FRANCIS COLLINS (1950 ) - 3

A teoria antrópica.

Para o “Princípio Antrópico”, isto é, “ o universo só existe porque nós existimos”, há três respostas possíveis, segundo o Dr. Collins. A primeira defende a ideia da possibilidade da existência simultânea de outros universos, quem sabe muitos outros, organizados e funcionando com valores e constantes físicas outras das do nosso e, quem sabe,  com leis físicas diferentes. Os outros universos situam-se além da nossa capacidade de percebê-los. Estamos condicionados a viver apenas em um universo no qual todas as propriedades físicas trabalham coordenadamente em função da possibilidade da vida e da consciência. Nosso universo não é um milagre, mas o resultado fortuito de tentativas e erros. É a hipótese do “multiverso”. Pela segunda hipótese, existe apenas um universo que, nada mais nada menos, oferece todos os requisitos para gerar uma vida inteligente, caso contrário não estaríamos debatendo a questão. A terceira hipótese parte do pressuposto de que existe apenas um universo, este em que nos encontramos. As constantes e as leis físicas calibradas e ajustadas de tal maneira que  a vida inteligente fosse possível, não vem a ser um fato acidental, mas sinaliza para uma ação criadora responsável pela existência do universo.
Para Collins qualquer uma das  três alternativas de hipótese leva ao terreno da Teologia. E para  reforçar essa conclusão, cita novamente o físico Stephen Hawking: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como ato de um Deus que quisesse criar seres como nós”. (Hawking, op. cit., p. 63). Freeman Dyson, outro físico de renome, citado por ele, diante da sequência de “acidentes numéricos” chegou à conclusão  de que “quanto mais examino o universo e os detalhes da sua arquitetura, mais evidências encontro de que o universo, em certo sentido, devia saber que estávamos chegando”. (in Barrow, Tipler, op. cit., p. 318).
Na linha da tese que vimos defendendo desde o primeiro parágrafo dessas reflexões, o “Princípio Antrópico”  vem a  reforçar a convicção de que o universo e a natureza são o resultado de uma síntese global, que expressa uma unidade radical, impulsionada por um objetivo, uma teleologia. No caso específico os elementos que compõem o universo e a natureza, assim como os processos químicos  e as leis físicas convergiram, melhor talvez, prepararam o cenário no qual o surgimento do homem fosse possível. Sem essa  “missão” o universo não faria sentido. Reparos que possam ser feitos ao “Princípio Antrópico” à parte, ele representa um reforço nada desprezível  à tese de que o universo e a natureza formam uma gigantesca síntese. Para Collins a demonstração de que o universo e a natureza como um todo formam uma sínteses global, não  constitui o foco de suas reflexões. Seu objetivo, o Leitmotiv do seu livro “A Linguagem de Deus”, resume-se em demonstrar que não há argumentos e razões de fundo que impeçam uma harmonização entre as Ciências Naturais e as Ciências do Espírito. E neste nível a interrogação pelas causas e suas identificações polarizam todo esforço. É ofício das Ciências identificar as “causas secundárias”, as leis da física e os processos químicos tem potencial para explicar o que está ocorrendo no macro, micro e nano- cosmos e levar o aprofundamento das pesquisas até o limite do alcance dos seus métodos e equipamentos de investigação. Mas a partir do momento que o cientista se depara com a pergunta crucial por uma “causa primária”, isto é, a causa responsável pelo começo de tudo, a matéria prima do universo, o estofo do  universo como diria Teilhard de Chardin e as leis que comandam os processos evolutivos, as coisas sem complicam. Frente a essa situação, Collins chama a atenção para a sinalização de Stephen Hawking apontando uma saída: “Podemos ainda imaginar que existe um conjunto de leis fundamentais determinando totalmente os eventos para algum ser sobrenatural, o qual possa observar o atual estado do universo sem perturbá-lo” (Hawking, op. cit., p. 63). E, o próprio Collins conclui:
Este breve exame sobre a natureza do universo leva a considerar a admissão da hipótese de Deus de uma maneira mais geral. Recordo-me do Salmo 19 em que Davi escreve: “Os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos”.  É claro que a visão científica de um mundo  não é totalmente suficiente para responder a todas as questões interessantes acerca da origem do universo e não há nada essencialmente em conflito entre a ideia de um Deus criador e o que a ciência revelou. Na verdade, a hipótese de um Deus soluciona algumas questões de profundidade mais problemáticas sobre o que veio antes do Big Bang e porque o universo tão exatamente acertado para que estejamos aqui. Para um teísta, guiado pelo argumento da Lei Moral (como vimos no capítulo 1), buscar um Deus que não só enxerga o universo em movimento, mas também se interessa pelos seres humanos, uma síntese como essa pode ser prontamente alcançada. A argumentação seria algo assim: Se Deus existe, é sobrenatural. Se Ele é sobrenatural, não é limitado pelas leis naturais. Se não é limitado pelas leis naturais, não há motivo para que seja limitado pelo tempo. Se não é limitado pelo tempo ele está no passado, no presente e no futuro. (Collins, 2007, p. 87)

As consequências desse raciocínio, ainda segundo Collins, seriam as seguintes: Primeiro. Deus pode existir antes do Big Bang e continuar existindo mesmo que o universo viesse a desaparecer. Segundo, Ele estria em condições de saber o resultado exato da formação do universo mesmo antes de este ter começado. Terceiro. Ele saberia de antemão se um planeta próximo das margens externa  da espiral de uma galáxia poderia ter as características certas para permitir a vida. Quarto. Ele saberia por antecipação tal, que determinado planeta levaria ao desenvolvimento de criaturas conscientes, por meio do mecanismo da evolução e pela seleção natural. Quinto. Ele estaria também em condições de saber, antecipadamente, os pensamentos e  as ações dessas criaturas, mesmo se estas tivessem livre arbítrio. (cf. Collins, 2007, p. 88)

FRANCIS COLLINS (1950 ) - 2

A síntese entre as Ciências.

Os pontos de partida para entender a Natureza como uma grande síntese do Dr. Collins e do Pe. Balduino Rambo praticamente coincidem. As diferenças situam-se num plano secundário. Para o segundo a existência  de Deus foi um dado objetivo que o acompanhou desde o berço. Pelo menos ao que consta nunca o assaltou uma dúvida séria a esse respeito. Por isso a Natureza é o livro aberto da Revelação Divina. Quem está em condições de lê-lo e interpretá-lo não encontra dificuldade  em admitir a existência do Autor acima e além do que se observa, por ex., na botânica que foi seu campo de especialista. As paisagens, as “fisionomias” naturais como ele gostava de definir os múltiplos panoramas que podem ser encontrados, no seu conjunto e nos detalhes aparentemente  mais insignificantes, não passam em última análise, de um código, de uma “linguagem” que revela o Supremo Artista que os imaginou e os colocou à disposição do homem para que desenvolva os seus potenciais humanos, a sua “Menschlichkeit”, recordando mais um dos  seus conceitos prediletos. Para o Dr. Collins, especialista em Genética Médica, o genoma humano mapeado sob sua direção, forma em última análise um alfabeto de 3 bilhões de caracteres escrito num código enigmático. O decifrar desse código revela, para ele, nada mais nada menos do que “A Linguagem de Deus”. Diferente do Pe. Rambo, o Dr. Collins começou a convencer-se de que o agnosticismo que professara até os 21 anos e o ateísmo até os 27, não lhe ofereciam uma  reposta conclusiva para uma interrogação crucial: qual é a causa explicativa satisfatória para entender “o como” a natureza foi capaz de evoluir para uma complexidade tamanha que qualquer superlativo é incapaz de abarcar. Mais. Como se explica a teleologia que faz com que a evolução não se desgarre e não termine num caos total, mas demonstra uma ordem, uma harmonia resultante  de leis naturais que permitem acompanhar essa trajetória fantástica e entender com o aprofundamento das investigações, como funcionam as partes dentro e em função do todo. Mais ainda. O Dr. Collins como médico geneticista defrontou-se com outra desafio. Como é que os seus pacientes, submetidos a grandes e intermináveis sofrimentos, buscavam na Fé em Deus a força para seguir em frente, mesmo desenganados pela Medicina? Foi a partir daí que começou a refletir seriamente sobre a possibilidade de aceitar a ideia de Deus e terminou convencendo-se de que não havia nenhuma incompatibilidade em ser uma grande cientista e um dos maiores especialistas em genética e, ao mesmo tempo, crer sinceramente em Deus. Desde então tornou-se um fervoroso divulgador da compreensão do universo e da natureza como uma grandiosa e harmoniosa síntese, que não encontra explicação satisfatória sem abrir uma perspectiva para além dos potenciais da ciência como é normalmente entendida. E o Dr. Collins não vem a ser uma voz isolada que clama no deserto. Vale a pena reproduzir síntese da situação deixada por ele na “Linguagem de Deus”.
Essa síntese potencial das visões do mundo científica e espiritual, nos tempos modernos, é tida por muitos como impossível, quase como a tentativa de obrigar os dois polos de um ímã a permanecer juntos num mesmo ponto. Apesar dessa impressão, várias pessoas nos Estados Unidos permanecem interessadas e  assimilar a validade de ambas as visões do mundo em seu quotidiano. Pesquisas recentes confirmam que 93% dos norte-americanos são adeptos de alguma forma de crença em Deus; entretanto, a maioria deles também dirige carros, utiliza eletricidade e presta atenção na previsão do tempo, aparentemente reconhecendo que a ciência que dá respaldo a tais fenômenos é, em geral digna de crédito.
E o que dizer da crença espiritual entre os cientistas? Na verdade, ela é mais comum do que muitas pessoas imaginam. Em 1916, pesquisadores perguntaram a biólogos, físicos e matemáticos se acreditavam em  um Deus que se comunica ativamente com a humanidade e ao qual é possível fazer uma oração, na esperança de  receber uma resposta. Cerca de 40% responderam que sim. Em 1997, o mesmo estudo foi repetido literalmente e, para a surpresa dos pesquisadores, a porcentagem permanecia muito próxima da anterior. (Collins, 2007,  p. 12)
Em sua obra o  Dr. Collins começa as reflexões que o levaram no final a propor a alternativa do “BioLogos” como saída para harmonizar a Ciência e a Fé. “BioLogos” vem a ser o conceito chave para entender a harmonia, na situação atual do conhecimento, entre as Ciências Naturais, as Ciências Humana, as Letras e Artes e, principalmente, as Ciências do Espírito, isto é, a Filosofia e a Teologia. Para introduzir as suas reflexões recorda o que Kant escreveu há mais de 200 anos passados: “Duas coisas me enchem de admiração e estarrecimento  crescentes e constantes, quanto mais tempo e mais sinceramente fico refletindo acerca  delas: “os céus estrelados lá fora e a Lei Moral aqui dentro”; a declaração de Einstein: “Sem a religião a ciência é manca e sem a ciência a religião é cega; ou ainda a afirmação um tanto improvável na pena de um físico, como observou Collins: “em geral não dado  a contemplações metafísicas, Stephen Hawking no seu livro “Uma breve História do Tempo”:  “Então, poderíamos  todos nós, filósofos, cientistas e pessoas comuns, participar da discussão sobre a questão do porquê de nós e o universo existirem. Se encontrarmos uma resposta a isso, será o triunfo definitivo da razão humana – pois, então, conheceremos a mente de Deus”. Em outra passagem da mesma obra, Hawking afirma: “Seria difícil explicar por que o universo teria começado desta exata maneira, a não ser como o ato de um Deus criador que quisesse criar seres como nós”; ou  ainda a afirmação: de Theodosius Dobzhansky: “Ou a metade dos meus colega são muito idiotas, ou então a ciência do darwinismo é inteiramente compatível com as crenças religiosas convencionais – e igualmente com o ateísmo”. Há ainda  a resposta à pergunta formulada por Eugen Wiegner: “Qual seria a explicação para a inexplicável eficiência da matemática?  A resposta em forma de pergunta: “Não seria nada além de um feliz acidente ou refletiria alguma intuição profunda na natureza da realidade? Para quem deseja aceitar  a possibilidade do sobrenatural, seria isso também uma intuição da mente de Deus? Teriam Einstein, Heisenberg e outros  encontrado o divino?”. Em sua obra “God  and the Astronomers, o astrofísico Robert Jastrow[1] escreveu este parágrafo:
Neste momento parece que a ciência nunca será capaz de erguer a cortina acerca do mistério da criação. Para o cientista que viveu pela sua fé na força da razão, a história encerra como um sonho ruim. Ele escalou as montanhas da ignorância; vê-se prestes a conquistar o pico mais alto; à medida que se puxa para a rocha final, é saudado por um bando de teólogos que estiveram sentados ali durante séculos. (Jastrow, m 1992, p. 107, citado por Collins, 2007, p. 74)
Numa outra passagem do seu livro Jastrow escreveu:
Agora vemos como a evidência astronômica conduziu a uma visão bíblica sobre a origem do mundo. Há diferença nos detalhes, porém os elementos  essenciais e as considerações astronômicas e bíblicas sobre a gênese são as mesmas; a cadeia de eventos conduzindo ao homem iniciou de modo repentino e preciso em um momento definido no tempo, em um brilho de luz e energia. (Jastrow, 1992, p. 14. Citado por Collins, 2007, p. 75)
Collins concordando com as afirmações de Jastrow, acrescenta  como conclusão:
Tenho de concordar. O “Big Bang” grita por uma explicação divina. Obriga à concluso de que a natureza teve um princípio definido. Não consigo ver como a natureza pôde ter-se criado. Apenas uma força sobrenatural, fora do tempo e do espaço, poderia tê-la originado. Mas e quanto ao resto da criação? O que faremos com o extenso processo pelo qual nosso planeta, a Terra, veio a existir, 10 bilhões de anos após o Big Bang?”  (Collins, 2007, p. 74-75)
O Dr. Collins  mostra depois o caminho percorrido pela ciência e os cientistas para concluir que o  Big Bang vem a ser  o começo do universo. E como foram os primeiros momentos da formação do universo assim como o conhecemos. Imediatamente após a “grande explosão” matéria e anti- matéria foram geradas em proporções quase iguais. Em frações de milionésimo de segundo o resfriamento foi suficiente para que os “quark” e “antiquark” fossem gerados. O encontro dos quarks e antiquarks resultou na sua destruição, com a liberação de um fóton de energia. Acontece que a simetria entre a matéria e ant-imatéria não era perfeita. Em cada bilhão de pares de quarks e antiquarks, havia um quark a mais. Essa aparentemente insignificante fração, lá no começo compõe a massa do universo conhecido. Se não tivesse havido essa assimetria o universo em pouco tempo ter-se-ia esvaído em radiação pura. e, como consequência as estrelas, planetas, plantas, animais e mesmo homens não teriam como existir. Depois do Big Bang a história da evolução do universo dependeu da quantidade  total da sua massa e energia e da força da gravidade. Stephen Hawkin observou admirado diante dessa mecânica constante:
Porque o universo iniciou com uma taxa crítica  tão próxima da expansão que separa os modelos que voltam a entrar em colapso daqueles que se mantem expandindo eternamente, que, ainda hoje, 10 mil milhões de anos mais tarde, continuam se expandindo próximo à taxa  crítica? Se a taxa de expansão um segundo após o Big Bang tivesse sido menor, mesmo em cada parte única de 100 mil milhões de milhões, o universo ter-se-ia destruído outra vez antes mesmo de atingir seu tamanho atual. (Hawking, citado por Collins, 2007, p. 138)
Francis Collins continua nas suas reflexões mostrando que,  se a taxa de expansão tivesse sido maior para cada fração de um milhão, a formação de planetas e estrelas simplesmente não teria sido possível. Este estado de coisas faz com que “a existência de um universo como o conhecemos repousa no fio de navalha das improbabilidades” (A Linguagem de Deus, p. 80). Igualmente extraordinária é a circunstância em que se formaram os elementos pesados. No caso de a força nuclear que mantem unidos prótons e nêutrons tivesse sido minimamente mais fraca, somente o  hidrogênio se teria formado no universo. Se levemente mais forte, todo o hidrogênio ter-se-ia transformado em hélio, em vez dos 25% quando do Big Bang lá no começo. Como consequência as fornalhas de fusão das estrelas e a capacidade de gerar elementos mais pesados jamais teria ocorrido. Ainda segundo Collins, somando à situação que acabamos de caracterizar, a energia nuclear parece estar ajustada apenas o suficiente para a formação de carbono, elemento imprescindível às formas de vida. No caso de essa energia tivesse exercido uma atração muito menor, todo o carbono ter-se-ia convertido em oxigênio. As observações e as respectivas conclusões resumem-se na existência ao todo de ...
quinze constantes físicas cujos valores a atual teoria não consegue predizer. São dadas: simplesmente têm o valor que têm. A lista inclui a velocidade da luz, a potencia das forças nucleares forte e fraca, diversos parâmetros associados ao eletromagnetismo e a força da gravidade. A probabilidade de todas essas constantes terem os valores necessários para resultar num universo estável, capaz de sustentar  formas de vida complexas, quase tende ao ínfimo. E, no entanto,  elas apresentam exatamente os parâmetros que observamos. em resumo, nosso universo é extremamente improvável.
Neste ponto talvez você diga, com razão, que esse argumento é um tanto cíclico: o universo precisa de parâmetros associados a esse tipo de estabilidade, ou não estaríamos aqui para comentar a questão. Em geral, essa conclusão é chamada de “Princípio Antrópico”: a ideia de que o nosso universo está exclusivamente  ajustado para gerar humanos. Esse princípio tem sido uma fonte de muito assombro e especulação desde que foi avaliado em sua totalidade, poucas décadas atrás. (Collins, 2007,  p. 81)



[1] O astrofísico Robert Jastrow nasceu em 7 de setembro de 1925 e faleceu em 8 de fevereiro de 2008. Definiu os objetivos da exploração da lua no Programa Apollo. Simultaneamente ocupou o cargo de Diretor do Departamento Teórico da NASA. Foi Diretor fundador da NASA. Serviu a NASA até 1981. Foi professor de Geofísica na universidade Columbia.

Francis Collins (1950 ) - 1

O perfil de Francis Collins

Francis Sallers Colins nasceu em 14 de abril de 1950 no vale do Shenandoha na Virgínia onde viveu a infância e  adolescência. Foi educado pela mãe e aos 16 anos entrou na universidade da Virgìnia. Começou os estudos orientados para a Química. Mudou para a Biologia e depois para Medicina na Universidade da Carolina do Norte. Obteve o Ph.D em Física e Química na Universidade de Yale em 1974. Munido com sólidos conhecimentos de Bioquímica  especializou-se em DNA e RNA. Formou-se em Medicina em 1977 na Universidade da Carolina do Norte e de 1978-1981 trabalhou como residente e chefe dos residentes no Memorial Hospital em Chapel Hill. Ele mesmo conta que foi agnóstico até aos 21 anos e depois, até os 27 ateu convicto. O trato com os pacientes do hospital colocou-o em contato  com pessoas comuns, com o mundo do quotidiano do povo, com  seus dramas, incertezas, sofrimentos, pequenas  alegrias e a fé sólida de muitos  deles. Aos poucos a convicção no ateísmo foi perdendo força até ser substituída por uma sincera crença em Deus. De então em diante não perdeu nenhuma ocasião para deixar claro ao público em geral, aos ateus, aos cientistas e ao mundo da intelectualidade em todos os seus níveis e especialidades, que não há nenhuma contradição em ser uma das maiores referências, senão a maior, em Genética Médica e crer em Deus. O momento mais importante, a consagração do Dr. Collins aconteceu por ocasião da apresentação  oficial pelo Presidente Clinton, do mapa do Genoma Humano, projeto liderado  pelo pesquisador. O mapa do genoma humano apresentado solenemente pelo Presidente foi classificado por ele como sendo “o mapa  mais extraordinário e mais importante já produzido pela humanidade”. O comentário do Presidente, porém que deixou uma impressão profunda no público e de modo especial nos cientistas e no Dr. Collins foi: “Hoje estamos aprendendo a linguagem com que Deus criou a vida. Ficamos ainda mais admirados pela complexidade, pela beleza e pela maravilha da dádiva mais divina e mais sagrada de Deus” (A Linguagem de Deus, p. 10). A esta declaração do Presidente Clinton, o Dr. Collins acrescentou o seguinte comentário:
Será que eu, um cientista rigorosamente treinado, fiquei desconcertado com uma referência religiosa tão espalhafatosa, feita pelo presidente dos Estados Unidos num momento como aquele? Fiquei tentado a mostrar-me irritado ou  olhar envergonhado para o chão? Não, nem um pouco. Na verdade, eu trabalhara como o redator do discurso do presidente naqueles dias de frenesi que precederam o evento, e fui enfático em meu apoio à inclusão desse parágrafo. Quando chegou o momento em que precisei acrescentar algumas palavras de minha autoria, fiz coro com esse sentimento: É um dia feliz para o mundo. Para mim não há pretensão nenhuma, e chego mesmo a ficar pasmo ao perceber que apanhamos o primeiro traçado de nosso manual de instruções, anteriormente conhecido apenas por Deus.
O que se passava lá? Por que um presidente e um cientista no comando do anúncio de uma marco da Biologia e da Medicina, se sentiram impelidos a evocar a conexão com Deus? Não existe um antagonismo entre as visões do mundo científico e espiritual? Ambas não deveriam, ao menos, evitar aparecer lado a lado no Salão Leste? Quais os motivos para evocar Deus nesses dois discursos? Poesia? Hipocrisia? Uma tentativa cínica de bajular as pessoas religiosas ou de desarmar as que talvez criticassem o estudo do genoma humano como se este reduzisse a humanidade a um maquinário? Não. Não para mim. Muito pelo contrário. Para mim, a experiência de mapear a sequência do genoma humano e descobrir o mais notável de todos os textos foi, ao mesmo tempo, uma realização científica excepcionalmente bela e um momento de veneração. (Collins, 2007,  p. 11)

Para o Dr. Collins  não há nenhuma incompatibilidade entre a Ciência e a Fé. Pelo contrário, as duas são complementares e a Verdade é possível somente quando as Ciência Naturais, as Ciências do Espírito, as Ciências Humanas, as Letras e Artes se decidem a compartilhar seus dados, e num clima de espíritos desarmados, com humildade, com respeito mútuo, se aliarem para, num esforço comum,  construírem o conhecimento que tem como  objetivo último o encontro com a Verdade. Acontece que a Verdade só é possível pela confluência harmônica das muitas contribuições oferecidas por todos os campos do conhecimento. “Doctrina multiplex, Veritas una” – “Muitas são as doutrinas, a Verdade  uma só”, já diziam os antigos romanos

Ludwig von Bertalanffy - 6

A Natureza como um Sistema global.

Partindo do pressuposto de Edward Wilson de que a “Natureza é um fato objetivo”, os  elementos estruturais e funcionais que entram na sua composição, não podem deixar de ser também fatos, ou melhor, realidades objetivas. O primeiro passo em busca de um entendimento, também objetivo, do que seja a Natureza como um Sistema Global, consiste em identificar o fundamento, a base sobre a qual está edificado. O estágio em que se encontra a ciência que se ocupa em elucidar esse problema, aponta para a “Energia” como base e como ponto de partida de tudo. Parafraseando o Gênesis pode-se então afirmar que no começo “era a Energia”. Sem entrar na discussão polêmica de como aconteceu a passagem da energia pura, ou pelo menos grande parte dela, para dar origem à matéria, vamos tentar mostrar como se deu a edificação do Sistema Global da Natureza. A materialização da energia resultou nos cento  e tantos elementos conhecidos e consignados na Tábua Periódica, e, quem sabe, outros ainda não identificados. Mal comparado esses elementos são os tijolos a partir dos quais edificou-se o complexo arcabouço da natureza. Uns estão presentes em toda a parte. São aqueles responsáveis pelo arcabouço estrutural tanto da natureza mineral inorgânica, como da orgânica, como da viva. Ocupam o topo da lista o oxigênio, o nitrogênio, o carbono e o hidrogênio. Seguem outros cuja presença é indispensável de modo especial nos seres vivos ou sistemas vivos de todos os níveis. São em torno  de duas dúzias entre os quais sobressaem cálcio, ferro, potássio, sódio, enxofre, iodo, etc. Além dos universalmente presentes no mundo mineral, orgânico não vivo e orgânico vivo, enumeram-se os elementos menos freqüentes e, por isso mesmo, preciosos como  ouro,  prata, platina ...,  os instáveis ou radioativos: urânio, rádio, tório ...
Sobre essa base material, isto é, a interação dos diversos elementos de acordo com as afinidades químicas,  físicas, estimulada pelas energias próprias de cada elemento, somada à energia solar e demais fontes de energia livres que atuam na Natureza, desencadeou-se, numa data muito remota, difícil de precisar, a construção do universo. Teilhard de Chardin identificou os processos básicos que tornaram possível essa formidável urdidura, como sendo a “agregação”, a “incorporação”(repetição geométrica”) , a “complexificação” e a compressão”. Átomos “agregam-se” formando moléculas. Estes e estas, por sua vez, passam a ser “incorporados”  em  estruturas que seguem  modelos-padrão, como  acontece nos cristais. Na suposição de que a natureza nos seus diversos níveis de arranjo e organização é o resultado de processos por natureza quantitativos de agregação e incorporação, não tem como explicar as características, as propriedades e as peculiaridades, que vão se manifestando,  multiplicando-se e somando-se, na medida em que se sobe na hierarquia  das estruturas. Entra então em cena a  “complexificação”, um mecanismo de potencialidades ilimitadas. Teilhard o resumiu em poucas linhas.
Depois da série harmônica dos corpos simples estendendo-se do Hidrogênio ao Urânio, pelas notas da escala atômica e, em seguida, a imensa variedade dos corpos compostos, em que as massas moleculares vão se elevando até um certo valor critico acima do qual como veremos, passa-se para a vida. Nem sequer um termo dessa longa série que não deve ser olhado, com base em boas prova experimentais, como um composto de núcleos e de elétrons. Essa descoberta fundamental de que todos os corpos derivam, por ordenação, de um só tipo corpuscular inicial, é o clarão que ilumina ao nosso olhar a história do Universo. À sua maneira a matéria obedece, desde a origem, à grande lei biológica (à qual nos reportaremos incessantemente) de “complexificação”. (Teilhard de Chardin, 1986, p. 46)
O foco, a perspectiva singular a partir da qual os autores escolhidos observaram o universo, a natureza e o homem, sugerem algumas conclusões de fundo. A pluralidade cerca-nos por todos os lados.  O cenário no qual o homem construiu e continua construindo a sua história é heterogêneo e múltiplas são as peças que o compõem. Um olhar sem maiores pretensões nem científicas nem filosóficas, muito menos teológicas, pode despertar no observador a sensação de estar mergulhado num universo formado por uma infinidade de realidades inanimadas e animadas, coexistindo nas suas incontáveis formas e níveis de complexidade, sem uma relação mútua, pelo menos aparente. Assemelha-se à percepção daquele que entra numa floresta e de tantas árvores, arbustos e cipós, não se dá conta de que se encontra numa floresta. Para o homem comum cada árvore pode até fazer sentido como uma realidade isolada, pela imponência do seu tronco, pela grandiosidade da sua copa, pelas flores e frutos que pendem dos seus galhos. A visão do madeireiro não é muito diferente. Para ele interessam aquelas árvores que lhe oferecem a madeira que tem valor no mercado como matéria prima para as mais diversas finalidades práticas. Bem diferente será a atitude do botânico sistemata que faz o levantamento das mais diversas espécies, as classifica de acordo com as regras taxonômicas, as cataloga e assim colabora com o inventário das plantas, um passo indispensável para se formar uma idéia da cobertura vegetal local, regional, continental e do mundo como um todo. Diferente também é o espírito que anima o especialista interessado em descobrir os inter-relacionamentos que explicam dependências mútuas entre os mais diversos níveis entre as muitas espécies que compõem uma floresta. Não demora e o botânico se dá conta de que de que a floresta não é só de vegetais. Os animais que nela vivem, se alimentam, nidificam e se multiplicam, dependem da proteção e do alimento que as árvores e arbustos lhes oferecem. Ao mesmo tempo as aves, os mamíferos, os insetos, as minhocas, os vermes, e afinal tudo que se movimenta acima, sobre e debaixo do chão, garante a polinização, a disseminação das sementes, o processamento de folhas, galhos e troncos mortos, transformando-os em novos nutrientes e assim garantindo que nada se ganhe, nada se perca, tudo se transforme na natureza, evitando que o ciclo da vida na sofra sobressaltos e interrupções no seu perpétuo vir e devir. Sempre nos servindo da floresta como metáfora exemplar para explicarmos o universo e a natureza como um todo, somos obrigados a chamar em auxílio especialistas em edafologia, geografia, geologia, meteorologia e outros mais para, a partir dos dados que nos oferecem suas especialidades, avançar em direção ao âmago, à essência, à natureza mais profunda do que seja uma  floresta.

E assim de aproximação em aproximação, de avanço em avanço sobre os meandros de uma floresta, vai ficando claro de que estamos diante de uma realidade que forma, na sua essência, um sistema, um organismo “sui generis”  de alta complexidade. Desde a micro-fauna e a micro-flora, passando pelos insetos, os anfíbios, os répteis, as aves e os mamíferos, os vegetais de todos tipos e tamanhos, os gigantes da floresta e a abobada moldada pela suas copas e o clima de mistério que reina na penumbra que formam, animado pelos sons, os ruídos, urros, gritos e cantos, tudo deixa de parecer um mero aglomerado. A multidão de indivíduos, formas, melodias e sons, mascaram algo mais profundo. A pluralidade sugere com sempre mais insistência uma unidade, a complexidade um todo, as melodias dispersas e as dissonâncias aparentes uma sinfonia.O que se aplica à floresta como uma parcela da natureza aplica-se, ressalvadas as peculiaridades, ao todo do universo e da natureza.