REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 66

Nas páginas que encerram o capítulo III a vai às raízes mais profundas da questão ou, se preferirmos, da crise ecológica em que a humanidade se debate nesse começo do terceiro milênio. Começa apontando como a causa das causas dessa situação a forma como a humanidade nos últimos três séculos consolidou um paradigma de relacionamento do homem com a Natureza, “a casa” em que passa a sua existência individual e da espécie como um todo. Mais acima insistimos no fato de a espécie humana está inserida ontologicamente no universo e na natureza. Também já foi refletido sobre o que significa isso e em que implica essa relação do homem com sua “mãe e pátria”. Não custa chamar mais uma vez a  atenção ao fato de que, em sendo esse pressuposto verdadeiro, o homem depende dos recursos naturais, para viver, sobreviver ou perecer, condicionado pela abundância, penúria e acesso aos mesmos. Portanto, a relação do homem com o meio ambiente, a exploração dos seus recursos e sua justa disponibilização a todos os seres humanos indistintamente, tem a sua razão de ser  num postulado ético. Como o homem, porém, dispõe de liberdade para optar por um outro modelo de lidar com a Natureza, ele dispõe de autonomia para escolher paradigmas compatíveis com os postulados éticos que deveriam orientar o aproveitamento dos recursos naturais, ou optar por um que os ignora e/ou viola flagrantemente. O documento pontifício chama a atenção que o modelo que, com o avanço da Ciência e Tecnologia delineou e impôs como hegemônico um paradigma comandado por razões geopolíticas, geoeconômicas e geoestratégicas. Considerações de ordem ética pouco ou nada decidem. O que importa são outros parâmetros que terminam configurando um panorama comandado por interesses os mais variados. Todos eles têm na sua base e motivação alguma forma de poder. Instala-se assim uma antiética em que os fins justificam os meios. Referindo-se a essa realidade a Encíclica caracterizou essa realidade.

O   problema fundamental é outro e ainda mais profundo: o modo como realmente a humanidade assumiu a tecnologia e o seu desenvolvimento juntamente com um paradigma homogêneo e unidimensional. Neste paradigma, sobressai uma concepção do sujeito que progressivamente no processo lógico-racional, compreende e assim se apropria do objeto que se encontra fora. Um tal sujeito desenvolve-se ao estabelecer o método científico com a sua experimentação, que já é explicitamente uma técnica de posse, domínio e transformação. (Laudato si, 106)

O que acontece, portanto, é que com o avanço da Ciência e Tecnologia, a humanidade foi-se municiando com ferramentas cada vez mais eficientes e diversificadas para lidar com o meio ambiente e apropriar-se dos recursos que oferece. As consequências desse poder que o avanço tecnológico põe nas mãos de quem o detém, são muitas e o poder de transformação da cosmovisão que se tem da natureza, são profundos e de alcance universal. Seus benefícios e/ou malefícios, socializados pelos meios de comunicação, repercutem nos grotões mais mais distantes e isolados do planeta. O motor que impulsiona todo esse processo de inversão da cosmovisão vem a ser a sensação de um poder crescente implícito na própria natureza das ferramentas das quais o homem vai se apropriando. O poder vem acompanhado da consciência de superioridade associada à convicção de que a natureza não passa de um objeto a ser explorado. “É como se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente disponível para a manipulação”. (Laudato si, 106). Perde-se a noção de que a espécie humana faz parte ontológica da própria natureza e como tal esta lhe garante a existência, a prosperidade ou o fracasso. Sendo assim a natureza não pode ser tratada como um objeto a ser simplesmente explorado, mas como uma parceira que oferece o alimento para suprir as necessidades materiais e os estímulos para desenvolver as potencialidades que fazem do ser humano um “humano” e não um antropoide mais ou menos evoluído.

Nada a opor, pelo contrário, são benvindas, senão indispensáveis para que o “motor” do progresso seja cada vez mais eficiente e abrangente. É preciso, porém, chamar a atenção para os riscos  e falácias que acompanham uma aposta cega na Ciência e Tecnologia. Mais acima já falamos sobre a advertência de Teilhard de Chardin ao ocupar-se com esse tema. Afirmando que todo o progresso dos últimos séculos deve ser creditado à Ciência e Tecnologia, conclui, porém, que é preciso não esquecer o lado negativo que ela carrega no seu bojo quando é mal entendida,  sua importância levada ao exagero e sua aplicação distorcida. Corre-se o risco de perder de vista ou de não dar a devida importância de que, penetrando cada vez mais fundo nos arcanos da Natureza, o desmonte de suas partes até as última minúcias, perde-se a noção do todo. Os cientistas desmontam a matéria até seus últimos componentes e muitos deles não se dão conta do significado e da importância das suas descobertas para o todo dos sistemas em que se encontram funcionalmente inseridos. Traduzindo para uma linguagem compreensível a qualquer pessoa, o cientista calcula exatamente quantas miligramas de gordura contem uma coxa de mosquito,  mas não tem a menor noção do que esse teor de gordura significa para  mosquito como ser vivo. Desmontam-se as realidades naturais como se se fossem máquinas e, ao terminar o trabalho flagra-se diante de uma pilha de peças não mais se dando conta que integravam um sistema no qual cada uma desempenhava uma função específica e complementar às muitas outras, garantindo o perfeito funcionamento da máquina como um todo.

Depois de chamar a atenção que o método científico e a grande maioria dos assim chamados “especialistas”, não se dão  conta de que o seu empenho em descobrir nos mínimos detalhes a estrutura e o funcionamento da Natureza, convence-os de que são seus senhores e donos. Pelo fato de suas descobertas e as tecnologias de que dispõem para tanto, abrem os caminhos e oferecem as ferramentas para o progresso, tratam as dádivas da natureza como objetos de pesquisa e fontes de matérias primas para os seus projetos. A distância entre eles e a natureza assim como o compromisso de explorá-la sem comprometer seu equilíbrio, aumenta na mesma proporção em que os cientistas aprofundam suas investigações. O sujeito distancia-se de tal forma do         do mundo que o rodeia que já não percebe mais que se acha inserido existencialmente nele e sua origem e evolução tem a mesma raiz ontológica. A Encíclica resumiu toda essa problemática ao caracterizá-la como segue.

É como que se o sujeito tivesse à sua frente a realidade informe totalmente disponível para a manipulação. Sempre se verificou a intervenção do ser humano sobre a natureza, mas durante muito tempo teve a característica de acompanhar, secundar as possibilidades oferecidas pelas próprias coisas.; tratava-se de receber o que a realidade natural por si permitia, como que estendendo a mão. Mas, agora, o que interessa é extrair o máximo possível das coisas por imposição da mão humana, que tende a ignorar ou esquecer a realidade própria do que tem à sua frente. Por isso, o ser humano e as coisas deixaram de se dar amigavelmente a mão, tornando-se contendentes. Daqui passa-se facilmente à ideia de um crescimento infinito ou ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a “espremê-lo” até o limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que “existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeitos negativos das manipulações da ordem natural podem ser facilmente absorvidos. (Laudato si, 106)   


O panorama pintado pela Encíclica sugere uma série de reflexões sobre o real papel da Ciência e Tecnologia. Entre outras coloca-nos diante do desafio fundamental de dar uma resposta satisfatória para “0 porque e o para que” fazer Ciência e desenvolver Tecnologias cada mais mais abrangentes e eficientes? Seria impossível e o espaço não permite que aqui detalhemos como responderam e continuam respondendo a esse questionamento cientistas de referência mundial cada qual na sua especialidade.

REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 65


No seu outro livro: “Reflexões máximas e mínimas” o mesmo Caldera, capítulo 9, caracteriza em poucas páginas  o tamanho do desafios a serem enfrentados no bojo da crise monumental que se abateu sobre a humanidade. Subverteu e jogou na cesta de lixo da história os valores, entre eles a ética e a liberdade, e todos os outros que compõem o verdadeiramente humano. (die Mesnchlickeit). Permito-me registrar algumas dessas “Reflexões máximas e mínimas”.

Estamos diante de um processo de globalização não somente na economia, de transnacionalização não somente nos mecanismos financeiros, senão de globalização e transnacionalização dos modelos sociais,  políticos e culturais que de alguma forma se vão transmitindo como paradigmas da comunidade humana.
Por um lado, auspiciar uma integração que aproxime os povos, suas economias e suas culturas; por outro lado impulsionar a modernidade de nossas maltratadas nações, a partir não somente  de uma institucionalidade eficiente e eficaz, mas sim de uma nova atitude cultural e política, uma nova política que conclui pela primeira vez as instituições com sua realidade e a lei com as características históricas  concretas do nosso povo.
A barbárie governa o mundo quando não há mais desejo do que riqueza, nem mais ilusão do que o poder.
Para que a salvação seja possível, é necessário superar a cultura do obter e consumir, recusar a civilização idolátrica e o totalitarismo do mercado. (Caldera, 2004, p. 89-90).

Deixando de lado os muitos lados negativos que o paradigma pós-moderno desenhado pelo  o filósofo nicaraguense, voltemos a focar a preocupação que esse modelo de civilização desperta ao constatar sua influência sobre o como lidar com o meio ambiente. Em outras palavras, as implicações sobre o uso dos recursos naturais. “Os efeitos da aplicação desse modelo a toda a realidade, humana e social, constatam-se na  degradação do meio ambiente, mas isso é apenas  um sinal do reducionismo que afeta vida humana e a sociedade em todas suas dimensões”. (Laudato si, 107). Das opiniões expressas acima, com destaque especial para esta última da Encíclica, é lícito concluir que o motor que impulsiona essa civilização resume-se em última análise no poder. Embora a técnica em si seja eticamente neutra, isto é, pode servir tanto para o bem quanto para o mal, cabe ao homem, utilizando sua liberdade, o poder de destiná-la para uma finalidade eticamente positiva ou negativa. Assim, por ex., a energia atômica pode ser canalizada para usinas termoelétricas, de inegável utilidade em países pobres em outras fontes de energia. De outra parte, convertida em armas estratégicas de intimidação ou de seu uso efetivo, coloca nas mãos dos detentores dessa tecnologia um poder que pode decidir, num momento extremo, o destino de uma parte expressiva da vida na terra, inclusive por em risco a sobrevivência da espécie humana. O mesmo verifica-se com a exploração dos recursos naturais. O mesmo pode ser firmado, em termos, do acesso, exploração e disponibilização dos demais recursos naturais. Por isso “os produtos da técnica não são neutros, porque criam uma trama que acaba por condicionar os estilos de vida e orientam as possibilidades sociais na linha dos interesses de certos grupos de poder. (Laudato si, 107). Desta forma as tecnologias  aparentemente neutras sob o ponto de vista ético, tornam-se meios para alcançar objetivos velada ou declaradamente. prejudiciais para  populações e até povos inteiros. Aqui é preciso acrescenta mais um detalhe. A sociedade organizada a partir dos parâmetros “do poder” vai sendo despojada mais ou menos rapidamente dos valores que lhe conferem a sua essência humana, para transformá-la em massa de manobra ou vítimas se preferirmos, dos detentores do poder sobre os recursos naturais. A inversão desses valores começa pela raiz. O fim justifica os meios. Com isso instala-se o relativismo ético como referência de iniciativas e ações concretas de lidar com tudo, com destaque para acesso aos recursos naturais  e sua destinação. Consolidou-se assim o paradigma fundamentado no poder ilimitado que a tecnologia  coloca nas mãos daqueles que a desenvolvem e, principalmente, daqueles que a põem em prática. Essa maneira de pensar e agir é turbinada por uma série de equívocos que podem ser fatais quando se fala em recursos naturais, sua exploração e seu consumo. A Encíclica chama a atenção que,

Daqui passa-se facilmente à ideia dum crescimento infinito e ilimitado, que tanto entusiasmou os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia. Isto supõe a mentira da disponibilidade infinita dos bens do planeta, que leva a espremê-lo até o limite e para além do mesmo. Trata-se do falso pressuposto de que existe uma quantidade ilimitada de energia e de recursos a serem utilizados, que a sua regeneração é possível de imediato e que os efeito negativos das manipulações de ordem natural podem ser facilmente absorvidos. (Laudato si, 106)

Nessa passagem a Encíclica destaca  três dos pilares em que se apoia o poder dos que dominam a exploração dos recursos naturais e sua disponibilização para o consumo das populações pelo mundo afora e/ou em produtos de intimação materializados  na forma de armamentos com potencial de destruição sem limite. Em primeiro lugar, a energia a ser explorada e os recursos disponíveis para atender à demanda crescente não são ilimitados como se afirma. Em segundo lugar, A recuperação dos recursos consumidos é rapidamente absorvível. É neste ponto que o “gargalo” em que a atual civilização está metida, encontra o ponto mais crítico. Em considerações feitas mais acima esse aspecto do meio ambiente já foi mencionado. Mas, não é fora de propósito insistir em alguns pontos importantes. Uma série de reservas de matérias primas imprescindíveis para alimentar pelo menos uma série de tecnologias fundamentais para a demanda, pelo menos de hoje, são limitadas. Como são de natureza mineral ou fóssil, a Natureza levará milhões senão bilhões de anos para repô-los. Pode-se argumentar que novas tecnologias irão substituir as atuais alimentadas com outras fontes de matérias primas. Suponhamos que esta substituição de fato ocorra no futuro. Provavelmente terminará em prolongar por algum tempo a agonia do nosso planeta, tendo em vista que outros recursos fundamentais como alimentos, deterioração das condições climáticas, falta de saneamento básico,  poluição, somada à diminuição da vasão ou desaparecimento das fontes em consequência do desmatamento nas bacias dos rios e seus afluentes, além do esgotamento da  reservas dos aquíferos. Admitamos que a poluição pode ser neutralizada, os aquíferos substituídos pela dessalinização da água do mar. Fica, entretanto, a pergunta: E os custos e investimentos, projetando-se  para o final do século, uma humanidade somando 9 bilhões de indivíduos, segundo a previsão de Edward Wilson?. A esse  cenário é preciso somar que a produção de alimentos seja no mínimo duplicada associada à possibilidade de acesso digno a qualquer pessoa que faz parte dessa gigantesca massa humana. O tamanho da encrenca em que a humanidade está metida ao tentar passar pelo gargalo da sobrevivência, tem o seu fator determinante no modelo de civilização comandada pelos interesses do mercado, pelo  poder político, pelo poder geoeconômico e poder geoestratégico. A aliança perversa desses poderes e interesses mascara um potencial de degradação da Natureza impossível de dimensionar a médio e longo prazo. O fato é que se esses critérios de administrar “nossa casa” continuarem por mais algumas gerações, ou digamos, mais um século,  nossos  descendentes nos amaldiçoarão, e com razão, pelo legado de uma Natureza  arrasada e depauperada em que serão obrigados a sobreviver como que numa “Era de Solidão”. Embora acotovelando-se aos milhões em metrópoles e megalópoles as pessoas não passarão de números sem identidade vivendo o quotidiano numa multidão de solitários. A Encíclica resume esse desafio monumental.

Por isso, é possível que hoje a humanidade não se dê conta da seriedade dos desafios que se lhe apresentam, e cresce continuamente a possibilidade de o homem fazer mau uso do seu poder quando não existem normas de liberdade mas apenas pretensas necessidades de utilidade e segurança. O ser humano não é plenamente autônomo. A sua liberdade adoece, quando se entrega às forças cegas do inconsciente, das necessidades imediatas, do egoísmo, da violência brutal. Neste sentido, ele está nu e exposto frente ao seu próprio poder que continua a crescer, sem ter os instrumentos para o controlar. Talvez disponha de mecanismos superficiais, mas podemos afirmar que carece de uma ética sólida, uma cultura e uma espiritualidade que lhe ponham realmente um limite e o contenham dentro dum lúcido domínio de si. (Laudato si, 105)


REFLEXÕES SUGERIDAS PELA ENCÍCLICA LAUDATO SI - 64


Depois desse desvio voltemos ao nosso cientista de referência. Todos os sonhos não passam de ilusões. “Não é hora de apelar para a ficção científica, mas sim para o bom senso e para a seguinte receita: os ecossistemas e as espécies só podem ser salvos se o valor único e especial de cada um for compreendido, e se as pessoas que têm domínio sobre essas espécies forem persuadidas a servir como suas guardiãs”. (Wilson, 2008, p. 107-108). O cientista faz um prognóstico que merece toda a tenção, para as décadas que faltam para completar o século XXI. De acordo com suas previsões no final deste século a humanidade terá alcançado o pico do seu crescimento somando cerca de 9 bilhões de pessoas, 50% a mais do que havia em 2000. Na esteira desse crescimento e no mesmo ritmo irá aumentar a demanda de recursos para sustentar essa massa humana. Com isso a pressão sobre os recursos naturais também e a consequente exploração do meio ambiente. Felizmente, já dispomos de tecnologias para administrar, pelo menos em parte, os efeitos dessa agressão. Entre outras aquelas que incrementam a produção, a reciclagem de rejeitos, lixo e sobras, transformando-as em adubos orgânicos, em fontes de energia, em matérias primas para a produção de bens para atender a demanda das mais diversas necessidades. A tudo isso torna-se gradativamente mais claro que o consumo de energias fósseis, os grandes vilões da poluição e do aquecimento global, além de causarem danos sérios à saúde, vem sendo substituídos por fontes de energia renováveis. Sobre essa boa notícia o nosso cientista observa: “Essa mudança parece inevitável em razão de um darwinismo no nível empresarial: as empresas e os países dedicados a aplicar e aperfeiçoar tais tecnologias serão os líderes do futuro”. (Wilson, 2008, p. 108).

Sempre segundo Wilson dispomos felizmente de métodos, meios e até uma consciência animadora para impedir em governos de muitos países que se perca o que ainda sobrevive em ecossistemas naturais e suas espécies de animais e plantas. Iniciativas neste sentido podem ser observadas pelo mundo inteiro afora. Sejam de organizações de iniciativa privada, sejam de tomadas de decisões e providências governamentais. De qualquer forma estamos diante de um desafio de dimensões planetárias. “Presenciamos agora uma corrida que vai decidir o destino da maior parte da biodiversidade do planeta. A escolha é simples: salvar a biodiversidade durante o próximo meio século ou perder um quarto, ou mais, das espécies”. (Wilson, 2008, p. 109). Os conhecimentos já disponíveis sobre a biogeografia apontam para uma saída para enfrentar com êxito o monstro do colapso ambiental. Algo cientificamente comprovado é que os seres vivos não povoam a natureza de forma homogênea ou retilínea. Agrupam-se em ecossistemas de identidade e composição própria. Cada um tem a sua fauna e flora acomodada em panoramas geomorfológicos, edafológicos, climatológicos e regimes de chuva que delimitam suas fronteiras e lhe conferem uma identidade própria. Em termos essa situação vale para os mares e oceanos. Na linguagem científica os ecossistemas com grande concentração e alto grau de biodiversidade, são denominados de “hot spots - nichos quentes”. Tomando como base essa referência quanto maior e mais rica em diversidade for um desses “nichos” e maior a sua área, os riscos de extinção de uma espécie são menores   do que as que dependem de territórios menores e/ou pobres em biodiversidade. Em 2000 contavam-se 25 “hot spots” espalhados pelos continentes e ilhas afora. Consideradas as diferenças ambientais, os mares e oceanos abrigam também seus “nichos quentes” contando-se entre eles os bancos de corais, os estuários de rios, os manguezais e outros. Avaliar o tamanho e, principalmente, a complexidade dessas áreas nos oceanos torna-se um desafio bem maior do que as terrestres. Muitas espécies de peixes e animais marinhos, de moluscos e outros migram por enormes distâncias devido ao aquecimento e resfriamento da água, a circulação das correntes oceânicas e outros fatores mais. Existem estudos de natureza geoeconômica que projetam os custos de uma rede de proteção efetiva dos 25 “nichos quentes”, somados à proteção ao interior da Amazônia, da bacia do Conto e florestas da Nova Guiné. Seriam necessários em torno de  30 bilhões de dólares. Com esse valor  financiando projetos de fato eficientes  técnica e cientificamente postos em práticas, seria possível salvar  70% da flora e fauna terrestre.

Passando da terra firme aos oceanos constata-se um quadro talvez mais preocupante ainda, porém, mais sutil pelas suas próprias características. Neste sentido também já foram elaborados plano cientificamente realistas e econômicas viáveis para controlar a depredação das faixas costeiras de 200 milhas de domínio dos países. Em termos de área estamos falando de apenas 0,5% da superfície dos oceanos. Não é a intenção dessas reflexões a profundar o lado científico e técnico de lidar com o planeta. Apontamos os dados e informações acima para alertar pelo que está acontecendo com “a nossa casa” e enxergarmos uma luz no fundo do túnel em que estamos tateando para achar uma saída. (para mais informações e detalhes, recomendo a leitura do livro “A Criação – como salvar a vida na aterra” de eminente especialistas em insetos e ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson, do qual extraímos os dados acima). E para concluir o que vínhamos refletindo, reproduzo uma de suas admoestações.

A vida neste planeta não aguenta mais tantas pilhagens. Sem falar no imperativo moral universal de salvar a Criação, com base tanto na religião como na ciência, conservar a biodiversidade é o melhor negócio, do ponto de vista econômico que a humanidade encontrou desde a invenção da agricultura, o tempo de agir, meu distinto amigo, é gora. Os fundamentos científicos são sólidos, e estão melhorando. Os que hoje vivem na terra têm de vencer a corrida contra a extinção, ou então serão derrotados – e derrotados para sempre. Eles conquistarão honrarias eternas, ou o desprezo eterno. (Wlson, 208, p. 115).

Se no plano das ciências e tecnologia dispomos teoricamente instrumentos financeiramente suportáveis para passar pelo gargalo ecológico em que estamos entalados, falta resolver outro problema de fundo mais complexo e mais fundamental. Ele perpassa como um “Leitmotiv” o texto original da Encíclica e acompanha as nossas reflexões desde o começo. Trata-se, em  última análise de uma questão de valores e seus reflexos sobre a visão que as pessoas têm do mundo, da natureza e de si próprias. Não há necessidade de insistir que essa situação termina por desenhar o perfil da sociedade como organização e molda o comportamento das pessoas. “Assim podemos afirmar que, na origem de muitas dificuldades do mundo atual, está principalmente a tendência, nem sempre consciente, de elaborar a metodologia e os objetivos da tecnociência segundo um paradigma de compreensão que condiciona a vida das pessoas e o funcionamento da sociedade”. (Laudato si, 107). O filósofo nicaraguense A. Caldera, já nosso conhecido pelo livro “Todo o tempo futuro foi melhor”, põe na boca de Anaxágoras numa conversa imaginária com Heráclito, a afirmação sobre a pós-modernidade: “Que todos os valores desapareceram. Que é um um mundo sem justiça, sem valores e com uma realidade histórica, política e moral: o mercado. Novo deus, nova teologia, nova moral”. (Caldera, 2004, p. 47).

Fustiga depois os meios de comunicação a serviço da moldagem dessa mente e dessa sociedade.

O pós-pensamento anulou o pensamento. A lumpen-inteligência produzida pela televisão criou um proletariado intelectual. A subcultura dos meios de comunicação e de quem os dirigem, produziu uma invasão pior que a dos gafanhotos que destroem as plantações. A ignorância se converteu em virtude. Como disse Franco Ferroti, citado por Sartori, “estamos enfermos de vazio “. E o pior  é o que diz Neil Postman, citado também por Sartori. “ televisão oferece-nos o melhor quando nos dá diversão-lixo (junk); oferece-nos o pior quando absorve discurso sério(...). Conviria que a televisão fosse pior, não melhor. (Caldera, 2004,
p. 46-47)