FRANCIS COLLINS (1950 ) - 6

O “BioLogos” como proposta de Síntese

A concepção teísta do universo e da natureza não colide com os dados que a ciência apresenta. É aceitável também pelas grandes religiões monoteístas embora não esteja em condições de provar, preto sobre banco, que Deus existe. A crença em Deus implicará inevitavelmente num ato de fé. Mas a síntese assim proposta aponta para uma solução satisfatória tanto para o cientista quanto para o que crê em Deus. Enfim acena com a possibilidade real e fundamentada de que a ciência e a fé tem condições de prosperar juntas numa harmoniosa visão que inclui todas as dimensões do que  pode ser sintetizado na trilogia: Universo-Natureza-Homem. Então porque a evolução teísta goza de tão pouca popularidade entre os cientistas, os filósofos, os teólogos e as pessoas comuns. Collins  arrisca o palpite de que  a denominação “evolução teísta”, soa estranha. Outro motivo é que a maioria das pessoas não versadas em teologia não sabem ao certo o que de fato se pretende significar com esse  conceito. Outro elemento que pode causar estranheza é o fato de emprestar apenas um valor ao nível de adjetivo ao que parece ser o mais importante para os que creem em Deus. Não seria mais  de acordo com o significado que subjaz à proposta, falar em vez de “evolucionismo teísta”, em “teísmo evolucionista”, o que soa ainda mais estranho. De qualquer forma, diante das dificuldades de aceitação que a proposta da evolução teísta enfrenta, Collins apresenta uma proposta capaz de conciliar de vez os interesses da Ciência e  dos que creem em Deus.
Infelizmente, muitos  substantivos e adjetivos que poderiam descrever a rica natureza dessa síntese já estão sobrecarregados com tanta bagagem que é como se estivessem impedidos de continuar. Será que deveríamos cunhar o termo “criavolução?” Provavelmente não. E que ninguém se atreva a usar as palavras “criação”, “inteligente”, “fundamental” ou “planejador” por causar medo ou confusão. Precisamos começar de novo. Minha modesta proposta  é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos, ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia, Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que acreditam  em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de Deus, como expresso de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus (João, 1-1). BioLogos expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. (Collins, 2007, p. 209)
O objetivo do BioLogos consiste em harmonizar as opções formuladas a partir das descobertas científicas e aquelas defendidas pelos que creem de alguma maneira, ou em Deus, ou em alguma outra realidade fora o alcance dos métodos empíricos. Collins apresenta os pontos de conflito para então argumentar em favor da proposta. Para ele um dos motivos do desinteresse do grande público, principalmente leigo no assunto, consiste exatamente naquilo que a proposta contem de mais positivo, isto é, harmonizar os pontos de vista das Ciências Naturais com os  das Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. A grande mídia concentra-se em divulgar o que seu público adora: escândalos, roubos, assassinatos, ataques terroristas, corrupção, etc., etc. Para esse público interessa o barulho e o estardalhaço e, em compensação “a harmonia é chata”. As objeções mais sérias partem daqueles que acham que o BioLogos força tanto a Fé quanto a Ciência. Para o cientista ateu parece não passar muito da teoria do “deus das lacunas”, implícita no Design Inteligente, que coloca a intervenção de Deus onde não é nem necessária nem desejada. Collins responde a esse questionamento:
O BioLogos não tenta  colocar Deus à força nas lacunas de nossa compreensão do mundo natural; ele sugere Deus como resposta às questões das quais a ciência jamais tentou falar a respeito, como, por exemplo: “Como o universo apareceu aqui?”; qual o “sentido da vida?”; “o que nos acontece após a morte?” Ao contrário do Design Inteligente, o BioLogos não pretende ser uma teoria científica. Sua verdade só pode ser testada pela lógica espiritual do coração, da mente e da alma. (Collins, 2007, p. 210).
Curiosamente as objeções mais contundentes parte daqueles que acreditam em Deus. Não admitem que um processo aleatório, aparentemente caótico, entregue ao acaso como pensam sugerir a evolução darwiniana, possa explicar satisfatoriamente tudo o que aconteceu e ainda acontece na natureza, incluindo a humanidade. A interpretação literal dos textos das Sagradas Escrituras, não consegue dar conta de uma explicação convincente do que as ciência está a confirmar nas diversas fronteiras das investigações. Por ex., quando no Gênesis (1;27)  se lê que Deus criou o homem “à sua imagem e semelhança”, isso não deve ser entendido como uma “semelhança” fisionômica, mas muito mais como a da uma  mente, pois o Deus com fisionomia humana, uma figura masculina de grandes barbas brancas, traços imperiais do rosto, posição fora do alcance do comum dos mortais, não passa de uma representação histórico-cultural da tradição judaico-cristã. Neste ponto religiões  que proíbem a representação antropomorfa de Deus, salvo melhor juízo, aproximam-se mais do que o autor entende pelo BioLogos. Nelas Deus é antes de mais nada espírito e mente.
A solução do impasse dever ser procurada em outro nível. Pelo fato de estarmos irremediavelmente enredados em categorias de espaço e de tempo e construirmos a nossas categorias mentais e conduzir os nossos raciocínios condicionados por esses limitadores, fica complicado, e para muitos impossível, imaginar-se um Deus fora e não participante da natureza, fora do tempo e do espaço. O tempo  o espaço são categorias e realidades que começam a existir a partir do ato primordial da Criação. Este ato único em que a matéria prima do universo, “o estofo” do universo, da natureza e do homem, como diria Teilhard de Chardin, foi dotada com todo o potencial capaz de lhe dar as infinitas formas que podemos observar, exigiu como condição e cenário  de  realização o tempo e o espaço. Collins resumiu essa lógica nos seguintes termos:
Nesse contexto, no momento da criação do universo, Ele sabia todos os detalhes sobre o futuro, incluindo a formação de estrelas, planetas e galáxias, toda a química, física, geologia e biologia que levou à formação da vida na Terra e à evolução dos humanos, até o exato momento em que você lê este livro – e além. Nesse contexto,  a evolução poderia  nos parecer guiada pelo acaso. Contudo do ponto de vista de Deus, o resultado já estaria totalmente especificado. Assim, Ele poderia achar-se completa e intimamente envolvido na criação de todas as espécies, embora, da nossa perspectiva, limitada pela tirania do tempo linear, isso parecesse um processo casual e sem direção. (Collins, 2007, p. 211).
Com a proposta da concepção do BioLogos a questão relativa ao surgimento do homem parece oferecer uma saída satisfatória tanto para a ciência quanto aos que  aceitam a existência Deus. Mas há um  campo específico onde o desencontro e o atrito continua a perturbar o entendimento entre os dois lados. Falamos da aparente contradição entre os dados científicos objetivos e textos cruciais de textos sagrados, com destaque para os  livros do Gênesis. A questão se resume no dilema: os textos citados devem ser interpretados ao pé da letra ou é uma alegoria que apresenta de forma poética a entrada na história da evolução da vida, do personagem que se distingue de todos os outros por ser portador de uma natureza espiritual e com ela a Lei Moral, que distingue o homem dos demais seres vivos. Collins cita, como resposta, Theodosius Dobzanhsky, um dos maiores geneticistas do século XX, filiado ao cristianismo ortodoxo russo.
A criação não é evento que ocorreu em 4004 a. C.; é um processo que começou por volta de 10 bilhões de anos atrás e continua. (...) Será que a doutrina evolucionária entra em atrito com  a fé religiosa? Não. É um erro crasso confundir as Sagradas Escrituras com cadernos elementares de Astronomia, Geologia, Biologia e Antropologia. Somente quando criados os símbolos para significar o que não pretendem é que podem nascer conflitos imaginários insolúveis. (Collins, 2007, p. 212)
Acontece que o nosso interesse imediato consiste em destacar, em meio a toda essa discussão, aqueles mecanismos e processos responsáveis para que a natureza se constitua numa grande síntese. Ora falar em síntese só faz sentido se aceitarmos a existência de um eixo em torno do qual giram todos os acontecimentos que movimentam os processos naturais, ou se preferimos um sinalizador que aponta o rumo a seguir e o ponto de chegada a alcançar. Em outras palavras. Os processos naturais, ou se quisermos, os processos evolutivos não são, em última análise, casuais, fortuitos ou aleatórios. Se assim fossem a natureza não poderia ser concebida como uma síntese, mas um aglomerado entregue ao imprevisível mesmo do ponto de vista, por ex., da estatística das populações.  A verdadeira síntese configura-se no momento em que se verifica funcionalidade sistêmica como apresentada na proposta de Ludwig von Bertalanffy ou um ponto de partida, um “alfa” e um “ômega”, um ponto de partida e de chegada, como ensina Teilhard de Chardin. A natureza, portanto, tem um sentido, um objetivo, e sendo assim, é movida por uma teleologia.
Examinando um pouco mais de perto essa reflexão de Collins, percebe-se que ela aponta para algumas das questões mais instigantes e intrigantes  que hoje movimentam tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências Humanas e as Ciências do Espírito. Entre elas merece destaque a preocupação de pensadores desde a antiguidade clássica, pela Imanência ou Transcendência de Deus na natureza. Admitindo que Deus exista como Collins não deixa de afirmar, pergunta-se: Em que nível acontece o relacionamento de Deus com a natureza?
Desde que há informações históricas confiáveis a respeito de como as culturas e, principalmente, as crenças dos mais diversos povos se imaginavam a presença e ação de forças ou entidades extraterrestres na natureza, duas se sobressaem: a imanência e a transcendência. Vão desde a concepção de que uma força sobrenatural animam todos os acontecimentos que podem ser observados nela, passam pela doutrina de que um ente sobrenatural age nela até a crença de que deuses ou, como ensina o monoteísmo, um Deus soberano é o responsável pela existência e o funcionamento da natureza. Fixemo-nos no monoteísmo para penetrar um pouco mais a fundo na questão, enquanto nos fornece argumentos para subsidiar como prova o que nos interessa neste trabalho isto é, a compreensão da natureza como síntese. Na tradição judaico-cristã o monoteísmo se constitui no fundamento sobre  o qual se ergue todo o arcabouço doutrinário da religião. Não é aqui o lugar para fazer um estudo exaustivo sobre os diversos sentidos que se podem atribuir aos conceitos de imanência e transcendência. Limitamo-nos ao sentido da imanência ou transcendência de Deus em relação à natureza. Dois são os sentidos que se costumam atribuir ao conceito de imanência quando se fala em Deus na natureza. Um afirma que Deus não está apenas presente na natureza mas confunde-se substancialmente com ela. Essa percepção pode levar à conclusão de que o mundo é divino e tem no panteísmo sua expressão clássica. Deus não é onipresente na natureza, mas a própria natureza é Deus. Assim qualquer planta, animal ou homem não apenas revelam  Deus mas são divinas pois a natureza é divina. O segundo significado da imanência ensina que Deus não se confunde  substancialmente com a natureza mas  sustenta a Criação e vela para que tudo se realize de acordo com Seu plano. Conceitos como “Providência Divina”, “Mão de Deus”, “Desígnio de Deus”, “Revelação Natural” e outros mais parecem confirmar a convicção de que Deus cuida da sua criação e através dela se revela aos homens. São Paulo na Carta aos Romanos (18-23) deixa claro que não há desculpa para aqueles que afirmam não conhecerem Deus “porque o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto  a eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas...” Na mesma linha vai a compreensão de todos aqueles, cientistas ou não que consideram a natureza em todas as suas manifestações, o livro da revelação por excelência. Nas reflexões sobre a natureza de uns o sentido da imanência fica implícito ou sugerido. Em outros, como no Pe. Balduino Rambo, perpassa como um fio condutor da concepção da natureza por ele observada em primeiro lugar da perspectiva do botânico. Salvo melhor juízo a imanência de Deus na natureza como o responsável pelos acontecimentos mais diversos que nela ocorrem, predomina no imaginário popular das pessoas comuns. Os espetáculos naturais são para elas os momentos em que Deus se manifesta com os seus atributos divinos: onipotência, onipresença, onisciência,  bondade,  beleza,  criatividade, seu senso de supremo artista.

Ao mesmo tempo em que Deus é imanente também é transcendente e como tal é soberano em relação à natureza, exercendo sua soberania na escolha do que pretende  fazer, no momento em que quiser, sem ter que dar explicações a ninguém sobre seus atos. Como se pode concluir  Deus é ao mesmo tempo transcendente à natureza e imanente nela. E por ser imanente é até certo ponto possível seguir seus passos na natureza com a utilização do método analítico- indutivo das Ciências Naturais. Vale naturalmente para aqueles cientistas que acreditam na existência de Deus.

FRANCIS COLLINS (1950 ) - 5

Duas conclusões

Duas conclusões parecem ser  de importância nessa declaração de Collins. A primeira que a compreensão do homem na sua totalidade existencial e, porque não a compreensão do universo e da natureza, situa-se fora e além dos potenciais teóricos e metodológicos da ciência. Este fato leva à conclusão de que a face fora do alcance da ciência exige uma abordagem vinda de outra direção munida com as ferramentas capazes de iluminar a outra vertente de dados indispensáveis para completar a compreensão objetiva da natureza. Em outras palavras. Para entender a natureza como uma totalidade, como um dado objetivo, como uma síntese, não basta a aproximação pela análise e a indução. É preciso associar à investigação a abordagem sintético-dedutiva, e para dar alma e harmonia ao todo dessa síntese, cabe à intuição como conhecimento legítimo um papel mais importante do que muitos gostariam de admitir. Não sem razão o Pe. Balduino Rambo anotou em suas reflexões sobre o conhecimento.
Entre a Ciência e a Fé (entre as Ciências Naturais, a Filosofia e a Teologia, as Ciências Humanas, as Letras e Artes, inciso do autor), estende-se o vasto campo da intuição, que não é outra coisa do que um conhecimento condensado. Não se trata ali tanto do significado e da expressão imediata da palavra, como do som subliminar que emite e da ressonância que desperta. A essa melodia concomitante da linguagem humana até hoje se prestou pouca atenção. Bem considerada ela não é um som secundário, e sim a nota dominante no concerto musical do espírito dinâmico do homem, (Rambo,  1994, p. 265)
A intuição teve em Jean Jacques Rouseau a sua habilitação como forma legitima de conhecimento. A percepção imediata das realidades naturais pelos sentidos resulta na construção informal e espontânea dos corpos de conhecimento que subjazem às mais diversas culturas e civilizações. Com sua autoridade inconteste o grande filósofo da modernidade, deixou claro  que o homem busca a matéria prima do conhecimento no mundo ambiente em que vive e apropria-se dela por meio dos sentidos. A forma peculiar como essas percepções são elaboradas, depende da natureza delas, do entorno cultural em que é recebida e da forma única pela qual é percebida e elaborada pelas mentes individuais. Rousseau contentou-se, filósofo que era, em apresentar ideias sem propor caminhos para pô-las em prática. Talvez não intuísse o tamanho do potencial prático embutido nessa forma peculiar de conceber toda uma face importante do conhecimento. E o valor prático, inovador  e revolucionário encontra-se exatamente no plano mais sensível e mais decisivo da vida dos indivíduos e das sociedades por eles formadas: a Educação. E é exatamente pela educação formal e informal, no ambiente familiar e social e, principalmente de forma sistemática nos currículos  do nível infantil e fundamental, que os conhecimentos via sensorial e intuitivamente elaborados transformam-se no “som subliminar  que emite e da ressonância que desperta”. É a melodia concomitante da linguagem humana” (...) “A nota dominante no concerto musical”, como a classificou o Pe. Rambo na referência acima.
É até certo ponto surpreendente que a proposta de começar a educação infantil estimulando as crianças a entrar em contato com as realidades naturais que as rodeiam, encontra em Edward Wilson um dos seus defensores mais entusiastas e de maior peso. Com um currículo de biólogo construído durante mais de cinco décadas, tendo a entomologia como foco, impôs seu nome  como uma das  maiores autoridades na especialidade, é de esperar que suas sugestões sobre a educação das crianças tivesse como cenário privilegiado a “História Natural”. Sim, o velho e, por muitos desprezado e rejeitado conceito de “História Natural”, que para Wilson confere razão de ser e consistência a qualquer projeto ou iniciativa na pesquisa científica. Para ele a “Natureza é uma realidade objetiva”, portanto tem uma história, uma “História Natural” também objetiva. A História da Natureza, portanto, não é sucessão fortuita de fatos e acontecimentos sucedendo-se ao acaso ou uma visão momentânea desenhada a partir dos dados fornecidos pelas pesquisas científicas num determinado momento histórico. Visto sob este prisma o conhecimento obtido via sensorial e elaborado pela intuição não pode ser ignorado no momento em que se pretende propor, esboçar e formular uma síntese da Natureza. Não nos queremos alongar aqui numa análise mais detalhada da proposta de Edward Wilson, pois será objeto do capítulo seguinte dessas reflexões.
A necessidade de uma síntese
Depois dessa digressão voltemos  à proposta de Francis Collins. Pelo que se pode concluir pelas linhas e de modo especial pelas entrelinhas da “Linguagem de Deus”, ele abandonou o agnosticismo juvenil e aos 27 anos percebeu que o ateísmo que então professava, não oferecia respostas satisfatórias para situações vividas no diário dos internados nas enfermarias do hospital em que cumpria a residência médica e mais tarde ao dar assistência médica a populações pobres na Nigéria.
Sendo verdadeiros os pressupostos que acabamos de enumerar a compreensão da natureza como síntese só é possível se na sua concepção forem tomados em consideração o lugar e a importância que as três grandes fontes parciais do conhecimento forem devidamente contempladas. Recorrendo a uma metáfora essa síntese é comparável ao arco de pedra que sustenta um portal. Este  é formado por três elementos essenciais: os dois lados e a pedra de fecho. Um dos lados representa a parte de construção do arco cuja matéria prima é obtido por meio do método analítico-indutivo privativo das Ciências Naturais A matéria prima da segunda coluna do arco busca a sua matéria prima nas conclusões  fornecidas pelo método sintético-dedutivo das Ciências do Espírito. A pedra de fecho sem a qual nunca formarão um arco, com o formato característico de cunha e com a função de conferir “a natureza de arco ao arco”, deve ser procurada  na percepção sensorial, na intuição e nos sentidos que sugere para a compreensão da natureza como síntese. Não se trata de um método científico no sentido que Francis Bacon tinha em mente quando definiu os dois outros. A percepção sensorial  dos fatos oferecidos pela natureza, atribuindo-lhes sentidos e significados pela intuição é “a melodia concomitante, a nota predominante”, que perpassa o conhecimento da natureza. Em outras palavras. A percepção sensorial, fundamento da intuição foi senão a única, de longe a mais importante responsável pela compreensão da natureza e do homem até o advento da consolidação das bases das Ciências Naturais. E é importante que não se esqueça, que mesmo hoje, o desenho da cosmovisão do homem comum  trai muito mais traços buscados na intuição, na sua compreensão e nas atitudes diante os fenômenos naturais, do que parece e ou muitos  admitem.
Retornemos à concepção da Natureza como Síntese de Francis Collins. Depois de resumir a essência da concepção ateia e agnóstica, passa a fazer considerações sobre as várias formas de Criacionismo, umas mais e outras menos plausíveis. Demora-se depois na teoria do “Design Inteligente” que, nos últimos 20 anos, gozou de uma popularidade fora do comum na solução, melhor talvez, harmonização, entre os dados científicos em favor da evolução e a questão da oportunidade ou necessidade de recorrer à intervenção de uma causa externa  para resolver o impasse do “como” da origem do universo, da natureza e do homem, ou do como de alguns passos nevrálgicos da evolução que a ciência não resolveu satisfatoriamente até o momento, como: a origem da energia da qual se acredita ter sido moldado o universo; a origem da vida; e a origem do homem não na sua origem biológica, mas no que tange à sua inteligência reflexa, a lei moral que lhe é inerente, a  busca existencial  e universal da realização pessoal e, sobretudo, a busca de respostas para perguntas como: afinal, como estou aqui, o que faço aqui e para onde vou ou,  qual o sentido e o destino da minha existência?
A teoria do Design Inteligente, daqui em diante usaremos apenas as iniciais DI, foi formulada, não por um cientista que acredita na existência de Deus, nem por um filósofo ou teólogo, mas por um jurista cristão da Universidade da Califórnia em Berckeley. Na primeira década deste século a teoria do DI assumiu proporções tais que envolveram até o presidente dos Estados Unidos ao recomendar que a teoria do DI fosse incluída nos debates sobre a evolução. Aqui não é o lugar de  entrarmos em detalhes sobre a polêmica que se desencadeou com a popularização da teoria do DI. Interessa o que pretende oferecer em termos de solução a questões para as quais a ciência ainda não encontrou reposta.
Para começar existe uma certa dificuldade em definir exatamente o sentido que se atribui ao conceito do DI. À primeira vista  parece sugerir diversas formas de interpretação de como a “vida veio a acontecer neste planeta e a função que Deus pode ter tido nesse processo” (A linguagem de Deus, p. 188). Terminou predominando a compreensão de que se refere a uma série de conclusões sobre conceito de “complexidade irredutível”. Parte do pressuposto de que na natureza existem certos sistemas biológicos de complexidade tão alta que sua origem não pode ser atribuída a processos mais simples e menos complexos como são mutações espontâneas, ocasionais e vantajosas  perpetuadas pela seleção natural. A complexidade estrutural e funcional desses sistemas biológicos é de tal ordem que só podem ser explicada pela intervenção de alguma inteligência. Acontece que a maioria dos cientistas não aceita essa teoria como válida, principalmente depois que o julgamento  “Kitzmiller v. Dover Area Shool Didtrict”, no seu veredito concluiu pela inconsistência do conceito da “complexidade irredutível”. O DI,  fundamenta-se. segundo Collins, em três propostas. Primeira: a evolução induz uma visão de mundo ateísta e, portanto, aqueles que creem em Deus devem-se opor a ela; segunda: a evolução tem fundamentos falhos, pois não pode justificar a complexidade da natureza; terceira: se a evolução não pode explicar a complexidade irredutível, deve, então, ter existido um planejador inteligente, que de algum modo, entrou em cena para fornecer os componentes necessários durante o curso da evolução. (mais detalhes em Collins, 2007,  p. 190-193).
Sempre segundo o autor da “Linguagem de Deus”, há uma série de objeções que dificultam, para não dizer impedem a aceitação da teoria do DI, tanto pelo lado da ciência, quanto pelo lado da teologia. Da perspectiva científica destaca-se o fato de que muitos cientistas que creem em Deus logicamente deveriam aceitar a teoria do DI. Acontece que não é o caso. Para eles o DI resume-se no máximo numa preocupação secundária que merece pouca credibilidade científica. A razão também não está no fato de muitos cientistas não admitirem qualquer questionamento às afirmações sobre a evolução nos seus mínimos detalhes. A razão principal da inconsistência do DI, reside no fato de não poder ser credenciada como uma teoria científica propriamente dita, porque: uma teoria científica é estruturada de tal maneira que confere sentido  a um conjunto de observações experimentais; uma teoria científica prevê a possibilidade de outas descobertas e deixa o caminho aberto para verificações complementares e nisso o DI é falho.
Mas o que de fato compromete o futuro do DI, segundo Collins,  é constatação de que muitos complexos que pareciam irredutíveis na verdade não são. Nos 29 anos desde a popularização da teoria do DI, as pesquisas científicas avançaram muito. Avançaram especialmente no detalhamento do genoma de um série de espécies. A armadilha em que caíram os defensores do DI foi de confundirem “o desconhecido” com ”o desconhecível”. Aqui não é o lugar para detalhar os exemplos de várias pesquisas  que vão na contramão do que o DI sustenta. O interessado os encontra nas pgs. 194 e 199 do “A linguagem de Deus”.
Se de um lado o Di não consegue oferecer uma sustentação  científica consistente assim também não convence como solução teológica, Parece-se muito mais a um “deus ex machina” do teatro clássico, um recurso extraordinário e alheio, portanto, chamado para socorrer na solução de um impasse quando as ferramentas usuais já não dão conta do recado. Traduzido para a linguagem atual da ciência, o DI, o “deus ex machina” dos antigos corresponde ao “deus das lacunas. No momento em que a ciência se defronta com impasse sério na identificação de algum passo ou fenômeno de importância crucial para a investigação, recorre-se a uma explicação buscada fora do âmbito das ciências, um “deus ex machina”, uma causa extraordinária, uma intervenção externa, um ato criador,  para preencher “a lacuna”. Sendo assim o DI é chamado para   preencher “as lacunas” que qualquer ideário em qualquer um dos campos da pesquisa científica vai encontrando pelo caminho. Em essência não difere da atitude do pastor de ovelhas e cabras do neolítico observando a coreografia celeste em noites de vigília solitária, ou o agricultor da pré-história ao observar a trajetória diária do sol ou os ciclos mensais da lua. Viam nesses fenômenos  seres ou forças sobrenaturais em tudo. Há um outro aspeto no DI que, segundo Collins, colide frontalmente com a onipotência, a onisciência e a onipresença, especialmente as duas primeiras, atribuições ao  Deus da teologia. Levado às últimas consequências, “o DI retrata  o Todo-poderoso como um Criador atrapalhado, que precisa intervir de tempos em tempos para consertar as insuficiências do próprio projeto original, do qual se originou a complexidade da vida”. (Collins, p. 200)    Diante desse quadro a lógica leva a concluir que o DI não se sustenta como uma solução para dirimir o aparente impasse em que se encontram as Ciências Naturais e as Ciências do Espirito. Duas questões merecem ainda serem destacadas. Em primeiro lugar, não se questiona a sinceridade dos adeptos convictos do DI normalmente fiéis seguidores de denominações confessionais que interpretam as Sagradas Escritura ao pé da letra e não abrem mão da criação por Deus, e ao mesmo tempo, respeitam e aceitam os resultados das pesquisas científicas. Nessa polêmica a avassaladora influência da teoria da evolução de Darwin ocupa um lugar decisivo. Em segundo lugar, o fundamentalismo científico de muitos seguidores de Darwin, não do próprio Darwin, com destaque para Ernest Haeckel, pregam que o evolucionismo é necessariamente ateu. A defesa irredutível de cada uma das posições em caminhar na própria direção, ignorando  a outra, as leva, tanto uma quanto a outra, a um beco sem saída. Richard Dawkins, cientista e apóstolo do ateísmo citado por Collins, bem mostra em que terminam posições  excludentes. “o universo que observamos tem, exatamente, as propriedades que esperaríamos que existissem, na verdade, sem design, sem finalidade, sem mal e sem bem, nada além de uma indiferença cega e impiedosa?” Collins responde a Dawkins: “que jamais seja assim! Afirmo tanto ao que crê em Deus quanto ao cientista que existe uma solução nítida, obrigatória e satisfatória intelectualmente para essa busca pela verdade”. (Collins, 2007,  p. 201-202)
Na “Linguagem de Deus” Collins descreveu o caminho “tortuoso” até encontrar uma solução “intelectualmente satisfatória para essa busca da verdade”. Depois de perambular pela química, física e medicina encontrou o  caminho que lhe permitiu aliar o amor pela ciência e a Matemática e o desejo de ajudar as pessoas: A Genética Médica. Em outro momentos já referimos como o convívio com os pacientes nas enfermarias do hospital, chamaram a sua atenção sobre o vasto mundo das alegrias e principalmente dos dramas que fazem parte do quotidiano das pessoas comuns. Este mundo que não aparece nas provetas, em lâminas de microscópio, em reações químicas, cálculos estatísticos ou leis físicas. Foi aos poucos chegando à conclusão de que “Deus era muito mais atraente do que o ateísmo que até então tinha adotado ...” Collins foi-se convencendo aos poucos de que não havia nenhuma contradição de fundo entre as verdades científicas e as espirituais. Entrou para a “American Scientific Affiliation” formada por milhares de cientistas dos Estados Unidos que creem em Deus. Nos seus encontros, reflexões e publicações saíram não poucas propostas que fazem sentido, oferecendo saídas inteligentes para harmonizar a ciência e a fé. Sobre esses encontros de cientistas crentes, concluiu:
Confesso que durante muitos anos não prestei muita atenção ao potencial para  conflitos entre a ciência e a fé – não parecia tão importante assim. Não havia muito que descobrir, na pesquisa científica, sobre a genética humana, e havia bastante  a descobrir sobre a natureza de Deus lendo e discutindo sobre a natureza de Deus e discutindo a fé com outros que acreditavam nele”.
A necessidade de encontrar a harmonia das minhas visões de mundo veio, definitivamente, com o estudo dos genomas – o nosso e o do diversos organismos do planeta - . e começou a decolar, oferecendo-me um ponto de vista incrivelmente   rico e detalhado de como ocorreu a evolução por modificações a partir de um ancestral  comum. Aquilo, para mim,  em vez de algo não resolvido. era uma evidência distinta do parentesco entre todos os seres vivos, um momento de admiração. Percebi que se tratava de um plano em detalhes do mesmo Todo-Poderoso que trouxe o universo à existência e estabeleceu seus parâmetros físicos de forma precisa, a fim de permitir a criação de estrelas, planetas elementos pesados e a própria vida. Sem saber seu nome na ocasião, firmei-me confortavelmente numa síntese que  em geral é denominada  “evolução teísta”, uma posição que acho muitíssimo satisfatória até hoje. (Collins, 2007,  p. 204-205)
A proposta de Francis Collins, o cientista que decifrou as últimas vírgulas a “linguagem do genoma”, e com isto mergulhou até os arcanos do funcionamento da própria vida, sinaliza que a natureza, a partir das muitas perspectivas que pode ser observada e entendida, é uma síntese harmoniosa  moldada pelos resultados obtidos pelas Ciências Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, a Letras e as Artes. Explica em seguida o que se entende por “evolução teísta”. Observa que nas grandes bibliotecas o espaço reservado para o darwinismo costuma ocupar prateleiras e mais prateleiras, assim como o criacionismo e o design inteligente. O conceito de evolução teísta é pouco mencionado mesmo entre os cientistas que acreditam em Deus. Chama a atenção que entre os biólogos sérios que  acreditam em Deus, entretanto, a evolução teísta conta com defensores de os nomes reconhecidos nas suas especialidades. Cita entre outros Asa Gray o maior defensor do darwinismo nos Estados Unidos e Theodosius Dobzhansky talvez o maior nome do século XX na genética e  do do pensamento evolucionista. Além desses e outros cientistas a ideia da evolução teísta encontra-se na base da doutrina do hinduísmo, do islamismo, do sionismo  e do cristianismo. É aceita por João Paulo II e por seu antecessor Pio XII, na famosa encíclica “Humani Generis”, datada de 1950. Consta também no pensamento de filósofos como Maimonides, judeu do século XII e Santo Agostinho  adotaria a evolução teísta se estivesse a par das conquistas atuais da ciência. Sutilezas e variações à parte, a evolução teísta fundamenta-se nos seguintes pressupostos.
1. O universo surgiu do nada, há aproximadamente 14 bilhões de anos; 2. Apesar das probabilidades incomensuráveis, as propriedades do universo parecem ter sido ajustadas para a criação da vida; 3. Embora o mecanismo exato da origem da vida na Terra permaneça desconhecido, uma vez que a vida surgiu, o processo de evolução e de seleção natural permitiu o desenvolvimento da diversidade biológica e da complexidade durante espaços de tempo muito vastos; 4. Tão logo a evolução seguiu seu rumo, não foi necessária nenhuma intervenção natural; 5. Os humanos fazem parte desse processo, partilhando um ancestral comum com os grandes símios; 6. Entretanto, os humanos são exclusivos em características que desafiam a explicação evolucionária e indicam nossa natureza espiritual. Isso inclui a existência da Lei Moral (o conhecimento do certo e do errado) e a busca de Deus, que caracterizam todas as culturas humanas. (Collins, 2007, p. 206)
Collins entra um pouco mais  a fundo na questão e destaca que a proposta teísta oferece uma “síntese perfeitamente aceitável que satisfaz intelectualmente e tem consistência lógica. Deus não é limitado pelo espaço e o tempo e nessa condição criou o universo e muniu-o com as leis naturais que o regem e acrescenta:

Para povoar este universo antes estéril com criaturas vivas, Deus escolheu o mecanismo distinto da evolução para criar micróbios, plantas e animais de todos os tipos. O mais extraordinário é que ele escolheu, propositadamente, o mesmo mecanismo  para originar criaturas especiais que teriam inteligência, conhecimento do certo e errado, livre-arbítrio e desejo de afinidade com Ele. Deus também sabia que esses seres, ao fim, optariam por desobedecer à Lei Moral. (Collins, 2007,  p. 207)

FRANCIS COLLINS (1950 ) - 4a

Frente a todas essas tentativas e insucessos  em lidar com o “como” do surgimento da vida, cientistas de peso como Francis Crick sugeriram a possibilidade de que as primeiras formas de vida não se originaram no planeta terra, mas em outro ou outros astros do universo que flutuavam no espaço exterior e foram capturadas pela terra. Há inclusive aqueles que sugerem que as primitivas formas de vida foram trazidas  por antigos visitantes procedentes de outros astros. Este esforço pode até explicar como surgiu a vida na terra, mas desloca a solução “do como”  crucial para fora e para longe do nosso planeta. Não se aproxima, portanto, um milímetro da solução final e definitiva do problema.
Este beco aparentemente sem saída em que as pesquisas científicas estão metidas, animou teístas a invocar a interferência criativa de Deus para solucionar as potencialidades poderosas do DNA e RNA. Collins que faz questão de sua crença em Deus aconselha a não recorrer com tanta pressa a essa solução. Em termos a intervenção criadora de Deus na origem do DNA e RNA e consequentemente da origem da vida como tal, configura-se como um recurso para preencher uma lacuna que a ciência de momento é incapaz de preencher. O recurso ao “Deus  das lacunas” apresenta seus riscos. O que  estaria Ele contribuindo com sua intervenção se a ciência um dia for capaz de dar uma resposta conclusiva para  questão. É de Collins a reflexão:
A fé que coloca Deus nas lacunas de uma compreensão dos dias de hoje sobre  mundo natural pode levar a uma crise se os avanços da ciência preencherem, posteriormente, tais lacunas. Ao se deparar com uma compreensão incompleta do mundo natural, os que creem em Deus deverão tomar cuidado quando quiserem evocar o divino em áreas ainda  desconhecidas, a fim de não criar um argumento teológico desnecessário, condenado a uma destruição posterior. Há bons motivos para acreditar em Deus, inclusive a existência de princípios matemáticos  e de ordem na criação. São razões positivas, com base no conhecimento em vez de em pressupostos padronizados com base em uma falta (temporária) de conhecimento.
Em resumo, embora a questão sobre a origem da vida seja fascinante e o fato de a ciência moderna não conseguir desenvolver um mecanismo que possa ser comprovado pela estatística seja intrigante, esse não é o lugar para uma pessoa inteligente apostar a sua fé. (Collins, 2007,  p. 99)
Mas não é aqui nem o lugar nem o momento de desenvolver uma discussão abrangente sobre criação ou não criação da natureza por Deus ou sua intervenção em determinados momentos da evolução dos seres vivos, incluindo o homem. É tema a ser desenvolvido num outro contexto. Aqui interessa aprofundar a questão da natureza, principalmente a viva, como o resultado de uma gigantesca síntese. Interessa verificar a consistência da tese de que o que existiu e ainda existe em termos de seres vivos, todos, desde os mais primitivos e rudimentares como são as arqueobactérias, até os aves, mamíferos e o homem. A descoberta das leis da hereditariedade pelo monge Gregor Mendel em ervilhas na horta do seu convento, terminou na constatação de que a natureza viva, apesar da sua enorme variedade e complexidade forma uma unidade. As observações e as respectivas conclusões  de Mendel foram publicados numa revista de circulação limitada e ignorados pelo grande mudo científica por 30 anos. Foi então por um desses acasos que foram redescobertos quase ao mesmo tempo por rês cientistas. O médico Archibald Garrod, estudando uma série de doenças raras, chegou à conclusão de que as leis de Mendel observadas em ervilhas, aplicavam-se também ao homem. Faltava  identificar os mecanismos químicos que comandavam o processo. Por algum tempo acreditou-se que as responsáveis fossem as proteínas que são comuns a todos os  seres vivos. Foi então, em 1944, que três pesquisadores, Oswald T. Avery, Colin M. MacLeod e Maclyn McCarty, descobriram que era o DNA e  não as proteínas o responsável pelo comando genético. Nove anos depois, em 1953, James Watson e Francis Crick, valendo-se de informações fornecidas por Rosalin Franklin, concluíram que a molécula do DNA forma uma hélice dupla, em forma de escada dupla e sua capacidade de transportar informações é determinada pela série de componentes químicos que formam  os degraus da escada. (Cf. A Linguagem de Deus , p. 108-114). Collins numa conclusão preliminar sobre essas descobertas, escreveu:
Como uma aproximação inicial, podemos, portanto, pensar no DNA como um manual de instruções, um programa de “software”, colocado no núcleo da célula. Sua linguagem de código apresenta somente quatro letras (ou dois “bits”, em termos de informática) em seu alfabeto. Uma instrução particular, conhecida como gene, é construída por meio de centenas ou milhares de letras de código. Todas a funções elaboradas de uma célula, mesmo em um organismo tão complexo quanto o nosso, precisam ser dirigidas pela ordem de letras desse roteiro. Collins, 2007,  p. 109)
Depois de descrever como acontece a complexidade dos processos do comando genético, ou se quisermos, como funciona a linguagem do código genético, (Cf. A Linguagem de Deus, p. 111), Collins  tira a conclusão que oferece um poderoso argumento em favor da concepção de que a natureza é o resultado de uma gigantesca síntese.
Investigações em diversos organismos, de bactérias e seres humanos, revelaram que esse “código genético” pelo qual as informações no DNA e no RNA são traduzidas em proteínas é universal em todos os organismos conhecidos. Não se permitiu nenhuma Torre de Babel na linguagem da vida. CAG significa ácido glutâmico no idioma da bactéria da soja, da semente de mostarda, do jacaré e de qualquer tia sua. (Collins, 2007,  p. 111)
Acontece que a composição, a estrutura e funcionamento da química do DNA e RNA, embora mostrem com mais evidência do que qualquer outra realidade encontrada na natureza, a unidade, a síntese em que se fundamenta, outros campos da  “História Natural”, dão-nos conta, cada qual à sua maneira, da mesma convicção científica.  Platão obviamente não dispunha  dos dados científicos mínimos para embasar a sua compreensão do universo e da natureza para servir de alicerce à unidade, ou à síntese na pluralidade. Revestida com as inevitáveis peculiaridades do tempo, da formação intelectual e  da orientação filosófica de cada pensador em particular, perpassa como um Leitmotiv uma das importantes vertentes o ideário de representantes que marcaram presença no pensamento através de mais de dois mil anos. E não são apenas filósofos e teólogos, como especialistas no mais diversos campos das ciências. Ao lado de Platão, São Paulo, Santo Agostinho e seus seguidores, cientistas de renome das mais diversas especialidades defendem a unidade na pluralidade, a síntese das partes num todo, conferindo sentido e rumo ao universo e à natureza, incluindo a humanidade. Ao longo dessas reflexões já foram objeto de análise alguns dos representantes mais significativos dessa linha de pensamento. Nicolau de Cusa, na transição para a Renascença; Erich Wassmann, em meio ao fervo do darwinismo e do materialismo científico de Ernest Haeckel; Teilhard de Chardin com sua grandiosa visão unitária do universo, da natureza e do homem; Ludwig von Bertallanfy, insistindo que a natureza é um grande sistema no qual as partes tem sentido somente quando contribuem para a manutenção do todo; Balduino Rambo com o conceito de “fisionomia” insistindo que as realidades naturais, botânicas, zoológicas, mineralógicas, geológicas, paleontológicas e em meio a tudo o homem, aliam-se para desenhar as fisionomias, os mapas locais, regionais e globais passíveis de observação na multiplicidade de suas formas, sugerindo uma compreensão global que novamente garante consistência e sentido ao todo. O que caracteriza a todos, além da autoridade em suas especialidades, é o fato de que para todos eles as respostas a questões de fundo  podem ser resumidas numa só: Afinal o que, qual a energia, a causa primeira, que acionou a manivela para que tudo entrasse em movimento e continue até hoje numa dinâmica que a evolução explica com dados objetivos fornecidos pelos diversos campos do saber? ou ainda, recorrendo a outra metáfora; Qual a natureza do gancho em que a corrente está suspensa?
O Dr, Collins  refere as possibilidades capazes de decifrar esse enigma que intriga os pesquisadores que não se contentam em apenas identificar mais e mais dados nos seus objetos de investigação, mas se preocupam também com o sentido que subjaz ao que observam. Falamos aqui  de nada mais nada menos do que da “outra metade da verdade”. Quanto mais a ciência avança e penetra nos meandros das estruturas e funções da natureza, a resposta para a pergunta crucial sobre “o como” primordial, afasta-se como a linha do horizonte,  na medida em que a ciência tenta aproximar-se dela. O autor, como uma das maiores autoridades tanto em genética pura, quanto na sua aplicação na medicina, analisa três caminhos para lidar com o problema. Ele próprio os experimentou, estando assim em condições privilegiadas para tomar uma posição que faz sentido. Como já foi assinalado mais acima, Collins foi na sua juventude sucessivamente um agnóstico e depois ateu até os 27 anos. O lidar diario com pacientes dos mais diversos níveis de instrução, filiados a diferentes credos religiosos e pertencentes todas as classes sociais, flagrou-se num mundo em que os grandes desafios existenciais dos pacientes, punham em questão o limite dos conhecimentos e dos métodos e práticas usuais na medicina. As reflexões estimuladas pelas experiências  vividas diariamente nas enfermarias do hospital, convenceram-no  de que a ciência tem limites e que na vida do homem, especialmente em situações limite como estágios terminais causados por males incuráveis, o socorro a recursos alheios às práticas de medicina e não disponíveis nos estoques das farmácias, decidem as reações e atitudes das pessoas. Emblemática é a conclusão do médico Collins depois de destacar que no caso do homem, há apenas 100.000 anos a mutação ocorrida no gene FOX-P2 do cromossoma 7, poderia ter influído na evolução da linguagem dos seres humanos, concluiu.

Nesse ponto, materialistas ateus podem estar aplaudindo. Se os humanos evoluíram rigorosamente  por meio de mutações e seleção natural, quem precisa de Deus para nos explicar? A isso retruco: eu preciso. A comparação entre sequências  do chimpanzés e do ser humano, embora interessante, não nos explica o que é preciso para ser humano. A meu ver, apenas a sequência do DNA, mesmo acompanhada por um imenso baú do tesouro com dados sobre funções biológicas, nunca irá esclarecer determinados atributos especiais de humanos, como o conhecimento da Lei Moral e a busca universal de Deus. Livrar Deus do fardo de atos especiais da criação não  O exclui como fonte daquilo que torna a humanidade especial, nem do próprio universo. Simplesmente nos mostra alguma coisa sobre como ele trabalha. (Collins, 2007,  p. 146)