Bicentenário da Imigração - 71

Assistência às parturientes.

Além da epedimia da varíola e dos seguidos surtos de tifo, uma outra questão relacionada com a saúde foi motivo de permanente preocupação. Vinha à tona quando da aproximação da data do nascimento de crianças na colônia. Falamos da assistência às paurientes. Complicações direta ou indiretamente relacionados com o parto contaram entre as principais causas  de óbitos de mulheres jovens.

Na sua tese de doutorado publicada na Alemanha com o título “Deutsche Auswanderinnen in Brasilien”, Giesela B. Lermen, começa a sua avaliação sobre a presença da mulher na imigração alemã, com a seguinte constatação: “A mortalidade materna em consequência do parto, é um dos capítulos mais obscuros da história da colônia”.

Não resta dúvida que nos encontramos frente a uma tema, de lado comum em todas as comunidades coloniais e, do outro, um dos menos comentados. De qualquer forma não é difícil formar-se uma ideia da exxtensção e profundidade do problema. Basta tornar conscientes as circunstâncias reinantes no meio colonial durante todo o século XIX e os primeiros anos do século XX, no que se refere à assistência às parturientes. Começa por ai que não havia nem médicos nem hospitais a quem recorrer. No que se relacionava com recursos em casos de doenças  e os problemas surgidos por ocasião de muitos partos, os colonos esetavam entregues à própria sorte. Com isso a mortalidade de mulheres jovens chegou a níveis preocupantes. A autora refere um levantamento feito pelo “Deutsches Volksblatt” em 1908 sobre a expectativa de vida  na colônia. Serviram como base os registros de óbitos da paróquia de São José do Hortêncio entre 1868 e 1908. Os números falam por si mesmos. Dos falecidos entre os 30 e 50 anos de idade, constavam 21 homens e 51 mulheres. O jornal fez o dado acompanhado da observação: “Certamente uma prova cabal da importância da questão das parteiras para a colônia e a urgência para encontrar uma solução para esse problema”.

Os alarmantes ados sobre a mortalidade em função da deficiente assistência às parturientes, reclamava por ações e iniciativas eficientes de duradouras. O Drd. Gabriel Schlatter que conhecia muito bem a sitação da assistência médica na colônia, manifestou-se da seguinte forma sobre o problema, na sétima Assembleia Geral da Associação dos Agricultores do Rio Grande do Sul, realizada em Estrela em 1907:

Posso assegurar-lhes que aqui na colônia alemã no Rio Grande do sul, centenas de colonas morrrem em consequência da assistência defeituosa durante o parato ou elas adoecem pouco temo depois, muitas delas morrem e muitas que, em aso favorável, melhoram parcialmente, continuam a vida toda com aquela sequela. Pois mal passa uma semana, na qual um ou outro dos nossos jornais alemães não traz a participação de luto de que uma mulher e mãe faleceu no apogeu da vida, em consequência de um parto. (citado por G.B. Lermen, 2006, p. 236)

Da fala do Dr. Schlatter resultou um acalorado debate do qual participaram os padres Amstad e Gasper e o pastor Gans. Concluíram que a situação era tão grave que exigia uma ação séria e urgente permanente e a longo prazo.Na proposta estava implícito o propósito  de, de alguma maneira treinar aprteiras para socorrer as parturientes nas comunidades coloniais. Na, entretanto, quela assesmbleia geral não foi proposta nenhuma resolução cdoncreta nesse sentido.  A adoção de uma solução aconteceu no ano seguinte na Assembleia Geral em Santa Cruz do Sul. Por decisão da garnde maioria foi aprovada a criação e uma instituição de treinamento de parteiras fora de Porto Alegre. A decisão apoiou-se na lógica e que a quase totalidade das candidatas procedia do interior colonial e sua atividade seria desenvolvida naqule meio. A escolha do local recaiu sobre a cidade de Estrela pelo fato de o Dr. Schlatter já manter um curso de treinamento junto ao seu consultório convencional. Bastava ampliá-lo.equipá-lo melhor e franquá-lo a candidatas procedentes de toda a região colonial. Infelizmente o curso de treinamente de aprteiras foi foi uma das primeiras iniciativas da Asssociação Riograndense de Agricultores, vítima quando essa Associação foi transformada em Sindicato no ano seguinte. Por decisão unilateral do Sindidcato de Santa  Cruz do Sul, o curso foi transferido para Porto Alegre com a alegação dos benefícios que poderia auferir com a proximidade da Faculdade de Medicina. A decisão implicou na mudança da própria natureza do curso e teve como consequência o afastamento do Ddr. Schlatter e frustrada a intenção de formar especificamente para o meio colônia profissionais procedenes daquele contexto e conhecedoras das características humanos do seu campo de trabalho. Giesla Lermen comentou a situação em foco: 

Apesar da situação assustadora pintada pelo Dr. Schlatter e amaprada nas estatísticas, sobre o estado das coisas relativo ao atendimento às parturientes durante o século XIX na colônia, a presença de parteiras e sua atuação provam igualmente que exercerama profissão  com prontidão e eficiência e cônscias da sua responsabilidade, gozando do reconhecimento da população da colônia. A memória delas foi perpetuada em anúncios fúnebres escsritos por maridos, filhos, noras e genros, assim como em manifestações de gratidão por parte de maridos pelos atendimentos dado às esposas (Lermen, G., 2006, p. 236).

A presença dessas parteiras, sua impotância para a colônia e sua dedicação à causa, foram objeto de referência, de manifestações de reconhecimento e gratidão, resgistrados em almanaques, jornais, periódicos e nas reuniões, associações e congressos. Os nomes de figuras emblemáticas de parteiras no final do século XIX e começos do XX já foram mencionados mais acima ao falamos da Mulher na Germanidade no capítulo sobre a “Gênese da Geramindade

Convém não esquecer que, apesar da dedicação das parteiras, a falta generalizada de médicos, deixava uma grave lacuna na assistência às paturientes. Em situações mais graves como complicações devido a infecções, necessidade de cesariana e outras, a ausência de édicos cobrava  preços muito altos, em não poucaos casos a própria vida da mulher e ou da criança.

Põe-se a essa altura a pergunta: E quem foram essas mulheres parteiras, qual o seu perfil humano e profissional. Para começar a quases totalidade  eram mulheres comuns, casadas com colonos, mães de famílias numerosas, donas de casa, agricultoras nos intervalos em que não se encontravam em missão de atendimento a alguma parturiente. Apropriavam-se dos conhecimentos e das práticas junto a uma profissional experimentada. Mais raros erm os casos em que as aspirantes à profissão passavam por um estágio em algum hospital em Porto Alegre. Em todo o caso todas as parteiras daquela geração dedicavam à profissão como uma autêntica missão, alimentada na solidariedade para com as mães, suas famílias e do compromisso das novas gerações. Por isso mesmo, gozavam do respeito e da simpatia geral. Em contrapartida respindiam com uma discrição à toda prova e um respeito profundo para com as pacientes. Eram personalidades conhecidas e respeitadas como era o padre, o professor. Costumavam ser apelidadas de “Tia-Cegonha – Storchentante”.

Por fom permito-me prestar uma homenagem especial às diaconisas, as “Schwester” e 
as irmãs de caridadae que, por dezenas de anos fizeram com que os hospitais, sanatórios e instituições do gênero, fossem de fato ambientes onde os enfermos e familiares, encotrassem um atendimento digno. Elas, religosoas de ambas as confissões, marcaram sua presença, entre 1900 e 1950, e mais tarde ainda, em dezenas de hospitais, grandes e pequenos, espalhados pelo sul do Brasil. No Moinhos de Vento, nos hospitais de Montenegro, Sinimbu, Panambi, Não me Toque, Taquara e outros atuaram as “Schwester”, as diaconisas. Na Santa Casa de Misericórdia, No Benificência Portuguesa, No Mãe de Deus, no Centenário em São Leopoldo, no Regina em Novo Hamburgo, no Sagrada Família em São Sebastião do Caí, no Pompeia em Caxias do sil e dezenas de outros hospitais menores, marcaram presença as irmãs de caridade de diversas congregações católicas. Ouso afirmar que o nível desses hospitais foi conquistado pela competência, o comprometimento, a dedicação e, porque não deixa-lo claro, pelo amor ao próximo que alimentava essas religiosas de ambas as confissões. O Moinhos de Vento, o Regina, o Mãe de Deus e tantos outros, não teriam a  fama de que hoje gozam, se não tivessem nascido, crescido e se sconsolidade nas mãos dessas religiosas de ambas as confissões. Acima da competência profissional e administrativa zelavam por um comportamento ético rigoroso e o respeito aos pacientes regia o quotidiano dos hospitais e marcava limites para médicos e demais profissionais da saúde.

“O arrumador de ossos – o Knochenflicker”
Outra figura emblemática que circulava pelo meio colônia, ainda até meados do século XX, era o “Knochenflicker – o arrumador de ossos”.

O trabalho pesado na roça, o derrubar mato, o andar a cavalo e outras tarefas do quotidiano, vinham acompanhadas  do risco permanente de fraturas nos braços ou nas pernas. Recorrer a um traumologista, se é que o havia, estava fora de cogitação. O problema costumava ser resolvido por práticos em recolocar ossos fraturados no lugar e imobilizar o braço ou a perna com talas para evitar que o osso se desloasse ou soldasse mal. Um homem ou, comenos frequência uma mulher, costumava socorrer os acidentados de uma ou mais comunidades vizinhas. Davam conta do trabalho com presteza e acustos perfeitamente suportáveis pelos colonos. Não poucas vezes contentavam-se com alguma remuneração em dinheiro, algum gênero alimentício ou até um simples “obrigado”. Colocavam os ossos no lugar valendo-se apenas do tato, imobilizavam o membro com sarrafos, tabuinhas, ou a base seca da folha da taquara, com tamanha habilidade que não se percesbia sequelas posteriores. Costumavam valer-se da cachaça com mestruço para amortecer a dor. Um representante típico de “arrumador de osso” foi o “tio” Anton Hoff, um solteirão que atendia a região de Bom Princípio e Tupandi. Tinha o hábito de tomar uns bons tragos durante a manipulação e feito o trabalho costumava pernoitar na casa do acidentado. Seu trabalho costumava ser tão perfeito que dificilmente ficava uma sequela e não se percebia que o braço ou a perna fora farturada. Assim como ele profissionais práticos circulavam em todas as regiões de colonização alemã, italiana, polonesa e outras. Em escala mais modesta faziam parte do cenário da época ao lado das parteiras.

A situação começou modificar-se lentamente, e para melhor, com o desesnvolvimento urbano, a partir da segunda metade do século XIX. Médicos diplomados foram abrindo cada vaez mais consultórios em Porto Alegre, Pelotas, Rio Grande, Santa Maria e outras cidade, oferecendo um atendimento qualificado nas Santas Casas e nos hospitais que foram surgindo. Médicos igualmente diplomados instalaram consultórios até em localidades mais remotas, arredando para o lado charalatães, os assim chamados “médicos práticos”, farmacêuticos e até contínuos de farmácia, fazendo-se de médicos.

Ao mesmo tempo multiplicaram-se as famácias, laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se  os anúncios oferecendo medicamentos para atender às necessidades mais comuns do dia a dia. Mas essa questão mereceria um capítulo à parte.

Reminiscências do Pe. Max von Lassberg




A apresentação ao público leitor das “Reminiscências” – no original: “Allerlei aus meinem Leben”, do Pe. Max von Lassberg, constitui-se, antes de mais nada, numa dívida de gratidão para com esse jesuíta filho da nobreza Bávara, que foi um autêntico “herói civilizador” de Cerro Largo e arredores, na província de Missiones na Argentina e no oeste de Santa catarina. No livro já mencionado “Um Sonho e uma Realidade” destacamos os nomes de alguns jesuítas que deram o melhor de si para implantar o “Projeto Educacional” que teve o seu ponto alto mais emblemático com a Unisinos. 

Paralelamente aos “pais fundadores” e consolidadores do projeto educacional, desembarcaram, em considerável número, jesuítas de extraordinária visão dos problemas religiosos e pastorais que não afetavam somente os imigrantes alemães e seus descendentes, como toda sociedade em formação no sul do país. No início a grande maioria dedicou-se sem alarde, quase no anonimato, à pastoral  nas comunidades coloniais. Seus nomes e seus restos mortais aguardam a ressurreição no cemitério da Ordem em São Leopoldo.

Em meio a essa “velha guarda” sobressaem alguns personagens que se destacaram na implantação e concretização de ambiciosos projetos de desenvolvimento e promoção humana entre 1900 e 1940. Em homenagem à sua dedicação e seus comprometimentos para o bem estar e o progresso do universo colonial, passaram para a história com os “patres collonorum – pais dos colonos”. Os nomes de não poucos permanecem na memória do povo colonial, mesmo daqueles que já não os conheceram pessoalmente: Fintan Bärlocher, Franz Murmann, Wilhelm Dörlemann, Mathias Pfluger, Jacob Fäh, Franz Schleipen, Eugen Seinhart, Johannes Hann, Julius Hornung e uma série de outros. Nesse contexto destacaram-se três personalidades, cada qual um original, sob muitos aspetos caracteres opostos, que batalharam de mãos dadas nos grandes projetos de desenvolvimento econômico e promoção  humana. Falamos do suíço Theodor Amstad, que desembarcou no Rio Grande do Sul em 1884 e faleceu em São Leopoldo em 1938, do tirolês austríaco Johannes Rick vindo em 1902 e falecido em Salvador do Sul em 1946. Soma-se a esses dois o bávaro Max von Lassberg cuja atividade estendeu-se de 1888 a 1944. 

Theodor Amstad  concebeu e idealizou os grandes projetos de promoção humana e os pôs em maracha. Johannes Rick com seu gênio indômito e implacável removeu os piores obstáculos que ameaçavam esses projetos. Max von Lassberg deixou nos locais por ele atendidos a memória do pastor de almas incansável disposto a dar tudo de si, mesmo que fosse a vida, pelo seu amado povo colonial. Lassberg dedicou os primeiros anos da sua atividade apostólica no Rio Grande do Sul à cura de almas nas paróquias mais antigas da região do Caí e Sinos, com destaque para Dois Irmãos e Santo Inácio da Feliz.

Com a  publicação em português das “Reminiscências – Allerlei aus meinem Leben”, pretende-se prestar uma merecida homenagem a Max von Lassberg que marcou como fero em brasa a vida colonial do final do século XIX e a primeira do século XXX. Percorrendo as páginas das “Reminiscências” fica difícil acreditar que  um homem, desde jovem lutando com problemas de saúde, fosse capaz de acompanhar o ritmo exigido pelas obrigações pastorais da época. El mesmo conta  como foi obrigado a interromper por vezes os estudos, por causa de um mal crônico que se manifestava através de persistentes dores de cabeça.  Por essa razão sua formação acadêmica parece apenas ter sido a exigida para atender as comunidades coloniais. Não encontramos em seu currículo nada que o compare com o brilho acadêmico de um Schupp,  Teschauer, Hafkemeyer e não poucos outros jesuítas da “velha guarda, inclusive seu irmão Josepf, doutor em Direito Canônico pela universidade Gregoriana, que também dedicou a vida à pastoral entre as comunidades coloniais alemãs, italianas e polonesas no rio Grande do Sul.

Max von Lassberg foi um gigante no cumprimento rigoroso da missão que lhe fora confiada, no quotidiano monótono e repetitivo de pastor de almas, nas intermináveis cavalgadas por todas as regiões de colonização alemã e italiana. Celebrar missas, batizar, ouvir confissões, assistir aos moribundos, presidir matrimônios, sepultar defuntos. Foi assim o seu dia a dia que começava antes do clarear e não poucas vezes emendava com a noite do dia seguinte, sem nunca ter certeza do quando descansar. Nas “Reminiscências” Lassberg nos brinda  com uma pálida  ideia do que significava esse cotidiano de cavalgadas intermináveis durante horas, dias e semanas por estradas quase intransitáveis ou por perigosas trilhas na mata, o sol castigando no verão, o frio congelando no inverno com os intermináveis dias de chuva comprometendo a saúde. Nem pensar numa hesitação, quando se tratava de atender prontamente o chamado para confortar um moribundo, mesmo que fosse numa noite de tempestade, numa madrugada fria e chuvosa, ou que fosse preciso cruzar um rio ou arroio transbordado. Durante 56 anos o Pe. Lassberg submeteu-se a esse ritmo frenético e desgastante, deixando algum momento de descanso para o intervalo dos compromissos pastorais. Montado em seu cavalo  percorreu  grande parte do Rio Grande Sul, oeste de Santa Catarina e Missiones no norte da Argentina. Como se fosse a coisa mais normal do mundo, ele próprio registrou, suas andanças apostólicas por todos os recantos de rio dos Sinos e do Caí. Com a maior simplicidade descreve duas ou mais dessas viagens, sempre no lombo de um cavalo, de Florianópolis a Lages e uma de Curitiba, Lages, Florianópolis, Porto Alegre. Percorreu os recém fundados núcleos coloniais da Serra: Ijuí, Cruz alta, Passo Fundo e Erechim. Nas “Reminiscências” descreve uma série de vivências nos muitos assentamentos novos que se multiplicavam no interior desses municípios. Além de experiências pastorais propriamente ditas, oferece preciosas informações sobre as condições em que esses empreendimentos foram concretizados. O isolamento na mata virgem expunha os pioneiros a todo tipo de doenças e privações físicas, mentais e espirituais. Havia uma aguda deficiência de atendimento médico, de remédios, de assistência pastoral. Em muitos casos faltava tudo até o mais essencial em alimentação, vestuário e moradia. As colonizações da Serra serviram também de cenário a um outro fenômeno menos presente na antiga região colonial. As frentes pioneiras de descendentes de alemães entraram em contato com os descendentes de italianos, poloneses  que avançavam pelo planalto e com os assim chamados caboclos, remanescentes dos bandeirantes, mestiços de lusos, índios e missioneiros.

As “Reminiscências”, além de constituir-se  num documento único das práticas pastorais naquelas regiões, representam  uma rica fonte de informações sobre outras questões relevantes, sobre dados  etnográficos e etnológicos envolvendo questões que informam como aconteceram os encontros de etnias imigratórias mais recentes. Ao mesmo tempo mostra  o perfil das políticas  e modelos de colonização, tanto públicas quanto privadas, sobre a estrutura fundiária, organização e funcionamento das comunidades, organizações de autodefesa, produção, comércio, circulação de pessoas e mercadorias. Tudo isso não do ponto de vista de alguém que avalia  de fora como o historiador, o economista, o sociólogo, o antropólogo, etc. munidos com seus instrumentos de pesquisa  e referenciais teóricos. Os apontamentos foram escritos por alguém que percorreu por cinco décadas as regiões já mencionadas no lombo de um cavalo, enfrentando todos os imprevistos inerentes à situação histórica. Foram escritos por alguém cumprindo com dedicação total uma missão, alimentando-se do quase nada disponível, arriscando a vida ao atravessar rios e arroios transbordados, passando dias e noites encharcado, dormindo em barracos miseráveis ou simplesmente ao relento na beira de uma estrada ou trilha na floresta.   



Bicentenário da Imigração - 70

Práticas de Medicina

Falar em saúde ou na sua antípoda a doença nos primeiros cem anos da imigração alemã no sul do Brasil, significa tocar num assunto que deixava as pessoas e as comunidades em constante sobressalto. É verdade que os imigrantes trouxeram hábitos de higiene e alimentação razoáveis que, aliados a   uma formação média de bom nível,  fizeram com que a mortalidade infantil fosse relativamente baixa e as condições de saúde de crianças e  adultos aceitável em situações normais. A questão assumia outras proporções mais sérias nos casos de doenças e acidentes de trabalho mais graves. Tornava-se dramática nos períodos de epidemias de tifo, cólera, varíola, que exigiam a intervenção de médicos ou pelo menos pessoas com conhecimentos mais avançados de medicina. O Pe. Ambros Schupp caracterizou assim o estado das coisas com a saúde nos primeiros tempos da imigração, na sua obra: “A Missão dos Jesuítas Alemães no Rio Grande do Sul”:

A situação na colônia no que diz respeito a doenças foi durante muito tempo lamentável. Na colônia praticamente não havia médicos e, por isso mesmo, tanto mais charlatães. Mandar vir um médico da cidade significava na prática sacrificar uma fortuna e nem então se tinha certeza que de fato se tratava de um médico pois, muitos que se apresentavam como médicos e doutores, na verdade não passavam de contínuos de farmácia, auxiliares de hospitais ou pessoas do gênero. (Schupp. 2004, p. 204-205)

Consideradas essas circunstâncias fica relativamente fácil deduzir os recursos disponíveis para socorrer os colonos nas suas enfermidades. Naquelas  rotineiras como gripes, resfriados, febres ou ferimentos superficiais, o povo recorria aos remédios caseiros de chás, compressas, água com sal, infusões à base de aguardente, etc. Não raro procuravam-se  charlatães ou algum pseudo médico que por acaso estivesse ao alcance. Em doenças mais graves e ou ferimentos mais sérios  a única saída consistia em entregar a questão  nas mãos de Deus e rezar. Pode-se afirmar que esta era na verdade a situação na grande maioria das comunidades coloniais nas primeiras gerações da imigração. 

Diante dessa penúria em relação à assistência relacionada com a saúde e às doenças, tanto pastores protestantes como sacerdotes católicos costumavam prestar,  ao lado da assistência pastoral propriamente dita, também algum socorro no plano da saúde. O Pe.  Schupp ao referir-se a esta questão deixou registrada a atuação dos padres Lipinski, Blees e Pfluger. 

Já o Pe. Lipinski dispunha de sua farmácia homeopática e, mesmo que suas  doses ínfimas não produzissem grandes efeitos, contribuíam para elevar a confiança dos pacientes e aliviar o seu sofrimento. Os doentes não se esqueciam dos seus préstimos e ainda muito tempo mais tarde lembravam-se dele com grata recordação.

Mais tarde o Pe. Blees  conquistou, por assim dizer,  fama de médico com suas curas, a ponto de muitos colonos vindos de mais longe procurarem seus conselhos e sua ajuda. Nas suas excursões levava sempre três coisas: sua farmácia homeopática, seu bom humor e seu consolo cristão. As três faziam dele um hóspede  bem-vindo em toda a parte. (Schupp, 2004, p. 205) 

A medicina pastoral era praticada por muitos outros sacerdotes que, ao lado da atividade religiosa, costumavam prestar também esse serviço de solidariedade e caridade. Além das práticas homeopáticas como chás, infusões e outras formas, popularizou-se na segunda metade do século dezenove, o método Kneipp da cura pela água. Seu maior divulgador foi o Pe. Mathias Pfluger, pároco de São Salvador, hoje Tupandi. Ele tinha sido colega de seminário de Kneipp e atribuiu à aplicação do seu método sua cura quase milagrosa:

Quando nós dois estudávamos juntos no seminário, fui acometido de tifo, levando-me à beira do túmulo. Kneipp, porém, dizia com certeza intuitiva: Confia em mim, eu te curo. E como segundo os médicos não tinha mais nada a perder, submeti-me à sua cura, que Kneipp, porém, aplicou em segredo, mas com tanto êxito que os médicos se mostraram estupefatos. (citado por Schupp, 2002, p. 205).

A recuperação do Pe. Pfluger foi tão completa quanto duradoura. Ordenou-se sacerdote, entrou depois na Companhia de Jesus, foi mandado para a Missão do Sul do Brasil, fundou e organizou a paróquia de São Salvador, onde faleceu em 1905 aos 77 anos de idade. Entende-se assim que ele difundisse esse método entre os próprios paroquianos e os das paróquias vizinhas. Devido à popularidade que conquistou esse método, ele merece alguns comentários.

Na introdução da sua obra “A Cura pela Água” o pároco Kneipp detalhou as bases sobre as quais se apoiava  o seu método. Em primeiro lugar o “o corpo humano é uma obra prima saída das mãos de Deus. Cada pecinha ajusta-se à maior e todas elas no seu conjunto formam um todo harmônico”. A perturbação da harmonia chama-se doença. Todas as enfermidades, chamem-se como02
 se quiser, têm a sua origem no sangue ou melhor na perturbação do sangue, tanto na circulação quanto na composição, por líquidos  deteriorados. A cura se dá pela eliminação dos ingredientes perturbadores do sangue que são as doenças. Essa eliminação se dá por meio da “cura pela água”. A água age de três maneiras: separa os agentes tóxicos do sangue, elimina-os e fortifica o organismo debilitado. Kneipp afirmava que todas as doenças curáveis tem cura pelo método que ele criou, por agirem na raiz da própria enfermidade: separando os agentes tóxicos, eliminando-os, restabelecendo a circulação normal e, finalmente, temperando e fortificando o organismo.

O método Kneipp da “Cura pela Água” gozou de uma aceitação impressionante na Europa e em outras partes do mundo, nas décadas finais do século XIX.  Para se ter uma ideia, entre 1886 e 1893 houve 44 edições do seu manual. Não é aqui nem o lugar nem a ocasião para entrar no mérito terapêutico do método. Em todo o caso a sua popularização pelo Pe. Pfluger ainda repercute em comunidades por ele atendidas no atual município de Tupandi e arredores, onde a aplicação de práticas do método Kneipp ainda hoje podem ser observadas. 

O método Kneipp divulgado pelo Pe. Pfluger e os tratamentos por meios homeopáticos de todo o tipo de enfermidade foram diminuindo na medida em que médicos formados se foram instalando na região colonial. O Pe. Schupp informa que, a partir daí,  os superiores proibiram aos padres que cuidavam daquelas paróquias as farmácias homeopáticas e a função de médicos. 

Referimo-nos até aqui às práticas de saúde entre os colonos alemães católicos, normalmente por conta de padres encarregados da pastoral. Do lado dos evangélicos a assistência aos colonos, apresentava características muito semelhantes. Parece que entre eles a presença de profissionais da saúde leigos aconteceu mais cedo do que entre os católicos. Até um médico o dr. Carl Gottfried von Ende, encontrava-se entre as primeiras levas. Mas uma assistência mais permanente ficou a cargo de pastores a serviço das diversas comunidades. Se entre os católicos sobressaíram  os padres Lipinski, Blees e Pfluger, entre os  protestantes o pastor Peters é a personalidade mais emblemática. Nascido em 1842 veio ao Brasil em 1871 e seu campo de trabalho veio a ser o Forromeco com as  quatro comunidades: Forromeco, Feliz, Francesa, Porto dos Guimarães (São Sebastião do Caí). Não vem ao caso aqui as enormes dificuldades que no começo tornaram sua atividade pastoral extremamente difícil. Um dos fatores que finalmente lhe conquistou a confiança e o apreço, foram suas habilidades no tratamento das doenças mais comuns do quotidiano da colônia. Como estudante no Seminário de Barmen atuara como enfermeiro voluntário durante uma epidemia de cólera, familiarizando-se com os procedimentos mais essenciais de enfermagem, o que lhe seria muito útil no contato com os problemas de saúde dos colonos a ele confiados.  A prática adquirida cuidando de afetados pela cólera, somada ao aprofundamento dos conhecimentos relativos a doenças, doentes e respectivos tratamentos, o Pastor Peters aliou cuidado pela saúde da alma ao bem estar  do corpo. O êxito nos dois planos conquistou-lhe, por fim, admiração e a veneração dos fieis. 

Para tanto, muito contribuiu o fato de prestar assistência  médica a todos os doentes e, tanto em virtude do dom natural para essa profissão, quanto através de uma prática que sempre mais se ampliava, tornou-se capaz  de realizar grandes coisas. Não só prescrevia medicamentos, como também realizava operações. E é maravilhoso que não tenha falhado em nenhuma das muitas, por vezes complicadas operações  ou que alguma delas  tenha tido fim trágico. A fama dos seus conhecimentos médicos e de sua destreza, em breve, ultrapassaram os limites de suas comunidades. Foi visitado, consultado, buscado, e seu trabalho se multiplicou de maneira tal que o cansava e desgastava. (Os Dois Vizinhos e outros textos, 1997, p. 193)

É claro que a prática médica lhe aplainou o caminho em muitas dificuldades. Jamais estive  no Forromeco sem que de fato muitas pessoas, em busca de socorro, viessem à casa  pastoral, e Peters não conseguia andar a cavalo, em sua comunidade e fora dela, sem que fosse consultado por doentes. A procura e a confiança nele eram muito grandes e deve-se dizer que tinha um tino admirável para descobrir a causa dos sofrimentos e grande segurança ao operar. Era um “médico por graça de Deus”, como bem foi dito, e como tal foi benfeitor de milhares. ( ... ) Como fosse consciencioso, de modo algum quis assumir o papel de “charlatão”. Por isso reiniciou seus estudos de medicina, iniciados em Barmen. Em breve, podia-se encontrar em sua biblioteca as mais recentes e melhores obras da área de terapêutica; sua biblioteca tornava-se, ano após ano, mais completa e seus instrumentos eram tão diversificados que um médico urbano ocupadíssimo, certamente não teria necessitado de mais. (Os dois Vizinhos e outros textos, 1997, p. 201). 

Deixando de lado o charlatanismo desde o começo presente no meio colonial, o Pastor Peters e em escala menos visível os padres jesuítas antes mencionados, foram os protótipos do médico  prático. No caso de Peters falou-se em “médico por graça de Deus”. Comumente a referência a estes é de médicos que  “praticando” tornaram-se profissionais. Eles podem ser encontrados, até 1930, em não poucas comunidades coloniais pelo sul do Brasil, prestando serviços de alto valor. Não há necessidade de insistir que, também  a partir da segunda metade do século XIX médicos formados em escolas de medicina na Alemanha, emigraram para o Brasil. A grande maioria, porém, estabeleceu-se nos centros maiores para atender às  comunidades urbanas de imigrantes assim como a população em geral.  

Classificamos as doenças de que nos ocupamos até aqui como aquelas rotineiras: gripes, resfriados, infecções das vias respiratórias e outras mais, relacionadas normalmente à mudanças na rotina climática ou acidentes mais leves como fratura de braços ou pernas, cortes superficiais, etc. A  situação tornava-se bem mais complicada quando enfermidades mais graves como pneumonia, pleurisia, apendicite, surtos de tifo, varíola, mordida de cães raivosos, partos complicados ou acidentes graves de trabalho, exigiam socorro especializado. Nas três primeiras décadas um pouco mais havia por fazer do que confiar na capacidade de reação de cada enfermo ou  entregar a questão nas mãos de Deus. Já durante a década de 1850, com a formação das comunidades urbanas de imigrantes em Pelotas, Rio Grande, Porto Alegre e outras cidades, estabeleceram-se aí também médicos que atendiam em seus consultórios particulares e/ou na Santa Casa. Nos casos de urgência o maior problema ficava com a distância e as  condições de transporte do doente ou do acidentado. No momento em que se configurava uma situação do gênero numa picada no interior do vale do Caí, por exemplo, a remoção até a Santa Casa dividia-se em três etapas. Na primeira carregava-se o acidentado numa maca improvisada até o local onde numa segunda etapa era levado de carroça até o porto fluvial de Caí ou Montenegro. A viagem continuava depois numa lancha pelo rio  até Porto Alegre. Não é difícil de entender que, em tais circunstâncias, um número mínimo de casos graves pudessem ser socorridos com chance de êxito. Evidentemente só em situações em que o paciente estava em condições de sobreviver à viagem, fato que se dava por ex. quando alguém era mordido por um cão raivoso, sofria de tuberculose, casos de queimaduras mais sérias ou outros males que exigiam um tratamento que reclamava recursos especializados e acompanhamento presencial do médico e de  enfermeiras.  Jornais, almanaques, periódicos e outras publicações da época 0 registraram muitos exemplos  a respeito. 

Um momento histórico de grande preocupação teve como causa o surto de varíola que acometeu em cheio também a colônia alemã em meados da década de 1870. A primeira vitima da doença foi a filha menor do prof. Mathias Schütz de Bom Jardim. O Pe. Schupp relatou a evolução e os estragos causados pela epidemia em Bom Jardim, 48 colônias, Schneiderstal, São José do Hortêncio e demais comunidades da região. Depois da alguns dias da confirmação da doença na filha do professor Schütz e outras crianças adoeceram. No começo a população não considerou a situação como de gravidade excepcional. Ocorreram então os primeiros falecimentos devidos à varíola. 

A situação sustentou-se por algum tempo. Então a assistência entrou em colapso. O pior foi que não se dispunha  de nenhum médico em condições de  assumir os doentes, nenhuma policia sanitária em condições de prescrever regras de higiene capazes de dar um basta ao alastramento da epidemia.

O Pe. Steinhart  em pessoa foi obrigado a deslocar-se até Porto Alegre a fim de procurar um médico, porque  na época não havia nenhum em São Leopoldo. O médico, um alemão (dr. Heinzelmann), prescreveu regras de conduta e insistiu na vacina, entregando-lhe linfa e dando-lhe recomendações. As primeiras vacinas foram ministradas pelo próprio padre, depois ele treinou terceiros. (Schupp, 2004, p. 206)

Não demorou muito e o próprio Pe. Steinahrt contraiu a doença. Mesmo enfermo foi atender toda uma família doente no Bohnental. Eram 11 horas da noite e o padre achava impossível arriscar-se para prestar socorro naquele estado, naquela hora da noite e sob chuva persistente. Rendeu-se ao pedido insistente de socorro do colono que fora buscá-lo. Depois da visita entregou os pontos e confiou  a paróquia ao Pe. Hag. Depois de oito dias de resguardo retomou as atividades.

O Pe. Schupp registrou o episódio dramático de varíola acontecido com o Sr. Karl Sänger. O Pe. Steinhart foi chamado para a casa de Sänger para assistir à sua filha e ao genro gravemente acometidos pela varíola. Assistiu ao falecimento dos dois praticamente na mesma hora. O pai e o pároco colocaram os caixões com os dois defuntos sobre o muro do cemitério, velaram-nos por algum tempo, depois abriram sepulturas e os enterraram. Seria longo demais continuar enumerando e comentando episódios relacionados com a epidemia de varíola em Bom Jardim. Registros mais detalhados podem ser encontrados em Schupp e Carl Schlitz. 

Ao mesmo tempo  instalaram-se farmácias, laboratórios de manipulação e nos jornais e almanaques multiplicaram-se anúncios oferecendo medicamentos para as finalidades mais comuns da época. Mas este é um assunto que mereceria um capítulo à parte.

Bicentenário da Imigração - 69

Com a eleição para a Constituinte Estadual encerrou-se a efêmera existência do Partido Católico do Centro. Como herança mais viva para os católicos do Rio Grande do Sul, permaneceu a Typographia do Centro. Essa casa editora não tardaria  em passar para as mãos de Hugo Metzler que fez dela porta-voz dos interesses dos teuto-católicos e isso até a sua morte em 1929. Sucederam-no na mesma missão seus filhos Franz, Rudolf e Wolfram. Em 1956 um incêndio não totalmente esclarecido destruiu a Typographia do Centro com todas as  instalações, coleções de jornais, periódicos, almanaques, etc. nela arquivados. Por ocasião do incêndio Nestor Pereira era seu diretor. 

Além da Typographia do Centro o Partido do Centro lançara a semente para futuras organizações que congregariam os católicos de origem alemã, em torno de projetos sociais, políticos, econômicos educacionais, culturais, assistenciais e  religiosos mais abrangentes. O malogro de um partido político fora o primeiro e importante passo no sentido de os alemães católicos se organizarem e, dessa maneira, encontrar um “modus vivendi” civilizado, favorável e produtivo com as autoridades constituídas e com os demais segmentos da sociedade riograndense. Vai neste sentido o comentário do Pe. jesuíta Georg Lutterbeck: 

Como já vimos o Partido do Centro só existiu por alguns anos, mas deixou nas paróquias  coloniais, como precioso legado, a consciência da necessidade de se organizarem para a consecução de seus fins: humanos, religiosos e culturais. Pode-se dizer que com o ano de 1890, começou em todas as paróquias dos jesuítas um nova vida, por meio das mais variadas organizações associativas.  (Lutterbeck, 1977, p.)

Generalizou-se a convicção de que um partido confessional como fora o Partido Católico do Centro, contaria com chances quase nulas para se impor no cenário político regional e com muito mais  dificuldade ainda no nacional. Essa realidade tinha ficado muito clara  com as duas eleições em que o partido participou. As lideranças católicas defrontaram-se então com um desafio muito sério e, ao mesmo tempo, fascinante: encontrar caminhos  e  estratégias capazes de marcar a sua presença no contexto do Estado e com isso fazer valer seus direitos como cidadãos e participar, pelo menos de forma indireta, nas decisões políticas. 

As lideranças católicas convenceram-se que a fórmula  mágica estava na sólida organização das comunidades rurais e urbanas. E, para concretizar esse objetivo, era preciso conscientizar essas comunidades e arregimenta-las  em torno de propósitos comuns, em torno de projetos comuns. Já não se trataria mais de agremiação política formal. Partiu-se então para a formulação e a concretização de projetos abrangentes de promoção humana que contemplavam todos os aspectos da vida humana: a educação, a economia, o lazer, a política, a assistência social, a  cultura, a arte e a religião. Objetivou-se-se, portanto, uma sociedade composta de homens e mulheres comprometidos com o bem estar coletivo. Procurou-se promover o desenvolvimento humano em todas as suas dimensões, uma participação política em que os direitos e deveres dos cidadãos, o bem comum e os valores éticos cristãos, ocupariam o primeiro lugar. Essa era, sem dúvida, uma autêntica tomada de posição política, criando condições para o pleno exercício da cidadania. E as três décadas que se seguiram demonstraram à saciedade, o acerto dessa opção. Lutterbeck concorda com essa conclusão quando escreve: “Como já vimos, o Partido do Centro só existiu por alguns anos mas deixou nas paróquias coloniais, como precioso legado, a consciência  da necessidade de se organizarem para consecução dos seus fins: humanos, sociais, religiosos e culturais”. (Lutterbeck, 1977, p. 120)

Superada a experiência do Partido do Centro com sua efêmera duração e seus resultados insignificantes, as lideranças católicas partiram para iniciativas mais abrangentes. Os cabeças do Partido do Centro, como é óbvio foram lideres católicos leigos. As grandes organizações  das décadas posteriores encontraram no clero, de modo especial entre os padres jesuítas, seus condutores mais ousados e mais entusiastas. A razão é por todos conhecida. Foram os religiosos dessa Ordem que mantinham sob sua responsabilidade a fatia mais importante da pastoral nas comunidades e orientavam a educação nas escolas comunitárias nos colégios e ginásios dos centros urbanos mais importantes. 

A filosofia que orientava as organizações de que trataremos a seguir, e as estratégias que as conduziram na prática, não foram inventadas aqui. Não foram originais. Inspiraram-se nos “Katholikentage”, nos “Katholikenversammlungen”, “os Congressos dos Católicos “ ou Assembleias Católicas”, muito em voga na época entre os católicos da Alemanha, Áustria e Suíça. 

Três foram os padres  que se tornaram credores dos maiores méritos no desencadear das organizações teutas: Peter Gasper, Eugen Steinhart e Carl Schlitz. Sob sua liderança realizou-se em 1897 em Bom Jardim (Ivoti) o primeiro encontro geral dos católicos. Não foi propriamente um Congresso Católico, um Katholikentag, mas uma espécie de ensaio, uma experiência para verificar a viabilidade desse tipo de assembleia. A experiência foi bem sucedida. Animou os organizadores a programar o primeiro Congresso Católico para valer, para fins de março de 1898. O local escolhido foi Harmonia, então distrito do município de Montenegro. Foi um sucesso total. Nos  três dias que durou debateram-se os assuntos mais variados do interesse das comunidades teuto católicas. A iniciativa mais importante veio a ser  a fundação da Associação dos Professores e Educadores Católicos do Rio Grande do Sul. (Deusch-Katholischer Lehrer- und Erziehungsverein von Rio Grande do Sul), conhecido simplesmente pelo nome “Lehrerverein”, Associação dos Professores. Dessa forma foi atendida uma das necessidades mais prementes das comunidades teuto católicas, isto é, garantir para a rede escolar comunitária, em crescente ritmo de expansão, unidade de objetivos, unidade didático-pedagógica, período escolar igual para todos, sob o comando único da orientação da Associação dos Professores. 

Nos anos seguintes os Congressos repetiram-se a cada ano em locais diferentes. Para 1899 a sede escolhida foi Santa Clara, no interior de lajeado, em 1900 Santo Inácio da Feliz, em 1901 São José do Hortêncio. Depois a frequência foi espaçada para dois anos até 1940, o último Congresso durante a  Segunda Guerra Mundial. 

A respeito das  temáticas debatidas nesses Congressos observou Lutterbeck: 

O fim principal de tais Congressos era evidentemente a intensificação da vida e ação religiosa cristã, bem como a união dos católicos teutos a fim de solucionarem seus problemas mais candentes. As conferências  proferidas por leigos e padres, versavam quase sempre sobre assuntos  da atualidade, mas ocupavam-se também das questões sociais, econômicas e da imprensa. Não é de se admirar que desses Congressos surgissem novas organizações associativas concretas pois, não se pretendia ficar no mero debate verbal e sim proceder à ação. (Lutterbeck, 1977, 123-124)

Dede o começo o “Deutsches Volksblatt”, fundado em 1871, contribuiu para o êxito dos Congressos Católicos e as iniciativas neles deflagradas. Os registros, os comentários e as análises  constantes em suas páginas, guardaram para a posteridade as provas do extraordinário vigor que animava as comunidades teuto católicas, no final do século XIX e nas três primeiras décadas de 1900. Impõe-se por isso mesmo como fonte obrigatória para qualquer pesquisador que se ocupa com essa temática.

Voltando agora para os Congressos Católicos, para as organizações e para os meios utilizados para incentivar o teuto-catolicismo, iremos constatar uma grande capacidade criativa e uma não menor versatilidade na prática. 

Já o terceiro Congresso Católico em Feliz em 1900, tornou-se palco do surgimento de uma nova associação. Dessa vez não se tratou de reunir formalmente pessoas dedicadas a uma tarefa específica como foi a Associação dos Professores, mas arregimentar a população em geral em torno de um estatuto que se propunha  a promoção, o desenvolvimento e o bem estar material, social e espiritual de todos. Depois de um discurso inflamado do Pe. Amstad, nasceu a “Associação Riograndense de Agricultores”, o “Riograndenser Bauernverein”. A ata de fundação foi assinada  por aproximadamente 400 sócios fundadores, um número, sem dúvida, considerável para a época. É legítimo concluir daí que uma Associação numericamente tão expressiva e regionalmente  considerável, dispusesse de um potencial de pressão e barganha, também política, nada desprezível.

Enquanto o “Deutsches Volksblatt” desempenhava o papel de veiculo de formação e informação geral, tanto a Associação dos Professores como a Associação Riograndense de Agricultores contavam com um veículo de comunicação específico: “Leherzeitung – Jornal do Professor” e “Bauernfreund – Amigo do Agricultor”, respectivamente. Essas folhas circulavam em edições mensais ou em edições de dois em dois meses. O primeiro teve início em janeiro de 1900 e foi fechado pela Campanha de Nacionalização em setembro de 1938. O Bauernfreund começou a circular também em 1900 e fechou em 1914 com o encerramento definitivo da Associação Riograndense de Agricultores.

Aqui é preciso chamar a atenção para um detalhe. A associação Riograndense de Agricultores foi criada pelos teuto-católicos. Desde a sua origem, porém, e pelos estatutos, ela franqueava as portas também aos protestantes e aos elementos de outras etnias como italianos, lusos e todos os demais. A pretensão, portanto, foi colocar em andamento uma organização suficientemente abrangente para arregimentar uma parcela significativa do Rio Grande do Sul, em torno de um objetivo comum: a promoção humana e a defesa dos interesses legítimos  de todos. Em termos meramente políticos uma organização desse gênero, continha em potencial, uma força inegável com a vantagem de contornar os problemas que costuma acompanhar o sectarismo político partidário . 

Durante a sua existência efêmera, 1900-1910, a Associação Riograndense de Agricultores  promoveu uma série de iniciativas que visavam enfrentar e resolver os problemas que surgiam no meio teuto-brasileiro. Algumas resultaram em empreendimentos cujos efeitos perduram até hoje. Outras não passaram dos passos iniciais. Outras ainda não ultrapassaram o recinto dos debates das assembleias gerais. 

Entre os projetos mais importantes e também mais duradouros enumera-se a colonização na região das Missões, começando por Cerro Largo e áreas contíguas, a criação da primeira cooperativa de crédito do tipo Raiffeisen em Nova Petrópolis e as primeiras cooperativas de produtores de leite. Seguiram-se depois dezenas dessas cooperativas e a elas somaram-se cooperativas de produção de tudo que é tipo, cooperativas de consumo e cooperativas de comercialização. Essas cooperativas serviram de modelo para o cooperativismo como uma via alternativa ao capitalismo liberal e ao capitalismo estatal.  Entre as iniciativas que permaneceram ou até morreram nas primeiras tentativas, contam-se principalmente três: A proposta de um reflorestamento sistemático a partir de essências nativas, o uso racional e recuperação dos solos por meio de métodos naturais; a tentativa de fazer da Associação dos Agricultores uma agremiação interétnica e interconfessional: a introdução de culturas alternativas com  finalidade de abrir  o leque de opções de produção para os colonos como o soja, algodão, lúpulo, cevada e outras. Entre as  propostas que não puderam ser postas em prática, ou por falta de tempo, ou por falta de interesse, figuram instituições de amparo mútuo, seguro privado, hospitais, asilos e orfanatos. 

Em 1909 a Associação Riograndense de Agricultores foi transformada em sindicato. Com essa decisão as lideranças mais expressivas, tanto católicas como evangélicas retiraram.se  e partiram para organizações independentes. Foi assim que no Congresso Geral dos Católicos realizado em Venâncio Aires em 1912, foi fundado o “Volksverein”, conhecida como Sociedade União Popular,  destinada exclusivamente para os católicos.

A Sociedade União Popular pode ser considerada como herdeira e continuadora da filosofia e dos ideais da Associação Riogandense de Agricultores. Também ela tinha como objetivo a promoção integral do homem. Essa intenção fica clara quando se examina o esboço dos estatutos apresentados por ocasião da sua fundação: “A finalidade da Sociedade consiste em promover o bem estar tanto material como espiritual dos católicos de descendência alemã no Rio Grande do Sul”. (Paulusblatt, 1912, nr.1 , p. 8)

A concretização  desse objetivo deveria acontecer na prática:

1. Pondo em prática as resoluções das Assembleias Gerais; 2. Preocupando-se com novas fronteiras de colonização para católicos; 3. Desenvolvendo iniciativas católicas de beneficência e assistência, concretizadas  na medida em que as necessidades o aconselharem: 4. Tendo uma constante e geral preocupação em promover as escolas paroquiais católicas; 5. difundindo a boa imprensa e a boa leitura assim como a edição e distribuição gratuita aos associados de uma publicação periódica; cuidando da instrução popular mediante palestras e conversações; 7. intermediando empregos e informações; 8. Garantindo assistência jurídica aos associados. (Rambo, Arthur, 1993, p. 41).

Verificando agora até que ponto a Sociedade União Popular alcançou de fato seus objetivos nas cinco décadas que se seguiram à sua fundação pois, é esse o período que interessa mais de perto aqui. Podem-se destacar entre as realizações duradouras  a preocupação com os colonos, geralmente casais jovens, que partiam para novas fronteiras de colonização. Para acompanha-los e ampara-los mais eficaz e mais permanentemente, a Sociedade patrocinou, a partir de meados da década 1920 a colonização de Porto Novo (Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis), no extremo oeste de Santa Catarina. No terreno da assistência social concretizou duas instituições de inestimável valor e significado: o asilo e hospital de São Sebastião do Caí, a Colônia de Leprosos e o Amparo Santa Cruz em Itapuã, destinado a abrigar os filhos sãos das mães leprosas internadas. 

Mas foi em primeiro lugar durante as décadas de 1920 e 1930 que a Sociedade União Popular dedicou atenção toda especial à escola e educação, à consolidação das comunidades, à vida religiosa, à melhoria e aprimoramento das técnicas de manejo do solo e das lavouras, à difusão do cooperativismo de crédito, de produção, de consumo e de comercialização, à multiplicação e ao aprimoramento da imprensa. De tudo isso pode-se concluir que os teut-católicos ostentavam na época uma organização de grande solidez, coesa e dinâmica e de não pouco peso político. Centenas e milhares de comunidades rurais e urbanas participavam da viabilidade do projeto. 

Bicentenário da Imigração - 68

Religião e Participação política.

Jean Roche na sua obra “A Colonização Alemã no Rio Grande do Sul”, tornada clássica e obrigatória para todo aquele que pretende compreender o significado da presença alemã no Estado, introduziu suas considerações  sobre a participação política dos imigrantes  e seus descendentes  com essas palavras: “Durante todo o século dezenove e quase toda a primeira parte do século vinte, o papel político dos teuto-riograndenses foi quase nulo” (Roche, 1969, p. 227)

Roche baseou essa sua afirmação numa série de fontes, de testemunhos e de declarações de alemães ou dos seus descendentes, durante a segunda metade do século dezenove. Entre os mais conhecidos citou Handelmann, Koseritz, Tschudi e Kohen. 

Vários foram os fatores que contribuíram para essa situação. Entre eles merecem destaque os seguintes:

Primeiro. Os grandes latifundiários, os estancieiros criadores de gado, controlavam de fato toda a política local, regional e por vezes também  a nacional. Esse fator apontado por Jean Roche, foi certamente de um significado inegável, já que as estâncias  se transformaram em autênticos feudos dos quais emanava todo o poder político e a partir deles eram ditadas as diretrizes e as regras da ação política. Ao colono alemão e aos outros  não restava outra saída senão entrar no jogo das oligarquias estancieiras ou permanecer à margem do processo político. Esse pelo menos parece ter sido o quadro dominante em toda a segunda parte do século XIX. 

Segundo. Além desse, um outro fator foi de grande relevância. Na região colonial que, na época estava confinada grosso modo nos vales do Sinos, Caí, Taquari, Pardo e Jacuí, assim como nas comunidades urbanas das cidades maiores, os alemães preservavam a sua feição germânica. O contato e intercâmbio com o mundo luso-brasileiro não passava de episódico e superficial. Para os detentores do poder político essa população praticava uma economia de baixo potencial de competição comparada com a criação de gado das estâncias. Essa população que falava alemão e não oferecia ameaça política alguma, embora pudessem contribuir  com um precioso reforço eleitoral, quando seus interesses estivessem em jogo. Essa situação foi assim descrita pelo Pe, Schupp:

Nos primeiros tempos certamente nenhum alemão da colônia teria alimentado a veleidade de participar ativamente na vida oficial do Estado, pela simples razão de dificilmente encontrar-se alguém que compreendia português. Só era possível encontrar candidatos para determinadas funções  que pela sua natureza podiam ser exercidas no âmbito da própria colônia. De outra parte não faltavam os padres que por razões muito ponderáveis que defendiam esse isolamento. Tal situação foi superada com o correr do tempo. Generalizou-se a convicção de que o colono, caso quisesse fazer valer seus direitos teria que apropriar-se  da língua a um nível suficiente. (Schupp, 2.004, p. 184)

Terceiro. Esse elemento reforça os anteriores. Até o final do Império os alemães  não se haviam congregado em organizações  mais abrangentes. Na capital e no interior do estado pululavam centenas de sociedades, associações, clubes e outros tipos de agremiações. Entre elas, porém, não se estabelecera, até então, uma unidade ao ponto de serem capazes de empreender e perseguir objetivos comuns, também no terreno da participação política.

Quarto. Mais um fator pode se destacado. É conhecido e notório que um dos propósitos  de maior peso ao promover-se a colonização com imigrantes europeus não lusos, consistiu em povoar as regiões devolutas e estimular uma agricultura alternativa aos latifúndios monocultores. A intenção dos governos fora  convidar os alemães para serem colonos e não para servirem de fermento visando uma futura transformação do modelo político. 

Entretanto a multiplicação das comunidades dos imigrantes e de seus descendentes, a abertura constante de novas fronteiras de colonização e consequente dispersão geográfica nas duas últimas décadas do século XIX, deixaram claro que era preciso partir para organizações mais abrangentes. Esse fato ficou de modo especial evidente naquilo que representava a essência das comunidades teuto-brasileiras: a religião, a educação, a economia agrícola, o lazer e a cultura. A interrogação que se colocava nesse contexto perguntava pelas pretensões políticas dessa população tatno rural como urbana. Se até o final do Império o interesse nesse sentido não fora muito visível com a proclamação da República começou a fazer parte  cada vez maior das preocupações. Contribuíram para tanto dois outros fatores. 

O primeiro já foi mencionado há pouco. O território ocupado, o nível de desenvolvimento e o volume da produção agrícola, o comércio, os artesanatos e as indústrias incipientes, somados à organização comunal, educacional e eclesiástica, fizeram com que os alemães católicos não se contentassem mais em fazer o papel de meros espectadores do processo político. Aspiravam  por uma participação  ativa e, dessa forma, influir nas decisões governamentais e administrativas. 

O segundo foi consequência direta da mudança do regime monárquico para o republicano. A nova situação teve reflexos profundos sobre as comunidades teuto-católicas. Da Monarquia, um regime em que vigorava a união do Estado com a Igreja, passou-se  para a República e a consequente implantação do Estado laico, sob muitos aspectos desfavorável e não raro hostil à Igreja Católica. A nova situação estava a exigir dos católicos  a tomada de uma posição política mais definida e mais combativa. Caso contrario pouco ou nada conseguiriam das autoridades responsáveis pela nova ordem. O tempo em que o governo civil e o governo eclesiástico conviviam numa parceria compulsória por imposição constitucional,  ficara definitivamente parra trás. Foi preciso empenhar-se com muita seriedade e ir em busca de uma fórmula adequada para conviver com a nova realidade. 

Não tardou e uma solução veio oferecer-se. No terreno da participação e da militância política, os católicos alemães no Rio Grande do Sul, encontraram uma fonte de inspiração no Partido do Centro Católico da Alemanha. Essa agremiação política constituiu-se de fato no protótipo para o Partido Católico do Centro, fundado em 1890. O Partido do Centro foi uma tentativa de reação e uma resposta ao governo republicano, por causa de uma série de medidas que incomodavam os católicos. Entre elas sobressaíam a obrigatoriedade do casamento civil antes do religioso, a legislação dos cemitérios, a inelegibilidade do clero, a proibição do ensino religioso nas escolas públicas  e outras mais. 

Uma observação prévia se faz necessária. Embora o Partido do Centro aqui no Rio Grande do Sul tivesse a sua inspiração no Partido do Centro Alemão, não significou que tenha sido pensado como um partido católico exclusivamente para alemães. Registraram-se nele também católicos de outras etnias. Participaram dele de modo especial elementos da tentativa mal sucedida de um Partido Católico na década de 1870. Dessa forma assinaram  a ata de fundação do Partido Alfredo Clemente Pinto, Francisco de Paula Lacerda de Almeida, Clemente Wallau e João Mayer Junior. Ao constituir-se o diretório  acresceu um nome luso, o do Pe. José Marcelino Bittencourt. Mais tarde numa proclamação e aí sim os novos nomes foram todos de alemães: Mathias José Sehl, Anton Klein, Pe. Carlos Becker, Prudêncio Matte, Wilhelm Bernd, Anton Wolfenbütel e Franz Raht.

Constava das intenções do Partido um projeto de jornal em língua portuguesa. Para viabiliza-lo foi adquirida a gráfica “Século”, em seguida fundida com a gráfica de Franz Rath. Na verdade a casa editora assim constituída, deveria dar suporte a um projeto publicitário bem mais ambicioso. Incorporou o jornal “A Época”, “Il Corrieri Cattolico” e o “Deutsches Volksblatt”. Este último estava sendo publicado desde 1871 pelos padres jesuítas em São Leopoldo. Publicar-se-iam assim três jornais nas três línguas mais importantes da época no Rio Grande do Sul. 

Não demorou e a editora transformou-se numa sociedade anônima tendo como diretor o sr. Clemente Wallau. Responsabilizou-se  pela continuidade, pela impressão e  circulação do “Deutsches Volksblatt” e, a partir de maio de 1890, pelas edições semanais da “Época” e, a partir de meados de 1891 do “Il Corriere Cattolico”. 

Os pontos programáticos do Partido do Centro foram assim resumidos por René Gertz em seu artigo intitulado: “Catolicismo Social no Rio Grande do Sul: A União Popular”. 

1. Liberdade religiosa para o catolicismo, sem intromissão do Estado; 2. Isenção do serviço militar para clérigos e seminaristas, inclusive; 3. Intangibilidade e garantia para as  propriedades eclesiásticas, inclusive as das comunidades locais; 4. Fim das escolas ateias mantidas pelo Estado (pois isso contribui para a malversação de impostos e atenta contra a liberdade de ensinar e fundar escolas; 5. Fim da obrigatoriedade do casamento civil (um incentivo à vida desregrada. (Gertz, 1992, p. 555)

O novo partido não perdeu tempo. Participou das primeiras eleições republicanas em que foram eleitos em 15 de setembro os constituintes. O resultado, como não podia deixar de ser, foi insignificante. D. José Cláudio Ponce de Leão, recém nomeado bispo de Porto Alegre, fora indicado como candidato a senador. Além de mineiro só chegou ao Rio Grande do Sul depois de realizadas as eleições. Mesmo que tivesse sido eleito não poderia ter assumido por duas razões. Em primeiro lugar as obrigações como bispo não o teriam permitido e em segundo lugar sua eventual eleição teria sido nula porque a legislação previa a inelegibilidade do clero.

Na mesma ocasião haviam sido indicados como candidatos a deputados os senhores Luis Englert, Carlos  Wallau, Alfredo Clemente Pinto, Francisco de Paula Lacerda e outros. No decorrer da campanha aconteceu uma  séria divisão interna do partido. De um lado alinhavam-se os católicos ortodoxos extremados. Condenavam simplesmente qualquer regime republicano e pregando o catolicismo extremo. René Gertz registrou um exemplo típico dessa posição.

Um exemplo temos em Santa Clara (Lajeado), onde o Pe. Maierhofer disse algum tempo depois das eleições: No juízo final Deus não perguntará apenas  pelas boas obras e pela vida correta de cada um, mas ele  perguntará também se vocês votaram no Partido Católico ou na República. Poucos meses depois o Pe. Haltmeier instigava os fieis do mesmo lugar contra os republicanos a ponto de ocorrerem agressões físicas. (Gertz, 1992, p. 555)

Diante dos fatos e dos resultados eleitorais a grande maioria dos filiados ao Partido do Centro e os simpatizantes assumiram um posição mais objetiva e mais pragmática. Certos de que as potencialidades eleitorais, ao menos no momento, eram muito limitadas, optaram por transformar a agremiação num grupo de pressão sobre o partido governista e dessa maneira conseguir uma fórmula de convivência com os donos do poder, garantindo assim os interesses dos católicos do Rio Grande do Sul. Essa decisão foi registrada na “Deutsche Zeitung” de 22 de agosto de 1890, citada por Gertz:

Nos princípios claros do Partido Católico está o fato básico para que o Partido vote a favor do governo, na firme convicção de que o governo não incomodará e muito menos proibirá nossos curas em seu trabalho, que até agora trouxe  o bem e o útil. Sabemos muito bem que a felicidade e a salvação do nosso Brasil estão no fortalecimento de um vigoroso partido governamental  e estamos longe de querer representar um entrave ao desenvolvimento abençoado de um pais que anseia pelo progresso. Deixem-se em paz os nossos curas e protejam-se os educadores de nossa juventude, e não se encontrarão republicanos menos exigentes e mais fieis do que nós do Partido Católico. (Gertz, 1992, p. 555-556)

O “modus vivendi” entre a ala moderada que representava a maioria do Partido do Centro e os republicanos, transpareceu claramente  quando se tratou de montar a nominata  dos candidatos para a eleição dos constituintes em setembro de 1890. No conhecido episódio da não inclusão de Barros Cassal na lista dos candidatos do Partido Republicano, achava-se na lista de assinaturas dos dissidentes do partido e de Carlos Wallau que era candidato católico. A própria direção do partido republicano sugeriu mais tarde que os eleitores de origem alemã que se sentissem prejudicados pela não inclusão de um nome alemão na nominata, incluíssem Luis Englert e Carlos Wallau. De outra parte estando incompleta a nominata da chapa católica, foram vários nomes, até de positivistas como o de Júlio de Castilhos, Barros Cassal e Antão de Farias, entre outros.

A política de abertura, de quase conluio da ala mais liberal do Partido do Centro com o Partido Republicano, resultou numa séria crise interna, seguida da demissão de vários membros importantes do diretório. O resultado foi óbvio. Enfraqueceu-se em muito o Partido do Centro. O governo aproveitou a situação e mandou seus agentes manipular descaradamente as eleições nas colônias alemãs católicas como Bom Princípio, São José do Hortêncio, Santa Cruz do Sul e outras. 

Aconteceu então o previsível. Nenhum dos candidatos católicos foi eleito. O mais votado foi Carlos Wallau com 2271 votos, quando o menos votado do Partido Republicano obteve 30635 votos. 

A segunda e derradeira tentativa de participação do Partido do Centro se deu em maio de 1891, quando da eleição estadual. Foram apresentados três candidatos: Luis Englert, Alfredo Clemente Pinto e Francisco de Paula Lacerda de Almeida. Após uma negociação esses nomes constaram  também na nominata do Partido Republicano. Desta vez o resultado foi melhor e os três se elegeram. Ficou, porém, evidente que a essa altura ficava difícil saber se os três deputados haviam sido eleitos pelo Partido do Centro, representando-o na Constituinte Estadual ou se integravam a representação do Partido Republicano. Tendo sido eleitos pelos votos tanto dos católicos do Partido do Centro como pelos votos  dos republicanos, sacrificaram, na verdade, a identidade do seu partido. 

Bicentenário da Imigração - 67

Nacionalização e ação policial em Santa Catarina

Os anos de 1942, 1943, 1944 e 1945 foram especialmente difíceis para os imigrantes alemães e seus descendentes no Brasil, de modo especial  nos estados do Sul. A Campanha de Nacionalização, desencadeada em 1938, assumira características de uma perseguição sistemática e implacável  contra tudo e todos que, de alguma forma sugerissem  alguma relação com o que era alemão, ou assim  pudesse ser interpretado. A situação agravou-se em muito depois da entrada  do Brasil na Guerra, em agosto de 1942. Falar alemão, ler alemão, manter relações de amizade com algum alemão, ou simplesmente  ter cabelos louros, colocava a pessoa sob suspeita  de traição. A ação policial tornou-se cada vez mais ostensiva  e mais draconiana. As prisões se sucediam. O confinamento  em cadeias comuns ou em colônias penais, tornou-se  um fato rotineiro. Não se respeitavam nem os princípios mais elementares  da inviolabilidade dos lares, do livre ir e vir e a integridade física ou moral. Instalou-se um clima generalizado de  suspeitas, de vinganças, de temores. Em não poucos casos, as pessoas acuadas pela ação policial, viviam com que em prisão domiciliar.

O documento aqui publicado é bem uma amostra dos extremos a que se pode chegar em circunstâncias como as que predominaram nos estados do Sul durante a Segunda Guerra Mundial. Foi redigido pela Sra. Maria Rhode, alemã de nascimento, mas portadora de cidadania norte americana e esposa de Carlos Rhode, diretor da Colônia de Porto Novo (Itapiranga), no extremo oeste de Santa Catarina A Colônia contava na época com apenas dezoito anos. Fundada em 1926, compreende hoje os municípios de Itapiranga, São João do Oeste e Tunápolis. As terras haviam sido adquiridas pela Sociedade União Popular, organização dos teuto-brasileiros católicos, com sede em Porto Alegre e os lotes estavam sendo vendidos aos associados, dentro de um projeto étnica e confessionalmente identificado. Entendem-se perfeitamente as preocupações das autoridades frente a uma população exclusivamente de alemães  e descendentes de alemães, assentada numa área de fronteira desprotegida com a Argentina, manifestamente simpática à Alemanha, e o Brasil, em estado de guerra declarada àquele país. O fato de uma  porcentagem significativa  dos moradores da Colônia terem sido alemães natos, imigrados para Brasil depois da Primeira Guerra Mundial, foi um motivo a mais para suspeitas. Acontece, porém, que entre eles não havia ninguém filiado  ao partido nazista, como acontecia com freqüência em outros lugares no sul do Brasil. Pelo contrário. Uma porcentagem significativa deles tinha emigrado da Romênia. Eram descendentes  dos antigos   alemães imigrados para a Rússia, expulsos pelo regime daquele país. Portavam certidões de nascimento russos. Refugiados na Romênia, obtiveram passaportes alemães e haviam imigrado legalmente para o Brasil. Um segundo grupo era formado por profissionais liberais, inclusive de nível superior, que haviam abandonado a Alemanha devido à sua posição  contrária ao regime nacional-socialista. Foram tentar a vida como colonos naquela fronteira de colonização. Os demais tinham o perfil do imigrante convencional que migra a procura de melhores oportunidades em outro país.

Fica mais do que evidente que os alemães estabelecidos na Colônia de Porto Novo, não tinham nenhum envolvimento, muito menos compromisso com a ideologia  nacional-socialista. Pelo contrário. Um bom número deles podia ser considerado banido pelo sistema nazista. Um segundo grupo era composto por cidadãos russos expulsos pelo regime comunista. Pessoas comuns, para as quais o nazismo não oferecia nada que as pudesse aliciar, formavam o terceiro grupo.

Pois bem. Foi exatamente naquela fronteira de colonização, no extremo oeste de Santa Catarina, que a Campanha de Nacionalização produziu um dos episódios policiais mais negros, mais lamentáveis e mais constrangedores e por isso mesmo, quem sabe, pouco conhecido. Os alemães romenos expulsos da Rússia, os alemães que haviam abandonado o país por causa do nazismo, os alemães emigrados em busca de melhores oportunidades de vida, descendentes de imigrantes alemães de até a quarta geração, foram todos nivelados pela acusação de terem sido nazistas ou no mínimo simpatizando com o nacional-socialismo. A distância, o isolamento e as dificuldades de comunicação, facilitaram uma ação   policial que, objetivamente falando, avançou para além dos limites do aceitáveis, mesmo em tempo de guerra.

O documento não deixa claro até que ponto as autoridades locais e regionais agiram por conta própria e até que ponto estavam obedecendo orientações superiores. De qualquer maneira fica difícil imaginar  que delegados de polícia locais e comandantes subalternos da policia assumissem, por sua conta e responsabilidade o confisco  de bens e propriedades,  a deportação de centenas de homens, mulheres e crianças, com o objetivo de concentrá-los num campo de confinamento, sem assistência, sem infraestrutura, abandonados à própria sorte.

Da época da Segunda Guerra Mundial tem-se notícia de mais três campos de confinamento de alemãs no Brasil, porém, com características diferentes daquele de Porto Novo e até certo ponto compreensíveis nas circunstâncias. Dois deles foram instalados no vale do Paraíba para confinar  as tripulações de navios mercantes alemães fundeados no porto de Santos, por ocasião  da declaração de guerra do Brasil à Alemanha. Um terceiro, noticiado ultimamente pela revista Veja, edição de nº 1338, de 18 de março de 1998, encontrava-se em Pernambuco, com a finalidade específica de confinar os funcionários alemães das Lojas Lundgreen. Suspeita-se neste caso que o confinamento tivesse, na verdade a finalidade de proteger os funcionários da Lundgreen, para não serem molestados pelo fato de serem alemães.

O caso de Porto Novo assumiu conotações muito mais dramáticas do que os demais. Colonos com suas famílias, homens, mulheres e crianças, depois de espoliados dos seus bens e sequestradas as economias, de um dia para o outro, foram simplesmente expulsos da Colônia e obrigados, sem um mínimo de apoio logístico, a empreender uma peregrinação até Xanxerê. Essa localidade ficava a 200 quilômetros  para o norte no estado de Santa Catarina, na região do campo. O relato que segue é de Maria Rohde, esposa da diretor da Colonização Carlos Rohde. Ela era alemã de nascimento, viveu por alguns anos nos Estados Unidos,  obteve a cidadania americana para depois imigrar com toda a  família para o Brasil, fixando-se em Estrela onde conheceu o marido e com ele partiu para a nova fronteira de colonização de Porto Novo. Acompanhou desde os primeiros começos a evolução daquela colônia. Ela escreveu a história de Porto novo num livro com o título no original: “Wie eine Frau eine Urwaldsiedlung wachsen sah” (“Como uma mulher acompanhou a evolução de uma colônia na mata virgem”), no qual detalha as arbitrariedades, para não dizer crimes que os agentes se permitrem cometer contra a população de Porto Novo naquele começo de 1943.