Deitando Raízes #37

Capítulo sexto
A vida do povo
Não é raro acontecer que, quando se transplanta uma árvore para outro local, ela começa a definhar e a sobrevivência corre risco. Com os povos acontece muitas vezes como com à árvore transplantada. Enfraquecem e perdem as suas boas qualidades e, no fim, sucumbem de vez. Com não menos freqüência  acontece que uma planta  transferida para uma outra região na terra, lucra em vigor e beleza. O mesmo fenômeno foi observado por vezes com povos que emigraram. E qual foi a sorte dos emigrados alemães para o Rio Grande do Sul ? A transferência de um lugar para outro foi benéfica ou prejudicial ? A resposta não  é tão simples, mas deve ser considerada positiva, se tomarmos como base a convicção dos alemães aqui radicados.
Para começar perguntemos o que aconteceu com o caráter  germânico ? Todos sabemos que seus traços essenciais, a pele clara do corpo, os olhos azuis e os cabelos louros permaneceram como uma bela herança nos descendentes dos alemães. Mas o clima mais quente exerceu uma influência positiva sobre eles, pelo menos num aspecto. O físico ficou mais esbelto, os traços do rosto mais delicados, as mãos e os pés menores e mais graciosos. Sob este aspecto aconteceu uma aproximação com os povos latinos. Acontece que dificilmente se poderá negar que, se o físico dos descendentes lucrou com um perfil mais agradável, perdeu  outro tanto em resistência e robustez. O poderoso esqueleto do agricultor com sua peculiar falta de desenvoltura, cedeu lugar a uma estrutura mais  flexível, embora a cepa dos gigantes não esteja toda extinta. E com isto o que aconteceu com o vetusto caráter alemão ? Aprimorou-se ou transformou-se ? Homens de idade lamentam que os mais jovens não são mais tão respeitosos, tão resolutos e tão honestos. como foram seus ancestrais. (144) Admitamos que, neste particular, a terra e o clima tenham prejudicado o caráter alemão, mas não passaria de uma injustiça generalizar além da medida esta perda. O coração e a alma dos moradores da colônia continuam sendo alemães, também no estrangeiro.
Se os alemães pretendem reclamar alguma importância  para si para o futuro deverão, como fizeram até agora, preservar  as sua identidade e evitar o caldeamento com os nativos. A miscigenação significaria a absorção do elemento alemão, o que não seria bom nem para o Brasil. Com esse procedimento não representam, de forma alguma, um perigo para o povo brasileiro, que de qualquer forma não existe bem definido como tal e, sob o aspecto numérico, não está em condições de assimilar os imigrantes alemães. O Brasil é grande demais e a população nativa muito fraca para esperar tal coisa com chance de êxito, das  populações  imigradas dos alemãs, italianas, polonesas, russas e outras. Para o futuro a república do Brasil transformar-se-á numa réplica da Suíça (evidentemente numa escala muito maior). Nela viverão pacificamente, lado a lado, alemães, franceses, italianos, romanos. Na Suíça basta a unidade do país, o governo central, a história, a língua oficial e os interesses comuns, para garantir solidez e respeito ao Estado. Porque não seria possível o mesmo no Brasil ?
Vamos verificar  se os autênticos hábitos e costumes foram fielmente preservados na nova pátria. O que aconteceu por ex., com o espírito de poupança dos antigos que ganhavam com dificuldade os seus parcos vinténs e os empregavam bem ? Lamentavelmente somos obrigados a concordar com o testemunho uníssono dos avós, merecedores de toda a credibilidade, que não poucas desvirtudes já entraram na mata virgem. Observemos o jovens por ocasião dos assim chamados Kerb e bailes. Na velha pátria não se conheciam argolas nos salões e pendurados neles barrilzinhos com o caro vinho do Reno. Não se oferecia cerveja inglesa ou bebidas às dúzias no meio de um clima de exibição. A alegria era mais disciplinada e não degenerava tão facilmente em excessos decapitando   garrafas de vinho do Reno ou entrando a cavalo no salão. Não raro, como noticia o "Deutsches Volksblatt", o salão se assemelha a um estábulo imundo cheirado a cerveja e a alegria inofensiva degenera em  selvageria animal. Na antiga pátria não se costumava invadir  o recinto dos encontros com a faca desembainhada ou pistola carregada, para transformá-lo num palco de brigas e assassinatos. As festas terminavam com a sensação de satisfação e bem estar, não como agora, com pavor, arrependimento e desespero. Para sermos justos não queremos silenciar que, as nossas condições legais peculiares, tem a culpa principal no avanço frenético da barbárie. Pois, o que pode resultar de bem para o povo quando nem sequer se registra o "corpo de delito" no local da dança onde alguém foi morto. Mais ainda. Nem as testemunhas principais são ouvidas, nem o júri é capaz de causar algum susto, porque qualquer criminoso pode contar com  a possibilidade de uma fuga para o Campo ou a Serra. Nesse contexto geram-se as condições como as que temos no presente. Entende-se assim a observação de não poucos colonos: "Meu Deus. O que seria de nós se não pudéssemos contar com os padres! “Mesmo o mais míope  reconhece que se deve unicamente à religião de o mal não ter assumido proporções maiores e características mais nefastas.
Nos velhos e bons tempos as coisas se passavam bem diferentes na venda de Paul Kasper onde, conforme a tradição, foi instalado o primeiro local para dançar. No recinto com assoalho de tábuas, fechado com lona e coberto com galhos de pinheiro, as coisas aconteciam com maior decência e as chuvas torrenciais que inundavam o local à noite, encarregavam-se para que as diversões não se prolongassem além da conta. Na época a chuva não precisava a sujeira e quem sabe  o sangue, uma limpeza que hoje em muitos lugares, nem uma chuva de três dias resolveria.
Passemos das diversões para o trabalho. Está claro de que a energia para o trabalho da terceira geração de hoje, não  se situa mais no nível dos pais e avós. Com isso não se quer afirmar que se extinguiu na colônia a vontade e o amor ao trabalho. Ociosos são ainda uma raridade e merecem desprezo generalizado. Até se pode afirmar que muitos trabalham demais, ou iludidos por um objetivo equivocado, ou se empenham além de suas forças. Esperam que a bênção do trabalho preserve o caráter alemão dos muitos descaminhos a que o ócio costuma levar os homens e influa como um banho refrigerador sobre a moral do homem  e sobre toda a família humana. Consideremos, por exemplo o esforço extenuante  que a colheita do feijão exige de jovens e velhos        e como o colono, além disto, é obrigado a carregar o ano todo o fardo do trabalho. Aqui nem o inverno propicia descanso para o colono. Durante o dia as plantações de milho tomam-lhe o tempo. É preciso cortar os pés de milho  e dobrar as espigas. É preciso carregar na carroça os numerosos montes de espigas e levá-los até o paiol. Na entrada da noite o gado quer se  tratado e a janta frugal ser tomada. Segue-se mais uma ocupação que, embora não exija grande esforço, requer muito tempo. Todos os membros da família, pais, filhos junto com os vizinhos, reúnem-se no paiol baixo, fracamente iluminado por uma lanterna, como é hábito nas salas de fiar da Alemanha. Aqui, porém, não se escuta o ruído das rocas, mas o farfalhar da palha das espigas, que uma vez livres do seu invólucro, são jogadas num monte. Durante esse trabalho cabe principalmente aos mais idosos contar as vivências do passado, com ênfase especial para  imigração e a fundação das colônias. O povo mais jovem, especialmente as crianças escutam com atenção. Foi dessa forma que se perpetuaram nas novas gerações as máximas e os princípios dos bons e  velhos tempos. Verdadeiros recintos de tecelagem também não são raros nas colônias, com a diferença de que se limitam a uma única família.
Nessas horas noturnas acontece também que os rapazes freqüentam as  casas dos conhecidos à procura de parceiras para o casamento. É mau sinal para o pretendente se uma moça vai dormir com uma saudação seca logo depois da chegada do rapaz. Se permanece, mesmo em silêncio, é sinal que há esperança. Às vezes o rapaz em busca de uma noiva emprega-se com o pai dela, para submeter-se à importante prova nas sua proximidade. Em princípio não há nada contra este procedimento, visto que o patriarca Jacó agiu da mesma forma. Mas segundo o ponto de vista cristão pode ser tomado como inconveniente quanto à convivência contínua sob o mesmo teto depois do noivado.  Em vista da  moralidade pública ou, pelo menos, em nome da honorabilidade pública, deveria ser observada a estrita separação exigida pela Igreja (146), entre o noivado e o casamento. Gastos exagerados com o casamento merecem restrições, tomando em consideração a convivência popular sadia. Acontece que esse é um fato raro e ultimamente tem diminuído muito. Um belo costume é a visita aos doentes pelos parentes e conhecidos. Mas também neste particular deveria ser observado uma medida razoável. Qual é o alívio que pode ter o enfermo quando no domingo de tarde  os visitantes lotam o quarto? Priva, ao pé da letra, o enfermo do ar puro e o grande atropelo dos visitantes o leva ao esgotamento. Não seria mais conveniente que as visitas fossem poucas e de pouca duração? Neste caso servem de quebra de monotonia e uma distração em vez de uma tortura. Merece plena aprovação e nenhuma restrição a disposição de chamar o padre para atender o vizinho, mesmo correndo riscos. Igualmente edificante  e comovente é atitude piedosa de muitos fiéis quando se ajoelham durante a administração dos sacramentos aos enfermos. Todos se ajoelham, rezam, e procuram fazer tudo que está  a seu alcance para se mostrarem prestimosos. Em muitas famílias encontramos uma mesinha com toalha branca, para nela depositar o santo sacramento, um crucifixo, duas velas  e um recipiente com água benta, como o pede o costume católico. Um costume igualmente belo é o velar os defuntos. É evidente que deve acontecer em sintonia com a fé e a sã razão. É edificante quando se reza o terço junto ao falecido e na entrada e na saída se asperge o corpo com água benta. Não é que as gotas de água  tenham qualquer poder, mas a bênção e a prece da Igreja, relacionadas com elas. A aspersão, conforme a concepção católica, cai como um orvalho refrescante sobre as almas necessitadas do purgatório. Feio é o costume revoltante de profanar o recinto onde se encontra o defunto, tomando cachaça no quarto vizinho. "Vocês praticam um belo velório," disse certa vez uma moradora de Bom Princípio, referindo-se a um falecimento na 48, "fazendo-o acompanhar com bebedeira e jogo de cartas."
Há ainda o costume que os parentes e conhecidos de longe e  de perto serem convidados para os enterros. Logo depois de o enfermo fechar os olhos, a notícia voa para a casa dos vizinhos. Sem perda de tempo os cavalos são encilhados e as diversas picadas onde mora parentes e conhecidos da família, são percorridas. Esses não demoram para se porem em movimento. Forma-se um cortejo digno de admiração. Em muitos casos o enterro assume características de grandiosidade, quando se observa o cortejo, subindo ou descendo a encosta de um morro. Na frente  sobre uma carroça, puxada por uma parelha de bois pretos que caminham pausadamente, repousa o caixão preto.  Ao lado caminha um menino carregando  uma cruz e não aro uma coroa. Atrás seguem numa longa fila a cavalo, os enlutados, homens, mulheres e crianças. Quando se trata de uma boa família cristã escutam-se apenas orações. Não esquecerei nunca o que ouvi do velho Johann Brill da Picada Holanda. No momento em que o caixão do seu filho que se afogara no rio, foi alçado na carroça, puxou  com voz grave forte o rosário. Sem dúvida uma atitude de autêntica catolicidade e solidez de caráter. O infeliz pai encontrou assim consolo para a dura perda. Certamente um motivo melhor do que aquele a que recorreu o viúvo de outra confissão, consolando-se com a morte da  mulher pois, ainda te restavam as colônias e a casa  bem instalada.
Por ocasião da morte percebe-se bem o valor da religião! Um pouco antes de morrer foi feito, ao acima mencionado Johann Brill, a sugestão que fizesse alguma coisa em favor da Associação do Menino Jesus. Logo depois do falecimento apresentaram-se seus familiares com o pedido de que o vigário adquirisse uma estátua do Menino Jesus, custasse o que custasse. Foi assim que a igreja da Picada da Holanda foi enriquecida com uma bela estátua (147) do Divino Menino, no valor de 50 mil réis.
Ao se tratar de uma família menos piedosa ouvem-se poucas orações durante o cortejo fúnebre. Acompanham o defunto com espírito embotado. Prostrados com a perda, mas com uma ausência de atitude cristã e a desesperança dos animais que puxam o carro fúnebre. Graças a Deus, entre a maioria dos católicos a oração acompanha os restos mortais dos entes amados até a última morada.
Já no tempo do velho Tobias praticava-se o louvável costume de preparar uma refeição no dia do sepultamento. Presume-se que o motivo consistia em motivar os presentes a rezar pelo falecido e reforçar os laços de amizade para com ele. Uma motivação semelhante encontra-se na assim chamada colação (pequena refeição) fúnebre. De outra forma não haveria uma explicação razoável, muito menos cristã pelo fato. O dia do enterro significa um dia de trabalho duro para as mulheres da casa do falecido e suas vizinhas. As montanhas de cuca e os rios de café servem os presentes que por vezes chegam a dezenas. As mesas são ocupadas alternadamente na casa, até que todos tenham sido atendidos, o que só acontece depois de algumas horas.
Aprovação igual na participação do enterro, merece  o costume de os filhos  do pai ou mãe falecido, se demorem por algum tempo na sepultura para rezar. Falecendo uma criança antes do uso da razão, crianças, principalmente meninas assumem a preparação do corpo e o sepultamento num clima  um pouco menos triste, conforme os ensinamentos da Igreja. A Igreja permite que o caixão dos inocentes seja ornamentado com flores e, durante toda a cerimônia, predomine um tom positivo como se tratasse de um acontecimento festivo. E com razão. Mais um anjo é recebido  na multidão de espíritos celestes, cuja sorte com a idade seria uma incógnita. Com adultos a religião não quer saber de flores. Como pecadores os adultos devem ser apresentados perante o altar. Mesmo o caixão deve ter um sinal da pecaminosidade e uma prece por perdão e misericórdia. A sepultura deve ser ornamentada porque é o lugar do descanso  dos nossos entes queridos, acompanhada pela esperança da ressurreição, voltada para o sul como uma flor que não murcha.
Passemos agora  para uma avaliação dos costumes  na vida da colônia. É um sinal animador que na colônia não se ouve falar em crimes propriamente ditos. Só raramente se noticia alguma coisa que envolve atos contra a propriedade como  o  roubo. Excluem-se deste julgamento favorável os larápios  que na paróquia de São Salvador deram vazão aos seus desmandos. O máximo que pode acontecer é que o mandamento que protege a propriedade alheia seja violado em coisas pequenas pelas crianças. As acusações contra os adultos referiam-se, na maioria dos casos, à negligência na manutenção das cercas. Conta-se que uma exceção menos louvável  em relação à honestidade reinante na colônia, teria sido protagonizada pelos Mecklenburguenses na propriedade de Simonis, perto da igreja protestante. Eram ladrões profissionais de igreja. Seu campo de ação eram as igrejas nas redondezas e tinham seu lugar de refúgio no mato do Dietrich, no caminho de São Leopoldo. Na casa de um dos suspeitos, (148) morto na revolução, o novo proprietário encontrou um papel no sótão debaixo do telhado no qual se assinalava que, debaixo de um galho de timbaúva, direção leste encontravam-se os tesouros roubados. Afirma-se que o novo inquilino descobriu uma quantidade não esperada, inclusive cálices de ouro. Conta-se também que no bosque havia uma oficina para fabricar moedas falsas.
Mais freqüentes acontecem na colônia os delitos  contra a integridade física e a própria vida. Na maioria dos casos não são premeditados e muitas vezes acontecem em diversões. Os desentendimentos surgem normalmente por ocasião 0do Kerb, de bailes e resolvidos com tijolos e estribos. Desta maneira a diversão pública não raro termina em crânios e membros quebrados. A desagradável mania de recorrer a processos diminuiu bastante e os desentendimentos resumem-se mais em ameaças, gritarias e intrigas. Na maioria dos casos as brigas são resolvidas  por acertos,  nos quais ambas as partes arcam com as despesas e o único que leva vantagem é o intermediador.
Um outro vício que tenta insinuar-se silenciosamente na colônia é a bebida. Premidos pela necessidade e levados pela preocupação pelo  bem estar da colônia, reservamos algumas palavras a seu respeito. Não somos daqueles que proíbem  pura e simplesmente as bebidas alcoólicas, mas defendem a moderação que precisa ser praticada.
 O trabalho pesado na roça justifica um trago à noite, mas o consumo no decorrer do dia, durante o trabalho, é um grande mal. Qualquer um sabe que a cachaça com o calor provoca a preguiça e torna a pessoa lerda. Nessa situação não ajuda mas torna-se um estorvo no trabalho e por isso precisa ser evitado. Acresce que aqui faltam de todo os motivos que desculpam o amigo da cachaça, isto é, a alimentação insuficiente e o frio rigoroso. O colono daqui não precisa preocupar-se nem com um nem com outro. Além disso num país de clima quente, a tendência de consumir a bebida proibida, em vez de diminuir, acentua-se. É de todo rejeitável, mesmo que não leve a uma bebedeira total, mas um estado de torpor. O homem que se entrega  a este vício perde toda a dignidade humana, vira alvo de zombaria dos concidadãos que, atrás das costas, riem da sua fraqueza. Uma bruma, por assim dizer, tolda o seu juízo e gradualmente perde a capacidade do julgamento correto de si mesmo e das demais coisas. Sua vontade perde o vigor e a energia moral e, como uma corrente de ferro o vício nefasto o imobiliza. Não por nada pergunta Sagrada Escritura: "Quem sofre?; o pai de quem sofre?; quem briga?; quem cai nos valos?; quem se fere sem motivo?; quem tem os olhos obscurecidos.?" A inegável verdade nos dá a resposta: "Não serão aqueles que se demoram junto ao vinho e se entregam esvaziando copos?" Se vale para o vinho, tanto mais vale para a cachaça, pois, não sem razão um poeta mais recente a estigmatizou como a bebida do demônio. O próprio dramaturgo Sheakespeare escreveu: "Oh espírito invisível da aguardente, se não tens nome pelo que és, quero chamar-te diabo!" Por essa razão  a Sagrada Escritura acrescenta na página citada: "Não olhes para o vinho com a sua cor de ouro e brilhando no cálice; ele desce com suavidade, mas no fim pica como uma (149)  cobra e libera veneno como um basilisco. Teus olhos voltar-se-ão para mulheres estranhas e teu coração falará coisas erradas. Serás como aquele que dorme em pleno oceano e dirás como o piloto semi  adormecido que perdeu o rumo. Bateram-me e não senti dores e arrastaram-me e não o percebi. Quando acordarei e encontrarei de novo vinho? (Prov. 23.29).
Onde encontro vinho (cachaça)? Esta é a preocupação íntima e o desejo maior do vencido pela bebida. Como já aconteceu chega ao ponto de engolir frascos de remédio com tintura, ou outras substâncias fortes, mesmo de aparência tão repugnante como a lavagem ou produtos de limpeza para metais.  "Onde posso encontrar cachaça? esta é a única pergunta que interessa ao beberrão. E onde a encontra ele a agarra, mesmo que esteja escondida no bebedouro dos porcos. Este esconderijo foi certa vez utilizado por uma viciada, para esconder a garrafa de cachaça para que o marido não descobrisse seu vício imundo. Até que ponto é desagradável o comportamento de uma mulher entregue a este vício, mostra um fato contado por pessoas de idade. Mal as galinhas tinham posto dois ovos, levava-os sem perder tempo até a venda para transformá-los em cachaça. O fato de as próprias crianças  se entregarem a este vício detestável e indigno, mesmo que não cheguem ao grau máximo, transparece  na pronta resposta de uma menina na aula de catecismo. À pergunta porque o pai do céu era melhor do que o pai terreno, respondeu: "Porque o papai lá em casa toma cachaça demais." Que dizer da falta de juízo dos pais quando não perdem ocasião para permitir  aos pequenos que bebam também, embora estejam alertados pelos médicos de que estas bebidas causam um grande dano às crianças. Não é de se admirar quando no Kerb cinco fedelhos se aproximaram do balcão da venda mandando: "Serve uma cachaça!" É nisso que termina fatalmente quando o exemplo e a falta de juízo dos pais não previnem o mal. Perguntamos: que proveito pode tirar a vida da colônia de tais hábitos? É muito triste quando homens, aliás trabalhadores e cristãos de uma comunidade, pagam regularmente tributo ao demônio da cachaça. A degradação vê-se estampada no rosto. Apresenta um vermelho fora do natural combinado com inchaço. Sua expressão torna-se banal e o olhar abobado. Encarecemos que estas pessoas levem  a sério as palavras da Sagrada Escritura acima mencionadas e não joguem ao vento os desejos e os pedidos dos verdadeiros amigos. 
Numa região em que os católicos e protestantes vivem misturados, é óbvio que deva reinar uma verdadeira tolerância entre as duas confissões. Se houvesse preferência para uma imigração confessional esta deveria ser dada evidentemente aos católicos. Esta foi a intenção original de D. João VI quando, em 1818, decidiu trazer imigrantes da Suíça e Alemanha. Mais tarde esta condição foi abandonada e foram aceitos os cristãos de diversas confissões. Já naquela ocasião fizeram-se ouvir do lados dos protestantes o desejo justificado que, conforme os acertos originais, lhes era garantir a prática livre da religião no plano legal e a validação dos sacramentos presididos por seus pastores. Como se sabe o governo concorda com as exigências, mesmo que não reconheça uma posição de igualdade com a Igreja Católica oficial. As outras confissões continuaram lutando pela igualdade e, na verdade,  conseguiram de fato a remoção gradual de todas medidas contrárias a eles, como por ex., de terem torres nas suas casas de oração ou procissões públicas acompanhadas com o toque de sinos. Com muita razão os casamentos mistos levam, na maioria dos casos, à indiferença religiosa. Nós católicos avaliamos esta questão no nosso ponto de vista, os protestantes do ponto de vista deles.

Deitando Raízes #36

Não é possível subdividir todo o período para depois pintarmos nas minúcias a situação, tanto do comércio, quanto da indústria. Contentamo-nos por isso com uma apreciação fornecida em 1834 por uma testemunha. Não faremos outra coisa do que acompanhar o nosso informante pelas picadas. Depois do passeio ofereceremos uma descrição da situação atual e, com isto, teremos facilmente condições  para perceber o crescimento significativo em ambos os setores.
No caminho que leva a São Leopoldo e Bom Jardim, o viajante encontra um grande açude perto de João Lourenço Flores, hoje nas mãos de João von Hohendorf. Perto de Bom Jardim escuta-se o matraquear do moinho de Carl Wilke. No começo todos os moradores eram obrigados a procurá-lo e o faziam com prazer porque o moleiro praticava preços acessíveis, embora usasse como medida um velha caixa de chapéu. No matinho do Dietrich encontramos  o terceiro moinho pertencente a Arendt. Mais tarde passou para as mãos de Einsfeld e hoje não existe mais. Mais próximo, instalado mais tarde e movimentado por outro arroio o moinho de Uflacker, hoje em poder de Lenk. Funciona perto da ponte nas proximidades de Simonis (Tiefenthäler). Sua grande roda pode ser vista da estrada. O primeiro moinho de trigo ao lado do arroio, onde hoje mora Johann Pohren, pertenceu a Wahl, depois a Juca da Silva.  Como os moradores de Bom Jardim desejavam ter seu próprio moinho, ajudaram a  construir um de graça. É de notar que, como era usual  nas velhas construções, as tabuinhas de telhado eram encaixadas umas nas outras. Infelizmente o moinho não se sustentou por muito tempo porque o arroio não tinha água suficiente em todos os períodos do ano. Após passar por várias mãos foi desmontado e vendido. O primeiro dono de atafona foi Heinrich Müller, cujo nome combinava bem com seu empreendimento. No começo a farinha era processada manualmente, com dois homens operando a torradeira. O operário encarregado da torrefação recebia uma pataca por dia. Apesar da instalação precária produzia de cinco a seis sacos de farinha por dia.
Perto da água indispensável para a atividade residiam vários curtidores. Na entrada de Estância morava Billbahn, um curtidor de couro branco. Mais adiante em direção a Simonis atuavam  Matzenbacher e Drin. Um certo Han Nikel Blauth exercia sua profissão onde hoje mora Blauth. Todos eram competentes na profissão.
Karl Ritter foi o primeiro tecelão  onde hoje reside Karl Dietrich. Mais tarde encontramos na sede de Bom Jardim Reismüller e Peter Adam Noschang, pai do famoso Johann Noschang. Utilizavam principalmente algodão como também em menor quantidade linho.
Antes da Revolução tinham muito trabalho porque  comprava-se pouca roupa e todas as mulheres fiavam, geralmente até altas horas da noite. No período da guerra civil a atividade cresceu ainda mais, pois, na maioria das vezes Porto Alegre estava fechada e os colonos entregues à própria sorte. Depois da Revolução cresceu o comércio e o trabalho noturno diminuiu.
É interessante assinalar aqui os preços daquela época. Por um côvado pagavam-se seis vinténs. Com isto o tecelão, mesmo com uma atividade mais intensa, com certeza não chegava a milionário. Fazia suas contas em milhões de réis e não milhões de mil réis.
A roda de fiar do primeiro cordoeiro estava instalada na atual colônia de Schenkel. O mestre cordoeiro era um solteirão e, como era costuma nas picadas, conhecido simplesmente pelo nome de o " cordoeiro Louis". Os antigos moradores lembram-se muito bem como lidava com o fogo, como manuseava a espadela, como andava orgulhoso de cá para lá e como manipulava a alavanca. Como se pode ver muito antes de Albert Boroschewski, já se praticava a nobre arte do cordoeiro em território da nossa paróquia.
Prestemos agora um pouco atenção às vendas daquele tempo. Antes do conflito, até Revolução Farroupilha adentro, funcionava lá embaixo no morro Lehm, onde hoje mora  Peter Weber, a casa, melhor, a cabana de Georg Gehring, a pequena venda de Lavalt, junto com um matadouro. Mais para cima, onde fica a moradia de Emil Rösse, funcionava a venda de Paul Kasper. Voltaremos a ela mais tarde. Jacob Eckert abrira em 1830 uma venda na localidade de onde hoje se encontra  a casa de Nikolaus Schmitt.
No caminho para o Buraco do Diabo encontrava-se o estabelecimento dos sócios Run  e Käfer, famosos por terem comprado a colônia por uma garrafa de cachaça. Como última das vendas registramos aquela de Mehring, localizada  no outro do  Feitoria, e que hoje até hoje permanece fiel à sua finalidade. Lá mora Jacob Lamb. Sem forçar a situação podemos acrescentar uma pequena referência ao primeiro Kerb de verdade. Não como aconteceu na venda de Paul Kasper onde folhas de laranjeira e pentes foram os primeiros instrumentos de música, mas instrumentos de verdade, feitos de latão e madeira. Os três músicos foram Bopp, Damm e Curtius. O Kerb durou três dias, de sábado até segunda feira e os músicos teriam recebido uma soma escandalosa. Fala-se em 500 mil  réis. Na frente do local foi levantada uma "árvore do Kerb" de cinco pés de altura e, enquanto os músicos tocavam, o povo todo dançava alegremente em volta da árvore. A copa era ponta de um pinheiro, enfeitada com bandeirinhas. Acima da coroa pendia uma guirlanda  de flores, da qual sobressaía uma garrafa de "moscatel" legítimo valendo dois mil réis. No final do Kerb a árvore foi introduzida no salão pela janela para continuar a mesma dança alegre. O rapaz que foi escolhido como o mais guapo e o mais enxuto do salão, foi um tal  Matzenbacher da Estância. Entremos no salão. Encontramos o dono, auxiliado por três rapazes e seis moças. Cabia-lhes manter tudo em movimento. Em compensação pagavam menos pela bebida e a música do que os outros.
É compreensível que a venda servisse apenas de vez em quando para dançar. Sua função principal consistia em abastecer o povo por preços acessíveis com as mercadorias mais indispensáveis. Por dinheiro comprava-se tudo nelas: gêneros alimentícios, açúcar, sal, café, cachaça baiana, tecidos como riscado, chita, brim - Blau Nanking nicht so schwer wie Koskla - era  moda número um, conforme uma testemunha da época. Conseguiam-se também tecidos de lã, inclusive "manchester" macio como veludo. Oferecia uma vantagem adicional muito apreciada pelos colonos.  A semente do picão não fica presa neles.
Na época as coisas não eram tão cômodas para os negociantes como são hoje. Viajavam pessoalmente a Porto Alegre a fim de fazer suas compras, numa viagem que consumia de oito dias a duas semanas e mandava de trem até São Leopoldo o que compravam.
Examinemos um pouco mais de perto os veículos de transporte do início da colônia. Eram de quatro rodas e quatro animais, dois bois e dois cavalos os  puxavam. Na carroça cabiam 14 sacos. O custo do transporte importava em nove patacas. Um balaio com galinhas equivalia a dois sacos e dois recipientes com manteiga (18 polegadas de altura e 14 de largura). O preço dos produtos da época: cinco ovos valiam dois vinténs, um galo de quatro a seis vinténs, uma libra de manteiga de 10  12  vinténs. O primeiro queijo que apareceu no comércio foi fabricado pela mulher de um tal Werner, irmã do professor Allgayer. Maiores informações serão dadas mais abaixo quando identificarmos individualmente as pessoas. No que diz respeito ao transporte de produtos para distâncias maiores, soubemos de Friedrich Fröhlich que Pipin Philipp Kerber e Ph. Diefenthäler eram donos de canoas e barcos no rio dos Sinos. Mediam 14 pés de comprimento e oito a 12 de largura. Os remos mediam 24 pés. A tripulação era normalmente composta por quatro homens mais o patrão que cuidava do leme. Um remava na frente e dava o compasso e os outros lhe davam o suporte. Recebiam duas patacas por dia.
Os barcos transportavam também passageiros para Porto Alegre numa viagem que se prolongava da manhã até a noite. Os parceiros constantes e pouco exigentes de Fr. Fröhlich  eram Fridr. Feyh e Rösten . Apreciavam sobretudo um bom café. Contudo não recusavam bebidas mais fortes o que deve significar a expressão de um velho gaiato, que dizia dos  que “marinheiros estavam lotados”. Prestemos um pouco de atenção  ao ofício de alfaiate, residente na casa de Niebenich.  Depois dele havia  um tal Johann Lauermann e um tal Klein, perto da represa do Jãozinho Flores.
Um certo Geiseler era alfaiate itinerante. Passava de casa em casa, apreciava um copinho para enfrentar a sede, o que lhe custou a vida. Caiu com o rosto numa pequena poça de água e não conseguiu levantar-se. (142) Como todos os profissionais na época, o alfaiate praticava preços moderados. A confecção de um traje inteiro custava quatro mil réis, só a calça uma pataca. Em vez de casacos usavam-se jaquetões compridos. Os coletes eram chamados pelo nome francônio antigo de "pano para o peito". As calças na época vinham  apenas com braguilha. O jaquetão de casamento de Jacob Lerner era de riscado, com riscas vermelhas, azuis e brancas. As calças eram do mesmo riscado branco daquele que hoje se usa para fazer acolchoados de panos. A cabeça era enfeitada com um boné  de pele  de lontra e os pés calçavam um par de sapatos sólidos e toscos pois, como alfaiates havia também sapateiros eficientes. O senior destes últimos Jacob Eckert morava numa casa que no começo ficava perto do arroio, em frente a Georg Gehring. Tratava-se de uma construção toda singular. Os postes eram angicos vivos que sustentavam as traves. Mais tarde fixou-se na picada um parceiro de ofício, um alfaiate parisiense, chamado assim por causa do seu nome de família Schneider e por sua antiga  permanência na capital da França. Os sapateiros cobravam barato por seu trabalho. Um par de sapatos de couro de três a cinco patacas a dois mil réis. Os de couro de cabra custavam o mesmo, tato fazia se amarelos, vermelhos ou verdes. Sapatos de couro de reses que alcançavam até o tornozelo tinham o mesmo preço. Chinelos de couro de reses ou sapatos  leves custavam de quatro a cinco patacas. Botas de couro de terneiro valiam seis mil réis, aquelas de couro de rês quatro mil réis. Sobre a situação dos preços do couro, falaremos no capítulo nono da segunda parte, por ocasião da breve biografia de Friedrich Klos.
Conforme nos relatou o informante neste capítulo, o primeiro açougueiro foi o velho Berghan, perto da atual igreja protestante, na propriedade de Simonis. Abatia animais todos os dias e o filho do velho Fuchs abastecia a partir dele toda  picada. A onça  de carne era vendida a um ou dois vinténs.
 De então para cá os tempos mudaram para melhor, nao os preços. Em vez das pequenas vendas contamos agora com casas de comércio espaçosas, oferecendo de tudo,  tanto na entrada da piada, quanto no meio e no interior. Simonis está estabelecido na entrada depois vem Strassbuger, Christian Müller, Bauermann, Röse e Lamb. Agora somos servidos por um número maior e mais preparado de profissionais: sapateiros, alfaiates, seleiros, marceneiros, funileiros, dentistas, torneiros e cordoeiros, inclusive costureiras e cirurgiões.
Com que olhar de espanto  Paul Kasper, um dos primeiros vendeiros de Bom Jardim, não observaria algumas das vendas de hoje fartamente abastecidas. Quem sabe perderia toda a vontade e abandonaria a profissão. Já não tem mais  a temer a concorrência e não tem mais necessidade de preocupar-se  em comprar e vender. Só sobrevive a lembrança da sua figura e do seu negócio. Ambos tiveram a seu tempo a sua razão de ser e a sua utilidade. Para fazer~lhes as honras entremos por um momento no seu negócio. A venda é pequena, baixa e oferece pouca escolha de mercadorias. Contudo deparamo-nos com coisas singulares que hoje já não encontramos. Que correias estranhas são aquelas aí amontoadas? O povo jovem não tem a mínima noção, apesar disto o produto ainda hoje é objeto de comércio. Trata-se do toucinho cortado em tiras que, na época, era oferecido nesse formato e não na forma banha. Quanto aos  tecidos havia pouca escolha. Encontramos apenas  mescla e chita colorida, nada de cachimira ou qualquer outro tecido caro. (142). Em compensação os preços eram baixos. Comprava-se o côvado [1] de mescla por uma pataca e a mesma medida de chita por 12 a 16 vinténs. Por uma toalha de algodão o vendeiro pedia 20 vinténs.
Entende-se por si mesmo que, nessas circunstâncias, os colonos não usassem ou não tivessem como ostentar luxo com a roupa. A roupa que usavam era, na maioria dos casos, tecida por eles próprios, sem tintura e de grande simplicidade. Se alguém possuía um terno completo, usado nos domingos e dias de festa, julgava-se melhor do que todos aqueles que não podiam permitir-se tal luxo. O velho Gewher vangloriava-se ingenuamente depois de mandar costurar um traje completo de mescla, com as palavras que ficaram gravadas na memória do nosso informante: "Agora tenho uma farda completa." Do vendeiro que vendeu todas essas maravilhas conta ainda que, nos primeiros tempos, possuía um carro de duas rodas, com ele mantinha o negócio embalado. Atrelava uma junta de bois chamados Schit e Struel e estimulava-os com constantes gritos e comandos. Esses eram os velhos tempos patriarcais que cederam lugar a outros e novos tempos, na maioria dos casos menos pitorescos  poéticos, aliás como de resto em geral mudou.




[1]

Deitando Raízes #35

Com o arado vieram as carroças e carretas. Enquanto na década de 1850 eram poucas as carroças, hoje quase todo o colono dispõe da sua. Para debulhar milho o velho Herzer comprou a primeira máquina procedente da América por 38 mil réis. Na época era muito dinheiro. Mas pagou-se em pouco tempo porque debulhar com as mãos era uma operação penosa. Somaram-se depois os "moinhos de vento" utilizados para limpar  os produtos. Até máquinas para picar o pasto tornaram-se comuns. A semeadura das culturas estrangeiras, como ervilhas, lentilhas, cevada, centeio e trigo, era feita em junho. Não são muito cultivadas porque normalmente a colheita não compensa. Em agosto planta-se o feijão. Antes, porém, é preciso limpar o terreno das ervas daninhas e da palha de milho. Quando se trata de uma roça nova é preciso remover a madeira. Antigamente cometeram-se muitos erros nesta tarefa. (134) Abusava-se da queima quando agora se age com mais cautela. Antes de mais nada providencia-se por lenha para dois ou três anos. A madeira aproveitável é levada para casa ou vendida para os fabricantes de carroças ou marceneiros, ou levadas até a serraria para ser cortada em tábuas. Nos três ou quatro primeiro anos não há nada a fazer com o arado uma roça nova.
Onde se lavra os pés de milho não deveriam ser queimados mas deixados no local. Neste particular muito colono prejudica a sua terra pois, donde  tira a terra fertilidade se tudo é queimado. O feijão é plantado com a enxada em terra boa a uma distância de um passo em todas as direções. Em terra mais antiga um pouco mais perto, colocando quatro feijões em cada cova.  Pode ser plantado também no sulco do arado que não pode ser muito fundo, porque o feijão custa germinar numa profundidade maior. Numa área de terra de 25 braças de largura e 50 de comprimento, cabem duas quartas  ou 18 litros de feijão e a colheita média rende de seis a sete sacos (um asco são oito quartas ou 72 litros). No mês de outubro é preciso limpá-lo mais uma vez e a colheita acontece em dezembro. As batatas são plantadas em agosto e a colheita ocorre também em dezembro para a primeira semeadura. A segunda  é feita em janeiro e a colheita em junho. Depois de semeado o feijão e a batata, lavra-se a terra para o  milho, o arroz, o amendoim, a mandioca, a batata doce e a cana de açúcar.
O milho pode ser plantado a qualquer hora entre setembro e o Natal. A melhor ocasião são os meses de outubro e dezembro. A semeadura é feita com a enxada a uma distância de dois passos em todas as direções, depositando-se de quatro a cinco grãos em cada cova. No meio do milho planta-se abóbora. Uma quarta de milho requer o equivalente de terra de duas quartas de feijão. O milho plantado em setembro amadurece em março. O milho pode ser associado à mandioca, sendo preferível, entretanto deixar a mandioca sem outra cultura associada, mantendo a distância de um bom passo entre cada planta. A mandioca não é semeada mas plantada com mudas com três a quatro borbulhas, depositadas na terra, utilizando-se a rama do ano anterior. A raiz é a parte aproveitável da mandioca. Fervida fornece um alimento muito nutritivo. A farinha, principalmente misturada com feijão, vem a ser um bom alimento. A mandioca permite outros usos na cozinha. A raiz é uma excelente ração para cavalos, vacas e porcos, especialmente  para vacas leiteiras. O leite produz uma manteiga bonita e saborosa.
O amendoim é semeado com o arado. Coloca-se no sulco a intervalos de um passo. A distância não deve ser muito grande. O amendoim floresce fora da terra, depois a flor dobra-se para dentro da terra e a vagem amadurece dentro do chão. Fornece um óleo saboroso e de bela aparência. Numa boa colheita um saco de sementes rende de 20 a 24 ascos e goza de boa aceitação no mercado. Como no caso da mandioca, as mudas da cana de açúcar vêm de plantas do ano anterior, fincadas no chão ou plantadas com o arado à distância de um passo. O destino principal da cana de açúcar é o alambique. Fornece também um bom pasto para cavalos e reses, além de fazer-se melado com o suco. A melhor forma de plantar arroz é com a enxada colocando as sementes individualmente a intervalos pequenos. Com o arado não convém porque as sementes caem fundo demais no chão e nascem mal. De maneira geral arroz prefere terra molhada, mas há variedades que se dão bem em terreno enxuto. Como a mandioca o arroz tem boa aceitação no mercado. A batata doce é um bom alimento para cavalos, reses e porcos. Não é ruim quando fervida. Muitas pessoas não a comem por causa do gosto doce. (135) A batata doce é um planta com baraço, que se estende de dois a três metros sobre o chão. Forma tubérculos que chegam a pesar de quatro a cinco quilos. As mudas não podem ser plantadas muito próximas. Estando madura colhe-se o baraço usado como pasto. Todas essas culturas têm que ser plantadas os meses de setembro e outubro e, antes de se desenvolverem exigem uma capina que as livra de toda a erva daninha.
A colheita dos frutos do campo começa em novembro com as ervilhas, uma quarta rendendo dois a três ascos. Depois vem o feijão, centeio, lentilha, cevada e por o fim o trigo. O feijão rende na média seis ascos por quarta. Uma família de duas pessoas costuma plantar sete quartas e as maiores plantam relativamente mais. Há famílias que chegam a plantar até três sacos. O centeio dá-se bem em terras altas. Nestas condições uma boa safra rende até sete a oito sacos por quarta. Este produto, porém, não tem boa aceitação no comércio. As lentilhas são uma cultura muito insegura porque exigem um solo leve e fraco. Num chão mais ou menos forte desenvolvem apenas rama e não carregam vagens. O mesmo acontece com o trigo e a cevada. Um ano de boas colheitas costuma alternar com três ou quatro frustradas.
Dezembro é um mês duro para os colonos É o mês da colheita e, ao mesmo tempo, acontece a segunda semeadura do milho. Setembro e outubro são os meses da derruba do mato. As capoeiras podem ser roçadas em novembro. Plantado o milho colhe-se o feijão e demais  produtos. A roça é novamente limpa de toda a erva daninha. Somam-se outras tarefas em casa. As construções precisam ser consertadas, os potreiros limpos, os muros, as cercas e tudo o mais revisado e reparado. A colheita do amendoim cai em fins de fevereiro. As pequenas touceiras são arrancadas e postas a secar durante três ou quatro dias e depois debulhadas. A palha do amendoim chega a um pé de altura e seca serve como boa forragem para o inverno. Como já foi mencionado, numa boa safra  um saco rende de 20 a 24 sacos e não se requer uma área muito grande, de preferência de solo leve. Em março ou abril acontece a colheita do arroz. Cortam-se as espigas que são logo colocadas sobre o pano e debulhadas com o auxílio de cavalos. Duas ou três pessoas conseguem colher de sete a oito ascos por dia. Uma área de 25 por 25 braças braças rende com facilidade de 16 a 18 ascos. Há apenas 12 ou 15 anos que o arroz conquistou o seu lugar no comércio. A colheita do milho começa em março, isto é, quando ele já está em condições de ser aproveitado e colhe-se o necessário para o uso. A colheita propriamente dita acontece em maio e junho. Depois de madura dobra-se a espiga um pouco abaixo da sua base, para que a chuva não penetre e os papagaios e micos, sérias ameaças para o milho,  não o estraguem. Para uma quarta de milho requer-se uma área  de 25 por 50 braças, podendo render até 20 sacos. Uma família com seis ou sete pessoas em condições de trabalhar, plantam de 18 a 20 quartas o que representa  uma montanha de 100 vezes sessenta quilos.
Para a mandioca e a batata doce não há data certa para a colheita. São colhidos na medida da necessidade. O fabricante de farinha de mandioca começa a atividade em abril. A farinha de mandioca ocupa um excelente lugar no mercado. Até maio ou junho a cana de açúcar está madura para destilar a cachaça. Em Bom Jardim, na Quarenta e Oito e na Picada Café contam-se cerca de 30 alambiques.
Acrescentamos aqui (136) algumas  observações sobre a criação de animais. Os cavalos e mulas são compradas dos tropeiros que vêm da Campanha ou descem de cima da Serra. Pelo preço que são vendidos não compensa o colono criar esses animais. Se nos primeiros anos o colono dispunha de no máximo dois ou três cavalos, hoje qualquer um é dono de três cavalos ou mulas, famílias maiores cinco, seis ou sete cavalos. Convém lembrar que todas as culturas de vagens são debulhadas com o auxílio de cavalos, além disto é longe demais para ir a pé para a igreja e recorre-as aos cavalos e o rapaz ao chegar aos 16 ou 17 anos quer ter seu próprio cavalo. A alimentação do cavalo tem que ser uniforme e o pasto limpo. Durante o inverno o cavalo do colono contenta-se com seis espigas de milho ao dia, uma abóbora e cinco ou seis canas de açúcar de manhã e à noite. Nestas condições mantém-se forte e apto para trabalhar a qualquer hora. Cavalos e mulas que puxam diariamente o arado ou engajados no transporte, exigem um volume maior de milho. No verão o cavalo contenta-se com três espigas de milho e algum pasto verde por dia. O cavalo não deveria ficar sem milho. A regularidade e o asseio no trato  é essencial. Nos primeiros anos o colono não dispunha de muitas reses, no máximo duas ou três, porque também no Brasil vale o ditado: "Uma vaca socorre toda a pobreza." Uma vaca de leite recebe como alimentação milho, abóbora, pasto verde, ervilhaca, aveia e no verão mandioca, batata doce e pasto verde. A vaca é como um armário. Colocando-se muito nele, pode-se tirar muito, isto é, quem cuida da alimentação pode esperar uma boa ordenha. Hoje quase todos os colonos dispõem de uma junta de bois de canga, porque os bois são mais adequados para o trabalho na roça do que os cavalos e mulas. Além de tudo rende um bom dinheiro no açougue depois de trabalhar por sete ou oito anos.
Examinemos agora a manipulação bastante rudimentar das matérias primas como o colono costuma  executá-la na sua própria casa. Na Quarenta e Oito  superior usam atafonas caseiras. O preparo deste importante alimento é relativamente simples. De manhã colhem-se as raízes de mandioca na roça e as crianças as limpam. Depois de raladas são lavadas e prensadas para separar o caldo tóxico. Em seguida a massa úmida é colocada em grandes frigideiras de cobre e torrada, um trabalho que exige bastante esforço. O produto colocado em sacos está pronto para a venda ou o consumo próprio. Paralelamente extrai-se o polvilho de grande utilidade em confeitos finos e engomação  de roupas. É óbvio que há colonos que se dedicam à fabricação de farinha a nível industrial, reservando as demais atividades agrícolas para uma ocupação complementar, isto é, na medida em que são necessárias para suprir as necessidades  domésticas. Já a distribuição de cachaça exige mais profissionalismo. Demanda maiores investimentos, mas em compensação rende maiores resultados. A matéria prima é a nossa cana de açúcar em vez do centeio e a batata inglesa na Europa. Prensadas as canas, o caldo passa para um tacho adequado, no qual acontece a fermentação. Como se  sabe trata-se de determinadas bactérias as responsáveis pela fermentação do açúcar e da produção de álcool. Nos últimos tempos o preço da pipa baixou bastante. Compreende-se que essa indústria seja bastante rentável, considerando que durante muitos anos a pipa valia 24 mil réis. Produzindo de cinco a oito pipas o alambiqueiro reunia uma bela soma. O fabricante de farinha também fazia bons negócios, vendendo 100 sacas por ano a 10 mil réis a unidade o que lhe rendia uma bela soma. Soubemos de um desses fabricantes que ele mandou construir uma casa no valor de cinco contos, pagos com o resultado de um único ano.
Vamos deter-nos  também um pouco com a fabricação de vinho, que aos poucos entrou num ritmo maior, oferecendo aos colonos a perspectiva de uma rica fonte de receita. A variedade de uvas americanas é a que dá os melhores resultados. Ela oferece a vantagem adicional de, por causa da casca mais grossa, sofrer menos com as pragas do que as de película mais fina. Acontece que na média geral toma-se pouco cuidado com a fabricação de um vinho puro e robusto. Espera-se que com o tempo associações agrícolas cada vez mais importantes, operem uma mudança neste setor. Com isso as colônias alemãs assim como as italianas estarão em condições de concorrer no mercado. O simples lucro, por si só, significaria um poderoso estímulo para os colonos. Pela medida [1] pagava-se 1.800 a 2.000 réis. Partindo desta base é fácil calcular o que renderiam para o produtor de cinco a seis pipas por ano. Conclui-se que, entre nós, não faltam condições  favoráveis para uma atividade altamente lucrativa. O que nos falta é empenho e capricho e, mais freqüentemente, determinação e espírito empreendedor, muito mais  presentes entre os italianos do que entre os alemães. O velho "Miguel alemão" [2] ama trotar pelo velho caminho, sem olhar nem para a direita, nem para a esquerda. Com muita dificuldade decide-se por algo novo, obedecendo ao velho ditado: "No que o colono não é forçado ele não move nem a mão nem o pé." Concordamos obviamente que existem louváveis  exceções. Reconhecemos também que há aqueles que são extremamente criativos, como temos o exemplo de uma dona de casa que, com a escassez de água potável no verão, coloca os recipientes de leite na brisa fresca da noite e, desta maneira, consegue produzir o ano todo manteiga em boas condições, apesar do calor do verão.
Fechamos o capítulo sobre a atividade rural acrescentando os preços dos principais produtos nos últimos anos. Não há dúvida de que os números dizem muito mais do que qualquer discurso. Apreciemos, por fim, o transporte utilizado para os diversos produtos. Em primeiro lugar temos a considerar as honradas mulheres dos colonos. Cabia a elas a venda dos ovos, da manteiga  e do queijo caseiro. Com isso controlavam, por assim dizer, as rédeas do comércio. Os vendeiros eram obrigados a se entender com elas. Entende-se por si mesmo que pagassem pelos ovos mais do que o preço do dia, pois não fariam negócios se não fossem compensados  de alguma outra maneira pelos prejuízos. Com a manteiga acontecia algo semelhante. O vendeiro não olhava pela qualidade e pagava tanto pela má quanto pela boa qualidade.
A mulher do colono normalmente não recebe dinheiro em troca dos ovos e da manteiga, mas leva em troca as compras necessárias para o abastecimento da casa. Desta forma o negócio com ovos e manteiga não passa de um comércio de troca. Um componente fascinante e peculiar entre nós vem a ser o transporte com parelhas de mulas.  Movimentam-se em todas as direções pela paisagem, com a única diferença que a composição não é formada por caixas de madeira mas criaturas vivas. O trem de ferro requer trilhos, (138) o séqüito de mulas não precisa deste suporte de ferro. Um trem de ferro exigiria no mínimo um cabo de aço e uma roda dentada para subir até o alto para onde sobe o cortejo de mulas, ou descer a encosta estéril por onde elas se movimentam com facilidade. Mas também não é bem assim. O cortejo de mulas dispõe do seu trilho pelo chão enlameado e revolvido, com a diferença de que aqui os trilhos são colocados transversalmente, formando as conhecidas armadilhas conhecidas como “amansa burros”. Servem também com o trilha para o cavaleiro solitário, porque lhe sinaliza o caminho que deve tomar ao cruzar pelos  trechos de lama, se quiser evitar os buracos. O cortejo dos orelhudos segue, em passo cadenciado, como se fosse um comboio, carregando a sua carga convencional. As mulas parecem ter consciência de que estão a serviço  da civilização e do progresso e raramente permitem-se  pulos de satisfação, tão próprios da sua natureza. Mas a lei física que pesa sobre o rei da criação e por ele transferida para o mundo animal, não tarda em conduzi-los para caminhos mais tranqüilos e  seguros. No cortejo das mulas não falta o maquinista e o encarregado dos freios, nem mesmo o apito sinalizador. O condutor do cortejo vai montado  no animal de carga da frente, muitas vezes um menino de 10 a 12 anos. Sua montaria  carrega a sineta, cujo badalar monótono orienta o cortejo, como acontece na Europa com os trens secundários. Ao homem do freio monta no final da composição e cabem-lhe algumas tarefas  com ao seu primo no trem. Encarrega-se para que a velocidade se mantenha nos limites  previstos, valendo-se dos gritos e do estalo  do chicote. Paralelamente responsabiliza-se pelo transporte correto das mercadorias e para que não se perca algum volume pelo caminho.
Embora tenha-se observado centenas de vezes um cortejo cinematográfico de mulas cruzando a mata virgem, a vista se demora com satisfação, quando topamos com um deles na estrada. Uma vez chegado ao destino  concede-se ao veículo de transporte vivo a merecida liberdade para o retorno. Os animas não ficam mais presos uns aos outros. Cada qual pode trotar à vontade, permitindo aos nossos orelhudos abocanhar os petiscos na beira da estrada e empreender algum reconhecimento no terreno, causando algum trabalho extra para o responsável. Lembro-me como foi resolvido o abastecimento do exército cristão por ocasião da conquista de Granada no sul da Espanha. Fui entender o  seu significado pleno só mais tarde no Brasil. Em 1491 quase não havia estradas construídas naquela região. Os alimentos necessários para o exército que fazia o cerco, teve que ser providenciado de longe, no lombo de mulas. Também lá deve ter sido um espetáculo grandioso,  observar durante o dia o ininterrupto subir e descer das mulas pelas trilhas e ouvir por toda região o tilintar de centenas de sinetas.
Um espetáculo parecido deve ter oferecido a penosa expedição a Canudos, embora a cena tivesse sido menos poética. As características eram, sem dúvida, muito  mais desfavoráveis do que em Granada. Todo o noroeste da Bahia é formado por um maciço de granito de consideráveis dimensões e numerosas ramificações, dificultando em muito a circulação. Grotas, gargantas abruptas de granito vales elevados, com a rocha original coberta por uma fina camada de argila estéril, blocos de rochas desnudas, semelhantes a ousadas fortalezas, são estes os componentes  que perfazem o panorama daquela região. Com muito acerto afirmou o conhecido cientista von Martius, quando comparou a região com o conhecido distrito diamantífero no estado vizinho de Minas Gerais. "As mesmas paredes íngremes de xistos reluzentes, as mesmas calhas profundas pelas quais os arroios frescos da floresta encontram o caminho, a mesma forma das montanhas em terraços, (139) permeados por bancos de rochas nuas ou xistos que terminam em pontas agudas. Aqui e lá maciços de montanhas de itacolumita ou arenito plástico, do qual emergem aqui e acolá, poderosos veios de quartzo branco e vistoso, ora contínuos, ora fragmentados, ora decompostos em pequenos grãos irregulares, como que esmagados por uma enorme pressão. As rochas são nuas  e nos altiplanos rasos cobertos com uma camada de terra de charneca, misturada com inúmeros grãos de quartzo  branco. Num terreno destes, sobre o qual o cavalo quase não entra em questão, entram as mulas e demonstram ser os camelos da América do Sul, tanto na região dos campos quanto na paisagem montanhosa.




[1] Uma medida são quatro garrafas
[2] Maneira de designar o alemão que costuma ser mais avesso a novos empreendimentos do que o italiano.