Deitando Raízes #36

Não é possível subdividir todo o período para depois pintarmos nas minúcias a situação, tanto do comércio, quanto da indústria. Contentamo-nos por isso com uma apreciação fornecida em 1834 por uma testemunha. Não faremos outra coisa do que acompanhar o nosso informante pelas picadas. Depois do passeio ofereceremos uma descrição da situação atual e, com isto, teremos facilmente condições  para perceber o crescimento significativo em ambos os setores.
No caminho que leva a São Leopoldo e Bom Jardim, o viajante encontra um grande açude perto de João Lourenço Flores, hoje nas mãos de João von Hohendorf. Perto de Bom Jardim escuta-se o matraquear do moinho de Carl Wilke. No começo todos os moradores eram obrigados a procurá-lo e o faziam com prazer porque o moleiro praticava preços acessíveis, embora usasse como medida um velha caixa de chapéu. No matinho do Dietrich encontramos  o terceiro moinho pertencente a Arendt. Mais tarde passou para as mãos de Einsfeld e hoje não existe mais. Mais próximo, instalado mais tarde e movimentado por outro arroio o moinho de Uflacker, hoje em poder de Lenk. Funciona perto da ponte nas proximidades de Simonis (Tiefenthäler). Sua grande roda pode ser vista da estrada. O primeiro moinho de trigo ao lado do arroio, onde hoje mora Johann Pohren, pertenceu a Wahl, depois a Juca da Silva.  Como os moradores de Bom Jardim desejavam ter seu próprio moinho, ajudaram a  construir um de graça. É de notar que, como era usual  nas velhas construções, as tabuinhas de telhado eram encaixadas umas nas outras. Infelizmente o moinho não se sustentou por muito tempo porque o arroio não tinha água suficiente em todos os períodos do ano. Após passar por várias mãos foi desmontado e vendido. O primeiro dono de atafona foi Heinrich Müller, cujo nome combinava bem com seu empreendimento. No começo a farinha era processada manualmente, com dois homens operando a torradeira. O operário encarregado da torrefação recebia uma pataca por dia. Apesar da instalação precária produzia de cinco a seis sacos de farinha por dia.
Perto da água indispensável para a atividade residiam vários curtidores. Na entrada de Estância morava Billbahn, um curtidor de couro branco. Mais adiante em direção a Simonis atuavam  Matzenbacher e Drin. Um certo Han Nikel Blauth exercia sua profissão onde hoje mora Blauth. Todos eram competentes na profissão.
Karl Ritter foi o primeiro tecelão  onde hoje reside Karl Dietrich. Mais tarde encontramos na sede de Bom Jardim Reismüller e Peter Adam Noschang, pai do famoso Johann Noschang. Utilizavam principalmente algodão como também em menor quantidade linho.
Antes da Revolução tinham muito trabalho porque  comprava-se pouca roupa e todas as mulheres fiavam, geralmente até altas horas da noite. No período da guerra civil a atividade cresceu ainda mais, pois, na maioria das vezes Porto Alegre estava fechada e os colonos entregues à própria sorte. Depois da Revolução cresceu o comércio e o trabalho noturno diminuiu.
É interessante assinalar aqui os preços daquela época. Por um côvado pagavam-se seis vinténs. Com isto o tecelão, mesmo com uma atividade mais intensa, com certeza não chegava a milionário. Fazia suas contas em milhões de réis e não milhões de mil réis.
A roda de fiar do primeiro cordoeiro estava instalada na atual colônia de Schenkel. O mestre cordoeiro era um solteirão e, como era costuma nas picadas, conhecido simplesmente pelo nome de o " cordoeiro Louis". Os antigos moradores lembram-se muito bem como lidava com o fogo, como manuseava a espadela, como andava orgulhoso de cá para lá e como manipulava a alavanca. Como se pode ver muito antes de Albert Boroschewski, já se praticava a nobre arte do cordoeiro em território da nossa paróquia.
Prestemos agora um pouco atenção às vendas daquele tempo. Antes do conflito, até Revolução Farroupilha adentro, funcionava lá embaixo no morro Lehm, onde hoje mora  Peter Weber, a casa, melhor, a cabana de Georg Gehring, a pequena venda de Lavalt, junto com um matadouro. Mais para cima, onde fica a moradia de Emil Rösse, funcionava a venda de Paul Kasper. Voltaremos a ela mais tarde. Jacob Eckert abrira em 1830 uma venda na localidade de onde hoje se encontra  a casa de Nikolaus Schmitt.
No caminho para o Buraco do Diabo encontrava-se o estabelecimento dos sócios Run  e Käfer, famosos por terem comprado a colônia por uma garrafa de cachaça. Como última das vendas registramos aquela de Mehring, localizada  no outro do  Feitoria, e que hoje até hoje permanece fiel à sua finalidade. Lá mora Jacob Lamb. Sem forçar a situação podemos acrescentar uma pequena referência ao primeiro Kerb de verdade. Não como aconteceu na venda de Paul Kasper onde folhas de laranjeira e pentes foram os primeiros instrumentos de música, mas instrumentos de verdade, feitos de latão e madeira. Os três músicos foram Bopp, Damm e Curtius. O Kerb durou três dias, de sábado até segunda feira e os músicos teriam recebido uma soma escandalosa. Fala-se em 500 mil  réis. Na frente do local foi levantada uma "árvore do Kerb" de cinco pés de altura e, enquanto os músicos tocavam, o povo todo dançava alegremente em volta da árvore. A copa era ponta de um pinheiro, enfeitada com bandeirinhas. Acima da coroa pendia uma guirlanda  de flores, da qual sobressaía uma garrafa de "moscatel" legítimo valendo dois mil réis. No final do Kerb a árvore foi introduzida no salão pela janela para continuar a mesma dança alegre. O rapaz que foi escolhido como o mais guapo e o mais enxuto do salão, foi um tal  Matzenbacher da Estância. Entremos no salão. Encontramos o dono, auxiliado por três rapazes e seis moças. Cabia-lhes manter tudo em movimento. Em compensação pagavam menos pela bebida e a música do que os outros.
É compreensível que a venda servisse apenas de vez em quando para dançar. Sua função principal consistia em abastecer o povo por preços acessíveis com as mercadorias mais indispensáveis. Por dinheiro comprava-se tudo nelas: gêneros alimentícios, açúcar, sal, café, cachaça baiana, tecidos como riscado, chita, brim - Blau Nanking nicht so schwer wie Koskla - era  moda número um, conforme uma testemunha da época. Conseguiam-se também tecidos de lã, inclusive "manchester" macio como veludo. Oferecia uma vantagem adicional muito apreciada pelos colonos.  A semente do picão não fica presa neles.
Na época as coisas não eram tão cômodas para os negociantes como são hoje. Viajavam pessoalmente a Porto Alegre a fim de fazer suas compras, numa viagem que consumia de oito dias a duas semanas e mandava de trem até São Leopoldo o que compravam.
Examinemos um pouco mais de perto os veículos de transporte do início da colônia. Eram de quatro rodas e quatro animais, dois bois e dois cavalos os  puxavam. Na carroça cabiam 14 sacos. O custo do transporte importava em nove patacas. Um balaio com galinhas equivalia a dois sacos e dois recipientes com manteiga (18 polegadas de altura e 14 de largura). O preço dos produtos da época: cinco ovos valiam dois vinténs, um galo de quatro a seis vinténs, uma libra de manteiga de 10  12  vinténs. O primeiro queijo que apareceu no comércio foi fabricado pela mulher de um tal Werner, irmã do professor Allgayer. Maiores informações serão dadas mais abaixo quando identificarmos individualmente as pessoas. No que diz respeito ao transporte de produtos para distâncias maiores, soubemos de Friedrich Fröhlich que Pipin Philipp Kerber e Ph. Diefenthäler eram donos de canoas e barcos no rio dos Sinos. Mediam 14 pés de comprimento e oito a 12 de largura. Os remos mediam 24 pés. A tripulação era normalmente composta por quatro homens mais o patrão que cuidava do leme. Um remava na frente e dava o compasso e os outros lhe davam o suporte. Recebiam duas patacas por dia.
Os barcos transportavam também passageiros para Porto Alegre numa viagem que se prolongava da manhã até a noite. Os parceiros constantes e pouco exigentes de Fr. Fröhlich  eram Fridr. Feyh e Rösten . Apreciavam sobretudo um bom café. Contudo não recusavam bebidas mais fortes o que deve significar a expressão de um velho gaiato, que dizia dos  que “marinheiros estavam lotados”. Prestemos um pouco de atenção  ao ofício de alfaiate, residente na casa de Niebenich.  Depois dele havia  um tal Johann Lauermann e um tal Klein, perto da represa do Jãozinho Flores.
Um certo Geiseler era alfaiate itinerante. Passava de casa em casa, apreciava um copinho para enfrentar a sede, o que lhe custou a vida. Caiu com o rosto numa pequena poça de água e não conseguiu levantar-se. (142) Como todos os profissionais na época, o alfaiate praticava preços moderados. A confecção de um traje inteiro custava quatro mil réis, só a calça uma pataca. Em vez de casacos usavam-se jaquetões compridos. Os coletes eram chamados pelo nome francônio antigo de "pano para o peito". As calças na época vinham  apenas com braguilha. O jaquetão de casamento de Jacob Lerner era de riscado, com riscas vermelhas, azuis e brancas. As calças eram do mesmo riscado branco daquele que hoje se usa para fazer acolchoados de panos. A cabeça era enfeitada com um boné  de pele  de lontra e os pés calçavam um par de sapatos sólidos e toscos pois, como alfaiates havia também sapateiros eficientes. O senior destes últimos Jacob Eckert morava numa casa que no começo ficava perto do arroio, em frente a Georg Gehring. Tratava-se de uma construção toda singular. Os postes eram angicos vivos que sustentavam as traves. Mais tarde fixou-se na picada um parceiro de ofício, um alfaiate parisiense, chamado assim por causa do seu nome de família Schneider e por sua antiga  permanência na capital da França. Os sapateiros cobravam barato por seu trabalho. Um par de sapatos de couro de três a cinco patacas a dois mil réis. Os de couro de cabra custavam o mesmo, tato fazia se amarelos, vermelhos ou verdes. Sapatos de couro de reses que alcançavam até o tornozelo tinham o mesmo preço. Chinelos de couro de reses ou sapatos  leves custavam de quatro a cinco patacas. Botas de couro de terneiro valiam seis mil réis, aquelas de couro de rês quatro mil réis. Sobre a situação dos preços do couro, falaremos no capítulo nono da segunda parte, por ocasião da breve biografia de Friedrich Klos.
Conforme nos relatou o informante neste capítulo, o primeiro açougueiro foi o velho Berghan, perto da atual igreja protestante, na propriedade de Simonis. Abatia animais todos os dias e o filho do velho Fuchs abastecia a partir dele toda  picada. A onça  de carne era vendida a um ou dois vinténs.
 De então para cá os tempos mudaram para melhor, nao os preços. Em vez das pequenas vendas contamos agora com casas de comércio espaçosas, oferecendo de tudo,  tanto na entrada da piada, quanto no meio e no interior. Simonis está estabelecido na entrada depois vem Strassbuger, Christian Müller, Bauermann, Röse e Lamb. Agora somos servidos por um número maior e mais preparado de profissionais: sapateiros, alfaiates, seleiros, marceneiros, funileiros, dentistas, torneiros e cordoeiros, inclusive costureiras e cirurgiões.
Com que olhar de espanto  Paul Kasper, um dos primeiros vendeiros de Bom Jardim, não observaria algumas das vendas de hoje fartamente abastecidas. Quem sabe perderia toda a vontade e abandonaria a profissão. Já não tem mais  a temer a concorrência e não tem mais necessidade de preocupar-se  em comprar e vender. Só sobrevive a lembrança da sua figura e do seu negócio. Ambos tiveram a seu tempo a sua razão de ser e a sua utilidade. Para fazer~lhes as honras entremos por um momento no seu negócio. A venda é pequena, baixa e oferece pouca escolha de mercadorias. Contudo deparamo-nos com coisas singulares que hoje já não encontramos. Que correias estranhas são aquelas aí amontoadas? O povo jovem não tem a mínima noção, apesar disto o produto ainda hoje é objeto de comércio. Trata-se do toucinho cortado em tiras que, na época, era oferecido nesse formato e não na forma banha. Quanto aos  tecidos havia pouca escolha. Encontramos apenas  mescla e chita colorida, nada de cachimira ou qualquer outro tecido caro. (142). Em compensação os preços eram baixos. Comprava-se o côvado [1] de mescla por uma pataca e a mesma medida de chita por 12 a 16 vinténs. Por uma toalha de algodão o vendeiro pedia 20 vinténs.
Entende-se por si mesmo que, nessas circunstâncias, os colonos não usassem ou não tivessem como ostentar luxo com a roupa. A roupa que usavam era, na maioria dos casos, tecida por eles próprios, sem tintura e de grande simplicidade. Se alguém possuía um terno completo, usado nos domingos e dias de festa, julgava-se melhor do que todos aqueles que não podiam permitir-se tal luxo. O velho Gewher vangloriava-se ingenuamente depois de mandar costurar um traje completo de mescla, com as palavras que ficaram gravadas na memória do nosso informante: "Agora tenho uma farda completa." Do vendeiro que vendeu todas essas maravilhas conta ainda que, nos primeiros tempos, possuía um carro de duas rodas, com ele mantinha o negócio embalado. Atrelava uma junta de bois chamados Schit e Struel e estimulava-os com constantes gritos e comandos. Esses eram os velhos tempos patriarcais que cederam lugar a outros e novos tempos, na maioria dos casos menos pitorescos  poéticos, aliás como de resto em geral mudou.




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This entry was posted on segunda-feira, 8 de agosto de 2016. You can follow any responses to this entry through the RSS 2.0. Responses are currently closed.