O “BioLogos” como proposta
de Síntese
A concepção teísta do universo e da natureza não colide com os dados que
a ciência apresenta. É aceitável também pelas grandes religiões monoteístas
embora não esteja em condições de provar, preto sobre banco, que Deus existe. A
crença em Deus implicará inevitavelmente num ato de fé. Mas a síntese assim
proposta aponta para uma solução satisfatória tanto para o cientista quanto
para o que crê em Deus. Enfim acena com a possibilidade real e fundamentada de que
a ciência e a fé tem condições de prosperar juntas numa harmoniosa visão que
inclui todas as dimensões do que pode ser
sintetizado na trilogia: Universo-Natureza-Homem. Então porque a evolução
teísta goza de tão pouca popularidade entre os cientistas, os filósofos, os
teólogos e as pessoas comuns. Collins
arrisca o palpite de que a
denominação “evolução teísta”, soa estranha. Outro motivo é que a maioria das
pessoas não versadas em teologia não sabem ao certo o que de fato se pretende
significar com esse conceito. Outro
elemento que pode causar estranheza é o fato de emprestar apenas um valor ao
nível de adjetivo ao que parece ser o mais importante para os que creem em
Deus. Não seria mais de acordo com o significado
que subjaz à proposta, falar em vez de “evolucionismo teísta”, em “teísmo
evolucionista”, o que soa ainda mais estranho. De qualquer forma, diante das
dificuldades de aceitação que a proposta da evolução teísta enfrenta, Collins
apresenta uma proposta capaz de conciliar de vez os interesses da Ciência e dos que creem em Deus.
Infelizmente, muitos substantivos
e adjetivos que poderiam descrever a rica natureza dessa síntese já estão
sobrecarregados com tanta bagagem que é como se estivessem impedidos de
continuar. Será que deveríamos cunhar o termo “criavolução?” Provavelmente não.
E que ninguém se atreva a usar as palavras “criação”, “inteligente”,
“fundamental” ou “planejador” por causar medo ou confusão. Precisamos começar
de novo. Minha modesta proposta é
rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos, ou simplesmente “BioLogos”.
Os acadêmicos reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia,
Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos
que acreditam em Deus, “Verbo”, sinônimo
de “palavra”, também é sinônimo de Deus, como expresso de maneira
impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de
João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus (João, 1-1). BioLogos
expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a
vontade de Deus. (Collins, 2007, p. 209)
O objetivo do BioLogos consiste em harmonizar as opções formuladas a
partir das descobertas científicas e aquelas defendidas pelos que creem de
alguma maneira, ou em Deus, ou em alguma outra realidade fora o alcance dos
métodos empíricos. Collins apresenta os pontos de conflito para então
argumentar em favor da proposta. Para ele um dos motivos do desinteresse do
grande público, principalmente leigo no assunto, consiste exatamente naquilo
que a proposta contem de mais positivo, isto é, harmonizar os pontos de vista
das Ciências Naturais com os das
Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. A grande mídia
concentra-se em divulgar o que seu público adora: escândalos, roubos,
assassinatos, ataques terroristas, corrupção, etc., etc. Para esse público
interessa o barulho e o estardalhaço e, em compensação “a harmonia é chata”. As
objeções mais sérias partem daqueles que acham que o BioLogos força tanto a Fé
quanto a Ciência. Para o cientista ateu parece não passar muito da teoria do
“deus das lacunas”, implícita no Design Inteligente, que coloca a intervenção
de Deus onde não é nem necessária nem desejada. Collins responde a esse
questionamento:
O BioLogos não tenta colocar Deus
à força nas lacunas de nossa compreensão do mundo natural; ele sugere Deus como
resposta às questões das quais a ciência jamais tentou falar a respeito, como,
por exemplo: “Como o universo apareceu aqui?”; qual o “sentido da vida?”; “o
que nos acontece após a morte?” Ao contrário do Design Inteligente, o BioLogos
não pretende ser uma teoria científica. Sua verdade só pode ser testada pela
lógica espiritual do coração, da mente e da alma. (Collins, 2007, p. 210).
Curiosamente as objeções mais contundentes parte daqueles que acreditam
em Deus. Não admitem que um processo aleatório, aparentemente caótico, entregue
ao acaso como pensam sugerir a evolução darwiniana, possa explicar
satisfatoriamente tudo o que aconteceu e ainda acontece na natureza, incluindo
a humanidade. A interpretação literal dos textos das Sagradas Escrituras, não
consegue dar conta de uma explicação convincente do que as ciência está a
confirmar nas diversas fronteiras das investigações. Por ex., quando no Gênesis
(1;27) se lê que Deus criou o homem “à sua
imagem e semelhança”, isso não deve ser entendido como uma “semelhança”
fisionômica, mas muito mais como a da uma
mente, pois o Deus com fisionomia humana, uma figura masculina de
grandes barbas brancas, traços imperiais do rosto, posição fora do alcance do
comum dos mortais, não passa de uma representação histórico-cultural da
tradição judaico-cristã. Neste ponto religiões
que proíbem a representação antropomorfa de Deus, salvo melhor juízo,
aproximam-se mais do que o autor entende pelo BioLogos. Nelas Deus é antes de
mais nada espírito e mente.
A solução do impasse dever ser procurada em outro nível. Pelo fato de
estarmos irremediavelmente enredados em categorias de espaço e de tempo e
construirmos a nossas categorias mentais e conduzir os nossos raciocínios
condicionados por esses limitadores, fica complicado, e para muitos impossível,
imaginar-se um Deus fora e não participante da natureza, fora do tempo e do
espaço. O tempo o espaço são categorias
e realidades que começam a existir a partir do ato primordial da Criação. Este
ato único em que a matéria prima do universo, “o estofo” do universo, da
natureza e do homem, como diria Teilhard de Chardin, foi dotada com todo o
potencial capaz de lhe dar as infinitas formas que podemos observar, exigiu como
condição e cenário de realização o tempo e o espaço. Collins
resumiu essa lógica nos seguintes termos:
Nesse contexto, no momento da criação do universo, Ele sabia todos os
detalhes sobre o futuro, incluindo a formação de estrelas, planetas e galáxias,
toda a química, física, geologia e biologia que levou à formação da vida na
Terra e à evolução dos humanos, até o exato momento em que você lê este livro –
e além. Nesse contexto, a evolução
poderia nos parecer guiada pelo acaso.
Contudo do ponto de vista de Deus, o resultado já estaria totalmente
especificado. Assim, Ele poderia achar-se completa e intimamente envolvido na
criação de todas as espécies, embora, da nossa perspectiva, limitada pela
tirania do tempo linear, isso parecesse um processo casual e sem direção.
(Collins, 2007, p. 211).
Com a proposta da concepção do BioLogos a questão relativa ao surgimento
do homem parece oferecer uma saída satisfatória tanto para a ciência quanto aos
que aceitam a existência Deus. Mas há um
campo específico onde o desencontro e o
atrito continua a perturbar o entendimento entre os dois lados. Falamos da
aparente contradição entre os dados científicos objetivos e textos cruciais de
textos sagrados, com destaque para os
livros do Gênesis. A questão se resume no dilema: os textos citados devem
ser interpretados ao pé da letra ou é uma alegoria que apresenta de forma
poética a entrada na história da evolução da vida, do personagem que se
distingue de todos os outros por ser portador de uma natureza espiritual e com
ela a Lei Moral, que distingue o homem dos demais seres vivos. Collins cita,
como resposta, Theodosius Dobzanhsky, um dos maiores geneticistas do século XX,
filiado ao cristianismo ortodoxo russo.
A criação não é evento que ocorreu em 4004 a. C.; é um processo que
começou por volta de 10 bilhões de anos atrás e continua. (...) Será que a
doutrina evolucionária entra em atrito com
a fé religiosa? Não. É um erro crasso confundir as Sagradas Escrituras
com cadernos elementares de Astronomia, Geologia, Biologia e Antropologia.
Somente quando criados os símbolos para significar o que não pretendem é que
podem nascer conflitos imaginários insolúveis. (Collins, 2007, p. 212)
Acontece que o nosso interesse imediato consiste em destacar, em meio a
toda essa discussão, aqueles mecanismos e processos responsáveis para que a
natureza se constitua numa grande síntese. Ora falar em síntese só faz sentido
se aceitarmos a existência de um eixo em torno do qual giram todos os
acontecimentos que movimentam os processos naturais, ou se preferimos um
sinalizador que aponta o rumo a seguir e o ponto de chegada a alcançar. Em
outras palavras. Os processos naturais, ou se quisermos, os processos
evolutivos não são, em última análise, casuais, fortuitos ou aleatórios. Se
assim fossem a natureza não poderia ser concebida como uma síntese, mas um
aglomerado entregue ao imprevisível mesmo do ponto de vista, por ex., da
estatística das populações. A verdadeira
síntese configura-se no momento em que se verifica funcionalidade sistêmica como
apresentada na proposta de Ludwig von Bertalanffy ou um ponto de partida, um
“alfa” e um “ômega”, um ponto de partida e de chegada, como ensina Teilhard de
Chardin. A natureza, portanto, tem um sentido, um objetivo, e sendo assim, é
movida por uma teleologia.
Examinando um pouco mais de perto essa reflexão de Collins, percebe-se
que ela aponta para algumas das questões mais instigantes e intrigantes que hoje movimentam tanto as Ciências
Naturais, quanto as Ciências Humanas e as Ciências do Espírito. Entre elas
merece destaque a preocupação de pensadores desde a antiguidade clássica, pela
Imanência ou Transcendência de Deus na natureza. Admitindo que Deus exista como
Collins não deixa de afirmar, pergunta-se: Em que nível acontece o
relacionamento de Deus com a natureza?
Desde que há informações históricas confiáveis a respeito de como as
culturas e, principalmente, as crenças dos mais diversos povos se imaginavam a
presença e ação de forças ou entidades extraterrestres na natureza, duas se
sobressaem: a imanência e a transcendência. Vão desde a concepção de que uma
força sobrenatural animam todos os acontecimentos que podem ser observados
nela, passam pela doutrina de que um ente sobrenatural age nela até a crença de
que deuses ou, como ensina o monoteísmo, um Deus soberano é o responsável pela
existência e o funcionamento da natureza. Fixemo-nos no monoteísmo para
penetrar um pouco mais a fundo na questão, enquanto nos fornece argumentos para
subsidiar como prova o que nos interessa neste trabalho isto é, a compreensão
da natureza como síntese. Na tradição judaico-cristã o monoteísmo se constitui
no fundamento sobre o qual se ergue todo
o arcabouço doutrinário da religião. Não é aqui o lugar para fazer um estudo
exaustivo sobre os diversos sentidos que se podem atribuir aos conceitos de
imanência e transcendência. Limitamo-nos ao sentido da imanência ou
transcendência de Deus em relação à natureza. Dois são os sentidos que se
costumam atribuir ao conceito de imanência quando se fala em Deus na natureza.
Um afirma que Deus não está apenas presente na natureza mas confunde-se
substancialmente com ela. Essa percepção pode levar à conclusão de que o mundo
é divino e tem no panteísmo sua expressão clássica. Deus não é onipresente na
natureza, mas a própria natureza é Deus. Assim qualquer planta, animal ou homem
não apenas revelam Deus mas são divinas
pois a natureza é divina. O segundo significado da imanência ensina que Deus
não se confunde substancialmente com a
natureza mas sustenta a Criação e vela
para que tudo se realize de acordo com Seu plano. Conceitos como “Providência
Divina”, “Mão de Deus”, “Desígnio de Deus”, “Revelação Natural” e outros mais
parecem confirmar a convicção de que Deus cuida da sua criação e através dela
se revela aos homens. São Paulo na Carta aos Romanos (18-23) deixa claro que
não há desculpa para aqueles que afirmam não conhecerem Deus “porque o que se
pode conhecer de Deus lhe é manifesto a
eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus
se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que
foram feitas...” Na mesma linha vai a compreensão de todos aqueles, cientistas
ou não que consideram a natureza em todas as suas manifestações, o livro da
revelação por excelência. Nas reflexões sobre a natureza de uns o sentido da imanência
fica implícito ou sugerido. Em outros, como no Pe. Balduino Rambo, perpassa
como um fio condutor da concepção da natureza por ele observada em primeiro
lugar da perspectiva do botânico. Salvo melhor juízo a imanência de Deus na
natureza como o responsável pelos acontecimentos mais diversos que nela
ocorrem, predomina no imaginário popular das pessoas comuns. Os espetáculos
naturais são para elas os momentos em que Deus se manifesta com os seus atributos
divinos: onipotência, onipresença, onisciência,
bondade, beleza, criatividade, seu senso de supremo artista.
Ao mesmo tempo em que Deus é imanente também é transcendente e como tal
é soberano em relação à natureza, exercendo sua soberania na escolha do que
pretende fazer, no momento em que
quiser, sem ter que dar explicações a ninguém sobre seus atos. Como se pode
concluir Deus é ao mesmo tempo
transcendente à natureza e imanente nela. E por ser imanente é até certo ponto
possível seguir seus passos na natureza com a utilização do método analítico-
indutivo das Ciências Naturais. Vale naturalmente para aqueles cientistas que
acreditam na existência de Deus.