Todas essas
rapinagens e atos de violência foram praticados, por apenas 22 homens em apenas
algumas horas, sem que fossem perturbados. A
espoliação só pode ser explicada por alguma traição. E nem é de se
admirar. O que o colono quer é tranqüilidade e trabalho. Não destacaram
sentinelas e não possuíam amas. Além disto um pequeno bando, gente armada até
os dentes não tinha dificuldade em levar São José do Hortêncio de roldão.
Antes que os
moradores se dessem conta do repentino ataque, os salteadores recolheram-se
para os seus esconderijos. É mais fácil imaginar do que descrever o alvoroço
que tomou conta das picadas próximas. Os colonos viviam com grande medo e
apreensão, tanto de dia quanto principalmente de noite. Quem poderia garantir
que a moradia onde viviam os cidadãos individualmente, não seria cercada sem
aviso pelos bandoleiros, que levariam o dinheiro ganho com suor ou seus animais de montaria, ou as mulas, ou
lhes tirariam a vida? Ao lado do aspecto desagradável essas preocupações tinham
também um lado bom. Resultaram no lento despertar em muitos da convicção de que
o enfrentamento deste tipo de violências só teria chance de êxito com uma
coesão solidária. A gota de água que
levou à decisão de salvar a pele por meio de uma ação conjunta, foi um outro
episódio acontecido pouco depois em Nova
Petrópolis. Peter Haas por todos conhecido como partidário dos federalistas,
foi severamente maltratado pelos companheiros, que se apresentaram como seus amigos políticos e muitas vezes se hospedaram
em sua casa. Na ocasião em que os bandoleiros estavam sendo servidos na casa de
Haas, atraíram-no para um quarto do lado e, com a faca no pescoço, obrigaram-no
a entregar três contos e setecentos mil
réis. Não satisfeitos com essa grande soma em dinheiro vivo, esvaziaram a
venda, carregaram várias mulas com as presas
e se foram. Com isto também os colonos míopes abriram os olhos.
Convenceram-se de que não estavam lidando com partidários leais, mas com uma
gentalha de gatunos ordinários. Finalmente postaram-se sentinelas e
combinaram-se senhas para a eventualidade de um novo assalto. Agora quando
corriam rumores de ataques, as pessoas reuniam-se em casas sólidas, enviavam
emissários para espiar a aproximação do inimigo. Chegou-se finalmente ao ponto
de socorrer os concidadãos em perigo, como de fato aconteceu com a notícia que
Nova Petrópolis sofreria um novo assalto. Acontece que na ocasião ficou claro
que se tratava de um alarme falso. Mas o plano de uma defesa comum permaneceu
em pé, embora os indecisos e suspeitos somassem um bom número.
Como em São José
também na Picada Café cuidou-se da defesa, tanto mais que a ousadia dos
salteadores, em vez de diminuir tornava-se cada vez mais atrevida, ao ponto de
anunciarem a incursão na Picada Café para 15 de novembro. Os moradores da
Holanda foram notificados por carta pelo próprio Antônio Correa, que faria a
visita no dia 15 de novembro com seus homens: que não se colocassem empecilhos
para a sua passagem; que eles não tinham
nada de mal em mente contra s moradores da Picada Café; que apenas lhes
interessava passar sem complicações pela Picada.
Tratava-se
naturalmente de uma isca para atrair as pessoas para a armadilha, pois, quando,
no dia 15 de novembro Correa entrou de fato na Picada Café, exigiu com
insolência sem igual os cavalos que lhe teriam prometido. Os colonos que se
achavam perto da ponte para recepcioná-lo dignamente, mandaram dizer que ele
mesmo fosse buscá-los. Os moradores da Holanda estavam de posse de um bom plano
de guerra. Um pouco acima da ponte estava acampado o corajoso Peter Trocour,
com um destacamento que recebera a orientação de deixar passar todos os
maragatos e assim colocá-los no meio de dois fogos.
Contudo mal os
primeiros bandidos tinham passado
ouviu-se um tiro, infelizmente um pouco prematuro e começou um tiroteio
generalizado. Depois de os colonos terem disparado sua espingardas de um cano
carregadas pelo boca, os ladrões que conheciam o armamento ruim dos
adversários, partiram para um ataque duplo no qual tombou o filho do colono Spengler,
com o braço e o corpo varado por uma bala. Do lado dos maragatos caíram dois
cavalos e três homens foram feridos.
Já que os colonos
com suas espingardas não estavam em condições
de enfrentar os bandidos em campo aberto, estes levaram na retirada
cinco ou seis belos cavalos e saquearam as casas dos colonos Sommer, Laux e
Norwitz. Na casa deste último fizeram serviço limpo. Apoderaram-se de roupas,
relógios e outros objetos no valor de oito contos e carregaram com eles a mula
de carga. Ao modo de vândalos fizeram em pedaços o que não conseguiram
carregar. A procura de dinheiro cortaram sacos de farinha de trigo, cobertores
de penas, colchões de palha etc., esvaziaram-nos e espalharam o conteúdo. Antes
de retirar-se realizaram um fandango ao som de uma harmônica.
Na mesma época dos
acontecimentos na Picada Café, o negro Malachias, um arqui-ladrão exercia sua profissão em Dois Irmãos, em companhia de sete comparsas. Também lá os
colonos pegaram em amas. Malachias e seu
bando foi preso depois de tentar em vão abrir caminho pelo Morro Reuter para
unir-se ao bando do Correa.
Ao serem
aprisionados aconteceu infelizmente um lamentável acidente. Um negro tentou
fugir. O corajoso Otto Sperb correu em sua perseguição e quando já agarrara o
malandro pelo ombro, ouviram-se vários tiros vindos do lado dos colonos. (80)
Otto Sperb tombou mortalmente ferido por várias balas, provavelmente vindas dos
próprios colonos, enquanto o negro,
embora ferido, embrenhou-se no mato. Toda a picada lamentou a morte do jovem e robusto Otto Sperb. Contava apenas
com 27 anos e deixou viúva com dois
filhos. Os salteadores aprisionados, inclusive o negro culpado pela morte de
Otto Sperb, logo depois da prisão, levaram o castigo definitivo como mereciam.
Depois de muito
titubear e constantes admoestações, chegou-se finalmente a um certo
entendimento e uma tal ou qual ação em conjunto. Ao menos para os momentos de
maior urgência estava providenciado. Mas quem imaginasse que todos os moradores
estavam dispostos a cerrar fileiras contra os maragatos, sofreria uma grande
ilusão. Sempre havia amigos secretos em número suficiente, mesmo que a partir
deste momento se mostrassem mais cautelosos nas suas manifestações. Os sustos
causados pelos repetidos ataques
praticados por Correa, em fins de 1894 e inícios de 1895, sobre Taquara
do Mundo Novo, Santa Maria do Butiá e Sapiranga, assim como as ameaças a São
Leopoldo, resultaram em reflexos positivos na colônia alemã. Tiveram como
conseqüência a da "União dos Cidadãos" - o Bürgerverein de Bom
Jardim, São José e Dois Irmãos, ao modelo do já existente em São Salvador. O
Deutsches Volksblatt, nr. 20 de 8 de março de acentuou no editorial de forma
muito clara e incisiva que a auto defesa da colônia era uma necessidade, um
direito inalienável e uma exigência do próprio bem estar.
Além disto note-se
que naquele tempo e durante todo o período revolucionário, foi o único órgão da
imprensa que alertou aberta e claramente para esta necessidade. A nova
Associação do Cidadão escolheu numa
assembléia no Bohnenthal, o sr. Joseph Steffens como presidente e Joseph Finger
como vice presidente. Com certeza contribuiu muito para que em pouco tempo
voltasse a crescer a tranqüilidade e a segurança na picada. Um grande número de
associados passou pela prova de fogo, quando em começos de fevereiro se
reuniram por causa do rumor de um ataque a Nova Petrópolis. Marcharam para lá
com o pessoal da Picada Café. Os bandidos encontravam-se no potreiro de
Procópio da Silva preparando um churrasco, quando os colonos se aproximaram
vindos dos dois lados. Lamentavelmente o bem planejado ataque não teve pleno
êxito. Mais uma vez entrou em jogo a traição que fizera chegar aos maragatos um
alerta amigo. O contingente pioneiro dos
colonos mal acabara de trancar a porteira, quando apareceram os ladrões para
empreender a fuga. Foram recebidos com uma salva dos colonos e o negro João
Macaco caiu morto. Em meio a uma gritaria furiosa despejaram um fogo
rápido sobre os colonos. Vendo que não conseguiriam
nada, retiraram-se vociferando e praguejando, em busca de uma rota de fuga pelo
lado oposto. Também aí encontraram o caminho bloqueado por um outro
contingente. A cada tentativa eram inflexivelmente rechaçados. Finalmente
emudeceu a selvagem algazarra e chegaram a pedir que fossem poupados. Mas como
os pedidos não deram resultado, irromperam pelas macegas e sumiram no mato.
No local ficou o negro acima nomeado.
Cinco gravemente feridos que os
salteadores arrastaram consigo morreram na fuga. O número de levemente
feridos da parte deles deve ter sido
muito maior. Nenhum dos colonos teve um ferimento a lamentar, embora tivesse
enfrentado corajosamente e de peito aberto o fogo dos bandidos. A presa somou
32 cavalos e mulas, algumas carabinas comblain, um certo número de pistolas,
sabres, ponchos e algumas selas. No dia seguinte, dois de fevereiro um
mensageiro trouxa a notícia que os maragatos haviam voltado com um grande
número de homens - 200 ou 300 - o que levou à suspeita que tivessem chamado em
auxílio o chefe do bando (81) Demétrio Ramos. Os colonos tiveram ocasião de
fazer valer seus preparativos também contra este inimigo. Durante a noite de
sábado para domingo e no domingo o dia
todo, os contingentes dirigiram-se até a Linha Araripe. Concentraram-se aí cera
de 1.000 homens de Nova Petrópolis, Linha Nova, São José, Picada 48, Picada
Café, Linha São Paulo, Dois Irmãos e até do Windhof e Erval. Dos maragatos,
porém, nem rasto e, por isso, a maioria dos colonos voltou para casa.
Entretanto, mal os homens de São José tinham chegado em casa, ouviu-se na quarta feira, dia cinco de fevereiro de
manhã a notícia, que o inimigo reaparecera. Sem perder tempo a
movimentação tomou a direção de Nova
Petrópolis. Na Linha Nova foram informados que Demétrio Ramos se aproximava. 40
homens da guarda municipal reuniram-se
aos colonos armados e, com eles, o avanço foi feito em três colunas. A
primeira passou por Araripe, a segunda por Marcondes enquanto a terceira tomou
o velho caminho dos serranos. Durante a
marcha encontraram nesta trilha estreita, meio tomada pelo mato e íngreme, uma
clareira no mato com uma cabana miserável, cujos moradores os observavam com
desconfiança. Nas proximidades de Campestre somaram-se a eles sete caboclos.
Estes, como se soube mais tarde, eram
maragatos, mas querendo aparentar boa gente diante dos colonos. No Campestre os
aliados colheram informações e souberam que o lugar estava limpo; que não
encontrariam nem um único animal para abater e matar a fome. Deram meia volta,
mas tomaram o caminho de retorno pela Linha Araripe. Durante a marcha
surpreendeu-os um forte aguaceiro, impróprio para elevar o entusiasmo pelo
combate. Numa subida íngreme encontraram uma boa extensão do caminho obstruído
por árvores pequenas e grandes, tornando a passagem impossível. Em meio a mais
forte chuva foi preciso abrir uma trilha
pelo lado. Só com o maior esforço os cavalos conseguiram passar. Os defensores
da terra chegaram em Araripe exaustos e esfomeados. Mas que decepção. A maioria
dos moradores fugira, deixando para trás
as casas vazias, de forma que não havia quase nada para comer. Não encontrando
em parte alguma os ladrões, os colonos decidiram voltar para casa. Antes,
porém, foram informados que Demétrio Ramos estava de fato acampado no mato de
Leôncio Leão, lá no alto; que Maneca Leão fora ferido perto de Taquara e
Antônio Correa morrera no mesmo local; que no mato havia mais de 300 cavalos em
boas condições e os homens de Correa obedeciam agora ao referido Leôncio. Este
perdera seis homens no assalto ao mato além de mais quatro gravemente feridos;
que, para vingar-se deste revés,
procurara Demétrio Ramos e com isto previa-se, com certeza, um ataque.
A "Associação
dos Cidadãos" fora com certeza bem intencionada ao se constituir para defender Bom Jardim e, ao
mesmo tempo, uma premente necessidade naqueles dias conturbados. Acontece que
nunca chegou a consolidar-se numa
realidade acabada. De um lados a explicação está no fato que a unidade deixava
a desejar e, do outro, que desde abril de 1895 as incursões dos salteadores,
tornaram-se cada vez mais raras e os bandos de assaltantes foram perdendo cada
vez mais homens. Neste meio tempo o governo foi adquirindo fôlego e com isto
estava em condições de mandar pequenos destacamentos de soldados em auxílio dos
colonos, No País era dominante a opinião de que o período revolucionário
caminhava para o seu término e que não demoraria que a ardentemente desejada
paz se estabeleceria nos municípios. A Paz! Sim aprendera-se a valorizá-la
devidamente. Pois a que ponto as circunstâncias dos últimos dois anos foram
radicalmente diferentes, comparadas com as do passado, no tempo do Império e
nos primeiros anos da República.
Naquela época
reinava (82) em toda a parte a tranqüilidade e a segurança. Mesmo à noite podia-se viajar sem medo e
agora nem dia pode-se arriscar a sair para o campo ou entrar no mato. À unidade
e à confiança de antigamente, seguiram-se o desentendimento e a desconfiança de
hoje. Muitas famílias sofreram pesadas perdas e não poucas vezes foram submetidas a angústias
mortais. A maioria dos colonos sentia-se insegura na sua propriedade e muitos
pediam em suas orações o antigo sossego e segurança de volta. Felizmente portaram-se com coragem nos piores
dias, a fim de salvar-se e garantir-se pelos próprios esforços. Sabemos, porém,
como assinalamos acima, que não chegou a ser posto em pratica um projeto de autodefesa de grande
abrangência. A "Associação de Autodefesa" não logrou evoluir para uma
forma e força definida. Assim os colonos das diversas picadas ajudavam-se a
criar Associações de Autodefesa, sob a orientação das autoridades. Foi assim em
São José, em Bom Jardim, na Picada Café e Dois Irmãos. Depois dos primeiros
ataques foram instalados postos de
sentinelas nas localidades citadas. Por se situarem de preferência em vendas
terminaram em pouco tempo por mostrarem ser de pouco proveito. Em vez de permanecer na guarda, o jogo de cartas andava
tão solto que, os inimigos, caso tivessem aparecido, teriam acabado com a
guarda, como se esvazia um ninho de passarinho. Além disto as sentinelas nem
sempre se mostravam dispostas a ocupar o seu posto e, não raro, foi preciso
forçá-los a cumprir o seu dever. As patrulhas encarregadas de percorrer os
caminhos à noite e alertar sobre o inimigo, nem sempre eram muito confiáveis
ou, então, despreparadas para a tarefa. Manda a justiça, porém, ressaltar que houve muitas exceções honrosas.
Merece destaque especial o serviço de guarda da Picada Café sob o competente
comando do corajoso Trocour. Um merecimento inquestionável cabe também a Peter
Cassel com sua valente guarda.
No começo todos os
colonos foram convocados para o serviço de vigilância. Não demorou para ficar
claro que seria muito melhor confiar a vigilância, como tarefa permanente, a um
número menor de homens idôneos. É óbvio que os demais colonos liberados para
cuidar sem perturbação dos seus
afazeres, seriam por direito obrigados a pagar um soldo condigno aos defensores
do território. Mas esta questão do dinheiro trouxe novamente perturbações para a comunidade, desaparecendo
por si mesma logo que os ataques cessaram.
Se não quisermos ser
acusados de injustos na avaliação da defesa da colônia, é preciso reconhecer
que muitas pessoas fizeram grandes
sacrifícios. Estamos convencidos que todos os cidadãos demonstram o seu
reconhecimento e gratidão para com estes homens merecedores de grandes méritos,
pela sua disponibilidade. De qualquer maneira é certo também que a defesa não foi conduzida da
melhor maneira. A razão maior está no fato de que as colônias não passaram por
nenhuma evolução nos últimos 50 anos e
por isso não tinham noção exata de como se comportar. Das experiências feitas
espera-se que tenham aprendido lições úteis para o futuro. É possível e até
provável que, no decorrer dos anos, aconteçam circunstâncias semelhantes às dos
últimos anos. Neste caso uma posição clara da parte do governo, com certeza
será a atitude mais sensata. Pela nossa avaliação a monarquia está morta no
Brasil e dificilmente encontrará defensores
dispostos ao sacrifício.
Considerando que o
Imperador, detentor da força, não foi capaz de manter-se, (83) com muito menos
probabilidade um pretendente ao trono, terá condições de arregimentar adeptos possuídos de entusiasmo. Sem isto não
há condições de arredar o partido republicano com o poder militar nas mãos,
especialmente num tempo e num país em que a incredulidade e o desprezo pela
autoridade é comum.
O
mais sensato no caso é reconhecer sem restrições a República e empenhar todos
os esforços para que se estruture de tal forma que todos os direitos civis e
religiosos sejam de fato garantidos. A reinstalação da monarquia como apregoada por revolucionários, não passa
de um chamariz, como ficou demonstrado na última revolução. Homens sem
consciência, sedentos de poder, tentaram atrair os colonos simples, para
utilizá-los como instrumentos cegos dos
seus objetivos e ambições. Todos aqueles que morderam incautamente a isca,
sofreram incômodos, quando não a morte.