FRANCIS COLLINS (1950 ) - 6

O “BioLogos” como proposta de Síntese

A concepção teísta do universo e da natureza não colide com os dados que a ciência apresenta. É aceitável também pelas grandes religiões monoteístas embora não esteja em condições de provar, preto sobre banco, que Deus existe. A crença em Deus implicará inevitavelmente num ato de fé. Mas a síntese assim proposta aponta para uma solução satisfatória tanto para o cientista quanto para o que crê em Deus. Enfim acena com a possibilidade real e fundamentada de que a ciência e a fé tem condições de prosperar juntas numa harmoniosa visão que inclui todas as dimensões do que  pode ser sintetizado na trilogia: Universo-Natureza-Homem. Então porque a evolução teísta goza de tão pouca popularidade entre os cientistas, os filósofos, os teólogos e as pessoas comuns. Collins  arrisca o palpite de que  a denominação “evolução teísta”, soa estranha. Outro motivo é que a maioria das pessoas não versadas em teologia não sabem ao certo o que de fato se pretende significar com esse  conceito. Outro elemento que pode causar estranheza é o fato de emprestar apenas um valor ao nível de adjetivo ao que parece ser o mais importante para os que creem em Deus. Não seria mais  de acordo com o significado que subjaz à proposta, falar em vez de “evolucionismo teísta”, em “teísmo evolucionista”, o que soa ainda mais estranho. De qualquer forma, diante das dificuldades de aceitação que a proposta da evolução teísta enfrenta, Collins apresenta uma proposta capaz de conciliar de vez os interesses da Ciência e  dos que creem em Deus.
Infelizmente, muitos  substantivos e adjetivos que poderiam descrever a rica natureza dessa síntese já estão sobrecarregados com tanta bagagem que é como se estivessem impedidos de continuar. Será que deveríamos cunhar o termo “criavolução?” Provavelmente não. E que ninguém se atreva a usar as palavras “criação”, “inteligente”, “fundamental” ou “planejador” por causar medo ou confusão. Precisamos começar de novo. Minha modesta proposta  é rebatizar a evolução teísta como “Bios pelo Logos, ou simplesmente “BioLogos”. Os acadêmicos reconhecerão “bios” como “vida” em grego (prefixo de Biologia, Bioquímica e assim por diante) e “logos” como “palavra” em grego. Para muitos que acreditam  em Deus, “Verbo”, sinônimo de “palavra”, também é sinônimo de Deus, como expresso de maneira impressionante e poética nas primeiras e majestosas linhas do evangelho de João: “No princípio era o Verbo, e o Verbo era Deus (João, 1-1). BioLogos expressa a crença de que Deus é a fonte de toda a vida, e a vida expressa a vontade de Deus. (Collins, 2007, p. 209)
O objetivo do BioLogos consiste em harmonizar as opções formuladas a partir das descobertas científicas e aquelas defendidas pelos que creem de alguma maneira, ou em Deus, ou em alguma outra realidade fora o alcance dos métodos empíricos. Collins apresenta os pontos de conflito para então argumentar em favor da proposta. Para ele um dos motivos do desinteresse do grande público, principalmente leigo no assunto, consiste exatamente naquilo que a proposta contem de mais positivo, isto é, harmonizar os pontos de vista das Ciências Naturais com os  das Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e as Artes. A grande mídia concentra-se em divulgar o que seu público adora: escândalos, roubos, assassinatos, ataques terroristas, corrupção, etc., etc. Para esse público interessa o barulho e o estardalhaço e, em compensação “a harmonia é chata”. As objeções mais sérias partem daqueles que acham que o BioLogos força tanto a Fé quanto a Ciência. Para o cientista ateu parece não passar muito da teoria do “deus das lacunas”, implícita no Design Inteligente, que coloca a intervenção de Deus onde não é nem necessária nem desejada. Collins responde a esse questionamento:
O BioLogos não tenta  colocar Deus à força nas lacunas de nossa compreensão do mundo natural; ele sugere Deus como resposta às questões das quais a ciência jamais tentou falar a respeito, como, por exemplo: “Como o universo apareceu aqui?”; qual o “sentido da vida?”; “o que nos acontece após a morte?” Ao contrário do Design Inteligente, o BioLogos não pretende ser uma teoria científica. Sua verdade só pode ser testada pela lógica espiritual do coração, da mente e da alma. (Collins, 2007, p. 210).
Curiosamente as objeções mais contundentes parte daqueles que acreditam em Deus. Não admitem que um processo aleatório, aparentemente caótico, entregue ao acaso como pensam sugerir a evolução darwiniana, possa explicar satisfatoriamente tudo o que aconteceu e ainda acontece na natureza, incluindo a humanidade. A interpretação literal dos textos das Sagradas Escrituras, não consegue dar conta de uma explicação convincente do que as ciência está a confirmar nas diversas fronteiras das investigações. Por ex., quando no Gênesis (1;27)  se lê que Deus criou o homem “à sua imagem e semelhança”, isso não deve ser entendido como uma “semelhança” fisionômica, mas muito mais como a da uma  mente, pois o Deus com fisionomia humana, uma figura masculina de grandes barbas brancas, traços imperiais do rosto, posição fora do alcance do comum dos mortais, não passa de uma representação histórico-cultural da tradição judaico-cristã. Neste ponto religiões  que proíbem a representação antropomorfa de Deus, salvo melhor juízo, aproximam-se mais do que o autor entende pelo BioLogos. Nelas Deus é antes de mais nada espírito e mente.
A solução do impasse dever ser procurada em outro nível. Pelo fato de estarmos irremediavelmente enredados em categorias de espaço e de tempo e construirmos a nossas categorias mentais e conduzir os nossos raciocínios condicionados por esses limitadores, fica complicado, e para muitos impossível, imaginar-se um Deus fora e não participante da natureza, fora do tempo e do espaço. O tempo  o espaço são categorias e realidades que começam a existir a partir do ato primordial da Criação. Este ato único em que a matéria prima do universo, “o estofo” do universo, da natureza e do homem, como diria Teilhard de Chardin, foi dotada com todo o potencial capaz de lhe dar as infinitas formas que podemos observar, exigiu como condição e cenário  de  realização o tempo e o espaço. Collins resumiu essa lógica nos seguintes termos:
Nesse contexto, no momento da criação do universo, Ele sabia todos os detalhes sobre o futuro, incluindo a formação de estrelas, planetas e galáxias, toda a química, física, geologia e biologia que levou à formação da vida na Terra e à evolução dos humanos, até o exato momento em que você lê este livro – e além. Nesse contexto,  a evolução poderia  nos parecer guiada pelo acaso. Contudo do ponto de vista de Deus, o resultado já estaria totalmente especificado. Assim, Ele poderia achar-se completa e intimamente envolvido na criação de todas as espécies, embora, da nossa perspectiva, limitada pela tirania do tempo linear, isso parecesse um processo casual e sem direção. (Collins, 2007, p. 211).
Com a proposta da concepção do BioLogos a questão relativa ao surgimento do homem parece oferecer uma saída satisfatória tanto para a ciência quanto aos que  aceitam a existência Deus. Mas há um  campo específico onde o desencontro e o atrito continua a perturbar o entendimento entre os dois lados. Falamos da aparente contradição entre os dados científicos objetivos e textos cruciais de textos sagrados, com destaque para os  livros do Gênesis. A questão se resume no dilema: os textos citados devem ser interpretados ao pé da letra ou é uma alegoria que apresenta de forma poética a entrada na história da evolução da vida, do personagem que se distingue de todos os outros por ser portador de uma natureza espiritual e com ela a Lei Moral, que distingue o homem dos demais seres vivos. Collins cita, como resposta, Theodosius Dobzanhsky, um dos maiores geneticistas do século XX, filiado ao cristianismo ortodoxo russo.
A criação não é evento que ocorreu em 4004 a. C.; é um processo que começou por volta de 10 bilhões de anos atrás e continua. (...) Será que a doutrina evolucionária entra em atrito com  a fé religiosa? Não. É um erro crasso confundir as Sagradas Escrituras com cadernos elementares de Astronomia, Geologia, Biologia e Antropologia. Somente quando criados os símbolos para significar o que não pretendem é que podem nascer conflitos imaginários insolúveis. (Collins, 2007, p. 212)
Acontece que o nosso interesse imediato consiste em destacar, em meio a toda essa discussão, aqueles mecanismos e processos responsáveis para que a natureza se constitua numa grande síntese. Ora falar em síntese só faz sentido se aceitarmos a existência de um eixo em torno do qual giram todos os acontecimentos que movimentam os processos naturais, ou se preferimos um sinalizador que aponta o rumo a seguir e o ponto de chegada a alcançar. Em outras palavras. Os processos naturais, ou se quisermos, os processos evolutivos não são, em última análise, casuais, fortuitos ou aleatórios. Se assim fossem a natureza não poderia ser concebida como uma síntese, mas um aglomerado entregue ao imprevisível mesmo do ponto de vista, por ex., da estatística das populações.  A verdadeira síntese configura-se no momento em que se verifica funcionalidade sistêmica como apresentada na proposta de Ludwig von Bertalanffy ou um ponto de partida, um “alfa” e um “ômega”, um ponto de partida e de chegada, como ensina Teilhard de Chardin. A natureza, portanto, tem um sentido, um objetivo, e sendo assim, é movida por uma teleologia.
Examinando um pouco mais de perto essa reflexão de Collins, percebe-se que ela aponta para algumas das questões mais instigantes e intrigantes  que hoje movimentam tanto as Ciências Naturais, quanto as Ciências Humanas e as Ciências do Espírito. Entre elas merece destaque a preocupação de pensadores desde a antiguidade clássica, pela Imanência ou Transcendência de Deus na natureza. Admitindo que Deus exista como Collins não deixa de afirmar, pergunta-se: Em que nível acontece o relacionamento de Deus com a natureza?
Desde que há informações históricas confiáveis a respeito de como as culturas e, principalmente, as crenças dos mais diversos povos se imaginavam a presença e ação de forças ou entidades extraterrestres na natureza, duas se sobressaem: a imanência e a transcendência. Vão desde a concepção de que uma força sobrenatural animam todos os acontecimentos que podem ser observados nela, passam pela doutrina de que um ente sobrenatural age nela até a crença de que deuses ou, como ensina o monoteísmo, um Deus soberano é o responsável pela existência e o funcionamento da natureza. Fixemo-nos no monoteísmo para penetrar um pouco mais a fundo na questão, enquanto nos fornece argumentos para subsidiar como prova o que nos interessa neste trabalho isto é, a compreensão da natureza como síntese. Na tradição judaico-cristã o monoteísmo se constitui no fundamento sobre  o qual se ergue todo o arcabouço doutrinário da religião. Não é aqui o lugar para fazer um estudo exaustivo sobre os diversos sentidos que se podem atribuir aos conceitos de imanência e transcendência. Limitamo-nos ao sentido da imanência ou transcendência de Deus em relação à natureza. Dois são os sentidos que se costumam atribuir ao conceito de imanência quando se fala em Deus na natureza. Um afirma que Deus não está apenas presente na natureza mas confunde-se substancialmente com ela. Essa percepção pode levar à conclusão de que o mundo é divino e tem no panteísmo sua expressão clássica. Deus não é onipresente na natureza, mas a própria natureza é Deus. Assim qualquer planta, animal ou homem não apenas revelam  Deus mas são divinas pois a natureza é divina. O segundo significado da imanência ensina que Deus não se confunde  substancialmente com a natureza mas  sustenta a Criação e vela para que tudo se realize de acordo com Seu plano. Conceitos como “Providência Divina”, “Mão de Deus”, “Desígnio de Deus”, “Revelação Natural” e outros mais parecem confirmar a convicção de que Deus cuida da sua criação e através dela se revela aos homens. São Paulo na Carta aos Romanos (18-23) deixa claro que não há desculpa para aqueles que afirmam não conhecerem Deus “porque o que se pode conhecer de Deus lhe é manifesto  a eles: porque Deus lho manifestou. Na verdade, as perfeições invisíveis de Deus se tornaram visíveis depois da criação do mundo pela consideração das obras que foram feitas...” Na mesma linha vai a compreensão de todos aqueles, cientistas ou não que consideram a natureza em todas as suas manifestações, o livro da revelação por excelência. Nas reflexões sobre a natureza de uns o sentido da imanência fica implícito ou sugerido. Em outros, como no Pe. Balduino Rambo, perpassa como um fio condutor da concepção da natureza por ele observada em primeiro lugar da perspectiva do botânico. Salvo melhor juízo a imanência de Deus na natureza como o responsável pelos acontecimentos mais diversos que nela ocorrem, predomina no imaginário popular das pessoas comuns. Os espetáculos naturais são para elas os momentos em que Deus se manifesta com os seus atributos divinos: onipotência, onipresença, onisciência,  bondade,  beleza,  criatividade, seu senso de supremo artista.

Ao mesmo tempo em que Deus é imanente também é transcendente e como tal é soberano em relação à natureza, exercendo sua soberania na escolha do que pretende  fazer, no momento em que quiser, sem ter que dar explicações a ninguém sobre seus atos. Como se pode concluir  Deus é ao mesmo tempo transcendente à natureza e imanente nela. E por ser imanente é até certo ponto possível seguir seus passos na natureza com a utilização do método analítico- indutivo das Ciências Naturais. Vale naturalmente para aqueles cientistas que acreditam na existência de Deus.

This entry was posted on quinta-feira, 23 de março de 2017. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.