A Natureza como Síntese - 55

Edward Wilson (1929 ....)

Um convite para o diálogo entre Ciência e Religião.  De acordo com a informação na orelha no seu libro “A Criação – como salvar a vida na terra”, Edward Wilson nasceu em 1929  em Birmingham, no Alabama. Professor da universidade de Harvard há  quase cinco décadas e autor de mais de 20 livros é considerado um dos mais proeminentes biólogos do mundo. Entre as muitas honrarias destacam-se dois prêmios Pulitzer. a Medalha Nacional de Ciências dos Estados Unidos e o prêmio Crafoord, concedido pela Real Academia de Ciências da Suécia para áreas não abrangidas pelo Prêmio Nobel. 

Para começar a análise da proposta de Wilson sobre a sua compreensão da natureza é interessante observar o gênero literário que escolheu. “A Criação” foi escrito na forma de uma carta a um pastor evangélico que interpreta a Sagrada Escritura no sentido literal o texto do Gênesis. Ele próprio confessa que fora batizado e como criança, foi cristão praticante, para depois distanciar-se da religião e  aderir ao humanismo secular para o qual “não há garantia de vida após a morte, e céu e inferno são o que nós criamos para nós mesmos. Não há nenhum outro lar para nós”. (A Criação, p. 12). Continua sua fala com o pastor, destinatário do seu livro, afirmando a sua convicção de que a natureza, inclusive o homem, são o resultado da evolução, em contraposição à crença num Criador como entendido na interpretação literal dos textos sagrados. Neste nível, portanto, ele e o pastor encontram-se em campos opostos. E, contudo, essa aparente incompatibilidade entre o seu universo e o do pastor,  oferece uma dimensão na qual os dois se encontram num território comum que oferece todas as condições para um diálogo construtivo. Em comum carregam no seu interior o código de ética que orienta suas atitudes e decisões, fundamentada na razão, na lei, na honra e no senso de decência. Wilson caracteriza depois as diferenças que o separam do seu interlocutor.

Para o senhor, a glória de uma divindade invisível; para mim a glória do universo por fim revelado. Para o senhor, a crença em um Deus que se fez carne para salvar a humanidade; para mim a crença no fogo que Prometeu arrebatou para libertar os homens; O senhor encontrou a verdade final; eu estou ainda buscando a minha. Eu posso estar errado, ou o senhor pode estar errado. Talvez nós dois estejamos parcialmente certos. 

Será que essa diferença em nossa visão do mundo nos separa em todas as coisas? Não creio. Tanto o senhor como eu, e cada ser humano, lutamos pelos mesmos imperativos: segurança, liberdade de escolha, dignidade pessoal e uma causa em que acreditar, uma causa maior do que nós mesmos. (Wilson, 2008,  p. 12)

Wilson convida depois o pastor para encontrar uma forma em comum de lidar com o mundo “do lado de cá da metafísica”, isto é, com o mundo real comum aos dois e resolver para ele o grande problema que objeto de suas profundas preocupações. Sugere que se deixem de lado as diferenças para tentar salvar a Criação. Argumenta  que a Natureza é um valor universal que transcende as diferenças e as divergências na sua compreensão. Acima de ideologias e dogmas ela interessa a toda a humanidade sem excluir ninguém. E o cientista que passou a vida tentando entender a vida nos ecossistemas, sem entretanto, entende-los na sua dimensão total, faz um apelo ao pastor. “Pastor, precisamos de sua ajuda. A Criação – a Natureza viva – está enfrentando uma grave crise”. (A Criação, p. 13). Para justificar o seu pedido de socorro alerta em poucas palavras para as perspectivas reais de uma deterioração progressiva e rápida da vida na terra, conforme mostram as pesquisas que se ocupam com as populações de animais, desde as bactérias, até as plantas superiores, os mamíferos e os respectivos ecossistemas. A continuar nesse ritmo o custo para a humanidade será catastrófico em todos os sentidos. Cada espécie por mais insignificante que possa parecer e minúscula que seja, é uma obra prima da Natureza é importante para manter o equilíbrio e a integridade dos ecossistemas na Terra – portanto da Criação. E conclui:

O senhor pode estar se perguntando: “Porque eu?” É porque a Religião e a Ciência são as duas forças mais poderosas do mundo, inclusive e especialmente nos Estados Unidos. E, se pudessem se unir no terreno comum da conservação biológica, o problema logo seria resolvido. Se existe alguma preceito moral compartilhado  pelos crentes de todas religiões, é que devemos, a nós mesmos e às futuras gerações, um ambiente belo, rico e saudável. (Wilson, 2008,  p. 13-14).

Porém essa colaboração entre a Ciência e a Religião não tem condições de acontecer, ou mesmo não interessar, quando as crenças se fundamentam na convicção de que a única coisa que importa para o ser humano é preparar-se  para a vida depois da morte, que a vida é um fenômeno transitório de preparação para a eternidade. Pior quando milhões de pessoas  creem que o fim do mundo, o segundo advento de  Cristo acontecerá  ainda na presente geração. Para eles não importa a sorte das milhões de formas de vida. “Não são evangelhos da esperança são evangelhos de crueldade e desespero. Não nasceram do coração do cristianismo. Pastor, diga-me se estou errado?” (Wilson, 2008,  p. 15).  

A Natureza como Síntese - 54

Observações e Conclusões sobre Francis Collins e sua obra.  Depois de percorrido e analisado o magnífico livro “A Linguagem de Deus” e identificado fundamentos científicos que subsidiaram a lógica na concepção da síntese da natureza proposta pelo Dr. Collins, uma série de questões merecem ser destacadas. Uma delas ele próprio descreveu e respondeu no primeiro capítulo da sua obra, ao recordar a apresentação oficial do mapa do genoma humano pelo Presidente Clinton no salão leste da Casa Branca. Tony Blaier, primeiro ministro do Reino Unido acompanhou via satélite a solenidade. As principais redes de comunicação do mundo estavam atentas. Ao lado do Presidente, Collins acompanhou o anúncio oficial do mapa genético humano. Ouviu o presidente Clinton começar o discurso com as palavras: “trata-se, sem dúvida, do mapa mais importante e mais extraordinário já produzido pela humanidade. (...) Hoje estamos aprendendo a linguagem com a qual Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade pela beleza pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus”. (Collins, 2007,  p. 10). Muitos dentre o público que ouviam o pronunciamento de Clinton, devem-se ter perguntado: o que está acontecendo? estou ouvindo bem? O presidente da nação oficialmente mais laica do mundo atual, no momento que apresentava oficialmente a esse mesmo mundo um dos feitos mais espetaculares, mais significativos e mais  úteis para as gerações futuras principalmente, não se constrangeu  em “saltar da perspectiva científica para a espiritual”. Collins esclarece:

Será que eu, um cientista rigorosamente treinado, fiquei desconcertado com uma referência tão espalhafatosa, feita pelo presidente dos Estados Unidos num momento coo aquele? Fiquei tentado a mostrar-me irritado ou a olhar envergonhado para o chão? Não, nem um pouco. Na verdade, eu trabalhara coo redator do discurso do presidente naqueles dias de frenesi que precederam o evento, e fui enfático em meu apoio à inclusão do parágrafo. Quando chegou o momento em que precisei acrescentar  algumas palavras de minha autoria, fiz coro cm esse sentimento: “É um dia feliz para o mundo. Para mim não há pretensão nenhuma, e chego mesmo a ficar pasmo ao perceber que apanhamos o nosso manual de instruções, anteriormente conhecido apenas por Deus.

O que passava lá? Porque um presidente  e um cientista, no comando do anúncio de um maco da Biologia e da Medicina se sentiram impelidos de  a evocar a conexão com Deus? Não existe um antagonismo entre as visões do mundo científica e espiritual. Ambas não deveriam, ao menos, evitar aparecer lado a lado no Salão Leste? Quais os motivos para evocar Deus nesses dois discursos? Poesia? Hipocrisia? Uma tentativa cínica de bajular as pessoas religiosas ou a desarmar as que talvez criticassem o estudo do genoma humano como se este reduzisse a humanidade a um maquinário? Não. Não para mim. Muito pelo contrário. Par a mim a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável  de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração. (Collins, 2007,  p. 11).

Não há dúvida de que a cerimônia da apresentação do mapa do código genético, nas circunstâncias e nos molde em que foi feito, deve ter causado estranheza a não poucos que se achavam presentes. Começa por aí que o Salão Leste da Casa Branca é palco reservado para solenidades de significado incomum. Foi neste cenário que o Presidente da nação protótipo do laicismo e um cientista diretor do projeto mais ambicioso do começo do terceiro milênio, iriam anunciar ao mundo, o mapa genético humano desenhado até os últimos detalhes, fizeram questão de incluir em seus discursos a referência  a Deus em tom de profissão de fé. As linhas e, principalmente, as entrelinhas das declarações dos dois protagonistas da solenidade convidam para  algumas reflexões. Como apontamos mais acima, lá discursava o presidente da nação mais poderosa do planeta e, ao mesmo tempo, regida por uma constituição que baniu a religião da vida pública. Tanto assim que não  permite cruzes ou outros símbolos de qualquer religião em locais públicos. Sem o menor constrangimento, o presidente Clinton declarou a uma certa altura  do seu discurso: “Hoje, estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus”. (A linguagem de Deus). E Francis Collins, por sua vez, fez eco às palavras de  Clinton: “É um dia feliz para o mundo. Para mim não há pretensão nenhuma, e chego mesmo a ficar pasmo ao perceber que apanhamos o primeiro traçado  de nosso manual de instruções, anteriormente conhecido apenas por Deus”. (A Linguagem de Deus, p. 11). E beirando a perplexidade  perguntou-se: “O que se passava lá? Porque um presidente e um cientista, no comando do anúncio de um marco da Biologia e da Medicina, se sentiram impelidos a evocar uma conexão com Deus?” (A Linguagem de Deus, p. 12). Sem dúvida foi uma situação inusitada, e porque não, inesperada em tais circunstâncias. De um lado, o representante máximo do laicismo praticado na política e vida pública, falando em Deus e, do outro, um representante da “grande ciência”, oficialmente reticente a qualquer referência que não cabe no seu catecismo metodológico e sinaliza para outras aproximações possíveis quando se trata de responder aos desafios dos questionamentos com que a  natureza provoca aqueles que se propõem a encontrar respostas convincentes. 

Mas deixemos de lado o viés oficial da cerimônia e reflitamos um pouco o que significou a presença do Dr. Collins no evento e, de modo especial, a sua postura. Nele estava  aí representada a nata, a elite das elites da intelectualidade científica do momento. Pode-se afirmar a maior autoridade em genética humana e sua aplicação na medicina. Com a apresentação ao mundo dos resultados do projeto “Genoma Humano”, por ele coordenado, brindou a humanidade com um desses feitos que contém um potencial de perspectivas difícil de dimensionar, uma verdadeira revolução que ultrapassa as quatro paredes dos laboratórios de pesquisa, para repercutir até no diário das pessoas comuns. Trata-se de munição mais que suficiente para o cientista inflar o peito e olhar o resto do mundo do alto do seu pedestal. E qual foi a reação do Dr. Collins?. Ele mesmo deu a resposta em seu discurso: “Para mim, a experiência de mapear o genoma humano e descobrir o mais notável dos textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração”. (A Linguagem de Deus, p. 11). Demonstrou com essas palavras de emoção,  humildade, respeito e “veneração”, diante do significado que ele e sua equipe desvendaram durante uma década de pesquisa, vasculhando os arcanos da vida e interpretando o código, o alfabeto, a “Linguagem” com que Deus se comunica com os homens. Aliás, é curioso que exatamente os protagonistas das grandes revoluções  que marcaram época na história da ciência, foram homens que acharam perfeitamente natural que a Ciência não ameaça a Religião. Mais. Não esconderam as suas crenças temendo talvez passarem por estranhos no ninho dos cientistas que tem fé mas fazem dela um assunto estritamente de foro íntimo. A este seleto grupo pertencem Erich Wassmann, Teilhard de Chardin e Balduino Rambo, já devidamente estudados mais acima nessas reflexões. Note-se, entretanto, que os três foram religiosos jesuítas e como tais comprometidos diante mão com a fé em Deus. Nem tão pouco entram  nessa lista sábios que se ocuparam com a natureza sob o ponto de vista  da fé, propondo uma cosmovisão unitária para o universo, a natureza e nela a humanidade como  S. Agostinho, Nicolau de Cusa, Nicolau Copérnico, Galileu Galilei,  Johannes 

A Natureza como Síntese - 53

Collins detalha em seguida o longo e penoso caminho que percorreu para formar uma imagem consistente do Deus em que crê séria e honestamente. Dedicou um bom tempo à auto análise e à oração. Os resultados foram quase nulos e até frustrantes por não lograrem transpor o fosso que se alargava cada vez mais entre a imperfeição da natureza e a perfeição de Deus. Foi então buscar e encontrar a repostas nos evangelhos, com a compreensão do que Cristo significa e representa para entender que  tipo de relação e que lugar Deus ocupa na natureza. Mas, mais uma vez esta não é uma questão a ser aprofundada no contexto em que nos movemos. Sobre essa busca do autor, leiam-se as páginas 217 a 230,  do “Linguagem de Deus”. Fechando as suas reflexões sobre a parte que cabe às Ciências Naturais e às Ciências do Espírito em possibilitar uma síntese compreensiva entre os dados oferecidos pelas duas vias de aproximação, observou.

Se você chegou até este ponto comigo, espero que concorde: as duas visões de mundo científica e espiritual têm, ambas, muito a oferecer. As duas proporcionam formas distintas mas complementares, de responder à maior de todas as questões, e podem coexistir muito bem na mente de uma pessoa intelectualmente curiosa que vive no século XXI. (Collins, 2007,  p. 231).

Collins complementa e explicita com argumentos que embasam a sua lógica a afirmação que acabamos de registrar. A Ciência vem a ser a única via legítima para investigar o mundo natural, a única via confiável sobre o que há de verdade na natureza. Apesar dos fracassos a que levam muitos experimentos e dos becos sem saída que fazem parte das caminhadas científicas, a ciência pela própria natureza dos seus métodos, é capaz de se autocorrigir e reorientar as suas perspectivas. Apesar dessa importante tarefa que cabe à Ciência no desvendar das incógnitas do mundo em que vivemos, seus métodos se mostram incapazes de responder a todos os questionamentos importantes. Até o próprio Einstein defendeu este ponto de vista quando escreve, escolhendo os  termos: “A Ciência sem religião é manca, a religião sem ciência é cega”. (em A Linguagem de Deus, p. 231). Ilustrativa é também  a observação de Kant: “Duas coisa me deixam estupefato, o firmamento estrelado lá fora e a lei moral aqui dentro” E entre as questões importantes que estão fora do alcance da ciência e de seus métodos e equipamentos, destacam-se o sentido da existência humana, a realidade de Deus, a possibilidade de uma vida após a morte, a Lei Moral além de outras. A afirmação que um ateu pode fazer  que as questões espirituais que não tem resposta pela via científica, são por isso mesmo irrelevantes, não fecha com a maioria das experiências humanas. John Polkinghorne, citado por Collins, ilustra com uma peça de música o que se acaba de descrever. Partindo do ponto de vista da ciência uma sinfonia por ex., não passa de vibrações no ar fazendo vibrar o tímpano estimulando circuitos de neurônios no cérebro, mas como acontece que de uma  sequência banal de movimento que obedece a uma cadência ter o poder de falar o nosso coração com uma beleza eterna? Toda a série de experiências subjetivas, de perceber uma mancha de rosa até ser cativado por uma execução da Missa em Si Menor e no encontro místico  com a realidade indescritível do Único, todas essas experiências verdadeiramente humanas acham-se no centro de osso encontro com a realidade, e não devem ser  e não devem ser descartadas como a frivolidade de um fenômeno secundário na superfície de um universo cuja real  natureza é impessoal e sem vida.( Polkinghorn, citado por Collins, 2007,  p. 232)

O Dr. Collins  conclui as suas reflexões sobre a natureza “como síntese” analisando três aspetos de fundamental importância para chegar a uma compreensão aceitável sobre a  tese de que o genoma, e por extensão qualquer outra manifestação da natureza, são formas, são “Linguagens” por meio das quais Deus se comunica com o homem. Por meio de três advertências chama a atenção aos que pretendem  formar uma compreensão completa do universo, da natureza e do homem, para que não se percam em polêmicas estéreis sobre quem  está de posse da verdade: as Ciências Naturais ou as Ciências do Espírito. Além de inútil e estéril  leva ambos os arraiais a um beco sem saída. 

Em primeiro lugar, para achar uma saída, tanto o cientista quanto  o filósofo e o teólogo precisam convencer-se de que não bastam conclusões apressadas e discursos inflamados, não poucas vezes em tom fundamentalista. É preciso encarar a busca da verdade com  seriedade,  isenção de espírito,  respeito pelas conclusões dos outros campos do saber. Para Collins, a Ciência com seus métodos e instrumentos de pesquisa, é o único caminho legítimo para investigar a natureza. Conclusões sobre a estrutura do átomo, a evolução e o funcionamento do cosmos, assim como evolução dos seres vivos e seu funcionamento e a importância do genoma humano, só são confiáveis quando identificados e testados com o rigor possível dos métodos e instrumentos com que a ciência trabalha. A própria natureza da investigação científica  pode sugerir conclusões apressadas que se revelam equivocadas com o avanço das descobertas. Essas falácias, entretanto, encontram no próprio método científico o remédio capaz de salvar o cerne do seu valor. Pela sua própria natureza conta com a capacidade de autocorreção no momento em que se percebe que o caminho da investigação seguido foi equivocado ou as conclusões mostram-se inconsistentes. “Nenhuma grande falácia pode persistir por muito tempo diante do aumento progressivo de conhecimentos”. (A linguagem de Deus, p. 231). Mas a Ciência com todo o seu potencial consegue iluminar apenas uma face da totalidade da verdade. Somente os holofotes vindos de uma outra perspectiva tem condições de iluminar a outra  expressa nas perguntas em torno de questões existenciais das quais já nos ocupamos mais de uma vez na presente análise, como: A existência ou não existência de Deus, e se existe qual o lugar que ocupa na natureza e na vida das pessoas; como o homem entrou na história da natureza, o porque da sua existência, o seu destino final e outras mais.

A ciência não é a única forma de aprender. A visão do mundo espiritual fornece outra maneira de encontrar  verdade. Os cientistas que negam isso deveriam ser orientados de levar em conta os limites de seus instrumentos, como representado de forma muito simpática numa parábola contada  pelo astrônomo Arthur Eddinger. Ele descreveu um homem que começou a estudar  a vida no fundo do mar usando uma rede com tamanho de pouco mais de sete centímetros e meio. Após ter apanhado muitas criaturas selvagens e incríveis das profundezas, ele concluiu que não existiam peixes no fundo do mar com menos de sete centímetros de comprimento! Se estamos usando a rede científica para apanhar nossa visão particular da verdade, não devemos nos surpreender se ela não apanha as evidências do espírito.

Que obstáculos se encontram  no caminho de um envolvimento mais amplo da natureza complementar das visões do mundo científica e a espiritual? Essa não é uma pergunta teórica para considerações filosóficas estéreis. É um desafio para cada um de nós. (Collins, 2007,  p.232-233)

Em segundo lugar, Collins faz uma advertência aos que acreditam em Deus. Bem à sua maneira peculiar de lidar com o tema, chama a atenção às ciladas que devem evitar. Começa advertindo os leitores do seu livro e que procuram nele a solução para superar a impressão de que a ciência é um perigo para a fé e o caminho aberto para uma visão ateísta do mundo, que isso não passa de uma falsa avaliação da ciência. Pelo contrário. A  ciência e a fé  colaborando dispõem de um poderoso potencial para entender a natureza como uma grande síntese harmônica.

Se Deus é o criador de todo o universo, se Deus tem um plano específico para a entrada  da humanidade em cena e se Ele deseja uma afinidade com os humanos, nos quais implantou a Lei Moral para que se aproximassem Dele, Ele não pode ser ameaçado  pela nossa mente minúscula e seus esforços por compreender a magnitude de sua Criação. (Collins, 2007,  p. 233).

A essa reflexão acrescenta a conclusão de que a ciência pode ser  interpretada como como uma forma de adoração e, consequentemente, o fazer ciência uma oração.  Por mais estranho que isso possa soar sugere uma atitude e uma compreensão mística totalmente compatível tanto com o fazer ciência, quanto com o interpretar os seus resultados. Nessa compreensão da natureza, Collins mostra uma proximidade flagrante com a visão do mundo das duas autoridades já analisadas mais acima: o biólogo, especialistas em formigas e térmites, Erich Wassmann e o especialista em botânica  sistemática, Balduino Rambo. Para este último a natureza é o livro aberto da Revelação Natural, para quem estiver em condições de lê-lo corretamente. A natureza é a “linguagem de Deus” e contemplar e admirar em silêncio suas maravilhas,  uma oração que supera qualquer modalidade de prece formal. Collins, entretanto, adverte aos que creem em Deus, sobre o risco de fundamentarem suas convicções  em argumentos científicos ultrapassados, fazendo com que muitos cientistas, mesmo crentes em Deus, se sintam constrangidos em professar suas convicções  íntimas em público. A isso soma-se  o fato de não poucos líderes religiosos professarem, interpretarem e ensinarem os artigos da fé, ignorando ou até hostilizando as conquistas da ciência. Correm assim o risco de expor ao ridículo suas pregações e alargarem ainda mais o fosso existente entre diversos credos e a ciência. Para concluir essa reflexão, relembra a advertência de Copérnico depois de comprovar que a terra girava em torno do sol. “Conhecer as obra poderosas de Deus; compreender Sua sabedoria e majestade e poder; apreciar, em certo grau, o maravilhoso trabalho de Suas Leis, sem dúvida, tudo isso deve ser uma maneira agradável e aceitável de louvar o Altíssimo, a quem  a ignorância não pode ser mais grata que o conhecimento”. (citado em A Linguagem de Deus, p. 24)

Em terceiro lugar, Collins deixa uma advertência aos cientistas. “ Se você é um daqueles que acreditam nos métodos da ciência, mas permanecem cépticos em relação á fé,  este seria um bom momento para se perguntar que obstáculos estão em seu caminho em busca de uma harmonia entre essas duas visões de mundo”. (A linguagem de Deus, p. 234). Depois faz referência a um dos argumentos prediletos muito comum entre cientistas de que a crença em Deus implica num retrocesso para a “irracionalidade”, descompromisso com a “lógica” e  suicídio intelectual. A esses argumentos responde que, lendo com atenção e com espírito desarmado e sem preconceito,  “A Linguagem de Deus”, quem sabe chegue à conclusão que “de todas as visões do mudo possíveis, a ateísta é a menos reacional”. (A Linguagem de Deus, p. 234). Aos que argumentam com o comportamento hipócrita de muitos crentes, aconselha que não se fixem nos “recipientes enferrujados” que são os seres humanos que professam religiões organizadas, mas se concentrem no essencial que são “as verdades espirituais e atemporais que a fé apresenta”.

No que se refere a questões específicas relacionadas com o dia a dia das pessoas, como, por ex., o sofrimento, a injustiça, a violência e outras mais, são a consequência natural do livre arbítrio com que o criador dotou os homens. Acrescenta a pergunta de que tudo isso pode servir de um poderoso estímulo para o aperfeiçoamento do humano no homem, da “Menschlichkeit”, como a definiu o  Pe. Balduino Rambo. Uma outra dificuldade que acomete não poucos cientistas reside na situação criada quando os instrumentos da ciência se mostram impotentes para responder a questões de fundo, relacionadas com o universo, a natureza e o próprio homem. Não se pode negar que para um pesquisador que apostou todas as fichas nos métodos e instrumentos científicos, se veja obrigado a entregar os pontos e apelar para uma solução “extra científica”, numa outra área de conhecimento, seja frustrante e para não poucos uma humilhação difícil de assimilar, um “soco no orgulho intelectual”. Mais um problema que pode assustar os cientistas é aquele que o próprio Collins afirma ter influído não pouco na sua experiência pessoal e passageira que ele chama de “cegueira voluntária”. Com autoridade de quem experimentou na própria pele todas essas vivências de incerteza, de frustração de angústia existencial, de “socos no orgulho intelectual”, conclui: “E ainda posso testemunhar que chegar ao conhecimento do amor e da graça de Deus fortalece em vez de aprisionar: Deus está no ramo da libertação e não da carceragem”. (A Linguagem de Deus, p. 235). Aos que se desculpam que simplesmente não tem tempo para gastar com preocupações de natureza espiritual e adiam essa tarefa para um futuro distante quando as circunstâncias forem favoráveis para tanto, Collins adverte:

A vida é curta. O índice de mortalidade será diferente para cada pessoa num futuro previsível. Abrir-se para a vida do espírito pode ser uma experiência enriquecedora. Não fique protelando a reflexão sobre essas questões de significado eterno até que uma crise pessoal ou a idade avançada o obrigue a reconhecer o empobrecimento espiritual. (...) Para aqueles que buscam, existem respostas a essas questões. Há alegria e paz a serem descobertas na harmonia da criação divina. (...) Em minhas orações pelo nosso mundo em sofrimento, peço que possamos,   juntos, usando o amor, a compreensão e a compaixão, buscar e encontrar esse tipo de sabedoria.

É hora de pedir uma trégua na guerra cada vez mais acirrada entre ciência e espírito. Essa guerra nunca foi de fato necessária. Como em tantas contendas mundanas, essa foi iniciada e intensificada por extremistas de ambos os lados, soando alertas que previam ruínas próximas a menos que o outro lado fosse eliminado. A ciência não é ameaçada por Deus; ela é aprimorada. Certamente Deus não é ameaçado pela ciência; Ele a possibilitou por completo. Por isso, busquemos, juntos,  recuperar os fundamentos sólidos de uma síntese satisfatória entre a intelectualidade e espiritualidade de todas as grandes verdades. A terra natal da razão e da adoração  nunca correu risco de se esmigalhar. Nunca vai ocorrer. Ela acena para que todos os que buscam sinceramente a verdade venham e fixem residência. Atenda a esse chamado. Abandone a posição de luta. Nossas esperanças, alegrias e o futuro do mundo dependem disso. (Collins, 2007,  p. 236-237)

A Natureza como Síntese - 52

O “BioLogos” como proposta.  A concepção teísta do universo e da natureza não colide com os dados que a ciência apresenta. É aceitável também pelas grandes religiões monoteístas embora não esteja em condições de provar, preto sobre banco, que Deus existe. A crença em Deus implicará inevitavelmente num ato de fé. Mas a síntese assim proposta aponta para uma solução satisfatória tanto para o cientista quanto para o que crê em Deus. Enfim acena com a possibilidade real e fundamentada de que a ciência e a fé tem condições de prosperar juntas numa harmoniosa visão que inclui todas as dimensões do que  pode ser sintetizado na trilogia: Universo-Natureza-Homem. Então porque a evolução teísta goza de tão pouca popularidade entre os cientistas, os filósofos, os teólogos e as pessoas comuns. Collins  arrisca o palpite de que  a denominação “evolução teísta”, soa estranha. Outro motivo é que a maioria das pessoas não versadas em teologia não sabem ao certo o que de fato se pretende significar com esse  conceito. Outro elemento que pode causar estranheza é o fato de emprestar apenas um valor ao nível de adjetivo ao que parece ser o mais importante para os que creem em Deus. Não seria mais  de acordo com o significado que subjaz à proposta, falar em vez de “evolucionismo teísta”, em “teísmo evolucionista”, o que soa ainda mais estranho. De qualquer forma, diante das dificuldades de aceitação que a proposta da evolução teísta enfrenta, Collins apresenta uma proposta capaz de conciliar de vez os interesses da Ciência e  dos que creem em Deus.

Infelizmente, muitos  substantivos e adjetivos que poderiam descrever a rica natureza dessa síntese já estão sobrecarregados com tanta bagagem que é como se estivessem impedidos de continuar. Será que deveríamos cunhar o termo “criavolução?” Provavelmente não. E que ninguém se atreva a usar as palavras “criação”, “inteligente”, “fundamental” ou “planejador” por causar medo ou confusão. Precisamos começar de novo. Minha modesta proposta  é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos, ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia, Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que acreditam  em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de Deus, como expresso de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus (João, 1-1). BioLogos expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. (Collins, 2007, p. 209)

O objetivo do BioLogos consiste em harmonizar as opções formuladas a partir das descobertas científicas e aquelas defendidas pelos que creem de alguma maneira, ou em Deus, ou em alguma outra realidade fora o alcance dos métodos empíricos. Collins apresenta os pontos de conflito para então argumentar em favor da proposta. Para ele um dos motivos do desinteresse do grande público, principalmente leigo no assunto, consiste exatamente naquilo que a proposta contem de mais positivo, isto é, harmonizar os pontos de vista das Ciências Naturais com os  das Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. A grande mídia concentra-se em divulgar o que seu público adora: escândalos, roubos, assassinatos, ataques terroristas, corrupção, etc., etc. Para esse público interessa o barulho e o estardalhaço e, em compensação “a harmonia é chata”. As objeções mais sérias partem daqueles que acham que o BioLogos força tanto a Fé quanto a Ciência. Para o cientista ateu parece não passar muito da teoria do “deus das lacunas”, implícita no Design Inteligente, que coloca a intervenção de Deus onde não é nem necessária nem desejada. Collins responde a esse questionamento:
O BioLogos não tenta  colocar Deus à força nas lacunas de nossa compreensão do mundo natural; ele sugere Deus como resposta às questões das quais a ciência jamais tentou falar a respeito, como, por exemplo: “Como o universo apareceu aqui?”; qual o “sentido da vida?”; “o que nos acontece após a morte?” Ao contrário do Design Inteligente, o BioLogos não pretende ser uma teoria científica. Sua verdade só pode ser testada pela lógica espiritual do coração, da mente e da alma. (Collins, 2007, p. 210).

Curiosamente as objeções mais contundentes parte daqueles que acreditam em Deus. Não admitem que um processo aleatório, aparentemente caótico, entregue ao acaso como pensam sugerir a evolução darwiniana, possa explicar satisfatoriamente tudo o que aconteceu e ainda acontece na natureza, incluindo a humanidade. A interpretação literal dos textos das Sagradas Escrituras, não consegue dar conta de uma explicação convincente do que as ciência está a confirmar nas diversas fronteiras das investigações. Por ex., quando no Gênesis (1;27)  se lê que Deus criou o homem “à sua imagem e semelhança”, isso não deve ser entendido como uma “semelhança” fisionômica, mas muito mais como a da uma  mente, pois o Deus com fisionomia humana, uma figura masculina de grandes barbas brancas, traços imperiais do rosto, posição fora do alcance do comum dos mortais, não passa de uma representação histórico-cultural da tradição judaico-cristã. Neste ponto religiões  que proíbem a representação antropomorfa de Deus, salvo melhor juízo, aproximam-se mais do que o autor entende pelo BioLogos. Nelas Deus é antes de mais nada espírito e mente.

A solução do impasse dever ser procurada em outro nível. Pelo fato de estarmos irremediavelmente enredados em categorias de espaço e de tempo e construirmos a nossas categorias mentais e conduzir os nossos raciocínios condicionados por esses limitadores, fica complicado, e para muitos impossível, imaginar-se um Deus fora e não participante da natureza, fora do tempo e do espaço. O tempo  o espaço são categorias e realidades que começam a existir a partir do ato primordial da Criação. Este ato único em que a matéria prima do universo, “o estofo” do universo, da natureza e do homem, como diria Teilhard de Chardin, foi dotada com todo o potencial capaz de lhe dar as infinitas formas que podemos observar, exigiu como condição e cenário  de  realização o tempo e o espaço. Collins resumiu essa lógica nos seguintes termos:

Nesse contexto, no momento da criação do universo, Ele sabia todos os detalhes sobre o futuro, incluindo a formação de estrelas, planetas e galáxias, toda a química, física, geologia e biologia que levou à formação da vida na Terra e à evolução dos humanos, até o exato momento em que você lê este livro – e além. Nesse contexto,  a evolução poderia  nos parecer guiada pelo acaso. Contudo do ponto de vista de Deus, o resultado já estaria totalmente especificado. Assim, Ele poderia achar-se completa e intimamente envolvido na criação de todas as espécies, embora, da nossa perspectiva, limitada pela tirania do tempo linear, isso parecesse um processo casual e sem direção. (Collins, 2007, p. 211).

Com a proposta da concepção do BioLogos a questão relativa ao surgimento do homem parece oferecer uma saída satisfatória tanto para a ciência quanto aos que  aceitam a existência Deus. Mas há um  campo específico onde o desencontro e o atrito continua a perturbar o entendimento entre os dois lados. Falamos da aparente contradição entre os dados científicos objetivos e textos cruciais de textos sagrados, com destaque para os  livros do Gênesis. A questão se resume no dilema: os textos citados devem ser interpretados ao pé da letra ou é uma alegoria que apresenta de forma poética a entrada na história da evolução da vida, do personagem que se distingue de todos os outros por ser portador de uma natureza espiritual e com ela a Lei Moral, que distingue o homem dos demais seres vivos. Collins cita, como resposta, Theodosius Dobzanhsky, um dos maiores geneticistas do século XX, filiado ao cristianismo ortodoxo russo.

A criação não é evento que ocorreu em 4004 a. C.; é um processo que começou por volta de 10 bilhões de anos atrás e continua. (...) Será que a doutrina evolucionária entra em atrito com  a fé religiosa? Não. É um erro crasso confundir as Sagradas Escrituras com cadernos elementares de Astronomia, Geologia, Biologia e Antropologia. Somente quando criados os símbolos para significar o que não pretendem é que podem nascer conflitos imaginários insolúveis. (Collins, 2007, p. 212)

Acontece que o nosso interesse imediato consiste em destacar, em meio a toda essa discussão, aqueles mecanismos e processos responsáveis para que a natureza se constitua numa grande síntese. Ora falar em síntese só faz sentido se aceitarmos a existência de um eixo em torno do qual giram todos os acontecimentos que movimentam os processos naturais, ou se preferimos um sinalizador que aponta o rumo a seguir e o ponto de chegada a alcançar. Em outras palavras. Os processos naturais, ou se quisermos, os processos evolutivos não são, em última análise, casuais, fortuitos ou aleatórios. Se assim fossem a natureza não poderia ser concebida como uma síntese, mas um aglomerado entregue ao imprevisível mesmo do ponto de vista, por ex., da estatística das populações.  A verdadeira síntese configura-se no momento em que se verifica funcionalidade sistêmica como apresentada na proposta de Ludwig von Bertalanffy ou um ponto de partida, um “alfa” e um “ômega”, um ponto de partida e de chegada, como ensina Teilhard de Chardin. A natureza, portanto, tem um sentido, um objetivo, e sendo assim, é movida por uma teleologia.

Examinando um pouco mais de perto essa reflexão de Collins, percebe-se que ela aponta para algumas das questões mais instigantes e intrigantes  que hoje movimentam tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências Humanas e as Ciências do Espírito. Entre elas merece destaque a preocupação de pensadores desde a antiguidade clássica, pela Imanência ou Transcendência de Deus na natureza. Admitindo que Deus exista como Collins não deixa de afirmar, pergunta-se: Em que nível acontece o relacionamento de Deus com a natureza?

Desde que há informações históricas confiáveis a respeito de como as culturas e, principalmente, as crenças dos mais diversos povos se imaginavam a presença e ação de forças ou entidades extraterrestres na natureza, duas se sobressaem: a imanência e a transcendência. Vão desde a concepção de que uma força sobrenatural animam todos os acontecimentos que podem ser observados nela, passam pela doutrina de que um ente sobrenatural age nela até a crença de que deuses ou, como ensina o monoteísmo, um Deus soberano é o responsável pela existência e o funcionamento da natureza. Fixemo-nos no monoteísmo para penetrar um pouco mais a fundo na questão, enquanto nos fornece argumentos para subsidiar como prova o que nos interessa neste trabalho isto é, a compreensão da natureza como síntese. Na tradição judaico-cristã o monoteísmo se constitui no fundamento sobre  o qual se ergue todo o arcabouço doutrinário da religião. Não é aqui o lugar para fazer um estudo exaustivo sobre os diversos sentidos que se podem atribuir aos conceitos de imanência e transcendência. Limitamo-nos ao sentido da imanência ou transcendência de Deus em relação à natureza. Dois são os sentidos que se costumam atribuir ao conceito de imanência quando se fala em Deus na natureza. Um afirma que Deus não está apenas presente na natureza mas confunde-se substancialmente com ela. Essa percepção pode levar à conclusão de que o mundo é divino e tem no panteísmo sua expressão clássica. Deus não é onipresente na natureza, mas a própria natureza é Deus. Assim qualquer planta, animal ou homem não apenas revelam  Deus mas são divinas pois a natureza é divina. O segundo significado da imanência ensina que Deus não se confunde  substancialmente com a natureza mas  sustenta a Criação e vela para que tudo se realize de acordo com Seu plano. Conceitos como “Providência Divina”, “Mão de Deus”, “Desígnio de Deus”, “Revelação Natural” e outros mais parecem confirmar a convicção de que Deus cuida da sua criação e através dela se revela aos homens. São Paulo na Carta aos Romanos (18-23) deixa claro que não há desculpa para aqueles que afirmam não conhecerem Deus “porque o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto  a eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas...” Na mesma linha vai a compreensão de todos aqueles, cientistas ou não que consideram a natureza em todas as suas manifestações, o livro da revelação por excelência. Nas reflexões sobre a natureza de uns o sentido da imanência fica implícito ou sugerido. Em outros, como no Pe. Balduino Rambo, perpassa como um fio condutor da concepção da natureza por ele observada em primeiro lugar da perspectiva do botânico. Salvo melhor juízo a imanência de Deus na natureza como o responsável pelos acontecimentos mais diversos que nela ocorrem, predomina no imaginário popular das pessoas comuns. Os espetáculos naturais são para elas os momentos em que Deus se manifesta com os seus atributos divinos: onipotência, onipresença, onisciência,  bondade,  beleza,  criatividade, seu senso de supremo artista.

Ao mesmo tempo em que Deus é imanente também é transcendente e como tal é soberano em relação à natureza, exercendo sua soberania na escolha do que pretende  fazer, no momento em que quiser, sem ter que dar explicações a ninguém sobre seus atos. Como se pode concluir  Deus é ao mesmo tempo transcendente à natureza e imanente nela. E por ser imanente é até certo ponto possível seguir seus passos na natureza com a utilização do método analítico- indutivo das Ciências Naturais. Vale naturalmente para aqueles cientistas que acreditam na existência de Deus. 

E assim, depois desse inciso sobre a imanência e a transcendência, voltamos à proposta de Francis Collins para mostrar que é possível aceitar a doutrina de que a natureza é uma grande síntese fundamentada sobre as evidências fornecidas pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito e as Ciências Humanas. Nisto se resume em última análise o conceito de “BioLogos” proposto por ele, com o objetivo de superar as dificuldades de interpretação a que outros conceitos propostos induzem. Este conceito leva em conta  que os cientistas, ao avançarem e aprofundarem os objetos de pesquisa mais diversos, conseguem identificar e localizar até onde por enquanto os seus equipamentos  são capazes de nos dar uma resposta conclusiva. A solução não está em recorrer a um “Deus das lacunas”, mas continuar aprofundando as pesquisas como se tudo que aconteceu desde que se formou o universo como um todo e o nosso planeta em especial, incluindo o homem, é passível de ser esclarecido pela ciência. Fica então aberta a pergunta: “E o lugar de Deus em tudo  isso?”. Para Collins uma pergunta crucial da qual dependem indiretamente todas as  outras, resume-se na seguinte: “E como começou tudo?, do nada?, donde veio o “estofo” de tudo quanto existe, com as leis da química e da física que de então até hoje comandam a evolução do mundo mineral e o mundo vivo desde as arqueobactérias, passando pelo incrível e pouco conhecido mundo de incontáveis milhões de espécies de micro organismos, pelos muitos estágios da evolução dos animais e das plantas incluindo a espécie humana? Quem sabe é neste começo de tudo que se pode esperar o ato criador de Deus, munindo o “estofo” primordial com todas as potencialidade para a evolução futura? Collins deixou registrada a sua opinião sobre a questão: 

O fato de que o universo teve um início, e obedece, de forma organizada, a leis que podem ser expressas com precisão pela matemática, e a existência de uma série extraordinária de  “coincidências” que permitem às leis da  natureza dar suporte a vida --, embora não revelem muito sobre o tipo de Deus que deve estar por traz de isso tudo, apontam na direção de uma mente inteligente que pode ter criado esses princípios exatos e superiores. Mas  que tipo de mente? Em que, exatamente, deveríamos acreditar?  (Collins, 2007,  p. 222-223)

Collins foi em busca da identidade desse Ser “que está por trás de tudo isso”. Constatou que as grandes religiões compartilham muitas verdades, caso contrário não teriam sobrevivido às vicissitudes do tempo. Isso não impede que se observem diferenças significativas que as distinguem uma das outras. Mais. Neste contexto cada indivíduo caminha por uma trilha própria para se aproximar da verdade. Ele, o cientista, mostra a sua trajetória que o levou  consolidar os traços, a imagem do Deus em que acreditava.

Depois que passei a acreditar em Deus, empreguei um tempo considerável tentando apreciar as características Dele. Conclui que Ele deve ser um Deus que se preocupa com as pessoas, ou a argumentação da Lei Moral não teria o menor sentido. Então o deísmo não serviria para mim. Também conclui que Deus deve ser santo e justo, já que a Lei Moral me chama nessa direção. Contudo, isso me parecia ter uma abstração terrível. O fato de Deus ser bom e amar suas criaturas não significa, por exemplo, que tenhamos a habilidade de nos comunicar com Ele, ou  que tenhamos um tipo de relacionamento com Ele. Descobri, porém, uma sensação crescente de anseio por essas coisas, e percebi que é para isso que serve a oração. A oração não é, como alguns parecem sugerir, uma oportunidade para manipular Deus para que Ele faça o que você quiser. Em vez disso, trata-se de uma forma de buscar uma afinidade com Deus, aprender com Ele e tentar perceber o ponto vista dele sobre vários assuntos ao nosso redor que nos deixam confusos, em dúvida ou sofrimento. (Collins, 2007,  p. 223-224).

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Na “Linguagem de Deus” Collins descreveu o caminho “tortuoso” até encontrar uma solução “intelectualmente satisfatória para essa busca da verdade”. Depois de perambular pela química, física e medicina encontrou o  caminho que lhe permitiu aliar o amor pela ciência e a Matemática e o desejo de ajudar as pessoas: A Genética Médica. Em outro momentos já referimos como o convívio com os pacientes nas enfermarias do hospital, chamaram a sua atenção sobre o vasto mundo das alegrias e principalmente dos dramas que fazem parte do quotidiano das pessoas comuns. Este mundo que não aparece nas provetas, em lâminas de microscópio, em reações químicas, cálculos estatísticos ou leis físicas. Foi aos poucos chegando à conclusão de que “Deus era muito mais atraente do que o ateísmo que até então tinha adotado ...” Collins foi-se convencendo aos poucos de que não havia nenhuma contradição de fundo entre as verdades científicas e as espirituais. Entrou para a “American Scientific Affiliation” formada por milhares de cientistas dos Estados Unidos que creem em Deus. Nos seus encontros, reflexões e publicações saíram não poucas propostas que fazem sentido, oferecendo saídas inteligentes para harmonizar a ciência e a fé. Sobre esses encontros de cientistas crentes, concluiu:

Confesso que durante muitos anos não prestei muita atenção ao potencial para  conflitos entre a ciência e a fé – não parecia tão importante assim. Não havia muito que descobrir, na pesquisa científica, sobre a genética humana, e havia bastante  a descobrir sobre a natureza de Deus lendo e discutindo sobre a natureza de Deus e discutindo a fé com outros que acreditavam nele”. 

A necessidade de encontrar a harmonia das minhas visões de mundo veio, definitivamente, com o estudo dos genomas – o nosso e o do diversos organismos do planeta - . e começou a decolar, oferecendo-me um ponto de vista incrivelmente   rico e detalhado de como ocorreu a evolução por modificações a partir de um ancestral  comum. Aquilo, para mim,  em vez de algo não resolvido. era uma evidência distinta do parentesco entre todos os seres vivos, um momento de admiração. Percebi que se tratava de um plano em detalhes do mesmo Todo-Poderoso que trouxe o universo à existência e estabeleceu seus parâmetros físicos de forma precisa, a fim de permitir a criação de estrelas, planetas elementos pesados e a própria vida. Sem saber seu nome na ocasião, firmei-me confortavelmente numa síntese que  em geral é denominada  “evolução teísta”, uma posição que acho muitíssimo satisfatória até hoje. (Collins, 2007,  p. 204-205)

A proposta de Francis Collins, o cientista que decifrou as últimas vírgulas a “linguagem do genoma”, e com isto mergulhou até os arcanos do funcionamento da própria vida, sinaliza que a natureza, a partir das muitas perspectivas que pode ser observada e entendida, é uma síntese harmoniosa  moldada pelos resultados obtidos pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, a Letras e as Artes. Explica em seguida o que se entende por “evolução teísta”. Observa que nas grandes bibliotecas o espaço reservado para o darwinismo costuma ocupar prateleiras e mais prateleiras, assim como o criacionismo e o design inteligente. O conceito de evolução teísta é pouco mencionado mesmo entre os cientistas que acreditam em Deus. Chama a atenção que entre os biólogos sérios que  acreditam em Deus, entretanto, a evolução teísta conta com defensores de os nomes reconhecidos nas suas especialidades. Cita entre outros Asa Gray o maior defensor do darwinismo nos Estados Unidos e Theodosius Dobzhansky talvez o maior nome do século XX na genética e  do do pensamento evolucionista. Além desses e outros cientistas a ideia da evolução teísta encontra-se na base da doutrina do hinduísmo, do islamismo, do sionismo  e do cristianismo. É aceita por João Paulo II e por seu antecessor Pio XII, na famosa encíclica “Humani Generis”, datada de 1950. Consta também no pensamento de filósofos como Maimonides, judeu do século XII e Santo Agostinho  adotaria a evolução teísta se estivesse a par das conquistas atuais da ciência. Sutilezas e variações à parte, a evolução teísta fundamenta-se nos seguintes pressupostos.

1. O universo surgiu do nada, há aproximadamente 14 bilhões de anos; 2. Apesar das probabilidades incomensuráveis, as propriedades do universo parecem ter sido ajustadas para a criação da vida; 3. Embora o mecanismo exato da origem da vida na Terra permaneça desconhecido, uma vez que a vida surgiu, o processo de evolução e de seleção natural permitiu o desenvolvimento da diversidade biológica e da complexidade durante espaços de tempo muito vastos; 4. Tão logo a evolução seguiu seu rumo, não foi necessária nenhuma intervenção natural; 5. Os humanos fazem parte desse processo, partilhando um ancestral comum com os grandes símios; 6. Entretanto, os humanos são exclusivos em características que desafiam a explicação evolucionária e indicam nossa natureza espiritual. Isso inclui a existência da Lei Moral (o conhecimento do certo e do errado) e a busca de Deus, que caracterizam todas as culturas humanas. (Collins, 2007, p. 206)

Collins entra um pouco mais  a fundo na questão e destaca que a proposta teísta oferece uma “síntese perfeitamente aceitável que satisfaz intelectualmente e tem consistência lógica. Deus não é limitado pelo espaço e o tempo e nessa condição criou o universo e muniu-o com as leis naturais que o regem e acrescenta:

Para povoar este universo antes estéril com criaturas vivas, Deus escolheu o mecanismo distinto da evolução para criar micróbios, plantas e animais de todos os tipos. O mais extraordinário é que ele escolheu, propositadamente, o mesmo mecanismo  para originar criaturas especiais que teriam inteligência, conhecimento do certo e errado, livre-arbítrio e desejo de afinidade com Ele. Deus também sabia que esses seres, ao fim, optariam por desobedecer à Lei Moral. (Collins, 2007,  p. 207)

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A necessidade de uma síntese. Depois dessa digressão voltemos  à proposta de Francis Collins. Pelo que se pode concluir pelas linhas e de modo especial pelas entrelinhas da “Linguagem de Deus”, ele abandonou o agnosticismo juvenil e aos 27 anos percebeu que o ateísmo que então professava, não oferecia respostas satisfatórias para situações vividas no diário dos internados nas enfermarias do hospital em que cumpria a residência médica e mais tarde ao dar assistência médica a populações pobres na Nigéria.

Sendo verdadeiros os pressupostos que acabamos de enumerar a compreensão da natureza como síntese só é possível se na sua concepção forem tomados em consideração o lugar e a importância que as três grandes fontes parciais do conhecimento forem devidamente contempladas. Recorrendo a uma metáfora essa síntese é comparável ao arco de pedra que sustenta um portal. Este  é formado por três elementos essenciais: os dois lados e a pedra de fecho. Um dos lados representa a parte de construção do arco cuja matéria prima é obtido por meio do método analítico-indutivo privativo das Ciências Naturais A matéria prima da segunda coluna do arco busca a sua matéria prima nas conclusões  fornecidas pelo método sintético-dedutivo das Ciências do Espírito. A pedra de fecho sem a qual nunca formarão um arco, com o formato característico de cunha e com a função de conferir “a natureza de arco ao arco”, deve ser procurada  na percepção sensorial, na intuição e nos sentidos que sugere para a compreensão da natureza como síntese. Não se trata de um método científico no sentido que Francis Bacon tinha em mente quando definiu os dois outros. A percepção sensorial  dos fatos oferecidos pela natureza, atribuindo-lhes sentidos e significados pela intuição é “a melodia concomitante, a nota predominante”, que perpassa o conhecimento da natureza. Em outras palavras. A percepção sensorial, fundamento da intuição foi senão a única, de longe a mais importante responsável pela compreensão da natureza e do homem até o advento da consolidação das bases das Ciências Naturais. E é importante que não se esqueça, que mesmo hoje, o desenho da cosmovisão do homem comum  trai muito mais traços buscados na intuição, na sua compreensão e nas atitudes diante os fenômenos naturais, do que parece e ou muitos  admitem.

Retornemos à concepção da Natureza como Síntese de Francis Collins. Depois de resumir a essência da concepção ateia e agnóstica, passa a fazer considerações sobre as várias formas de Criacionismo, umas mais e outras menos plausíveis. Demora-se depois na teoria do “Design Inteligente” que, nos últimos 20 anos, gozou de uma popularidade fora do comum na solução, melhor talvez, harmonização, entre os dados científicos em favor da evolução e a questão da oportunidade ou necessidade de recorrer à intervenção de uma causa externa  para resolver o impasse do “como” da origem do universo, da natureza e do homem, ou do como de alguns passos nevrálgicos da evolução que a ciência não resolveu satisfatoriamente até o momento, como: a origem da energia da qual se acredita ter sido moldado o universo; a origem da vida; e a origem do homem não na sua origem biológica, mas no que tange à sua inteligência reflexa, a lei moral que lhe é inerente, a  busca existencial  e universal da realização pessoal e, sobretudo, a busca de respostas para perguntas como: afinal, como estou aqui, o que faço aqui e para onde vou ou,  qual o sentido e o destino da minha existência? 

A teoria do Design Inteligente, daqui em diante usaremos apenas as iniciais DI, foi formulada, não por um cientista que acredita na existência de Deus, nem por um filósofo ou teólogo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley. Na primeira década deste século a teoria do DI assumiu proporções tais que envolveram até o presidente dos Estados Unidos ao recomendar que a teoria do DI fosse incluída nos debates sobre a evolução. Aqui não é o lugar de  entrarmos em detalhes sobre a polêmica que se desencadeou com a popularização da teoria do DI. Interessa o que pretende oferecer em termos de solução a questões para as quais a ciência ainda não encontrou reposta. 

Para começar existe uma certa dificuldade em definir exatamente o sentido que se atribui ao conceito do DI. À primeira vista  parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo” (A linguagem de Deus, p. 188). Terminou predominando a compreensão de que se refere a uma série de conclusões sobre conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são mutações espontâneas, ocasionais e vantajosas  perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só podem ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida, principalmente depois que o julgamento  “Kitzmiller v. Dover Area Shool Didtrict”, no seu veredito concluiu pela inconsistência do conceito da “complexidade irredutível”. O DI,  fundamenta-se. segundo Collins, em três propostas. Primeira: a evolução induz uma visão de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem-se opor a ela; segunda: a evolução tem fundamentos falhos, pois não pode justificar a complexidade da natureza; terceira: se a evolução não pode explicar a complexidade irredutível, deve, então, ter existido um planejador inteligente, que de algum modo, entrou em cena para fornecer os componentes necessários durante o curso da evolução. (mais detalhes em Collins, 2007,  p. 190-193).

Sempre segundo o autor da “Linguagem de Deus”, há uma série de objeções que dificultam, para não dizer impedem a aceitação da teoria do DI, tanto pelo lado da ciência, quanto pelo lado da teologia. Da perspectiva científica destaca-se o fato de que muitos cientistas que creem em Deus logicamente deveriam aceitar a teoria do DI. Acontece que não é o caso. Para eles o DI resume-se no máximo numa preocupação secundária que merece pouca credibilidade científica. A razão também não está no fato de muitos cientistas não admitirem qualquer questionamento às afirmações sobre a evolução nos seus mínimos detalhes. A razão principal da inconsistência do DI, reside no fato de não poder ser credenciada como uma teoria científica propriamente dita, porque: uma teoria científica é estruturada de tal maneira que confere sentido  a um conjunto de observações experimentais; uma teoria científica prevê a possibilidade de outas descobertas e deixa o caminho aberto para verificações complementares e nisso o DI é falho. 

Mas o que de fato compromete o futuro do DI, segundo Collins,  é constatação de que muitos complexos que pareciam irredutíveis na verdade não são. Nos 29 anos desde a popularização da teoria do DI, as pesquisas científicas avançaram muito. Avançaram especialmente no detalhamento do genoma de um série de espécies. A armadilha em que caíram os defensores do DI foi de confundirem “o desconhecido” com ”o desconhecível”. Aqui não é o lugar para detalhar os exemplos de várias pesquisas  que vão na contramão do que o DI sustenta. O interessado os encontra nas pgs. 194 e 199 do “A linguagem de Deus”. 

Se de um lado o Di não consegue oferecer uma sustentação  científica consistente assim também não convence como solução teológica, Parece-se muito mais a um “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, chamado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não dão conta do recado. Traduzido para a linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos antigos corresponde ao “deus das lacunas. No momento em que a ciência se defronta com impasse sério na identificação de algum passo ou fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre-se a uma explicação buscada fora do âmbito das ciências, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador,  para preencher “a lacuna”. Sendo assim o DI é chamado para   preencher “as lacunas” que qualquer ideário em qualquer um dos campos da pesquisa científica vai encontrando pelo caminho. Em essência não difere da atitude do pastor de ovelhas e cabras do neolítico observando a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história ao observar a trajetória diária do sol ou os ciclos mensais da lua. Viam nesses fenômenos  seres ou forças sobrenaturais em tudo. Há um outro aspeto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onisciência e a onipresença, especialmente as duas primeiras, atribuições ao  Deus da teologia. Levado às últimas consequências, “o DI retrata  o Todo-poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio projeto original, do qual se originou a complexidade da vida”. (A Linguagem de Deus, p. 200)    Diante desse quadro a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espirito. Duas questões merecem ainda serem destacadas. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI normalmente fiéis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escritura ao pé da letra e não abrem mão da criação por Deus, e ao mesmo tempo, respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Nessa polêmica a avassaladora influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar decisivo. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel, pregam que o evolucionismo é necessariamente ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições em caminhar na própria direção, ignorando  a outra, as leva, tanto uma quanto a outra, a um beco sem saída. Ricahrd Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo citado por Collins, bem mostra em que terminam posições  excludentes. “o universo que observamos tem, exatamente, as propriedades que esperaríamos que existissem, na verdade, sem design, sem finalidade, sem mal e sem bem, nada além de uma indiferença cega e impiedosa?” Collins responde a Dawkinsi: “que jamais seja assim! Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade”. (Collins, 2007,  p. 201-202)