelos católicos teutos. No começo da década de 1890 assumiu a posição de um jornal a serviço do Partido Católico do Centro, uma experiência que mostrou ser inviável e foi abandonada. Nos restantes quase 50 anos de sua existência o “Deutsches Volksblatt”, apesar de muitos contratempos e dificuldades, cumpriu a sua missão de bem formar e bem informar os seus leitores. Esteve sempre a serviço das organizações teuto-católicas do Rio Grande do Sul, de modo especial dos Congressos dos Católicos realizados regularmente desde 1898, da Associação Riograndense de Agricultores e, mais tarde, da  Sociedade União Popular. Esses dois últimos foram projetos ambiciosos de desenvolvimento econômico, cultural, religioso, educacional e cultural e de promoção humana em termos gerais. Especialmente apreciado no jornal era o suplemento dominical conhecido como “Sontagsstimmen”. Esse fato não impediu que circulasse e fosse lido fora das fronteiras de sua clientela imediata. Circulava em todo o Pais, na Argentina, no Chile e na Alemanha. Devido à sua posição de combate ostensivo ao nacional socialismo, sua circulação foi proibida na Alemanha nazista.

O terceiro jornal de grande importância  para a imprensa jornalística teuta, o “Deutsche Post” surgiu também em São Leopoldo. Sobre ele o “Hundert Jahre Deutschtum” observa: 

Também em São Leopoldo, mas seis anos mais tarde, apareceu o “Deutsche Post”. Apresentou-se, desde o início, como porta-voz dos protestantes, dirigido pelo já citado Dr.  Wilhelm Rotermund que ao mesmo tempo ocupava o cargo de pároco dos protestantes  de São Leopoldo e principal sustentáculo do Sínodo Riograndense. Que os dois jornais leopoldenses se combatessem por algum tempo mais do que o necessário, deve-se em parte aos representantes de ambas as confissões e em parte ao “Kulturkampf”, como já foi assinalado mais acima. Desde porém, que o “Kulturkampf” foi sendo abandonado, com aplauso geral, na velha pátria alemã, os seus estridentes ecos aqui  baixaram pouco a pouco de tom. (Hundert Jahre Deutschtum, 1999, p. )

O “Deutsche Post” exibe as mesmas características dos seus dois congêneres, o “Deutsche Zeitung” e o “Deutsches Volksblatt”. Veio, antes de mais nada para, na condição de porta-voz, marcar o espaço e a presença dos protestantes no Rio Grande do Sul. Por causa do Kulturkampf polemizou no começo acidamente com o “Deutsches Volksblatt”. A partir de meados da década de 1880 assumiu a tarefa de principal sustentáculo do protestantismo no Rio Grande do Sul. Com a fundação do Sínodo Riograndense por Wilhem Rotermund, o “Deutsche  Post” iria desempenhar no contexto protestante a mesma função que o “Deutsches Volksblatt” desempenhou entre os católicos. Os dois jornais abandoaram a belicosidade do começo da sua circulação, para servirem às respectivas  confissões religiosas, seus projetos eclesiásticos, missionários, de promoção econômica, educacional, cultural e religiosa. 

Há, porém, um outro aspecto nessa questão da guerra entre os jornais. Pela sua posição liberal e pela propaganda enfática que fazia das teorias evolucionistas,  o “Deutsche Zeitung” atacava tanto os católicos como os protestantes, tornando-se adversário, para não  dizer inimigo comum das duas confissões  religiosas. Nessas situações os dois jornais confessionais davam-se as mãos no ataque ao “Deutsche Zeitung”, que se transformara em inimigo comum. 

Depois que deixou o “Deusche Zeitung” Karl von Koseritz fundou em 1882 o jornal “Koseritz Deutsche Zeitung”. A partir de 1906 o jornal passou a chamar-se  “Neue Deutsche Zeitung”, titulo que manteve até o seu fechamento em 1917. Em linhas gerais manteve até o fim a linha editorial impressa por seu fundador, isto é, a defesa e a divulgação do pensamento liberal sem, entretanto, a belicosidade das primeiras décadas. 

Bicentenário da Imigração - 75

Na prática, a proteção à natureza abrange quatro setores. Conforme o Pe. Rambo essas propostas resumem-se.

Primeiro. Na proteção aos monumentos naturais, criações individuais da natureza, de importância cientifica, histórica e fisionômica, como sejam árvores destacadas pelo seu volume ou sua forma, formações geológicas locais interessantes ou instrutivas, rochedos, montanhas de caráter peculiar. 

No Rio Grande do Sul, quanto às árvores cabe proteção principalmente às figueiras perto dos núcleos habitados, muitos delas de grande beleza natural ouras  ligadas a recordações históricas. E, em geral todas as árvores, coqueiros, paineiras, cedros, pinheiros, colocados o meio da paisagem como elementos essenciais de beleza natural, tem direito à conservação. Mais do que árvores, os monumentos rochosos como os tabuleiros da Campanha, as margens do Ibicuí na estação do Tigre, o Botucaraí, o morro do Sapucaia, o morro das Cabras, o complexo do Itacolumi com a torre em ruínas, o promontório de Torres, para os que ocorrem no primeiro momento, são de tal maneira riograndenses, que a destruição dos seus aspectos, seja pelo desmatamento, seja por pedreiras, roubaria elementos insubstituíveis da nossa riqueza estética. 

Segundo. Na proteção a Espécies Botânicas e Zoológicas em perigo. 
No tocante às plantas, a maior parte das espécies riograndenses cresce em grande número de indivíduos, além disso, a catalogação ainda não progrediu suficientemente, para poder designar as espécies estritamente locais ou muito raras. Apesar disso, é certo que bom número de espécies é local, basta o caso de se encontrarem nada menos do que as poucas espécies de ericácias riograndenses no topo do Sapucaia. Outros exemplos são os vegetais típicos do sul do Estado, por exemplo a quina do campo no morro da Policia, muitos vegetais dos tabuleiros da Campanha. Plantas raras são, por exemplo, a cancrosa de folhas rômbicas, muitas espécies limitadas à borda  dos Aparados: Griselinia, Gunera, Clethra, Weinmannia, Orquídeas terrestres, Ericácias. Merece especial menção o Parque Espinilho da Barra do Quarai, composto de Nhanduvaí e Algarrobo. 

Afora esta proteção a espécies  estreitamente localizadas ou raras, surge o problema geral da conservação das matas virgens. Até hoje o desmatamento esteve entregue ao acaso, sujeito ao bel-prazer dos donos do lote colonial ou da fazenda. As consequências aí estão, acentuando-se de  dia para dia mais, na devastação  da borda da Serra e do vale do Uruguai. É um erro funesto entregar todas as matas a proprietários individuais e abandoná-las  em seguida, ao machado. No interesse geral, o Estado deve reclamar para si porções  importantes da reserva florestal, e além disso, vigiar sabiamente as derrubadas necessárias para a lavoura. 

Em terceiro lugar. Levanta-se o problema do reflorestamento natural. Existem iniciativas promissoras, nas plantações de eucalipto, de acácia, de pinheiro. Quanto ao eucalipto, por mais útil e necessário que seja seu cultivo nas regiões pobres de mato, o certo é, que essa árvore australiana nunca há de enquadrar-se, do ponto de vista fisionômico, na expressão natural da nossa terra. Quanto à acácia, embora também estrangeira, seus conjuntos, nos campos de São Leopoldo por exemplo, condizem muito melhor com a nossa vegetação nativa, apesar de destoarem pela limitação a uma espécie, caso inexistente no mato nativo. Porque não tentar reflorestar com espécies nativas? Porque não promover a renovação das matas destruídas a exemplo da mata mista secundária? Por que não recorrer a madeiras de lei nacionais, os cedros, os louros, as cabriúvas? Crescem devagar, sim, mas o nosso esforço frutificará tanto mais para as gerações do porvir. 

No tocante aos animais, o Estado do Rio Grande do Sul já é desolador. Nas matas da borda da Serra colonizada, nada resta da maior parte dos mamíferos e aves de caça. Nas matas do Uruguai, não passarão dez anos, e a miséria será a mesma. A anta, a capivara, o veado galheiro, os porcos do mato, o tamanduá bandeira, já são raridades. É que as melhores leis de caçam não resolvem se não se cuidar  da sua execução. 

Praticamente no Rio Grande do Sul, a destruição da fauna de mamíferos, aves e peixes continua em escala ascendente, podendo-se prever o dia em que o tamanduá bandeira, a capivara, o bugio, a ariranha, os porcos do mato, a paca e bom número de aves galináceas lamelirostres, terão desaparecido. 

Harmonização das Obras Humanas com a Paisagem Natural. Numa terra recente, como  é o Rio Grande do Sul, não se pode esperar que, fora de razões impostas pela natureza do terreno, as necessidades práticas, os gostos individuais, motivos ideais tenham influído  na estrutura da paisagem humana. A geometrização dos traçados das ruas certamente contribuiu para a beleza das cidades, não condiz com o estilo da paisagem. O estilo colonial, sempre mais substituído pelos edifícios de estilo moderno, condiz admiravelmente como ambiente da Campanha. O estilo das vivendas coloniais antigas, dos colonos germânicos, embora seja de caráter estrangeiro, adapta-se muito bem à fisionomia da paisagem colonial  da borda da Serra. Outro tanto já não se pode afirmar das casas inteiramente construídas de material, sem as linhas pitorescas das traves pintadas de vermelho ou pardo, como estava em moda no início do século XX. Uma casa destas, principalmente quando o telhado é de zinco, é destituída de todo de valor estético. O estilo bugalow, com sua variada distribuição massas, suas tintas discretas, seus telhados de telha cor de tijolo, como se encontram em crescente número na região colonial do Taquari, enriquece agradavelmente a paisagem.

O traçado das estradas, até os últimos anos, obra do acaso, não deixa de ser um elemento de beleza, pois, seguindo geralmente pelos vales dos rios, acentua as linhas naturais da paisagem. A Estrada Federal através da borda da Serra, por suas serpentinas, seus profundos cortes, suas vistas surpreendentes, seu ambiente grandioso no vale do Caí, harmoniza perfeitamente a acidentação do relevo e a vitória da engenharia. 

Ponto de grande utilização das quedas de água, combinando a utilidade prática com a conservação da natureza. Havendo grande número de quedas de água na borda da Serra, em parte já captadas, em parte susceptíveis de captação, deverá ser o empenho dos órgãos públicos proteger-lhes  a beleza natural. A melhor solução, a nosso ver, se conseguiu na usina da Toca, onde a construção da represa, o traçado do canal, o estilo da usina discretamente encostada aos rochedos, se emolduram naturalmente no ambiente do canhão fluvial coroado de pinheiros, mesmo a queda de água não foi essencialmente afetada pela corrente desviada para as turbinas.

A sua expressão mais forte, as tendências de proteção à natureza acham-se nos Parques Naturais e Nacionais. São territórios maiores, em que a natureza primitiva se conserva totalmente intacta, aumentando os atrativos com o acréscimo discreto dos elementos consoantes, quando for conveniente. Assim todos os grandes países tem os seus parques  nacionais. 

Quer-nos parecer que, fora das medidas de proteção a se dispensarem a certas  foram individuais, aos animais selvagens em geral e a espécies botânicas raras, o Rio Grande do Sul, bem mereceria um parque nacional. Na sua possível localização decidem dois fatores: o perigo da destruição incessante pela lavoura e a riqueza das formas naturais. 

Quanto ao primeiro, o litoral e a riqueza, a Serra do Sudeste e a Campanha, enquanto nelas predomina a pecuária, não estão em perigo imediato de perderem as suas feições nativas. No litoral, visto a sua pequena fertilidade, sua falta de portos, provavelmente nunca sobreviverá tal perigo. É uma paisagem  fadada a conservar naturalmente a sua beleza primigênia. Também a Campanha, apesar de já estar ocupada por mais de 200 anos pelo homem, ainda hoje conserva o seu caráter nativo. Na Serra do Sudeste, caso a agricultura, como parece acentuar-se  nos últimos tempos, e a futura mineração, tomarem incremento, será preciso proteger certos trechos, como são o curso médio do Camaquã, ao sul de Caçapava. Na Depressão Central, não há possibilidade de parque nacional, dado o desenvolvimento demográfico sempre crescente. No planalto, as regiões puramente campestres se protegem a si mesmas. Outro tanto não se dá com o mato. Não se pode acentuar o bastante: o mato  rio-grandense está em grave perigo! E não são apenas as derrubadas da agricultura, é também a indústria madeireira que, mais tempo menos tempo, despojará as selvas uruguaias dos seus gigantes mais expressivos, e acabará por transformar os soberbos pinhais em tristes fachinais. 

Ora, é justamente no planalto que a riqueza de formas insinua a criação de reservas naturais. A nosso ver, seria indispensável conservar duas regiões: Um trecho da selva virgem do Alto Uruguai e os Aparados. 

No alto Uruguai conviria tomar em vista a parte, onde se acumulam todas as belezas peculiares da região, o Salto de Mucunâ e suas adjacências. Tanto do lado brasileiro como do lado argentino, a riqueza florestal se acha intacta. De comum acordo com o pais vizinho, criar-se-ia um parque com reservas de mato suficiente para oferecer refúgio à fauna das selvas rio-grandenses. Se não for feito em breve, a colonização acabará com a beleza do Mucunã, assim como já despiu o Estreito de Marcelino Ramos dos atrativos da sua moldura.

Sobre os Aparados nada precisamos acrescentar. Sua beleza grandiosa se recomenda por si  mesma. Além disto, o caso é muito mais fácil do que nos matos do Uruguai. A agricultura não apetece  aquelas terras quebradas e pouco férteis, as porções de campo incluídas facilmente achariam substituto em outra parte. A situação fronteiriça com Santa Catarina chamaria ao plano a nobre competição de ambos os Estados da União, na realização de uma empresa verdadeiramente nacional. Sobre os trechos a serem incluídos não nos queremos  estender. Em todo o caso o vale do Maquiné superior, o Taimbezinho, a Serra Branca não poderiam faltar.

Ali nos mirantes do Rio Grande do Sul, com as forças milenares da erosão a trabalhar diante dos olhos, com os temerosos  abismos dos canhões aos pés, com  o pinhal, a mata branca e o campo, tão rio-grandense, em derredor, com o oceano no horizonte, as gerações do futuro nos hão de agradecer a reverência com que conservamos as mais grandiosas paisagens da nossa terra. (cf. Rambo, Balduino, 1942, p. 338-342).

Pe. João E. Rick, SJ




Cientista, Colonizador, Apóstolo Social, Professor


Estávamos no começo da década de 1940. Entrei no Seminário Menor de Salvador do Sul em fevereiro de 1942. No Colégio Santo Inácio, como essa instituição era mais conhecida, moravam  também os professores todos padres jesuítas, os irmãos leigos e jesuítas jovens cumprindo o estágio do magistério. Grande parte dos padres professores eram ainda alemães, suíços ou austríacos natos. Donos de uma excelente formação em instituições de prestígio da Ordem na Europa, dedicavam-se de corpo e alma à formação dos um pouco mais de 100 seminaristas internos. Entre eles destacavam-se personalidades marcantes, autênticos “originais”, que exibiam em seus currículos uma excelente folha e serviços prestados à Igreja, à Ordem e à Pátria. Encontravam-se entre eles capelães militares da primeira guerra mundial, oficiais da marinha e do exército, professores calejados nas salas de aula na Europa e no Brasil, cientistas de renome, pregadores de fama e orientadores espirituais disputados.

Em 1942  integrou-se nesse grupo um personagem novo. Passava dos 70 anos, um gigante de perto de dois metros, físico robusto e postura ereta apesar da idade, cabelos castanho escuros e um olhar que penetrava até os ossos dos seus interlocutores. Silencioso passava o dia carregando para o seu quarto os fungos que coletava na magnífica mata virgem que cobria mais da metade da propriedade do colégio. Seu nome: Pe. João Evangelista Rick. Para a maioria dos seminaristas seu nome sugeria pouco ou nada. Eu o conhecia vagamente  como um grande pregador  respeitado e venerado pelos colonos. Havia, contudo, um bom grupo de seminaristas para quem era familiar. Tratava-se daqueles procedentes da então fronteira de colonização de Porto Novo, hoje Itapiranga São João do Oeste e Tunápolis. Esse projeto colonizador de iniciativa da Sociedade União Popular teve a sua implantação e consolidação garantida graças à capacidade de liderança, a visão profética e à determinação inquebrantável do Pe. Rick, apesar dos obstáculos vindos do próprio meio colonial, dos críticos até de dentro da própria Ordem e das autoridades eclesiásticas e dos empecilhos interpostos pela burocracia oficial. Consta dele a profecia em que afirmou, para o espanto de muitos, que “que lá no norte, onde em meio às grandes florestas, se encontram as fronteiras do Brasil  com os grandes países da América do Sul ( Colômbia, Perú, Bolívia e Paraguai)  localiza-se o futuro da século XX e XXI”.

Por algum tempo o Pe. Rick ministrou ainda aulas de matemática para os seminaristas. Depois que a resistência física e a saúde e as perturbações psíquicas não permitiram mais, dedicou-se inteiramente à grande paixão que o acompanhou a vida toda e tinha sido um dos motivos da sua destinação para o Brasil em 1903: o estudo dos fungos. A mata virgem preservada nas propriedade do colégio serviu então de cenário das suas incursões diárias em busca de novas espécies de fungos. Carregava-os para o seu quarto, classificava-os e os descrevia. De mês em mês viajava a Porto Alegre, onde se demorava por alguns dias no colégio Anchieta, então na rua Duque de Caxias perto da catedral. Aproveitava a ocasião para visitar seu velho amigo Borges de Medeiros que morava a poucos metros do colégio. Auxiliado pelo discípulo e amigo Pe. Balduino Rambo, aproveitava o tempo ordenando e classificando suas descobertas, pondo em dia a correspondência e pondo no papel as memórias que ocupam a maior parte da publicação que estamos oferecendo ao público.

Johannes Rick, Theodor Amstad e Max von Lassberg foram os três jesuítas que passaram para a história da colonização do Rio Grande do Sul e oeste de Santa Catarina na primeira metade do século XX, como os protótipos dos “patres collonorum – pais dos colonos”. Além de dezenas de outros nomes menos conhecidos que merecem o mesmo qualificativo. Max von Lassberg tem o seu nome imortalizado como fundador de colônias em frentes pioneiras até na província de Misiones na Argentina. Em parceria com  seu amigo Karl Culmey, engenheiro agrimensor e protestante, acompanhou a implantação das colônias de Serro Azul, hoje Cerro Largo, Santo Cristo e arredores e levou dezenas de colonizadores alemães vindos do sul do Brasil para dar inicia à colonização de San Alberto e Puerto Rico no norte da Argentina. Liderou em 1902 o grupo de 11 pioneiros para dar início ao povoamento de Cerro Azul e, na sombra da floresta virgem, celebrou a primeira missa onde hoje floresce a cidade de Cerro Largo. Conduziu também o primeiro contingente de pioneiros para margem direita do rio Uruguai e, na sombra de um laranjal celebrou a missa de fundação de Porto Novo, em 31 de julho de 1926.

Em Theodor Amstad encontramos um perfil quase como que oposto ao de Johannes Rick. Filho de um comerciante atacadista de produtos agrícolas, conviveu, desde criança, com contas, números e estatísticas. Levou como herança para o resto da vida uma quase obsessão pelo pragmatismo, pela exatidão dos registros e tabelas estatísticas. Os dois grandes projetos de desenvolvimento e promoção, A Associação Rio-grandense  de Agricultores e a Sociedade União Popular, o “Volksverein”, que levam sua assinatura, não foram concebidos no ar, como se fossem de um visionário. Nasceram com os pés no chão, fundamentados em bases objetivas que lhes garantiram o êxito que de fato obtiveram. Por mais audaciosos que tenham sido esses projetos não foram temerários, muito menos irresponsáveis, porque Amstad jamais teria dado um passo sem que os pressupostos para o sucesso tivessem sido exaustivamente meditados, calculados e meticulosamente dimensionados.

A Max von Lassberg e Theodor Amstad veio somar-se a personalidade avassaladora de Johannes Rick. Pouco ou nada chegado a detalhes, a registros exatos, a demonstrações estatísticas, impulsionava-o uma quase fúria do desbravador, que não perde tempo na limpeza e organização do terreno conquistado. Confiava essa tarefa a outros que o seguiriam. Ele dizia de si próprio que, se tivesse nascido na Renascença, não se se teria feito jesuíta mas um “condottieri” italiano. Essa caracterização aplica-se a ele em todas atividades que exerceu durante os pouco mais de 40 anos em que batalhou pelo bem-estar material e espiritual daqueles que lhe foram confiados. Foram muitas essas atividades, exigindo a envergadura de um gênio e a ousadia de um conquistador, para dar o lance certo no momento exato sobre o “multifacetado tabuleiro de xadrez” como costumava  caracterizar a sua vida. E, nesse tabuleiro de xadrez foi preciso colocar em xeque-mate os desafios a serem enfrentados no decorrer das pesquisas com fungos, nas aulas de matemática no colégio, na cátedra de moral no seminário maior, nas obras assistenciais, nas negociações com o Presidente do Estado, no desencontro com as autoridades eclesiásticas e religiosas, na batalha contra os sofrimentos crônicos de natureza nervosa e psíquica e, de modo especial, na implantação e consolidação de sua obra maior, a colonização de Porto Novo.

Estamos assim frente a três personagens de perfil quase diametralmente opostos e, contudo, representativos dos jesuítas que a Província Alemã da Ordem costumava enviar para a Missão do sul do Brasil: o espírito de conquistador de Johannes Rick, filho do Tirol austríaco, Theodor Amstad o suíço meticuloso mas de espírito aberto e de horizontes vastos para o seu tempo e Max von Lassberg, o pastor de almas por excelência e representante emblemático do autêntico catolicismo bávaro. Apesar da originalidade, os três tinham em comum o fato terem sido representantes em cultura pura, da cepa imaginada por Santo Inácio de Loiola; de terem trabalhado até a exaustão nos grandes projetos de desenvolvimento e promoção humana, durante a primeira metade do século XX; de como “patres collonorum” terem deixado marcas indeléveis da sua passagem  pela história do sul do Brasil e norte da Argentina. Por terem  pregado a verdade, a justiça e o amor ao povo que lhes fora confiado, seus nomes brilharão como estrelas do firmamento por perpétuas eternidades, conforme a promessa das Sagradas Escrituras.

NB. O livro que ofereço aos interessados consta de duas partes. A primeira de uma biografia de Johannes Rick, da autoria do Pe. Balduino Rambo e publicada em alemão na revista Monfort e traduzida por mim. A segunda consta da  tradução pelo Pe. Arhur Rabuske, das memórias deixadas pelo Pe. Rick, também em alemão. A edição foi da responsabilidade dos dois tradutores e dada ao público em 2004 pela Editora Unisinos.


Bicentenário da Imigração - 74

Imigração alemã e meio ambiente

A partir do final do século XX a preocupação pela preservação e saúde das florestas e a preocupação ambiental, passou a transforma-se num  tema obrigatório nos forums em que se discutem questões atuais. Não poucas vezes tem-se a impressão que  as gerações passadas nada mais fizeram do que depredar a natureza, espoliar a terra dos seus recursos naturais e comprometer o equilíbrio ambiental. 

Mesmo que as circunstâncias de cem ou cinquenta anos atrás  não favorecessem  a preocupação com questões ecológicas, os documentos que falam da colonização alemã no Rio Grande do Sul registram essa consciência. A  partir da década de 1880 nota-se uma crescente preocupação no sentido de evitar o desmatamento exagerado e, ao mesmo tempo, incentivar o florestamento e reflorestamento. 

No começo foram iniciativas modestas e assumidas por pessoas isoladas. Já na primeira década do século XX, a preocupação pela saúde ambiental, iria ocupar um lugar de destaque e cada vez mais frequente nas assembleias das organizações coloniais. Foram formuladas propostas concretas  de como enfrentar problemas originados de um desmatamento levado além do limite razoável, como conduzir os reflorestamentos e como recuperar as terras exaustas com técnicas que não degradassem o meio ambiente.

Os movimentos ecológicos de todos os matizes estão na ordem do dia. Não resta dúvida que este tipo de fenômeno tem a sua razão de ser nas próprias circunstâncias concretas que caracterizam nossa época. Representam uma tentativa de resposta aos desafios que se colocam e, ao mesmo tempo, vêm acompanhado de propostas concretas para solucionar os problemas e apresentar estratégias de ação.

Os lideres de tais movimentos apresentam-se, não raro, como os donos de uma capacidade fora do comum, para apontar as mazelas  do tempo e credenciar-se como os portadores de soluções definitivas. Quem não se alinha com sua visão do mundo e das coisas, merece ser estigmatizado como comprometido ou, no mínimo, conivente com uma situação que deve ser posta no banco dos réus. Admitir que uma situação momentânea não é  fruto do acaso, mas a resultante final de um processo que se vem desenrolando desde um passado mais ou menos distante, parece não fazer parte das variáveis admitidas como parâmetros para analisar a situação. Por ignorância ou por presunção ignora-se que alguém já possa ter-se preocupado com a questão. Age-se como se não houvesse história. Somente agora existem pessoas capazes de compreende-la em todas as suas dimensões e tirar da manga o corretivo infalível. Não raro esses profetas do apocalipse, parecem, como versões  de novos Quixotes do terceiro milênio. 

Os imigrantes que se estabeleceram na região da floresta pluvial do sul do Brasil, são acusados de terem sido os grandes vilões que arrasaram a mata e exterminaram a fauna. Se este quadro tem muito de verdadeiro, não menos verdadeiro é também o fato de que existiu, desde as décadas finais do século XIX, uma preocupação expressa de lideres coloniais, pelo futuro ecológico-preservacionista desta região, expressa numa série de registros e depoimentos da época. 

Uma das referências mais antigas à questão ecológica é do Pe. Ambros Schupp. Foi publicada na Alemanha. na revista Alte und neue Welt. Descrevendo uma das suas cavalgadas  de férias, partindo de Bom Princípio em direção a São Salvador, hoje Tupandi, entre outras observações deixou consignada a seguinte:

Despedimo-nos, montamos a cavalo e partimos para São Salvador. São mais ou menos duas horas da tarde e o calor é quase insuportável.

Agora, graças a Deus subimos a encosta  do morro. Uma porção de mata fechada cobre o dorso do morro, um último e solitário resto de mata virgem, poderíamos dizer, uma ilha tranquila que restou par testemunhar um mundo  desaparecido. 

Na verdade, há menos de trinta anos, balançavam, até perder de vista, como as ondas do mar, as copas das árvores, sem interrupção, uma encostando na outra. Os olhos topam por toda a parte com terra plantada. Só aqui e acolá conservam-se  algumas áreas de mato. O colono, como parece evidente, quer extrair do seu chão, todo o proveito o mais depressa possível. Só calcula com o presente e suas vantagens. Não pensa no futuro  e no bem da coletividade. (Schupp, 1889, p. 313)

Neste texto aparecem duas questões relevantes. Em primeiro lugar o Pe. Schupp chama a atenção à situação florestal que predominava no vale do rio Caí nos anos oitenta do século XIX. O desmatamento havia avançado até um limite que inspirava cuidados. Caso nada se fizesse, as pessoas lúcidas como era o caso do Pe. Schupp, previam para um futuro não muito longínquo, o desaparecimento, além do tolerável, da cobertura florestal da região. Em segundo lugar o Pe. Schupp chamou a atenção para o maior obstáculo, para sustar o processo: a mentalidade imediatista, individualista e egoísta de muitos colonos. Essa maneira de pensar dos colonos encontrava a sua explicação nas próprias circunstâncias da época. Havia urgência em conquistar à floresta o chão arável e extrair dele o mais rápido possível, os alimentos e os produtos destinados ao comércio. Pensar no futuro e preocupar-se com a coletividade eram questões para serem discutidas mais adiante, quando a premência das necessidades mais urgentes tivesse sido superada. É evidente que com isso não se vai querer desculpar simplesmente a ação predatória de uma agricultura de queimadas e, muito menos, justificá-la.

O depoimento do Pe. Schupp reveste-se de grande significado, na medida em que demonstra que, já na remota década de 1880,  as lideranças, entre as quais ele foi uma das mais representativas, estavam atentas ao problema do desmatamento e, consequentemente, à questão ambiental como um todo. 

A começar pelos anos noventa do século XIX, outras pessoas de visão mais ampla, começaram a chamar a atenção com frequência e insistência cada vez maior para a problemática ambiental, que tinha no desmatamento o seu foco mais visível,. Cresceu o esforço para que os danos causados pelo desmatamento além do recomendável, fosse disciplinado por meio de uma maior racionalização.

Como reforço a essa tendência colaboraram, a nível de legislação, as providências  tomadas  pelo do Governo do Estado. Logo nos primeiros anos após a implantação da República, foi elaborado o esboço de legislação de proteção às florestas. Continha uma série de dispositivos capazes de bloquear a destruição indiscriminada  das matas. Infelizmente a lei nunca passou muito  do nível de um projeto. A titulo de curiosidade seguem algumas das propostas.

O artigo 194, sessão primeira, determinava: “o proprietário que se orientar de acordo com as determinações do governo no que se refere ao zoneamento e ao uso da terra, recebe uma área de terra devidamente medida, com uma superfície nunca superior a 25 hectares”, Na sessão segunda    prometia-se: “O proprietário que planta terras de campo, de prados e pastagens com vários tipos de árvores, recebe em compensação para cada hectare reflorestado, cinco hectares de mato e 10 hectares de terras de campo”. Na sessão terceira, prometia-se: “O proprietário que replantar no lugar de árvores abatidas ou em clareias no mato, recebe terras devolutas de até 50 hectares”.

Parece que essas determinações, à primeira vista tão úteis, não tiveram resultados concretos  significativos. Em todo o c0302
aso, ficou registrado o exemplo do Sr. Friedrich Wilhelm Rauber de Venâncio Aires. Em troca de plantações de erva mate em Erechim, recebeu 34 hectares de terras do governo. (cf. Paulusblatt, 1931, p. 1-2)

Foi principalmente por iniciativa privada que se verificaram os primeiros resultados concretos em termos de proteção de florestas e de tentativas de reflorestamento. Na primeira metade da década de 1890, foi fundada em  Bom Jardim, hoje Ivoti, a primeira  “Associação de Proteção à Mata” –  “Waldschutzverein”. Os fundadores foram “o apóstolo  da mata”, Pe. Pedro Gasper e o pai da mata “o Sr. Edmund Grohmann”, morador de Lichtental, em Ivoti. A associação promoveu uma série de “Dias da Mata”, para incentivar o plantio de florestas na colônia. 

Para se ter uma ideia dos resultados obtidos pela Associação, ouçamos como os Sr. Grohmann contou suas experiência num desses “Dias da Mata”, em agosto de 1896: 

Há nove anos fiz a primeira experiência com pinheiros. Os pinhões germinaram muito bem, mas em duas noites as formigas terminaram com a plantação e as mudinhas novas secaram todas. Depois organizei um viveiro perto da minha casa. No segundo ano transferi as mudas para o lugar definitivo. Também esta tentativa teve o mesmo destino. Antes mesmo de dominar as formigas, elas já haviam devorado tudo. Na terceira tentativa deixei as mudas dois anos no viveiro. Transplantei-as só no terceiro. Todas vingaram porque as agulhas já estavam tão duras  que as formigas não as conseguiram cortar. A plantação alcança neste momento  de 16 a 20 pés (cinco a sete metros) e se compõe de mais de 300 pinheiros. Tive êxito também com louro, cinamomo e outras variedades de madeira. Tudo disto prova que também aqui é possível plantar mato

Procurei interessar pela causa as pessoas de vários lugares. Na maioria dos casos, porém, faltou a energia suficiente. Outros se desculparam dizendo que eles próprios não tirariam proveito e que os descendentes se virassem. Não raro, confirma-se o ditado: se o colono não se vê forçado ele não mexe nem a mão nem o pé. Existem contudo honrosas exceções. Quem sabe também neste particular eu tenha conseguido que um ou outro se decida a fazer ao menos uma tentativa, plantando mato. Diz o ditado: “No menor dos espaços planta uma árvore; cuida dela; será em teu beneficio”. (Paulusblatt, 1931, p. 2).

Apesar das queixas do Sr. Grohmann, dizendo que a receptividade de suas propostas de plantio de florestas não ter tido muita aceitação por parte dos colonos, a ideia conquistou seus adeptos. O autor deste trabalho tem três exemplos de tentativas que remontam à década de 1890 e a primeira década de do século XX. A primeira foi feita por meu avô que plantou cerca de um hectar de louro e depois deixou a natureza agir livremente. Depois de 50 anos desenvolvera-se  um bela floresta em miniatura. Alguns dos louros mediam mais de meio metro de diâmetro. Entre eles cresciam belos exemplares de angicos, cedros, canelas, cangeranas e outras. Mais ou menos na mesma época minha mãe recebera umas dezenas de pinhões. Plantou em torno de 100 deles ao longo das taipas do potreiro e do curral, perto de tocos de árvores nas proximidades da casa. Passados sessenta anos havia araucárias de perto de um metro de diâmetro. Um vizinho dos meus avós plantou cerca de dois hectares de araucárias e deixou a natureza agir livremente. Também neste caso passados 50 anos uma exuberante mini floresta havia-se formado com soberbas araucárias e exemplares viçosos de canelas, cedros, cangeranas, cabriúvas e outras mais. 

Esses três exemplos demonstram que, apesar dos pesares, a proposta do Pe. Gasper e o exemplo do Sr. Grohmann, caíram  em chão fecundo. É até compreensível que a grande maioria dos colonos não se sensibilizasse. No final do século XIX e o início do XX, as prioridades maiores eram ainda em grande parte, a comida, a roupa e a casa. Além disso o suprimento de lenha e madeira ainda estava garantida com certa folga. 

Mas a semente lançada com a “Associação de Proteção da Mata” e os exemplos esparsos de tentativas de plantio de mato, foi vingando lentamente. Em 1899 foi fundada a “Associação Riograndense de Agricultores”. À sua testa vamos encontrar muitas das lideranças coloniais, leigas e religiosas, das décadas de 1880 e 1890. Desta forma o assunto floresta e reflorestameto, conservação do solo, adubação orgânica, frequentou repetidas vezes, a pauta das assembleias gerais da Associação. 

Na quarta assembleia geral, realizada em Santa Cruz do Sul, em abril de 1904, uma das resoluções, a de número seis, chamou a atenção para a urgência de se dedicar ao cultivo de árvores.

“6. No que se refere à grande importância em que se reveste a cultura de árvores, em especial na região colonial antiga, a assembleia apoia um sistema de cultura de florestas adaptadas às características locais. Para tanto encarrega a diretoria central para tomar as iniciativas cabíveis junto ao governo do Estado, para que seja modificada a lei que prejudica a cultura da erva-mate, principalmente no que se refere à sua colheita”. (Bauernfreund, 1904, nr. 5, p. 33)

Na sétima assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Estrela, em abril de 1907, a questão do reflorestamento voltou ao debate e mereceu ser encarecida na resolução de número quatro. “4. É preciso dar maior atenção ao eflorestamento do que até agora se deu. Aconselha-se, para tanto, o plantio de cinamomo, de louro, de carvalho e de outras espécies de acordo com as características locais”. (Bauernfreund, 1907, nr. 6, p. 4)







Mas foi na nona assembleia geral da Associação dos Agricultores, realizada em Taquara em maio de 1909, que a questão do meio ambiente foi colocada em termos mais amplos. A conferência sobre o assunto esteve a cargo do Pe. Max von Lassberg.

O problema foi colocado, pelo religioso, numa perspectiva bem mais ampla do que a mera destruição física da cobertura florestal, ou as técnicas de florestamento e reflorestamento. A questão, segundo ele, tinha a ver com a garantia dos direitos e deveres dos indivíduos, da coletividade e do Estado. As florestas estão aí para  assegurar os interesses das pessoas  e para garantir  a qualidade da vida da coletividade. Uma correta política  florestal não pode abstrair de nenhuma das duas funções. Tendo como finalidade o tratamento da questão das florestas, salvaguardando tanto os direitos dos indivíduos como do Estado, o conferencista apresentou  um esboço de como esse objetivo poderia ser alcançado. 

Compete ao Estado zelar pela normalidade do clima e a higiene pública: salvaguardar a fertilidade e demais qualidades do solo e aproveitar ocasionalmente os imenso recursos oferecidos pelas florestas. Pressupõe-se para tanto a existência no Pais de uma vasta e rica cobertura floresta. Mais importante do que florestas gigantescas e ininterruptas é a existência de extensões razoáveis de matas bem distribuídas. Conforme demonstra a ciência, esse tipo de cobertura vegetal favorece sobremodo a pureza do ar, a regularidade das chuvas, o controle do granizo, a conservação do clima, o equilíbrio entre o calor e o frio, a formação de fontes e de mananciais de água, a proteção contra as enchentes e inestimável riqueza que a floresta representa quando racionalmente explorada. E, para reforçar a afirmação o Pe. Lassberg lembrou que, quanto mais crescer a população, tanto maiores ser\ao as demandas por madeira. Faz-se necessário que cresça no mesmo ritmo o interesse  pelo manejo racional das reservas de florestas. Neste caso a madeira representa uma extraordinária fonte de divisas para um pais com as características do Brasil. 

Continuando nas suas considerações o conferencista fez algumas observações sobre um outro aspecto dessa problemática. Os colonizadores, individualmente considerados, costumam, e isto é mais do que natural, preocupar-se em obter, o mais rápido possível, resultados concretos. Derrubam no menor espaço de tempo  o mata do seu lote colonial, utilizam alguma madeira para atender às necessidades próprias. Somente em situações especiais e não muito frequentes, vendem alguma coisa. Livram-se do restante das árvores abatidas, queimando-as ou, na melhor das hipóteses, amontoando-as e entregando-as à decomposição. Essa estratégia universalmente  difundida, vem acompanhada dos seus riscos. Não raro, em questão de anos, não sobra aos colonizadores, a madeira  suficientes pra suprir as necessidades diárias de lenha. O dano é duplo. De um lado o colono vê-se forçado a comprar lenha e madeira de construção. Do outro lado a coletividade exaure, em pouco tempo, suas reservas. Prejudica-se o dono do lote colonial e prejudica-se a região, o Estado e o Pais.

Continuando, o conferencista atacou um questão ainda mais condenável. Falou daqueles verdadeiros vampiros que penetram nas florestas alheias ou pertencentes ao governo. Sem o menor escrúpulo e sem a menor consideração para com a sociedade, depredam as matas, pilham as madeiras nobres, movidos pela única finalidade do lucro fácil. No final das suas considerações, o Pe. Lassberg formulou a seguinte proposta florestal. Obviamente não  de fácil execução. 

1. Em se tratando das regiões do nosso Pais cobertas de grandes extensões de florestas virgens, não apenas se justifica, mas se torna necessário franquea-las à agricultura e entrega-las a um abate parcial.

2. A escassez de florestas e de madeira não deve ser exagerada. Se de um lado há carência de madeira, ao ponto de se dar uma importância tão grande como esta está acontecendo, a culpa, em grande parte, cabe à utilização errada das matas e às precárias vias de circulação para o escoamento, dificultando transporte da madeira de lugares afastados. Os campos do sul  e do norte estão pontilhados com belos, numerosos e grandes capões. A zona colonial, mesmo aquela ocupada por várias décadas, nem de longe apresenta aquela feição desnuda, como acontece em numerosas regiões agrícolas da França, Alemanha e Itália. Consequentemente não ocorreram modificações climáticas apreciáveis, em razão do desmatamento. Em toda a parte subsistem serrarias pelas colônias antigas. De maneira geral os colonos tomam um cuidado maior para não abater as matas de uma forma tão irracional, como era comum nos primeiros tempos. 

3. Triste, sem dúvida, se apresenta a situação das zonas mais elevadas, como nas colônias italianas. Foram derrubadas florestas inteiras de araucárias, para, em seguida, as terras serem abandonadas sem terem sido aproveitadas. Muitos colonos derrubaram a mata sem nenhuma medida para, em seguida, verem-se forçados a ir embora por causa da baixa fertilidade do solo. A terra foi devastada e uma verdadeira floresta não se recompõe espontaneamente. 

4. Um reflorestamento sistemático das nossas florestas parece inviável, porque a mata virgem não possui sistema. Segundo a lei de 1899, calcula-se como produção media de madeira por ano, o volume de quatro a cinco metros cúbicos por hectare. De que maneira por em prática um dispositivo desses? Não vale a pena nem abrir uma trilha. 

5. Para resolver o problema não basta imitar unilateralmente as leis de outros países. É claro que devemos analisar essas leis, para depois adapta-las às nossas circunstâncias. Além disso é preciso verificar se determinadas medidas legais são aplicáveis entre nós e se dispomos de pessoal técnico. Caso não estejam presentes tais pressupostos em nada adianta a melhor das intenções do governo. Um outro aspecto não pode ser ignorado. No que se refere a questão florestal, as circunstâncias dentro do País diferem  muito. As imediações das cidades pedem um outro tipo de cultivo do que o interior. Diferentes tem que ser as medidas adotadas em regiões de florestas mistas ou de pinheiros, no campo ou na costa do mar. Em tudo que se relaciona com a floresta o problema mais grave é a lei que regulamenta a fiscalização. Qual, por exemplo, é a forma de impedir que um caboclo penetre  na mata do Alto Uruguai. Mesmo em regiões mais próximas a fiscalização enfrenta  visão e as longas tradições dos colonizadores e a preocupação de não sobrecarrega-los com novos deveres. Caso contrario só se consegue despertar mal entendidos e insatisfações. No momento então em que o governo aparece e diz ao colono que está derrubando mato: Daqui para frente não podes mais retirar madeira do mato, ou ao fazendeiro: Daqui para frente deves plantar tantos hectares de mato. Determinações deste tipo seriam simplesmente inexequíveis. Apenas nos casos em que uma derrubada chega a prejudicar os vizinhos, o poder público deve intervir, a fim de garantir os direitos da pessoa lesada. (Bauernfreund, 1909, nr. 6)

 Os complexos florestais tem que ser protegidos na sua integridade, de forma que sua exploração por parte dos não proprietários seja dificultada. Em vista disso o governo não deveria conceder com tanta facilidade, como vinha fazendo até agora, as concessões de exploração da madeira para obtenção de dormentes de trilhos, taboas, erva-mate ..... Conceder, se possível, somente para aqueles que comprarem  e pagarem o mato. Porque se alguém não é proprietário, pouco interesse terá em tratar o mato com cuidado. Semelhantes  prescrições não se aplicam assim no mais  a regiões de matas destinadas para a ocupação por colonos. Em se tratando de concessões maiores, costumam-se guardar certas medidas. Nestes casos o governo tem por norma munir-se de garantias para restringir a derrubada da mata a níveis aceitáveis. O próprio colono terá interesse pessoal em assegurar o valor do mato de sua propriedade. Além disso  deveriam ser aplicadas, com todo o rigor, as leis que se destinam à expulsão dos invasores de matas alheias. Isso, entretanto, não ocorre sempre. Neste caso os direitos dos proprietários de matas situadas em locais afastados, sofrem sérias violações por parte de outra praga, representada pelos tais de intrusos que, sem titulo de posse, fixam residência em glebas e, quando são solicitados a indenizar, retiram-se e deixam o prejuízo para os outros. Esses caso acontecem também em situação ilegal. Se alguém pretende estabelecer-se neste tipo de glebas, deveria certificar-se, antes de mais, a respeito da situação legal das mesmas. 

 Impõe-se como remédio mais adequado para as nossas circunstâncias,  a formação de matas plantadas. A floresta não cultivada é passível de resultados na medida na medida em que for derrubada. Uma floresta sistematicamente  plantada fornece um retorno no mínimo quádruplo. No Estado encontram-se faixas de terras mais do que suficientes, tanto na colônia quanto no campo, apropriadas para o reflorestamento deste tipo. Na Alemanha, por exemplo, aproveitou-se a charneca de Lüneburg. As dificuldades neste caso poderiam originar-se da presença de formigas e de outros insetos, de plantas parasitas, de ocorrência de incêndios. Apesar disso o plano pode ser posto em priatica com relativa facilidade. As iniciativas devem partir dos indivíduos, dos distritos e dos municípios. Em outros países comunidades individuais conseguiram florestas tão ricas que, com os seus ,resultados, foi possível cobrir todas as despesas da comunidade e os cidadãos liberados dos impostos. O melhor caminho é aquele em que os indivíduos e as cooperativas cultivam  determinadas áreas de mato. Fala-se  hoje tanto em estações experimentais. Porque não pensar em implantar estações experimentais de silvicultura? Representam obviamente empreendimentos sem retorno a curto prazo, como no caso de uma lavoura. Contando-se, entretanto, com paciência e os empreendimentos forem bem conduzidos, seu retorno mais tarde será tanto maior. (Bauernfreund, 1909, nr. 6, p. 43-44).

O Pe. Max von Lassberg concluiu a sua palestra, apresentando à assembleia  algumas das resoluções  tomadas no Congresso Agro-Agrícola, realizado no ano anterior em Pelotas. Entre elas, duas merecem atenção. 

1. Das glebas destinadas no futuro para fins de colonização, uma parte deveria ser destacada, não vendida e mantida como reserva florestal.

2. Aconselha-se introduzir uma série de árvores exóticas, como por exemplo, certas variedades de eucaliptos, plátanos, acácias, pinheiros, cinamomos.

Ao discurso seguiu-se um debato acalorado sobre o que tinha sido exposto pelo Pe. Lassberg. Foi desencadeada pelo Pe. Amstad com uma proposta concreta de reflorestamento. De acordo com suas observações era muito comum na colônia, que as casas e demais benfeitorias  se localizassem numa encosta. A área imediatamente atrás e acima da moradia compreendia, via de regra a área desmatada por primeiro e, em consequência a primeira com sinais de esgotamento do solo. Seria esta a área escolhida para o reflorestamento. Um empreendimento desses teria tanto mais chances de sucesso, quanto maior fosse a colaboração entre os diversos moradores. Como empreitada individual os resultados seriam duvidosos. Pela própria natureza a iniciativa era de caráter coletivo. Na hipótese de que um projeto dessa natureza fosse levado a bom termo, os resultados não tardariam em aparecer. Formar-se-ia em questão de poucos anos um cinturão de mato, a meia encosta, da largura de 200 a 300 metros. Num futuro relativamente próximo seria possível extrair toda a lenha necessária para o consumo e madeira suficiente para cobrir a demanda local. Nesta questão o próprio Estado faria bem em intervir, pressionando os proprietários para se engajarem efetivamente. O retorno altamente compensatório estaria assegurado. Seria possível, em grandes linhas,  que, em 15 anos, a lenha pagaria a mão de obra. Em 30 anos o mato começaria a render juros. Em 50 anos a faixa de 200 metros representaria um patrimônio bem maior do que os 1600 metros restantes.

Como se sabe, a nona assembleia geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, marcou o termino da Associação na sua forma original. Transformada em sindicato, reorientou  seus objetivos. As antigas lideranças, tanto católicas como evangélicas, partiram para a formulação de novas organizações. Surgiu, desta forma, em 1912, o “Volksverein”, a Sociedade União Popular, para os católicos. É explicável que a questão ecológica passasse para um segundo plano pois, foi necessário, em primeiro lugar, dar forma, vida e viabilidade à nova organização. Essa tarefa demandou dois a três anos. Sobreveio a Primeira Guerra Mundial e a nova sociedade congelou, pela foçra das circunstâncias, as suas atividades. Terminado o conflito, os primeiros anos da década de vinte foram necessários para retomar as atividades e solidificar a Sociedade. No período  de 1912 e 1924, não se  encontram referências significativas, nem no Paulusblatt, o periódico  da Sociedade, nem no Familienfeund Kalender, o almanaque anual,  relativas a questão florestal, em particular, ou à questão ecológica como um todo.

A retomada da temática aconteceu no número 12, de 1925 do Paulusblatt. Na secção da revista intitulada “Escola da Sociedade União Popular”, foram publicados os regulamentos disciplinando a medição e venda de terras do governo no Rio Grande do Sul. O artigo reproduziu, em primeiro lugar, os dispositivos que regulamentavam as reservas florestais, em segundo lugar, discriminou os deveres  dos compradores dos lotes coloniais. Em terceiro lugar fez algumas considerações sobre as condições impostas ao comprador dessas terras referentes e ao uso das mesmas. O articulista terminou apontando uma série de problemas  referentes à aplicabilidade dos dispositivos legais que, na sua essência, eram muito pertinentes e não menos urgentes. ( cf. Pulusblatt, 1925, nr. 12, p. 1)

Mas foi no número 9, do ano de 1927, do mesmo Paulusblatt, em que a preocupação com o reflorestamento foi retomada. Na mesma secção “A Escola da Sociedade União Popular”, o prof. Siegrfied Kniest, secretário itinerante, ocupou-se com o tema. 

Começou dizendo que, com suas andanças pelas diversas comunidades como secretário itinerante, pôde observar que em não poucas delas se faz um belo esforço em favor do reflorestamento, especialmente com variedades de eucaliptos; que em extensas regiões, a necessidade de algum tipo de reflorestamento tornara-se inadiável, já que os colonos tinham dificuldade em conseguir lenha, no caso de nada fosse feito. 

Depois o professor sugeriu que se criassem associações para incentivar o plantio de árvores, como estava acontecendo nos Estados Unidos, na França, na Alemanha e em outros países. Afirmou que, apesar das queixas, se faz muito de menos em questões de reflorestamento. Apesar de tudo, porém, há inúmeros exemplos que permitem um certo otimismo. Concluiu referindo o exemplo de um colono que comprou um lote de terra completamente esgotado. O povo dizia que ninguém era capaz de alimentar-se nele. Com paciência e perseverança plantou eucaliptos, árvores frutíferas e outras essências. Não demorou e a terra improdutiva começou a dar resultados além da expectativa e o colono transformou-se referência de como recuperar, aproveitar e fazer render uma terra considerada imprestável. (cf. Paulusblatt, 1927, nr. 9, p. 2-3)

A preocupação pelas florestas  nativas e, mais ainda, o despertar da consciência da necessidade de reflorestar, foi o assunto de  longos artigos  publicados nos números  7, 8,9,10, 11 e 12de Paulusblatt de 1931. 

O primeiro artigo já foi referido quando se falou na situação da cobertura vegetal remanescente no Rio Grande do Sul e na criação  da “Sociedade  de Proteção da Mata” e os “Dias dedicados à Mata”, na década de 1890, inspirados pelo Pe. Pedro Gasper eo Sr. Alfred Grohmann. No nº 8 do Paulusblatt de 1931, o articulista procurou responder a duas perguntas: Porque é preciso plantar mato e a quem cabe planta-lo?

A resposta para a primeira pergunta foi  pragmática. Havia urgência em garantir o suprimento de lenha e de madeira de construção. A escassez para ambas as finalidades alcançara um nível preocupante  na região colonial. A curto prazo previa-se a mesma situação para as colônias ao longo dos rios Pardo e Jacuí e a médio prazo para as colônias situadas na Serra, nas Missões e no Alto Uruguai. Para dar ênfase à sua análise, o articulista reproduziu a  carta de um sócio da Sociedade União Popular.

Aqui entre nós plantam-se enormes  áreas com erva-mate. Mas as pessoas não se dão conta que  a fabricação  da erva-mate requer lenha e que o mato vai sumindo cada vez mais. Da mesma forma a maioria dos colonos tem fornos para secar o tabaco e que exige enormes quantidades de lenha.  

Participei do Congresso dos Católicos em Arroio do Meio. A região agradou-me muito, principalmente no que diz respeito à qualidade dos solos. O que, porém, me entristeceu foi a quase total ausência de mato e em lugar algum foi possível observar a menor iniciativa de plantio de mato. (Paulusblatt, 1931, nr. 8, p. 2)

Depois de encarecer a urgência  de plantar mato por razões pragmáticas, o articulista levou a questão a um nível de discussão mais amplo. A problemática florestal ultrapassa uma simples análise de uma situação local, para transformar-se numa questão ética. Lembrou para tanto uma afirmação feita trinta anos antes pelo “apóstolo” da mata, Alfred Grohmann.

Quem priva a sua propriedade da madeira indispensável, comete um crime contra a geração futura. Num País uma reserva suficiente de matas é de grande importância para a economia nacional. O governo do nosso Estado faria muito bem em dedicar uma atenção maior ao reflorestamento. (Paulusblatt, 1931, nr. 8, p. 2))

Em resposta à pergunta “a quem cabe a obrigação do reflorestamento”, o articulista respondeu com as seguintes considerações.

Em primeiro lugar pela sua própria natureza cabe ao Estado a responsabilidade e a tarefa de proteger as reservas  florestais e, ao mesmo tempo, incentivar e orientar os florestamentos e reflorestamentos. 

Em segundo lugar, já que o Estado é incapaz  de faze-lo ou não se preocupa como deveria, o reflorestamento poderia ser posto em prática por meio de associações ou cooperativas, oriundas da iniciativa privada e para tal fim criadas. Colonos isolados em suas pequenas propriedades não tem condições para enfrentar o problema.

Já no nº 9 de 1931 do Paulusblatt, foi proposto um projeto completo de reflorestamento cooperativo que poderia ter sido implantado perfeitamente, por exemplo, no médio Caí. O ponto de partida poderiam ser as colônias localizadas a partir de São José do Hortêncio, em direção norte, passando pelo vale do Cai e o Cadeia, até Nova Petrópolis e Padre Eterno. As colônias mediam em  média  em 1931, 200 metros de largura por 2000 de comprimento. Começavam na barranca dos rios, subiam pelas encostas até o topo dos morros ou, conforme o caso, seguiam além até atingir o comprimento padrão. 

A proposta consistia em reunir os proprietários em grupos e 30, 40 ou 50. Esses grupos formariam a base para as cooperativas de reflorestamento. Na prática os procedimentos seriam os seguintes:

Uma vez definido o grupo, seria convocada uma primeira reunião na qual se analisaria a questão da plantação do mato. No caso de que o grupo fosse composto por 30 proprietários interessados e dispostos a se comprometer com o projeto, uma comissão seria escolhida para determinar a faixa de terra a ser destinada para o reflorestamento. Integrariam necessariamente a comissão os dois proprietários dos lotes limítrofes da área escolhida e cujas propriedades se avaliariam as condições requeridas para um reflorestamento. Mas não é suficiente que a comissão demarque a faixa de terra  a ser  replantada com mato. É preciso proceder também a uma análise do solo, verificar se a rocha aflora ou se encontra em maior profundidade, se o sub solo é saibroso, se a camada de solo é profunda, pantanosa ou mais enxuta. Esses dados fornecidos pelo proprietário, servem para organizar um cadastro que fornece a base para escolher o tipo de árvores mais adequadas e, desta forma, programar o plantio com a maior probabilidade de êxito possível. 

Por razões práticas, as faixas escolhidas para o reflorestamento deveriam localizar-se  a mais ou menos 1400  1600 metros contados a partir do travessão inferior. Localiza-se desta forma mais ou menos no meio da colônia e na meia encosta. A preferência por essa faixa é motivada, em primeiro lugar, pela relativa proximidade das moradias, tornando o abastecimento de lenha mais cômodo. Em segundo lugar corresponde a uma faixa localizada na propriedade onde o desmatamento se deu por primeiro. 

Uma vez concluídos esses trabalhos preliminares, seria convocada uma reunião na qual a comissão apresentaria  os resultados e as conclusões do levantamento. Todos teriam oportunidade de externar suas opiniões, dar sugestões e propor alternativas.

Vencida mais essa etapa partir-se-ia para a fundação da cooperativa de reflorestamento. A diretoria seria escolhida e estipulada a contribuição. Essa deveria ser no mínimo de 20$000, para formar um pequeno capital capaz de arcar com as despesas correntes do empreendimento. Na mesma reunião deveria verificar-se quem dos proprietários estaria em condições e com disposição para manter um viveiro no qual os demais se abasteceriam de mudas. (cf. Paulussblatt, 1931, nr. 9, p. 1-2)

Uma vez acertada a faixa a ser reflorestada, chegou o momento de passar para etapa seguinte: a escolha das espécies e as técnicas de plantio. Esse assunto foi tratado nos números  de outubro, novembro e dezembro de 1931, em Paulusbltt. No número de outubro foi apresentado um modelo concreto de reflorestamento, dando ênfase  à finalidade prática de plantio, à escolha das espécies, conforme a sua finalidade, como por exemplo, lenha, tábuas, madeira de construção e os respectivos cuidados a serem tomados em conta, no manejo da mata plantada. No número seguinte, novembro de 1931, o articulista concentrou-se no controle das pragas que ameaçam as faixas de replantio de árvores, com destaque para as formigas. 

No sexto seguimento, dezembro de 1931, foram enumeradas as vantagens de um plantio sistemático de mato.

- O suprimento contínuo e indefinido de lenha e madeira de construção.
- A distribuição regular e abundante das precipitações pluviométricas pois, as florestas são fatores importantes de equilíbrio neste particular. Além disso, as raízes e o sombreamento controlam a evaporação, garantem a perenidade dos mananciais subterrâneos e evitam que as fontes sequem com qualquer estiagem um pouco mais prolongada. 
- As matas garantem solos de alta fertilidade constantemente reforçada com a queda das folhas e dos galhos que, ao se decomporem, renovam e avolumam a cada de húmus.
- Essa vantagem está intimamente relacionada com a anterior. A camada de húmus é indispensável para garantir a fertilidade do solo. (cf. Paulusblatt,  1931, nr. 10, p. 10, 11, 12).

Essa sequência de seis matérias publicadas na revista de formação e informação mais importante da Sociedade União Popular, demonstra  uma preocupação inequívoca para com a conservação e reposição das matas. E isto há 90 anos, numa época  em que as grandes áreas de   matas virgens do Alto Uruguai, Centro-Oeste de Santa Catarina e oeste do Paraná, pareciam garantir opções de colonização a perder de vista. Na época assumir  uma posição tão decidida em favor da preservação das matas e propor projetos sérios de reposição das delas em áreas nas quais o desmatamento já havia ultrapassado os níveis desejáveis, significou, sem dúvida, uma definição de coragem e lucidez. 

Essa posição defrontava-se com três dificuldades nada desprezíveis: a primeira provinha do fato de os lotes coloniais com suas pequenas áreas não favorecerem a mentalidade preservacionista. A segunda tinha a ver com a mentalidade imediatista e individualista da maioria dos colonos. A terceira estava no fato de que há 90 anos passados os adeptos da preservação da natureza não passavam  em muito de figuras meio exóticas, meio fora do contexto, meio visionarias. A situação era quase a oposta de hoje.  Hoje, pertencer a uma entidade de proteção à natureza, discutir o assunto, estigmatizar os não preservacionistas como criminosos, como coveiros do planeta e dos seus habitantes humanos e não humanos, empresta uma certa aura às pessoas. Naquela época se dava o contrário. Por isso mesmo, uma atitude coletiva, como a da Sociedade União Popular, preocupando-se com a preservação das matas ainda existentes e pelo replantio das áreas devastadas, revestiu-se de um sentido muito mais profundo e de um valor incomparavelmente  maior do que  numa época como a nossa em que é politicamente correto e obrigatório adotá-lo. 

A preocupação para com o ambiente natural, a preservação da natureza original, a recomposição da paisagem adulterada pelo homem, encontrou adeptos qualificados na década de 1930 e 1940. Seria muito longo enumera-los todos no âmbito limitado de um capítulo. Como referência, escolhi o Pe. Balduino Rambo, maior botânico que o rio Grande do Sul já conheceu, inventariante incansável da flora do Estado e sincero admirador da nossa paisagem natural. Em maio de 1942, apareceu a primeira edição da sua obra prima, intitulada “A Fisionomia do Rio Grande do Sul”. Nela o autor retratou o Estado do Rio Grande do Sul em todos os seus aspectos naturais mais significativos, tais e quais se apresentavam no final da década de 1930:  a geologia, a topografia, a cobertura vegetal, campos, matas, áreas agrícolas, animais, clima, paisagens humanizadas. O último capítulo ele dedicou a considerações sobre a proteção à natureza. Sendo difícil acrescentar alguma coisa ou omitir outro tanto, é pertinente reproduzir o texto original.

O homem filho desta terra, que fornece o pão de cada dia e os símbolos da vida espiritual, sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. Enquanto o espaço é suficiente e a densidade  demográfica pequena, não se tornam muito conscientes tais sentimentos; mas no momento em que as necessidades brutais da vida forçam a interferir sempre mais na expressão natural do ambiente, desperta a dor perante a destruição de suas feições naturais, e o desejo de as conservar, senão no conjunto, ao menos em alguns lugares e nos traços mais característicos.

Assim no curso de todas as culturas humanas, mais ou cedo ou mais tarde, surgem as tendências de proteção ativa da natureza; um povo que se descuidasse deste elemento, seria falto dum requisito essencial da verdadeira cultura humana total, e indigno  da terra, com que a pródiga mão do Criador  o presenteou.

Sob a rubrica de proteção à natureza vai a conservação dos monumentos naturais, das espécies botânicas e  zoológicas periclitantes, das paisagens típicas e originais – tudo isso enquanto as necessidades concretas da sociedade humana o permitirem. A proteção à natureza, em primeiro lugar está a serviço das ciências naturais, antropogeográficas e históricas; em segundo lugar, baseia-se sobre o princípio da ética natural, que considera imoral a destruição desnecessária  ou inconsiderada dos tesouros da beleza nativa; em terceiro lugar, protegendo o que há de preciosos, restaurando o que já sucumbiu, acomodando as obras da mão humana ao estilo da terá, torna-se um aliado de valor da higiene e pedagogia sociais, e um adjutório indispensável da educação nacional.   (Rambo, Balduino, 1942, p. 237-238)