Reflexões sugeridas pela Encíclica Laudato si - 1 -

O Contexto

Conceitos como ecologia, clima, aquecimento global, degradação ambiental, poluição, etc., etc., fazem parte dos discursos de intelectuais, políticos, administradores, educadores, religiosos, ambientalistas, ecologistas de todas as matizes e interesses. Fazem parte também das conversas das pessoas comuns. Pensando bem não há nada de inusitado nessa preocupação. Trata-se afinal de contas de uma problemática que afeta a todos indistintamente pois, nada mais verdadeiro do que a sentença: “A natureza existe e subsiste sem o homem, mas o homem não existe nem subsiste sem a natureza”. Essa realidade obriga a refletir sobre o comprometimento com o que está acontecendo com a “casa comum” em que habita a humanidade, lhe condiciona a existência e lhe garante a subsistência. O sucesso ou a ruina da humanidade depende da preservação “dessa sua casa”, da proteção da paisagem natural com seus animais, plantas, solos, mananciais de água e atmosfera não poluída. Numa situação extrema, um colapso ambiental implicaria inevitavelmente no colapso da espécie humana.

A grande maioria dos preservacionistas, ecologistas, integrantes de “Ongs” ou outras formas de organização, focam suas preocupações na macro fauna e macro flora. Interessa o que cai em vista a qualquer observador, o que rende dividendos econômicos e políticos imediatos e desperta admiração e comoção no grande público. Acontece que os danos à natureza mais destruidores e não raro irreversíveis passam despercebidos a muitíssimos defensores do meio ambiente. Uma área desmatada  novamente entregue aos próprios potenciais de recuperação, recompõe-se em questão de algumas décadas na sua forma e composição próxima ao original. As espécies de animais e plantas nativas, se não tiveram sido extintas, voltam dos refúgios em que se abrigaram para repovoar o antigo cenário e com ele recriando um ecossistema em muito semelhante ao que fora danificado.

Os exemplos podem ser  encontrados, por ex., em toda a encosta da serra, de Torres a Santa Maria. Há 50 ou 60 anos passados suas encostas haviam sido desmatadas, excetuando a coroa dos morros totalmente impraticáveis pela  agricultura familiar. Hoje, em toda essa região a floresta secundária com uma composição, em grandes linhas igual à original virgem, cobre as encostas e desce até os arroios nas parte mais plana. Com elas voltou a grande maioria das aves silvestres: inhambus, aracuãs, tucanos, papagaios, pombas além das espécies de menor tamanho. Dos mamíferos carnívoros  e herbívoros, por enquanto pelo menos, não se perceberam vestígios de onças, pumas, antas e outras de porte maior.

A ação invasiva sobre o meio ambiente assume proporções de catástrofe quando a micro e nano fauna for afetada ao ponto de por em risco o equilíbrio que mantém em funcionamento esse micro universo e a sua relação funcional com a macro flora e fauna. Essa é uma questão que não costuma ser aprofundada em seminários, congressos, simpósios  e similares nos quais se discutem os problemas relacionados com o meio ambiente e são propostas iniciativas, ações e estratégias de maior alcance. As razões são óbvias. Obrigatoriamente deveriam entrar nos debates o uso de agrotóxicos, herbicidas e inseticidas, produtos químicos para combater pragas agrícolas e outros similares. Os lobies  da indústria química e da indústria responsável pela emissão de gás carbônico, entram em campo e com argumentos como produção, produtividade, criação de empregos e outros do gênero, contaminam os arrazoados objetivos, com motivações de natureza econômica e ou social que se refletem nas decisões técnicas e geralmente as frustram.

Pensando bem é preciso contar com esse pressuposto para tomar qualquer decisão nessa área. Para se formar uma ideia da importância desse micro e nano universo que age na biosfera conferindo-lhe equilíbrio e a própria possibilidade de continuar existindo, vão aí alguns dados fornecidos pelo entomólogo e especialista em ecossistemas naturais e humanizados, Edward Wilson. No capítulo quarto do seu livro “A Criação – como salvar a vida na terra”  detalha esse universo de seres vivos aparentemente “sem importância”. “esses bichinhos” como são tratados pelo leigo em zoologia. As plantas verdes bem com as incontáveis legiões de micro-organismos e minúsculos invertebrados, são a matriz que sustenta a nossa vida. (A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua explicando que pela sua diversidade genética esse micro mundo permite dividir funções e papéis em ecossistemas  num grau altíssimo de resolução; que são tão numerosas algumas espécies que estão presentes em todo metro quadrado de terra; que suas funções são calibradas de tal maneira que, se uma espécie for eliminada, uma outra está à espera para tomar o seu lugar e sua função; que espécies de todo tipo de “mato” ou “bichinhos” governam a natureza exatamente como nos convém; que no decorrer da pré-história a humanidade evoluiu de modo a depender das ações combinadas desses seres vivos e da garantia  da estabilidade que a biodiversidade oferece ao mundo”. (cf. A Criação, 2008, p. 41).

Wilson  continua suas considerações focando nos insetos, sua especialidade, os argumentos para defender a vida no planeta. Em 2006 as espécies de insetos classificadas somavam em torno de 900.000. Estima-se que  o total de espécies situe-se em torno dos 10 milhões.  A  biomassa total dos insetos existentes neste momento, é incalculável pois, falamos em 1 milhão de trilhão. O peso, por ex., da biomassa das formigas, totalizando 10 mil trilhões, equivale a de 6,5 bilhões de seres humanos. Esses números, embora ainda provisórios e subestimados, indicam que os insetos ocupam em volume o topo da escala animal. Os Copípodos, minúsculos crustáceos marinhos rivalizam com os insetos em termos de biomassa. Bem no ápice encontram-se os vermes nematoides. Formam populações imensas e somam milhões de espécies, responsáveis por quatro quintos de todos os animais. Wilson pergunta: “Será que alguém acredita que essas pequeninas criaturas existem apenas para preencher espaço?” (A Criação. 2008, p. 41-42)

O nosso cientista dirige sua atenção para ressaltar a importância dos insetos na manutenção do equilíbrio ambiental e na própria sobrevivência  do homem que depende dos ecossistemas. “As pessoas precisam dos insetos para sobreviver, mas os insetos não precisam de nós”. (A Criação, 2008, p. 42).

Se a humanidade desaparecesse, provavelmente nenhuma espécie de insetos deixaria de existir por essa razão. Na eventualidade da extinção da espécie humana, num lapso de tempo relativamente curto, a natureza com seus ecossistemas voltaria ao estado de equilíbrio de 10.000 anos passados. Mas se os insetos desaparecessem a harmonia e o equilíbrio da natureza com seus ecossistemas, entraria em colapso como num efeito dominó, numa rapidez assustadora. Wilson apresenta os acontecimentos em sequência de cascata que seguiram após a extinção dos insetos.

1. A maioria das plantas com flores, os angiospermas,  param de se reproduzir.
2. Entre elas, a maioria das espécies herbáceas decresce até a extinção. Os arbustos e a árvores polinizadas por insetos sobrevivem mais alguns anos e em casos raros alguns séculos.
3. A grande maioria das aves e outros vertebrados terrestres, privados de sua alimentação especializada de folhas frutas e insetos, segue as plantas  e cai na extinção.
4. Desprovido de insetos, o solo não é revolvido, o que acelera o declínio das plantas, uma vez que são os insetos – e não as minhocas como em geral se pensa – os principais encarregados de remexer e renovar o solo.
5. Populações de fungos e bactérias explodem e prosseguem no auge durante alguns anos. enquanto metabolizam o material das plantas e animais mortos, que vai-se acumulando.
6 Os tipos de relva polinizados pelo vento e um punhado de espécies de samambaias e coníferas se alastram pela maior parte das áreas deflorestadas e depois conhecem algum declínio, à medida que o solo se deteriora.
7. A espécie humana sobrevive, mas volta a viver de grãos  polinizados pelo vento e de pesca marinha. Porém, com a fome generalizada durante as primeiras décadas, as populações humanas despencam para uma pequena fração dos seus níveis anteriores. As guerras pelo controle dos recursos cada vez mais escassos, os sofrimentos, o declínio tumultuado para um barbarismo da Idade das Trevas seriam sem precedentes na história humana.
8. Apegando-se à sobrevivência em um mundo devastado, aprisionado em uma verdadeira Idade das Trevas do  ponto de vista ecológico, os sobreviventes iriam rezar implorando a volta das plantas e dos insetos. (A Criação, 2008, p. 43-44)

Evidentemente a extinção de todos os insetos e suas consequências é um cenário com probabilidades muito remotas de se concretizar. Acontece, entretanto, que o uso exagerado e indiscriminado de inseticidas já provocou as preocupações de cientistas da envergadura de Edward Wilson. O abuso no recurso aos herbicidas, além de eliminar indiscriminadamente plantas e insetos afeta seriamente a micro e nano fauna, organismos vivos dos quais depende  o equilíbrio edafológico e em casos extremos torna os solos estéreis, improdutivos e de difícil recuperação.

O alerta vale também para as ações invasivas do homem nos ecossistemas naturais. Sua substituição por ecossistemas humanizados, implica necessariamente no extermínio  de  muitas espécies de animais representantes de todos os níveis taxonômicos. Algumas espécies de mamíferos, aves e répteis conseguem migrar e retornam mais tarde quando os ecossistemas naturais se recompõem. Os estragos da degradação fazem-se sentir também sobre o clima, alteração da umidade do ar, circulação das correntes da atmosfera, diminuição ou desaparecimento de fontes, córregos, riachos, arroios e rios.

Acontece que dificilmente se encontram ecossistemas sem a presença do homem ou por ele ainda não visitados. Na sua grande maioria a invasão e a interferência já foi de tal ordem que se chegou aos limites do tolerável, se é que já não foram ultrapassados. Essa situação deve servir de alerta e convidar para um reflexão séria, profunda e responsável sobre o que está acontecendo com “a nossa mãe e pátria”.

Em primeiro lugar o alerta tem como endereço os governantes a quem por ofício cabe zelar pelo bem comum. Lembra também àqueles que de alguma forma se empenham pela preservação da saúde do planeta, para que não caiam na armadilha de interesses mais ou menos nobres; que façam da sua cruzada o cumprimento de uma missão em benefício do bem comum, a terra com seus recursos que permitem à humanidade  viver e  progredir; que o esforço e a dedicação em favor da saúde da “querência” da espécie humana se alimente da convicção de que se trata de um bem a que todos tem direito, independentemente  de raça, cor, posição social, riqueza ou pobreza; que, como consequência  os mova o dever de solidariedade; que esse compromisso de solidariedade tem como fundamento o postulado ético que decorre do fato de a natureza ser um bem comum que deve ser usufruído com parcimônia  e num clima de fraternidade universal.

Antes ainda de começar a refletir sobre a “Encíclica Laudato se”, que  daqui para frente  chamaremos carinhosamente de “Encíclica Verde” do papa Francisco, e para melhor contextualizá-la, permitimo-nos resumir o pensamento ecológico de mais alguns cientistas de renome. Segundo o Pe. Balduino Rambo, jesuíta como o papa Fancisco, a unidade, o sentido, a origem e o destino do universo e da natureza, encontra a explicação última fora e além das conclusões que  a ciência sugere. Para ele, botânico respeitado pela comunidade científica  internacional, o universo e a natureza são, na sua origem, obra de um ato criador divino. A evolução resume-se na realização das potencialidades com que esse ato municiou a matéria, o  “estofo” do universo, lá no começo. Sendo assim, em todas as  manifestações a natureza, especialmente nos seres vivos, o observador isento de preconceitos percebe o eco desse  ato criador primordial.  Em outras palavras, as criaturas, cada uma à sua maneira, revelam o dedo do Criador e as pessoas sensíveis ao sobrenatural intuem a Sua presença em  cada uma delas. Rambo, descansando à beira dos precipícios do Canyon do Fortaleza em Cambará, refletindo sobre  presença do divino naquela paisagem única, registrou no seu diário não de cientista mas de místico amante do belo como expressão suprema da perfeição da natureza.

São únicas  as pinturas da natureza na bela terra de Deus, como as da garganta da Pedra Branca. Poderia chamar-se o quadro de precipícios perpendiculares, de névoas efervescentes e trovoadas uivantes, de mata silente e escolhos altos, cheios de clarividência pétrea, de pintura imperfeita mas bem mais do que isso. É uma construção gigantesca de força e simplicidade que nunca para de rolar para frente. Alguém mora nessas profundezas que sussurram, Alguém vigia nessa torre solitária. Ele chama o eco, apascenta a névoa, brinca com o raio e o trovão nos lugares solitários. (Diário, 9 de fevereiro de 1948)

Por essa razão a natureza é o livro dos livros da Revelação; por essa razão também é uma dádiva com que o Criador presenteou o homem e a ele se revelou e continua revelando; ainda, por essa razão é um bem comum; e também por essa razão  o seu uso e fruto e a exploração de seus recursos implica em compromisso e responsabilidade ética.

Outro cientista, Teilhard de Chardin, jesuíta como o papa Francisco, sem falar abertamente em Criação como Rambo, leva nessas direção a concepção da natureza que apresenta. Tudo no universo tem o seu começo, seu ponto de partida, no “Alfa”. Diversifica-se e complexifica-se ao extremo para depois convergir para o mesmo ponto de encontro, o “Ômega”. É  legítima a leitura de que o “Alfa” identifica-se com o ator criador responsável pelo “estofo” do universo contendo a ilimitada potencialidade de desdobrar-se, de diversificar-se, complexificar-se, enfim de municiar a evolução com o potencial necessário para “criar” o mundo e a natureza com tudo que nela existe e vive, surge e  desaparece; que as leis da evolução alimentam-se nesse acontecimento inicial e assim dão sentido à diversificação e  complexifcação. Balizada pela teleologia que confere sentido  a tudo que acontece na natureza, a dinâmica vai ao encontro do ponto de chegada, por sua vez, a razão última de tudo quanto existe, o “ômega”. É legítimo concluir, como o próprio Teilhard dá a entender no fim da sua obra clássica, “O Fenômeno Humano”, que o “Alfa” é uma metáfora para significar o Deus Criador que põe tudo em andamento e o “Ômega” a metáfora que significa o retorno da obra ao seu ponto de partida, isto é, ao mesmo Criador.


Conclusões - 4

A Educação Ambiental

Apesar de toda a capacidade de destruição de que o homem é capaz com as tecnologias de que dispõe hoje, subsistem ecossistemas que, apesar de já terem sido percorridos pelo homem não deixaram de conservar a natureza de “áreas naturais intactas”. Quando se toma como base para definir essas áreas o critério especificado pela “Conservação Internacional”, uma área com esse perfil deve cobrir no mínimo 10.000 quilômetros quadrados e 70% da cobertura vegetal original. Nesse critério cabem as grandes florestas tropicais da América do Sul, da bacia do Congo e em parte da Nova Guiné. Somam-se às florestas tropicais o cinturão de florestas subárticas, a taiga composta basicamente de coníferas que cobrem ainda grandes extensões do norte dos Estados Unidos, Canadá e Alasca, Finlândia, Suécia e Noruega, centro norte da Rússia e Sibéria. No critério da “Conservação Internacional” cabem também os grandes desertos com suas peculiaridades, as regiões polares, o alto-mar além do leito profundos dos oceanos. O mesmo já não se pode afirmar da foz e delta dos rios, das baías, de modo especial se utilizadas como portos e destino dos dejetos de centros urbanos. A essas áreas naturais de 10.000 ou mais quilômetros quadrados somam-se centenas de áreas menores na forma de parques naturais e reservas. A lei que criou essas áreas protegidas nos Estados Unidos determina que que sirvam “para o uso e desfrute do povo americano, de tal maneia que sejam deixados em bom estado para o futuro uso e desfrute”. No Brasil dispomos também  um respeitável número  de parques nacionais e reservas de proteção à natureza. O Parque Nacional do Iguassú, o Parque Nacional dos Aparados da Serra, o Parque Nacional do Itatiaia, a reserva do Guarita, só para citar alguns. Não é aqui o lugar para desenhar um mapa mais preciso dos parques e reservas de proteção ambienta. Interessa, isso sim, o significado e a importância da sua multiplicação num momento da história em que a agressão a consequente deterioração do meio ambiente avança, em muitas partes do mundo, sem o controle necessário.

Os parques e reservas de proteção à natureza, porém, só então tem condições de cumprir a sua missão como instrumentos de preservação, quando de fato forem cenários em que o homem é visitante. Não se fixa  neles mas mantem uma relação de mero visitante para apreciar o que “a mãe terra não degradada pelo homem”  oferece  para o apreço dos sentidos, para alimentar as emoções intuir o belo na sua forma original. Além disso os parques e as reservas desempenham um papel pedagógico excepcional. São escolas ao ar livre onde as crianças, jovens e adultos, caminhando sem compromisso com a ordem disciplinar e ou a burocrática, entram diretamente em contato com o mundo que num passado não tão remoto, foi o cenário em que a grande maioria dos povos passava a vida. Uma caminhada solitária ou em boa companhia pela tranquilidade de um parque, vendo, ouvindo, apalpando, farejando, sentindo, intuindo, mesmo as pessoas que passam a maior parte da vida na artificialidade das metrópole e megalópoles sentem-se em casa. A relação existencial que as vincula à natureza original  não violada pela civilização, pode ter sido perdida no quotidiano em meio à muralhas de concreto, em escritórios ascéticos, respirando poluição e o odor do asfalto, mas não esquecida. Num  parque, numa reserva ou numa simples caminhada num parque urbano essa relação atávica se faz sentir. Por essa razão é tão importante que às crianças se proporcione  contato seguido e livre com a “mãe terra”, que foi o cenário e a escola  de vida dos  seus coleguinhas do Paleolítico, do Neolítico, em toda história e ainda hoje nos lugares privilegiados onde o sol ainda nasce entre árvores e se percebe o odor da terra molhada depois de uma chuva. A esse respeito Edward Wllson ensina.

A ascensão à Natureza começa na infância, portanto o ideal é que a ciência da biologia seja introduzida logo nos primeiros anos de vida. Toda a criança é um naturalista e explorador principiante. Caçar, coletar, explorar novos territórios, buscar tesouros, examinar a geografia, descobrir novos mundos  -  tudo isso  está presente em seu cerne ais íntimo, talvez rudimentarmente, mas procurando se expressar. Desde tempos imemoriais as crianças foram criadas  em estreito contato com o ambiente natural. A sobrevivência da tribo dependia de um conhecimento íntimo, tátil dos animais e plantas silvestres. (Wilsnon, 2006, p. 158).

Wilson deixou uma série de sugestões para que o aprendizado em contato direto com a  natureza produza os melhores resultados, seja o mais rico possível. Já que a mente da criança, o interesse pelo mundo natural que a cerca, se manifesta desde muito cedo, a educação ambiental deve começar igualmente em cedo pois, a criança está pronta para mergulhar existencialmente basta abrir-lhe as portas e mostrar-lhe o caminho. Sem forçar, apenas orientando o professor ou o guia apontem os lugares onde há surpresas a descobrir. É preciso que a criança individualmente ou em pequenos grupos explore o ambiente, entre em contato íntimo com as descobertas que vai fazendo por sua própria conta. Havendo oportunidade um binóculo, uma lupa, uma bússola tornam a aventura ainda mais emocionante e educativa. Os resultados serão surpreendentemente abundantes e duradouros.

Com adaptações à idade a educação para a natureza deveria continuar num crescendo harmônico pela adolescência afora a fora, o que não significa que todos optem por um futuro de naturalista. O tipo de aprendizado, porém, pelo que passaram será útil em qualquer profissão pois, identificar as coisas, classificá-las, ordená-las, colocá-las no seu devido lugar, são procedimentos úteis em qualquer profissão e atividade. Engenheiros, médicos, advogados, historiadores, e outros mais, valendo-se do  treinamento e da disciplina assimilados nos incursões na natureza, levarão vantagem sobre aqueles que nunca pisaram num parque, numa reserva, ou simplesmente conviveram com a natureza em qualquer outra circunstância. E, se não tiver servido para outra coisa são inspiradoras para que profissionais de todo tipo de especialidade direcionem as suas horas de lazer para objetos da natureza, observando pássaros, animais silvestres, árvores, explorando cavernas, escalando montanhas, ou simplesmente caminhando pelo campo deliciando-se com o ar puro, observando as flores silvestres, bebendo água dos arroios de montanha, meditando na penumbra da floresta, ou admirando os monumentos naturais. Wilsnon conclui o capítulo sobre a educação para a natureza.

Da liberdade de explorar vem a alegria de aprender.  Do conhecimento adquirido pela iniciativa pessoal advém o desejo de obter mais conhecimentos. E ao dominar esse  novo e belo mundo que está à espera de cada criança, surge a autoconfiança. Cultivar um naturalista é como cultivar um músico ou um atleta: excelência para os talentosos, prazer por toda a vida para os mais, benefício para toda a humanidade. (A criação, 2006, p. 166)

Bibliografia

A Pluralidade na Unidade – memória, cultura, religião e ciência.  Organizadores: Arthur Blasio Rambo, Imgart Gruetzmann, Isabel Cristina Arendt. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2007.
Bertalanffy, Ludwig von. Teoria Geral dos Sistemas. Trad. Francisco M. Guimarães, Editora Vozes, Petrópolis, 2006.
Chardin, Pierrre Teilhard de. O Fenômeno Humano. Trad. de José Luiz Archanjo, Editora Cultrix, São Paulo, 1986.
------------------------------------  O Lugar do Homem na Natureza. Trad. Armando Pereira da Silva, , Lisboa, 1956. Instituto Piaget
Collins, Francis. A Linguagem de Deus. Trad. Giorgio Cappelli, Editora Gente, São Paulo 2.007.
Dalto, Renato – Tavares Eduardo. Aparados da Serra – na trilha do Padre Rambo. Editora Unisinos, São Leopoldo, 2007
Dobzhansky, Theodosius. Herencia y Nauraleza  del Hombre. Editorial Losada, S.A., Buenos Aires, 1969.
Kneipp, Sebastian. Meine Wasser-Kur. Verlag der Jos.Koes’schen Buchhandlung, Kempten (Bayern), 44 Auflage, 1893.
Koesters, Paul Heinz. Deutschland deine Denker.  Verlag Gruner+Jahr AG&Co, Hamburg, 4. Auflage, 1981.
Collins, Francis S. A Linguagem de Deus. Trad. Giorgio Capelli, Editora Gente, São Paulo, 2007.
Rambo, Balduino. A Fisionomia do Rio Grande do Sul. Imprensa Oficial, Porto Alegre, 1942.
------------------------  Em busca da Grande Síntese. Editora Unisinos, São Leopoldo, 1994.
------------------------  Diário pessoal  original e inédito, Memoria Jesuíta na Unisinos, São Leopoldo.
------------------------  Três Meses na América. Trad. Arthur Bl. Rambo, Edit da Univrsidade Federal de Santa Maria, Santa Maria, 2016.
Tavares, Eduardo – Dalto Renato. Aparados da Serra – Na trilha do Padre Rambo. Editora Unisinos. São Leopoldo, 2007.

Wilson, Edward O. A Criação – como salvar a vida na terra, Trad. Isa Maria Lando, Companhia das Letras, São Paulo, 2008.

Conclusões - 3

A nova linguagem interdisciplinar

A partir do momento em que as Ciência Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas as Letras e Artes celebram um pacto para, solidários e mutuamente comprometidos, entender cada vez melhor o nosso maravilhoso mundo e seus inquilinos com destaque para o homem, um novo  vocabulário conceitual começou a circular nos meios acadêmicos empenhados em produzir um conhecimento fundado numa perspectiva interdisciplinar. É fundamental que os especialistas dos mais variados  campos, intercambiem experiências, se sirvam de conceitos a que as partes atribuam o mesmo sentido. Em outras palavras, é indispensável que se fale a mesma língua nesse esforço que visa o entendimento entre os muitos segmentos do saber, um discurso honesto, desarmado, sincero. Vão nesse sentido, por ex., os dois conceitos, “Weldbild e Weldauffassung – o retrato, a imagem do mundo e o significado do mundo ou a cosmovisão” formulados por Erich Wassmann. Cabe ao cientista desenhar o retrato tangível, visível e material, com os dados fornecidos pelos  métodos e técnicas de investigação empírica, o “Weldbild”. Ao filósofo e ou teólogo compete identificar o “donde, o como e o porque” do retrato do mundo desenhado pelo cientista. Em outras palavras, o sentido que lhe confere razão de ser, isto é, os significados que lhe garantem vida, sentido  e identidade, para a compreensão do mundo, ou a cosmovisão. Se a cosmovisão, a compreensão do universo e da natureza, a “Weldauffassung”, não for legitimada pelos dados que a ciência oferece, ela será “cega”. O retrato do mundo, o “Weldbild” é “manco” se não passar de um volume maior ou menor de informações aleatórias detectadas pela ciência.

Um outro conceito que vem fazendo parte cada vez mais frequente da linguagem dos cientistas que se ocupam com a natureza como um todo, a natureza como síntese e, de modo especial preocupados com a saúde do planeta, é a Ética. Apelam para a Ética como como argumento mais convincente. Note-se que o conceito na sua origem   é   próprio do linguajar da Filosofia e a Moral, sua versão religiosa, da Teologia. Como outros conceitos, o Darwinismo, por ex., a ética foi incorporada no  mundo conceitual de outros campos do conhecimento. Conquistou um lugar obrigatório nas mais diversas áreas dos conhecimentos aplicados, com a finalidade de disciplinar o comportamento dos respectivos profissionais. Fala-se muito em ética médica, ética no exercício da advocacia, ética na atividade econômica, ética social e por aí vai.

Com cada vez maior frequência e mais insistência cientistas de renome como Edward Wilson, Francis Collins, Dobzhansky, para ficar com três cuja concepção da natureza foram analisados mais acima, terminam em colocar a ética, a capacidade de o homem distinguir entre o bem e o mal, o certo e o errado como terreno comum para a diálogo interdisciplinar. É óbvio que isso não acontece quando se debatem questões exclusivamente científicas e especializadas. Num encontro entre botânicos ou zoólogos sistematas, geólogos à procura de minérios ou campos de petróleo, entre outros, não é o lugar para falar em Ética.

 Mas é na compreensão e no convívio do homem com a  natureza que,  cada dia que passa, essa relação ganha mais importância. Toda uma área de conhecimento a “Bioética”, vem se tornando mais popular e os que a ela se dedicam gozam cada vez de mais respeito e suas opiniões em questões ambientais são levadas em conta com muita seriedade. E é no plano das preocupações ecológicas que a Ética, mais especificamente o conceito de Bioética, assumiu um papel chave, como plataforma comum,  sobre a qual cientistas, filósofos, geógrafos, economistas, juristas, ecologistas sérios, têm condições de se entender, falando a mesma linguagem. A razão que subjaz aos esforços de qualquer profissional sério e ativista digno deste nome, consiste em tratar “a natureza como um bem comum”. Relembramos a máxima que colocamos como motivação  para escrever essas reflexões: “A natureza vive e sobrevive sem o homem, mas o homem não vive nem sobrevive sem a natureza”. Os motivos, os dados e argumentos que validam essa afirmação já foram exaustivamente confirmados pelas autoridades científicas que forneceram as informações que nortearam as reflexões que registramos até aqui. Cabe repetir mais uma vez chamar a atenção para o significado mais profundo que se esconde atrás da ideia chave que nos vem orientando até aqui. A espécie humana está existencialmente inserida na natureza. Sobrevive nela e dela em todos os níveis da sua identidade. Portanto, a natureza representa um bem comum e como tal, todo e qualquer ser humano tem o direito de usufruir dos seus benefícios. Por isso mesmo, o comprometimento com o equilíbrio da natureza se constitui num  dever ético, que deve ser sobreposto a qualquer outro interesse, quando a questão ambiental entra em discussão.

“Sistema” é mais um  conceito que faz parte do dicionário interdisciplinar quando se procura entender  a natureza na sua globalidade. Foi popularizado por Ludwig von Bertalanfy, e amplamente e consistentemente formulado na sua obra clássica: “Teoria Geral dos Sistemas” (trad. port. Vozes, 2008). Salvo melhor juízo trata-se da formulação de uma síntese global que contempla todos os níveis e áreas do conhecimento, a começar pelas Ciências Naturais, passando pelas Humanas, as Letras, Artes e Filosofia. Como tal oferece, senão o melhor, certamente uma das fundamentações teóricas mais consistentes, para as iniciativas sérias de qualquer natureza e procedência, em favor da saúde do nosso planeta. Se no parágrafo anterior argumentamos com o sentido ético da natureza, como justificativa para o interesse pela saúde do meio ambiente, a Teoria Geral dos Sistemas, contribui com a fundamentação científica e até técnica para justificar o mesmo propósito. O conceito de sistema segundo Bertalanffy não resume a natureza a uma máquina, um relógio que funciona perfeita e automaticamente. A montagem do sistema como o defendido pelo autor citado, tem a sua razão de ser amarrada a uma teleologia, ou se quisermos, destinado a produzir resultados que não se resumem na soma do desempenho das partes e funções de cada peça. Há uma tarefa a cumprir um objetivo a alcançar. Esse fato implica de um lado que a participação de cada peça, cada componente do sistema tem razão de ser em função em relação ao que lhe compete contribuir para o bom funcionamento do todo em vista do fim para que existe. Do outro lado a contribuição de cada um é indispensável na proporção e no nível  que lhe compete no sistema como um todo. A lógica da conclusão não deixa dúvidas.  por mais insignificante que pode parecer um componente ele cumpre uma tarefa indispensável. No caso de não comprometer o funcionamento essencial diminui de alguma forma a sua qualidade e os seus resultados.  

Um bom exemplo é um organismo vivo superior como o do homem. Na base da sua estrutural e funcional estão as células. Organizadas em tecidos, órgãos, aparelhos e sistemas formam o organismo. A destruição de um número menor de células por alguma lesão, obviamente não ameaça a  viabilidade do todo, mas de alguma forma, mesmo imperceptível, afeta o todo. O avanço das pesquisas científicas  somadas às conquistas da medicina  comprovam que a destruição de certos órgãos não compromete organismo como um todo, mas reduz a qualidade de vida da pessoa e limita de igual forma seu desempenho na razão direta da função afetada. A solução para órgãos como o coração, o fígado,  pulmões,  rins, etc., quando comprometidos no seu funcionamento,  soluciona-se até certo ponto com o transplante. Mesmo nesses casos o risco da rejeição prova que a natureza calibrou as células,  órgãos,  sistemas e  aparelhos,  em função de cada indivíduo.

Da mesma forma como um organismo vivo funciona como um sistema, ressalvadas as peculiaridades, a natureza é um “organismo” à sua maneira, um mega sistema. O conceito compreende, em última análise, o universo e a natureza com todos os seres vivos que integram a biosfera. É nessa percepção da Natureza que se  encontra o argumento que justifica as ações de qualquer natureza a serviço de qualquer causa. Mas vamos restringir-nos à Natureza como sistema e a morada imediata de todas as espécies vivas conhecidas e, ao mesmo tempo, o cenário na qual evoluíram, prosperaram ou se extinguiram. Perguntamos: o que  afinal é a Natureza?. Edward Wilson assim a define: “A Natureza é  aquela parte do ambiente original e de suas formas de vida que permanece depois do impacto humano, Natureza é tudo aquilo que no planeta Terra não necessita de nós e pode existir por si”. (Wilson, 2006, p. 23)

Wilson pondera que para muitos essa definição não tem valor prático, porque não há recanto no planeta que não sofreu com a presença do homem. Todos os espaços disponíveis já foram tão humanizados e, por isso mesmo, descaracterizados ao ponte de se duvidar da existência de ecossistemas  que conservam a sua identidade original. Subsistem poucos quilômetros quadrados que nunca foram pisados pelo homem. Somos obrigados a dar parcialmente razão a essa visão pessimista. Poluentes industriais de tudo que é procedência e natureza, sobrecarregam anualmente a atmosfera e carregadas pelas correntes aéreas e marítima até além dos círculos polares, ameaçando inclusive o equilíbrio das calotas perenemente congeladas dos polos. O efeito estufa  agravado por esse processo fazendo subir gradativamente a temperatura média da terra põe em xeque a vida em espaços cada vez maiores. O autor observa ainda  que

A maior parte da megafauna terrestre, que compreende animais que pesam de quilos ou mais, já foi caçada até a extinção. A fauna das planícies e florestas do mundo contemporâneo tem pouca semelhança com o majestoso desfile de gigantescos mamíferos e ave que foram levados à extinção pelos habilidosos caçadores do Paleolítico Boa parte dos animais sobreviventes está na lista dos ameaçados. Há 12 mil anos, a fauna das planícies americanas era mais rica do que a hoje existente na África. (Wilson, 2006, p. 24).