Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 3 -

A doutrina da Igreja

 A reconciliação oficial da Igreja com o universo e a natureza sugerida pelas conquistas científicas, começou com Pio XII na década de 1940. Na carta encíclica “Divino aflante Spiritu” (1943)  veio o primeiro sinal liberando os católicos para a aceitação da teoria da evolução. A “Encíclica “Humani  Generis” (1950) do mesmo Pio XII consolidou essa abertura.  Com as duas encíclicas, o papa definiu os parâmetros e os limites permitidos pela doutrina católica em relação à natureza, sua origem, sua evolução colocando o homem como personagem  central nesse cenário. Definiu a competência e a responsabilidade da Ciência e da Teologia para a compreensão do homem.

O papa João XXIII, sucessor  de Pio XII, na sua última encíclica “Pacem in terris”, de 11 de  abri de 1963, dois meses antes do seu falecimento, coloca a natureza na perspectiva do cenário em que a espécie humana  vive sobrevive, prospera ou definha. Pela sua natureza a Encíclica destina-se, em primeiro lugar ao universo católico. Quando o tema tratado, porém, interessa as pessoas independentemente da confissão religiosa, entra na esfera do bem comum. É o que acontece com a “Pacem in terris”. João XXIII  dirige-se “a todas as pessoas de boa vontade” pois, o meio ambiente é um bem comum. O fato de a  encíclica datar de 52 anos atrás merece duas considerações. A primeira. Na época a questão ambiental recém começava a frequentar os debates científicos, as primeiras entidades de proteção à natureza começavam a ser criadas. No Brasil  as fronteiras de expansão agrícola avançavam sobre as florestas virgens do oeste do Paraná. Não demoraria o assalto aos dois Mato Grosso, o cerrado do Brasil Central, Rondônia, Acre e para além para o norte, Amazônia adentro. Vozes isoladas alertando para as consequências funestas da substituição dos gigantescos ecossistemas  naturais por outros tantos humanizados, faziam-se ouvir desde o final do século XIX, mas nada comparável ao que acontece nesse nível hoje. As encíclicas dos dois papas mencionados são, portanto, uma prova inequívoca de que o magistério oficial da Igreja estava alerta e decidido a dar a sua contribuição para lidar corretamente com o problema que se desenhava no horizonte.

A Pio XII, um intelectual de primeira linha coube definir as bases teóricas e doutrinárias em que  que tornaram possível levar objetivamente a uma compreensão da natureza a partir da realidade  científica e da doutrina da Igreja. Suas encíclicas deixam bem claro o que é da competência da Ciência e da Religião na compreensão da natureza e do “como” se originou  e evoluiu. As duas encíclicas  servem de referência para nortear qualquer pesquisa científica ou ação prática que tem como objeto  a “morada”, a “querência” em que a espécie humana construiu e continua construindo a sua história. E, par que as reflexões, os debates e as conclusões sobre essas questões tão complexas não estagnassem no nível dos documentos pontifícios, Pio XII criou a “Academia Pontifícia de Ciências”, como fórum de debates sérios aberta a todo o cientista interessado, independente à filiação filosófica ou confessional.

O perfil mais acadêmico das encíclicas de Pio XII, vai dar lugar a documentos de igual peso e valor doutrinário, mas de cunho mais prático, publicados pelos seus sucessores, chamando a atenção para a responsabilidade e o compromisso para com o meio ambiente. Vai nesse sentido  Encíclica “Pacem in terris” de João XXIII ao fazer o convite “a todas as pessoas de boa vontade” a comprometer-se com o futuro da “nossa casa” como costumava São Francisco se expressar quando falava da natureza.

Em 14 de maio de 1971, oito anos depois da “Pacem in terris”, Paulo VI publicou a Carta Apostólica ”Octogesima Adveniens”. Nela chama a atenção para os riscos  acarretados pela degradação progressiva e acelerada da natureza ou a consequência dramática  resultado da exploração  inconsciente da natureza e dessa maneira o próprio ser humano ser vítima da sua obra destruidora. Num discurso à FAO em 16 de novembro de  19770, alertou para  uma “catástrofe ecológica sob o efeito da explosão da civilização industrial; para a necessidade urgente duma mudança radical no comportamento da humanidade”, porque “os progressos científicos mais extraordinários, as invenções técnicas mais assombrosas, o desenvolvimento econômico mais prodigioso, se não estiverem unidos a um progresso social e moral, voltam-se necessariamente  contra o homem”.

João Paulo II sucessor de Paulo VI na sua primeira encíclica  “Remptor Hominis”, de  4 de março de 1979, deixou a observação que o ser humano  parece “não se dar conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles que servem somente para                              os fins de um uso e consumo imediato”. Em 2001  João Paulo II volta a questão ambiental, convidando para uma “conversão” ecológica global. Na encíclica “Centesimus Annus” de 1º de maio de 1991 chama a atenção de que é preciso  “Salvaguardar as condições morais de uma autêntica ecologia humana”. Na encíclica “Sollicitudo rei socialis” de 30 de dezembro de 1987, o papa falando dos modelos de convívio social em vigor e as políticas de produção, nas estruturas de poder que hoje regem as sociedades”, insiste no  ponto nevrálgico do problema. O progresso humano deveria ter como baliza norteadora  o caráter moral, ou se preferirmos o caráter ético, raiz das raízes, motivação das motivações, para toda e qualquer iniciativa no complexo campo da ecologia. Ao lidar com o mundo natural,  “é preciso ter em conta a natureza de cada ser e as ligações entre todos num sistema ordenado”.

A conclusão é óbvia. A atividade do homem no mundo natural, o aproveitamento dos seus recursos, só se legitima quando se respeita a sua destinação original. Em ouras palavras. Os recursos naturais destinam-se a todos os homens, independentemente de raça, cor, filiação confessional, nível cultural, nível econômico ou status social. Todos tem o mesmo direito ao acesso desses bens  e assim suprir as suas necessidades materiais e espirituais. No momento em que essa destinação for viciada por outros interesses, atenta-se contra a ética e a moral  implícita no conceito de natureza. Qualquer iniciativa, projeto ou programa de exploração da natureza é ilegítimo quando entra em conflito com o bem comum, contra a natureza e, em situações mais graves, criminosa.

E para concluir a inegável preocupação das autoridades  máximas da Igreja sobre  a questão ecológica, não se pode esquecer o que Bento XVI, antecessor imediato do papa Francisco, pensou sobre a problemática. Na carta apostólica de 29 de junho de 2.009, o papa   referiu-se ao desafio ecológico. O foco das suas preocupações, como a dos seus antecessores, foi a identificação dos fundamentos, sem os quais, o tema, em última análise não faz tanto sentido pois, é nivelado a outras questões e, como elas, tocado à base de ideologias, de interesses econômicos, políticos e outros, ditados pelas conveniências em moda.

Num discurso endereçado ao corpo diplomático em 8 de janeiro de 2007, Bento XVI retomou o pensamento do seu antecessor sobre  a questão ambiental. Reforçou o discurso de João Paulo II, ao conclamar os diplomatas a se empenhar num esforço supranacional para “eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial e corrigir os modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito ao meio ambiente”. O mundo,  segundo o pontífice, não pode ser compreendido nas sua enorme complexidade, focando ou tentando entender uma ou outra de suas dimensões. A natureza é uma grandiosa e engenhosa síntese. Em vão são as tentativas para entende-la dissecando as partes, porque “esse livro da natureza é indivisível”. “Ex partibus omnibus ellucet totum – “o todo revela-se por todas as suas partes”, diria Nicolau de Cusa. Nessa indivisibilidade não entram apenas em questão o que tecnicamente se costuma entender ao falar em natureza ou meio ambiente. A “nossa casa”, a “querência” que abriga o homem e permite que sua existência aconteça e se realize, só “é um livro indivisível”, quando incluímos nele o homem, o personagem que lhe confere sentido e razão de ser. Portanto, a natureza como uma “realidade objetiva”, como a concebeu o cientista Edward Wilson, vai incorporando no decorrer da sua história o homem com suas obras e organizações, em parceria com os ambientes físico-geográficos peculiares. Em outras palavras. A resposta na forma de culturas diferenciadas  resultam da maneira singular em que acontece a simbiose entre o homem  e seu meio, sua “casa”, sua “querência.

E é nessa perspectiva que vai o conceito de “paisagem humanizada” ou “Ecossistema humanizado”. A lógica leva a concluir que a humanização dos ecossistemas é fundamental para a moldagem do perfil das culturas que neles prosperam, assim como a recíproca que não é menos verdadeira. Por isso faz todo o sentido a observação de Bento XVI na encíclica “Caritas in Veritate”, de 29 de junho de 2.009. “A degradação da natureza está estreitamente ligada à cultura que molda a convivência humana”. Depois de apontar para os estragos que o homem já causou à natureza, a casa que o abriga e alimenta, `”sua casa”. Depois de afirmar que essa irresponsabilidade já afetou o próprio modelo das organizações sociais e culturais em vigor, como teólogo vai à raiz do problema. De acordo com sua  avaliação, os males que geram essas distorções, para não dizer aberrações, resumem-se em última análise num só. A lógica que alimenta todo esses processo é a falsa convicção de que não existem “verdades indiscutíveis”, não  existem balizas irremovíveis, não há valores permanentes, que marcam os limites para o exercício da liberdade. No  discurso que Bento XVI pronunciou em Berlim, no Bundestag, a um certa altura alertou: “O homem não é apenas uma liberdade que se cria por si própria. O homem não se cria a si mesmo. Ele é espírito e vontade, mas é também natureza. E num discurso ao clero da diocese de Bolzano-Bressanone na Itália, lembrou que “onde nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente a nossa propriedade onde consumimos apenas para nós mesmos, começa o desperdício da Criação  onde já não reconhecemos qualquer instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos”.

A evolução da compreensão da natureza e a doutrina ambiental da Igreja, expressa nos documentos oficiais, parece seguir os seguintes passos. A primeira abertura  oficial para uma perspectiva mais objetiva, mis compreensiva e mais completa da natureza, começou com Pio XII. Os avanços e os resultados em todos os campos do saber, especialmente nas Ciências Naturais deixaram claro que a cosmovisão tradicional da Igreja reclamava uma reinterpretação. Pio XII foi o homem certo no momento certo para dar partida a essa oxigenação inadiável da Igreja Católica em relação ao mundo científico e suas conquistas e resultados. Com a encíclica “Divino Afflante Spiritu” de 30 de setembro de 1943 começou a abertura, removendo um dos obstáculos mais renitentes a dificultar, para não dizer, impedir o clero e o povo católico em geral, o trânsito livre no grande universo científico ao permitir a flexibilização na interpretação da Sagrada Escritura. Lembramos como exemplo paradigmático o cientista jesuíta Erich Wassmann que, tendo em vista as determinações anti-modernistas de Pio X, desistiu em 1910 da publicação da terceira edição da sua obra clássica: “Moderne Biologie”.  Pio XII com sua vasta formação profana e religiosa, somada à vivência como diplomata, como núncio apostólico em Berlim, percebeu a urgência em mexer no que aprecia um autêntico tabu, isto é, a interpretação das Sagradas Escrituras. A interpretação literal dos textos, em especial do Gênesis, distanciava-se a passos quilométricos do que as Ciências vinha constatando. A interpretação literal já não se sustentava. Frente a esses cenário Pio XII, por meio da “Divino Afflante Spiritu” liberou a discussão sobre a natureza e a interpretação dos textos sagrados. Para tanto seria preciso o recurso à língua original em que os textos foram escritos, valendo-se de todos métodos e instrumentos científicos no campo da linguística, da literatura, da arqueologia, da antropologia, da etnohistória e das  demais ciências complementares.

Na Encíclica “Humani generis” de agosto de 1950, Pio XII avançou mais um paço  de fundamental importância para viabilizar  o esforço comum entre a Ciência e a Religião, em busca de uma compreensão objetiva da natureza e, consequentemente, do homem. Invocando a necessidade de tomar em consideração as evidências reveladas pela Ciências Naturais, franqueou a porta para que a evolução explique o “como” a natureza funciona. Quanto a natureza humana, sua origem e evolução biológica insere-se logicamente nessa perspectiva. Para o católico não há impedimento, melhor é de suma importância participar das pesquisas e das reflexões que dizem respeito à evolução. Não ha igualmente restrição em compartilhar e aceitar os resultados, com uma dupla ressalva. Em primeiro lugar, que plano biológico, incluindo o homem, essas conclusões  não sejam interpretadas como verdades definitivamente comprovadas. Em segundo lugar, fica fora de qualquer discussão incluir a alma, o espírito como resultado do processo evolutivo. O corpo pode ter evoluído, a alma não. A alma foi criada imediatamente por Deus, por isso é um questão de fé, não de ciência.

Tomando em consideração o estágio em que se encontravam as pesquisas científicas em 1950, a “Humani gerneris” foi, ao mesmo tempo, realista e profética. Realista porque a Igreja Católica acertou oficialmente  o passo com a Ciência; realista porque em vez de contestar, contestar e olhar com desconfiança para  os cientistas e a ciência e suas conclusões, decide ser colaboradora e parceira. A criação da “Academia Pontifícia de Ciências” por Pio XII é a prova material dessa disposição. A Encíclica foi igualmente profética  pois, a cada  dia cresce o número de cientistas de peso, católicos, cristãos de diversas denominações , representantes de outras religiões, ou simplesmente humanistas seculares, que entendem a natureza como uma síntese, a partir dos conhecimentos gerados pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. É nessa  perspectiva multifacética que se concebe hoje a natureza e sobre  qual se fundamenta a autêntica consciência ecológica e as iniciativas e as ações práticas para pô-la em prática.

O caminho pois, estava livre para que a Ciência e a Religião, cada qual à sua maneira e com seus métodos contribuíssem com a sua parte para compreender a natureza na sua complexidade e, partindo desse pressuposto, partissem em sua defesa. Foi o que aconteceu há há mais de 50 anos com a encíclica “Pacem in terris” de João XXIII. Os sinais de alerta denunciando as agressões perigosas ao meio ambiente começavam a ser ouvidas e o papa associou-se com toda a sua autoridade.

Diante do descaso com o meio ambiente e o agravamento da situação, fizeram-se ouvir os alertas de Paulo VI. O tom e a frequência das preocupações multiplicaram-se na mesma proporção em que as agressões à natureza se multiplicavam e agravavam. Foram contundentes e alarmantes as manifestações de João Paulo II e Bento XVI. E a essa altura em que os desmandos do homem contra  a natureza passaram do limite tolerável, às vésperas da reunião dos líderes mundiais em Paris, para discutir a situação, o Papa Francisco contribui para enriquecer a discussão, com a Encíclica ”Laudato se” com toda a propriedade apelidada de “Encíclica verde”.


A “Encíclica  verde” parte do fato  de que, de dois séculos para cá, a relação do homem com a natureza enveredou por um caminho preocupante. Aliás as raízes do problema devem ser procuradas muito mais cedo, entre 15000 a 20000 anos atrás. Esse longo caminhar histórico da humanidade, a par dos muitos e inegáveis benefícios, veio acompanhado por efeitos, a longo prazo, opostos aos benefícios. Representam o resultado paradoxal inerente à  própria inserção existencial do homem na natureza. Suas raízes como espécie biológica alimentam-se do chão comum a todas as demais espécies vivas, planas e animais. Como elas vive, sobrevive ou perece abraçado às vicissitudes do ambiente natural, que fornece alimento e abrigo ao corpo e os símbolos e a inspiração para o espírito. Na abundância prospera e na escassez definha. Da saúde, equilíbrio e integridade da natureza depende a saúde e a prosperidade do homem. A degradação natural ou artificialmente induzida, leva à deterioração do homem como espécie, acompanhado da decadência das culturas e civilizações.

Pela sua própria natureza os animais dispõem do instinto e os vegetais o potencial de adaptação para enfrentar as oscilações climáticas e as modificações dos ecossistemas. O homem dispõe da inteligência reflexa e da liberdade como ferramentas para lidar com o meio  ambiente e servir-se dos recursos naturais. A inteligência reflexa permite-lhe observar, identificar e avaliar os recursos naturais disponíveis. Ela decide sobre “o que” e o “para que” servem as dádivas da natureza. A liberdade permite optar por uma das alternativas, mais ou menos adequada, como caminho para “o como” será o processo da apropriação dos recursos naturais.  Sendo assim o homem foi descobrindo, via inteligência reflexa, de como administrar a “sua cassa”, a “sua querência” e, via liberdade, escolher e decidir-se pela forma como explorar os recursos naturais. Munido com essas duas ferramentas enfrentou os desafios que vinha encontrando pela frente.

Durante muitos séculos, dezenas de milhares de anos a humanidade viveu e sobreviveu com mais ou menos êxito das  dádivas espontâneas postas à sua disposição pela natureza. Colhia frutas, raízes, tubérculos e folhas comestíveis, caçava animais que com ele compartilhavam o mesmo espaço e pescava os  peixes  em abundância nos rios, arroios lagoas e costas marítimas. Com sua criatividade foi coletando, inventando e aperfeiçoando ferramentas para torna a coleta, a caça e a pesca cada vez mais fácil e rendosa. A prova dessas conquistas estão nos instrumentos de pedra lascada do paleolítico. Com toda a certeza, a pedra lascada, com destaque para o sílex encontrável em qualquer lugar e o menos frequente vidro vulcânico, não foi a única matéria prima com que homem daqueles tempos remotos fabricava instrumentos. Pode-se afirmar com certeza que a madeira,  osso,  chifre e dentes tiveram a mesma utilidade. Acontece que muito mais susceptíveis à destruição pelos agentes de degradação naturais, seus vestígios foram apagados.

O fato é que o homem do paleolítico, ao lado de diversificar e aperfeiçoar os instrumentos, foi ampliando e aperfeiçoando o conhecimento das plantas que lhe forneciam alimentos. Os caçadores, por sua vez foram observando os hábitos dos animais, como algumas espécies habituaram-se presença do homem e conviviam com ele perto do acampamentos. Somado ao aperfeiçoamento de tecnologias, a entrada do fogo  no quotidiano  somou um potencial de progresso difícil de avaliar.


Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 2 -

As conclusões práticas da concepção do universo e da natureza de Teilhard, relativas à  convivência e interferência no meio ambiente assim como a exploração dos recursos que oferece, vem a coincidir com as que concluímos da cosmovisão de Rambo.

Erich  Wassmann, outro jesuíta como o papa Francisco, tornou-se conhecido e respeitado  nos debates  sobre o monismo materialista de Ernst Haeckel, no começo do século XX. Partindo das suas observações em colônias de formigas e térmites e sua relação simbiótica com fungos, concluiu pela incapacidade de a ciência e seus métodos esclarecerem as bases últimas da existência da natureza, da leis que a regem e o sentido que subjaz a tudo isso. A limitação dos seus métodos permite apenas responder ao “como” tudo funciona. Fica faltando a resposta para o “donde”, “porque” e “para onde” e consequentemente a lógica e a teleologia que impedem que tudo desande confiada a uma dinâmica cega e errática, entregue ao acaso, terminando no caos, precisa ser procurada em outro nível.

Aqui se oculta uma linha de raciocínio eminentemente teleológica. Se for levado às últimas consequências lógicas, termina necessariamente no reconhecimento de um Criador pessoal, responsável pelas leis da natureza pois, as leis da evolução devem ter sido concebidas pelo mesmo legislador que outorgou as leis para o mundo ambiente como um todo e as  aplicou harmonicamente às leis da evolução dos seres vivos. Esse legislador só pode ser uma sabedoria supra-humana que, como causa primeira, regula e inclui a natureza toda nas leis que a regem. Assim as adaptações orgânicas constituem-se num testemunho vivo, numa prova da moderna concepção teísta do mundo (Stimmen der Zeit, vol. 100, 1921, p. 136)

Começamos a contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco com a visão do mundo de Edward Wilson que  se auto define como um “humanista secular” e defende que a natureza é um “fato objetivo”, isto é, uma realidade, um ente objetivo que não se resume na simples soma de suas partes. O entendimento da natureza como uma unidade sistêmica ou orgânica, dos três cientistas, jesuítas como o papa, Wassmann, Teilhard e Rambo, coincide na sua essência com a do “humanista secular” Edwartd Wilson. A diferença mais significativa entre ele e os três jesuítas talvez seja o fato de ele não responder  como foi “o começo dos começos” e o sentido e o destino final de tudo. Respondeu ao “como” e, ao afirmar que a natureza é um “fato objetivo”, sinalizou para uma saída para o “porque” e o “para onde”. Os outros três coerentemente pressupõe um ato criador de Deus que desencadeou tudo e potencializou a natureza para evoluir garantindo a unidade na diversidade. Para todos eles a natureza é a “casa”, a “querência”, a “pátria” do homem. Nela a espécie humana surgiu, vive e sobrevive dos seus recursos, constrói a sua história.  Nela cumpre o  papel como espécie singular na sinfonia das coisas. A conclusão legítima e lógica resume-se no fato de a natureza constituir-se ontologicamente num bem comum que exige que se recorra a critérios éticos quando do seu uso e fruto.

E, afim de ampliar e enriquecer  a contextualização da “Encíclica Verde” do papa Francisco, apresentamos a cosmovisão de ouros três cientistas de renome, representantes do universo científico leigo: Ludwig von Bertalanffy, Francis Collins e Theodosius Dobhansky.

Para Ludwig von Bertalanffy a arquitetura e o funcionamento da natureza acontece na forma de um  “sistema” como ensina na sua “Teoria Geral dos Sistemas”. Aos  elementos aparentemente mais insignificantes cabe uma função. Colaboram para que o todo funcione corretamente. A natureza, mais especificamente a biosfera, enquadra-se perfeitamente no conceito de sistema proposto por ele. Nenhum micro-organismo, nenhum inseto, nenhum vegetal ou outro ser vivo qualquer, pode ser descartado sem de alguma maneira afetar o bom funcionamento do todo. E como  qualquer sistema cumpre uma finalidade, obedece a um plano e, por isso mesmo, é impulsionado por uma teleologia inerente à sua própria natureza. Como tal é o cenário no  qual a espécie humana existe, subsiste, prospera ou perece.

Não é aqui o lugar de entrar mais a fundo, na análise mais detalhada do conceito de sistema assim como Bertalanffy o propõe. No contexto das reflexões sobre a “Encíclica Verde”, o importante é destacar a ideia de unidade, de totalidade, de dinâmica teleológica subentendida na natureza como um sistema total  e nos inúmeros sub sistemas em que pode ser desdobrada. Do bom ou mau estado da natureza como sistema, depende a quantidade e a qualidade dos recursos de que o homem dispõe para atender suas demandas materiais e espirituais. Por essa razão o equilíbrio desse sistema significa um bem comum e, por isso mesmo seu correto uso vem a ser uma exigência ética. Uma segunda lição, e esta fundamental na motivação de iniciativas  em defesa do ecossistema global da terra e  os inúmeros subsistemas que o integram, recomenda uma vigilância severa sobre as diversas formas de explorar os recursos naturais pois, toda e qualquer ação invasiva numa parte afeta o equilíbrio  na proporção direta da sua capacidade destrutiva.  A unidade funcional defendida pelo conceito de sistema  deveria servir de marco de referência para qualquer iniciativa preservacionista que mereça esse nome. Serve também de alerta que mesmo o combate a uma só espécie, ou a extinção de qualquer espécie animal ou vegetal afetará proporcionalmente o bom ou mau desempenho do todo. Quanto mais invasiva  a ação, tanto maior o estrago. Como exemplo lembramos a ruina em cascata da biosfera com o desaparecimento, por ex., dos insetos como a detalhou Edward Wilson.

Francis Collins, especialista em genética médica e diretor do Projeto Genoma a partir do qual foi desenhado o mapa do código genético do homem, é outro que defende a  unidade da natureza em seu magnífico livro “A Linguagem de Deus”. Como sugere o título, o código genético é uma outra modalidade, uma outra linguagem com que Deus se comunica, para quem sabe ler essa escrita cifrada na qual as letras são os genes. Collins informa que foi agnóstico até os 21 anos. Daí até os 27 ateu convicto. Quando, como médico residente, entrou em contato com os doentes  no hospital, a atitude deles, a maioria pessoas comuns, frente aos males que os afligiam, convenceu-o da razoabilidade, para não dizer necessidade, de admitir a existência de um Deus. Desde então não se cansa em mostrar que não há nenhuma incompatibilidade entre a Ciência e a Fé em Deus; que para a origem do universo e da natureza não há como não invocar a mão de um Deus Criador; que Ele muniu a matéria original da qual evoluiu a natureza, o “estofo”  do universo como diria Teilhard, com as potencialidades que a evolução se encarregou e ainda se encarrega de concretizar. Nessa perspectiva o universo e a natureza são logicamente uma grande unidade com todas as consequências práticas sinalizadas pelos cientistas acima mencionados. O Dr. Collins resumiu a sua compreensão do universo, da natureza e do homem assim.

Minha proposta é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos” ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos  reconhecerão “Bios” como vida em grego e “Logos” como palavra em grego. Como muitos que acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo de Deus, como expressou de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do Evangelho de João. “No princípio era o Verbo e o Verbo era Deus”. (João 1:1). BioLogos expressa a crença que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. /A Linguagem de Deus, 2007, p. 209).

E, para concluir essa introdução  de contextualização, que já se avoluma, acrescentamos mais um cientista, uma das maiores autoridades em genética do século XX, Theodosius Dobzhansky, crente e filiado à igreja ortodoxa russa. Não é aqui o lugar para comentar a pesquisa em genética e os resultados  por ele obtidos. Importa destacar as esperanças e as incertezas que o cenário natural e o homem interferindo nele, sugere. Tomando como base os conhecimentos de genética de que Dobzhansky dispunha o dados, na sua essência confirmados durante os últimos 45 anos, para formular seu diagnóstico que coincide com os demais cientistas citados e o da Encíclica Verde. Concluindo seu livro “La Herencia e la Naturaleza del Hombre , (1969, p. 177), deixou sua opinião conclusiva sobre a questão. A evolução do homem pressupõe os fundamentos biológicos da natureza humana e fornece a bases operacional que permitiram que as manifestações culturais se tornem possíveis.


Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 1 -

O Contexto

Conceitos como ecologia, clima, aquecimento global, degradação ambiental, poluição, etc., etc., fazem parte dos discursos de intelectuais, políticos, administradores, educadores, religiosos, ambientalistas, ecologistas de todas as matizes e interesses. Fazem parte também das conversas das pessoas comuns. Pensando bem não há nada de inusitado nessa preocupação. Trata-se afinal de contas de uma problemática que afeta a todos indistintamente pois, nada mais verdadeiro do que a sentença: “A natureza existe e subsiste sem o homem, mas o homem não existe nem subsiste sem a natureza”. Essa realidade obriga a refletir sobre o comprometimento com o que está acontecendo com a “casa comum” em que habita a humanidade, lhe condiciona a existência e lhe garante a subsistência. O sucesso ou a ruina da humanidade depende da preservação “dessa sua casa”, da proteção da paisagem natural com seus animais, plantas, solos, mananciais de água e atmosfera não poluída. Numa situação extrema, um colapso ambiental implicaria inevitavelmente no colapso da espécie humana.

A grande maioria dos preservacionistas, ecologistas, integrantes de “Ongs” ou outras formas de organização, focam suas preocupações na macro fauna e macro flora. Interessa o que cai em vista a qualquer observador, o que rende dividendos econômicos e políticos imediatos e desperta admiração e comoção no grande público. Acontece que os danos à natureza mais destruidores e não raro irreversíveis passam despercebidos a muitíssimos defensores do meio ambiente. Uma área desmatada  novamente entregue aos próprios potenciais de recuperação, recompõe-se em questão de algumas décadas na sua forma e composição próxima ao original. As espécies de animais e plantas nativas, se não tiveram sido extintas, voltam dos refúgios em que se abrigaram para repovoar o antigo cenário e com ele recriando um ecossistema em muito semelhante ao que fora danificado.

Os exemplos podem ser  encontrados, por ex., em toda a encosta da serra, de Torres a Santa Maria. Há 50 ou 60 anos passados suas encostas haviam sido desmatadas, excetuando a coroa dos morros totalmente impraticáveis pela  agricultura familiar. Hoje, em toda essa região a floresta secundária com uma composição, em grandes linhas igual à original virgem, cobre as encostas e desce até os arroios nas parte mais plana. Com elas voltou a grande maioria das aves silvestres: inhambus, aracuãs, tucanos, papagaios, pombas além das espécies de menor tamanho. Dos mamíferos carnívoros  e herbívoros, por enquanto pelo menos, não se perceberam vestígios de onças, pumas, antas e outras de porte maior.

A ação invasiva sobre o meio ambiente assume proporções de catástrofe quando a micro e nano fauna for afetada ao ponto de por em risco o equilíbrio que mantém em funcionamento esse micro universo e a sua relação funcional com a macro flora e fauna. Essa é uma questão que não costuma ser aprofundada em seminários, congressos, simpósios  e similares nos quais se discutem os problemas relacionados com o meio ambiente e são propostas iniciativas, ações e estratégias de maior alcance. As razões são óbvias. Obrigatoriamente deveriam entrar nos debates o uso de agrotóxicos, herbicidas e inseticidas, produtos químicos para combater pragas agrícolas e outros similares. Os lobies  da indústria química e da indústria responsável pela emissão de gás carbônico, entram em campo e com argumentos como produção, produtividade, criação de empregos e outros do gênero, contaminam os arrazoados objetivos, com motivações de natureza econômica e ou social que se refletem nas decisões técnicas e geralmente as frustram.

Pensando bem é preciso contar com esse pressuposto para tomar qualquer decisão nessa área. Para se formar uma ideia da importância desse micro e nano universo que age na biosfera conferindo-lhe equilíbrio e a própria possibilidade de continuar existindo, vão aí alguns dados fornecidos pelo entomólogo e especialista em ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson. No capítulo quarto do seu livro “A Criação – como salvar a vida na terra”  detalha esse universo de seres vivos aparentemente “sem importância”. “esses bichinhos” como são tratados pelo leigo em zoologia. As plantas verdes bem com as incontáveis legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa vida. (A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua explicando que pela sua diversidade genética esse micro mundo permite dividir funções e papéis em ecossistemas  num grau altíssimo de resolução; que são tão numerosas algumas espécies que estão presentes em todo metro quadrado de terra; que suas funções são calibradas de tal maneira que, se uma espécie for eliminada, uma outra está à espera para tomar o seu lugar e sua função; que espécies de todo tipo de “mato” ou “bichinhos” governam a natureza exatamente como nos convém; que no decorrer da pré-história a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres vivos e da garantia  da estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo”. (cf. A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua suas considerações focando nos insetos, sua especialidade, os argumentos para defender a vida no planeta. Em 2006 as espécies de insetos classificadas somavam em torno de 900.000. Estima-se que  o total de espécies situe-se em torno dos 10 milhões.  A  biomassa total dos insetos existentes neste momento, é incalculável pois, falamos em 1 milhão de trilhão. O peso, por ex., da biomassa das formigas, totalizando 10 mil trilhões, equivale a de 6,5 bilhões de seres humanos. Esses números, embora ainda provisórios e subestimados, indicam que os insetos ocupam em volume o topo da escala animal. Os Copípodos, minúsculos crustáceos marinhos rivalizam com os insetos em termos de biomassa. Bem no ápice encontram-se os vermes nematoides. Formam populações imensas e somam milhões de espécies, responsáveis por quatro quintos de todos os animais. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação. 2008, p. 41-42)

O nosso cientista dirige sua atenção para ressaltar a importância dos insetos na manutenção do equilíbrio ambiental e na própria sobrevivência  do homem que depende dos ecossistemas. “As pessoas precisam dos insetos para sobreviver, mas os insetos não precisam de nós”. (A Criação, 2008, p. 42).

Se a humanidade desaparecesse, provavelmente nenhuma espécie de insetos deixaria de existir por essa razão. Na eventualidade da extinção da espécie humana, num lapso de tempo relativamente curto, a natureza com seus ecossistemas voltaria ao estado de equilíbrio de 10.000 anos passados. Mas se os insetos desaparecessem a harmonia e o equilíbrio da natureza com seus ecossistemas, entraria em colapso como num efeito dominó, numa rapidez assustadora. Wilson apresenta os acontecimentos em sequência de cascata que seguiram após a extinção dos insetos.

1. A maioria das plantas com flores, os angiospermas,  param de se reproduzir.
2. Entre elas, a maioria das espécies herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e a árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos e em casos raros alguns séculos.
3. A grande maioria das aves e outros vertebrados terrestres, privados de sua alimentação especializada de folhas frutas e insetos, segue as plantas  e cai na extinção.
4. Desprovido de insetos, o solo não é revolvido, o que acelera o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
5. Populações de fungos e bactérias explodem e prosseguem no auge durante alguns anos. enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai-se acumulando.
6 Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
7. A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos  polinizados pelo vento e de pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos seus níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, os sofrimentos, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
8. Apegando-se à sobrevivência em um mundo devastado, aprisionado em uma verdadeira Idade das Trevas do  ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (A Criação, 2008, p. 43-44)

Evidentemente a extinção de todos os insetos e suas consequências é um cenário com probabilidades muito remotas de se concretizar. Acontece, entretanto, que o uso exagerado e indiscriminado de inseticidas já provocou as preocupações de cientistas da envergadura de Edward Wilson. O abuso no recurso aos herbicidas, além de eliminar indiscriminadamente plantas e insetos afeta seriamente a micro e nano fauna, organismos vivos dos quais depende  o equilíbrio edafológico e em casos extremos torna os solos estéreis, improdutivos e de difícil recuperação.

O alerta vale também para as ações invasivas do homem nos ecossistemas naturais. Sua substituição por ecossistemas humanizados, implica necessariamente no extermínio  de  muitas espécies de animais representantes de todos os níveis taxonômicos. Algumas espécies de mamíferos, aves e répteis conseguem migrar e retornam mais tarde quando os ecossistemas naturais se recompõem. Os estragos da degradação fazem-se sentir também sobre o clima, alteração da umidade do ar, circulação das correntes da atmosfera, diminuição ou desaparecimento de fontes, córregos, riachos, arroios e rios.

Acontece que dificilmente se encontram ecossistemas sem a presença do homem ou por ele ainda não visitados. Na sua grande maioria a invasão e a interferência já foi de tal ordem que se chegou aos limites do tolerável, se é que já não foram ultrapassados. Essa situação deve servir de alerta e convidar para um reflexão séria, profunda e responsável sobre o que está acontecendo com “a nossa mãe e pátria”.

Em primeiro lugar o alerta tem como endereço os governantes a quem por ofício cabe zelar pelo bem comum. Lembra também àqueles que de alguma forma se empenham pela preservação da saúde do planeta, para que não caiam na armadilha de interesses mais ou menos nobres; que façam da sua cruzada o cumprimento de uma missão em benefício do bem comum, a terra com seus recursos que permitem à humanidade  viver e  progredir; que o esforço e a dedicação em favor da saúde da “querência” da espécie humana se alimente da convicção de que se trata de um bem a que todos tem direito, independentemente  de raça, cor, posição social, riqueza ou pobreza; que, como consequência  os mova o dever de solidariedade; que esse compromisso de solidariedade tem como fundamento o postulado ético que decorre do fato de a natureza ser um bem comum que deve ser usufruído com parcimônia  e num clima de fraternidade universal.

Antes ainda de começar a refletir sobre a “Encíclica Laudato se”, que  daqui para frente  chamaremos carinhosamente de “Encíclica Verde” do papa Francisco, e para melhor contextualizá-la, permitimo-nos resumir o pensamento ecológico de mais alguns cientistas de renome. Segundo o Pe. Balduino Rambo, jesuíta como o papa Fancisco, a unidade, o sentido, a origem e o destino do universo e da natureza, encontra a explicação última fora e além das conclusões que  a ciência sugere. Para ele, botânico respeitado pela comunidade científica  internacional, o universo e a natureza são, na sua origem, obra de um ato criador divino. A evolução resume-se na realização das potencialidades com que esse ato municiou a matéria, o  “estofo” do universo, lá no começo. Sendo assim, em todas as  manifestações a natureza, especialmente nos seres vivos, o observador isento de preconceitos percebe o eco desse  ato criador primordial.  Em outras palavras, as criaturas, cada uma à sua maneira, revelam o dedo do Criador e as pessoas sensíveis ao sobrenatural intuem a Sua presença em  cada uma delas. Rambo, descansando à beira dos precipícios do Canyon do Fortaleza em Cambará, refletindo sobre  presença do divino naquela paisagem única, registrou no seu diário não de cientista mas de místico amante do belo como expressão suprema da perfeição da natureza.

São únicas  as pinturas da natureza na bela terra de Deus, como as da garganta da Pedra Branca. Poderia chamar-se o quadro de precipícios perpendiculares, de névoas efervescentes e trovoadas uivantes, de mata silente e escolhos altos, cheios de clarividência pétrea, de pintura imperfeita mas bem mais do que isso. É uma construção gigantesca de força e simplicidade que nunca para de rolar para frente. Alguém mora nessas profundezas que sussurram, Alguém vigia nessa torre solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa, brinca com o raio e o trovão nos lugares solitários. (Diário, 9 de fevereiro de 1948)

Por essa razão a natureza é o livro dos livros da Revelação; por essa razão também é uma dádiva com que o Criador presenteou o homem e a ele se revelou e continua revelando; ainda, por essa razão é um bem comum; e também por essa razão  o seu uso e fruto e a exploração de seus recursos implica em compromisso e responsabilidade ética.

Outro cientista, Teilhard de Chardin, jesuíta como o papa Francisco, sem falar abertamente em Criação como Rambo, leva nessas direção a concepção da natureza que apresenta. Tudo no universo tem o seu começo, seu ponto de partida, no “Alfa”. Diversifica-se e complexifica-se ao extremo para depois convergir para o mesmo ponto de encontro, o “Ômega”. É  legítima a leitura de que o “Alfa” identifica-se com o ator criador responsável pelo “estofo” do universo contendo a ilimitada potencialidade de desdobrar-se, de diversificar-se, complexificar-se, enfim de municiar a evolução com o potencial necessário para “criar” o mundo e a natureza com tudo que nela existe e vive, surge e  desaparece; que as leis da evolução alimentam-se nesse acontecimento inicial e assim dão sentido à diversificação e  complexifcação. Balizada pela teleologia que confere sentido  a tudo que acontece na natureza, a dinâmica vai ao encontro do ponto de chegada, por sua vez, a razão última de tudo quanto existe, o “ômega”. É legítimo concluir, como o próprio Teilhard dá a entender no fim da sua obra clássica, “O Fenômeno Humano”, que o “Alfa” é uma metáfora para significar o Deus Criador que põe tudo em andamento e o “Ômega” a metáfora que significa o retorno da obra ao seu ponto de partida, isto é, ao mesmo Criador.