Deitando Raízes #20

Todas essas rapinagens e atos de violência foram praticados, por apenas 22 homens em apenas algumas horas, sem que fossem perturbados. A  espoliação só pode ser explicada por alguma traição. E nem é de se admirar. O que o colono quer é tranqüilidade e trabalho. Não destacaram sentinelas e não possuíam amas. Além disto um pequeno bando, gente armada até os dentes não tinha dificuldade em levar São José do Hortêncio de roldão. 
Antes que os moradores se dessem conta do repentino ataque, os salteadores recolheram-se para os seus esconderijos. É mais fácil imaginar do que descrever o alvoroço que tomou conta das picadas próximas. Os colonos viviam com grande medo e apreensão, tanto de dia quanto principalmente de noite. Quem poderia garantir que a moradia onde viviam os cidadãos individualmente, não seria cercada sem aviso pelos bandoleiros, que levariam o dinheiro ganho com suor ou  seus animais de montaria, ou as mulas, ou lhes tirariam a vida? Ao lado do aspecto desagradável essas preocupações tinham também um lado bom. Resultaram no lento despertar em muitos da convicção de que o enfrentamento deste tipo de violências só teria chance de êxito com uma coesão solidária.  A gota de água que levou à decisão de salvar a pele por meio de uma ação conjunta, foi um outro episódio  acontecido pouco depois em Nova Petrópolis. Peter Haas por todos conhecido como partidário dos federalistas, foi severamente maltratado pelos companheiros, que se apresentaram como seus  amigos políticos e muitas vezes se hospedaram em sua casa. Na ocasião em que os bandoleiros estavam sendo servidos na casa de Haas, atraíram-no para um quarto do lado e, com a faca no pescoço, obrigaram-no a entregar três contos  e setecentos mil réis. Não satisfeitos com essa grande soma em dinheiro vivo, esvaziaram a venda, carregaram várias mulas com as presas  e se foram. Com isto também os colonos míopes abriram os olhos. Convenceram-se de que não estavam lidando com partidários leais, mas com uma gentalha de gatunos ordinários. Finalmente postaram-se sentinelas e combinaram-se senhas para a eventualidade de um novo assalto. Agora quando corriam rumores de ataques, as pessoas reuniam-se em casas sólidas, enviavam emissários para espiar a aproximação do inimigo. Chegou-se finalmente ao ponto de socorrer os concidadãos em perigo, como de fato aconteceu com a notícia que Nova Petrópolis sofreria um novo assalto. Acontece que na ocasião ficou claro que se tratava de um alarme falso. Mas o plano de uma defesa comum permaneceu em pé, embora os indecisos e suspeitos somassem um bom número.
Como em São José também na Picada Café cuidou-se da defesa, tanto mais que a ousadia dos salteadores, em vez de diminuir tornava-se cada vez mais atrevida, ao ponto de anunciarem a incursão na Picada Café para 15 de novembro. Os moradores da Holanda foram notificados por carta pelo próprio Antônio Correa, que faria a visita no dia 15 de novembro com seus homens: que não se colocassem empecilhos para a sua passagem; que  eles não tinham nada de mal em mente contra s moradores da Picada Café; que apenas lhes interessava passar sem complicações pela Picada.
Tratava-se naturalmente de uma isca para atrair as pessoas para a armadilha, pois, quando, no dia 15 de novembro Correa entrou de fato na Picada Café, exigiu com insolência sem igual os cavalos que lhe teriam prometido. Os colonos que se achavam perto da ponte para recepcioná-lo dignamente, mandaram dizer que ele mesmo fosse buscá-los. Os moradores da Holanda estavam de posse de um bom plano de guerra. Um pouco acima da ponte estava acampado o corajoso Peter Trocour, com um destacamento que recebera a orientação de deixar passar todos os maragatos e assim colocá-los no meio de dois fogos.
Contudo mal os primeiros  bandidos tinham passado ouviu-se um tiro, infelizmente um pouco prematuro e começou um tiroteio generalizado. Depois de os colonos terem disparado sua espingardas de um cano carregadas pelo boca, os ladrões que conheciam o armamento ruim dos adversários, partiram para um ataque duplo no qual tombou o filho do colono Spengler, com o braço e o corpo varado por uma bala. Do lado dos maragatos caíram dois cavalos e três homens foram feridos.
Já que os colonos com suas espingardas não estavam em condições  de enfrentar os bandidos em campo aberto, estes levaram na retirada cinco ou seis belos cavalos e saquearam as casas dos colonos Sommer, Laux e Norwitz. Na casa deste último fizeram serviço limpo. Apoderaram-se de roupas, relógios e outros objetos no valor de oito contos e carregaram com eles a mula de carga. Ao modo de vândalos fizeram em pedaços o que não conseguiram carregar. A procura de dinheiro cortaram sacos de farinha de trigo, cobertores de penas, colchões de palha etc., esvaziaram-nos e espalharam o conteúdo. Antes de retirar-se realizaram um fandango ao som de uma harmônica.
Na mesma época dos acontecimentos na Picada Café, o negro Malachias, um arqui-ladrão  exercia sua profissão em Dois Irmãos,  em companhia de sete comparsas. Também lá os colonos pegaram em amas. Malachias  e seu bando foi preso depois de tentar em vão abrir caminho pelo Morro Reuter para unir-se ao bando do Correa.
Ao serem aprisionados aconteceu infelizmente um lamentável acidente. Um negro tentou fugir. O corajoso Otto Sperb correu em sua perseguição e quando já agarrara o malandro pelo ombro, ouviram-se vários tiros vindos do lado dos colonos. (80) Otto Sperb tombou mortalmente ferido por várias balas, provavelmente vindas dos próprios colonos,  enquanto o negro, embora ferido, embrenhou-se no mato. Toda a picada lamentou a morte  do jovem e robusto Otto Sperb. Contava apenas com 27  anos e deixou viúva com dois filhos. Os salteadores aprisionados, inclusive o negro culpado pela morte de Otto Sperb, logo depois da prisão, levaram o castigo definitivo como mereciam.
Depois de muito titubear e constantes admoestações, chegou-se finalmente a um certo entendimento e uma tal ou qual ação em conjunto. Ao menos para os momentos de maior urgência estava providenciado. Mas quem imaginasse que todos os moradores estavam dispostos a cerrar fileiras contra os maragatos, sofreria uma grande ilusão. Sempre havia amigos secretos em número suficiente, mesmo que a partir deste momento se mostrassem mais cautelosos nas suas manifestações. Os sustos causados pelos repetidos ataques  praticados por Correa, em fins de 1894 e inícios de 1895, sobre Taquara do Mundo Novo, Santa Maria do Butiá e Sapiranga, assim como as ameaças a São Leopoldo, resultaram em reflexos positivos na colônia alemã. Tiveram como conseqüência a da "União dos Cidadãos" - o Bürgerverein de Bom Jardim, São José e Dois Irmãos, ao modelo do já existente em São Salvador. O Deutsches Volksblatt, nr. 20 de 8 de março de acentuou no editorial de forma muito clara e incisiva que a auto defesa da colônia era uma necessidade, um direito inalienável e uma exigência do próprio bem estar.
Além disto note-se que naquele tempo e durante todo o período revolucionário, foi o único órgão da imprensa que alertou aberta e claramente para esta necessidade. A nova Associação do Cidadão escolheu  numa assembléia no Bohnenthal, o sr. Joseph Steffens como presidente e Joseph Finger como vice presidente. Com certeza contribuiu muito para que em pouco tempo voltasse a crescer a tranqüilidade e a segurança na picada. Um grande número de associados passou pela prova de fogo, quando em começos de fevereiro se reuniram por causa do rumor de um ataque a Nova Petrópolis. Marcharam para lá com o pessoal da Picada Café. Os bandidos encontravam-se no potreiro de Procópio da Silva preparando um churrasco, quando os colonos se aproximaram vindos dos dois lados. Lamentavelmente o bem planejado ataque não teve pleno êxito. Mais uma vez entrou em jogo a traição que fizera chegar aos maragatos um alerta amigo. O contingente  pioneiro dos colonos mal acabara de trancar a porteira, quando apareceram os ladrões para empreender a fuga. Foram recebidos com uma salva dos colonos e o negro João Macaco caiu morto. Em meio a uma gritaria furiosa despejaram um fogo rápido  sobre os colonos. Vendo que não conseguiriam nada, retiraram-se vociferando e praguejando, em busca de uma rota de fuga pelo lado oposto. Também aí encontraram o caminho bloqueado por um outro contingente. A cada tentativa eram inflexivelmente rechaçados. Finalmente emudeceu a selvagem algazarra e chegaram a pedir que fossem poupados. Mas como os pedidos não deram resultado, irromperam pelas macegas e sumiram no mato. No  local ficou o negro acima nomeado. Cinco gravemente  feridos que os salteadores arrastaram consigo morreram na fuga. O número de levemente feridos  da parte deles deve ter sido muito maior. Nenhum dos colonos teve um ferimento a lamentar, embora tivesse enfrentado corajosamente e de peito aberto o fogo dos bandidos. A presa somou 32 cavalos e mulas, algumas carabinas comblain, um certo número de pistolas, sabres, ponchos e algumas selas. No dia seguinte, dois de fevereiro um mensageiro trouxa a notícia que os maragatos haviam voltado com um grande número de homens - 200 ou 300 - o que levou à suspeita que tivessem chamado em auxílio o chefe do bando (81) Demétrio Ramos. Os colonos tiveram ocasião de fazer valer seus preparativos também contra este inimigo. Durante a noite de sábado  para domingo e no domingo o dia todo, os contingentes dirigiram-se até a Linha Araripe. Concentraram-se aí cera de 1.000 homens de Nova Petrópolis, Linha Nova, São José, Picada 48, Picada Café, Linha São Paulo, Dois Irmãos e até do Windhof e Erval. Dos maragatos, porém, nem rasto e, por isso, a maioria dos colonos voltou para casa. Entretanto, mal os homens de São José tinham chegado em casa, ouviu-se  na quarta feira, dia cinco de fevereiro de manhã a notícia, que o inimigo reaparecera. Sem perder tempo a movimentação  tomou a direção de Nova Petrópolis. Na Linha Nova foram informados que Demétrio Ramos se aproximava. 40 homens da guarda municipal reuniram-se  aos colonos armados e, com eles, o avanço foi feito em três colunas. A primeira passou por Araripe, a segunda por Marcondes enquanto a terceira tomou o velho caminho dos serranos. Durante  a marcha encontraram nesta trilha estreita, meio tomada pelo mato e íngreme, uma clareira no mato com uma cabana miserável, cujos moradores os observavam com desconfiança. Nas proximidades de Campestre somaram-se a eles sete caboclos. Estes, como se  soube mais tarde, eram maragatos, mas querendo aparentar boa gente diante dos colonos. No Campestre os aliados colheram informações e souberam que o lugar estava limpo; que não encontrariam nem um único animal para abater e matar a fome. Deram meia volta, mas tomaram o caminho de retorno pela Linha Araripe. Durante a marcha surpreendeu-os um forte aguaceiro, impróprio para elevar o entusiasmo pelo combate. Numa subida íngreme encontraram uma boa extensão do caminho obstruído por árvores pequenas e grandes, tornando a passagem impossível. Em meio a mais forte chuva  foi preciso abrir uma trilha pelo lado. Só com o maior esforço os cavalos conseguiram passar. Os defensores da terra chegaram em Araripe exaustos e esfomeados. Mas que decepção. A maioria dos moradores fugira, deixando  para trás as casas vazias, de forma que não havia quase nada para comer. Não encontrando em parte alguma os ladrões, os colonos decidiram voltar para casa. Antes, porém, foram informados que Demétrio Ramos estava de fato acampado no mato de Leôncio Leão, lá no alto; que Maneca Leão fora ferido perto de Taquara e Antônio Correa morrera no mesmo local; que no mato havia mais de 300 cavalos em boas condições e os homens de Correa obedeciam agora ao referido Leôncio. Este perdera seis homens no assalto ao mato além de mais quatro gravemente feridos; que, para vingar-se  deste revés, procurara Demétrio Ramos e com isto previa-se, com certeza, um ataque.
A "Associação dos Cidadãos" fora com certeza bem intencionada ao se  constituir para defender Bom Jardim e, ao mesmo tempo, uma premente necessidade naqueles dias conturbados. Acontece que nunca chegou a  consolidar-se numa realidade acabada. De um lados a explicação está no fato que a unidade deixava a desejar e, do outro, que desde abril de 1895 as incursões dos salteadores, tornaram-se cada vez mais raras e os bandos de assaltantes foram perdendo cada vez mais homens. Neste meio tempo o governo foi adquirindo fôlego e com isto estava em condições de mandar pequenos destacamentos de soldados em auxílio dos colonos, No País era dominante a opinião de que o período revolucionário caminhava para o seu término e que não demoraria que a ardentemente desejada paz se estabeleceria nos municípios. A Paz! Sim aprendera-se a valorizá-la devidamente. Pois a que ponto as circunstâncias dos últimos dois anos foram radicalmente diferentes, comparadas com as do passado, no tempo do Império e nos primeiros anos da República.

Naquela época reinava (82) em toda a parte a tranqüilidade e a segurança.  Mesmo à noite podia-se viajar sem medo e agora nem dia pode-se arriscar a sair para o campo ou entrar no mato. À unidade e à confiança de antigamente, seguiram-se o desentendimento e a desconfiança de hoje. Muitas famílias sofreram pesadas perdas e não  poucas vezes foram submetidas a angústias mortais. A maioria dos colonos sentia-se insegura na sua propriedade e muitos pediam em suas orações o antigo sossego e segurança de volta.  Felizmente portaram-se com coragem nos piores dias, a fim de salvar-se e garantir-se pelos próprios esforços. Sabemos, porém, como assinalamos acima, que não chegou a ser posto  em pratica um projeto de autodefesa de grande abrangência. A "Associação de Autodefesa" não logrou evoluir para uma forma e força definida. Assim os colonos das diversas picadas ajudavam-se a criar Associações de Autodefesa, sob a orientação das autoridades. Foi assim em São José, em Bom Jardim, na Picada Café e Dois Irmãos. Depois dos primeiros ataques foram instalados  postos de sentinelas nas localidades citadas. Por se situarem de preferência em vendas terminaram em pouco tempo por mostrarem ser de pouco proveito. Em vez de  permanecer na guarda, o jogo de cartas andava tão solto que, os inimigos, caso tivessem aparecido, teriam acabado com a guarda, como se esvazia um ninho de passarinho. Além disto as sentinelas nem sempre se mostravam dispostas a ocupar o seu posto e, não raro, foi preciso forçá-los a cumprir o seu dever. As patrulhas encarregadas de percorrer os caminhos à noite e alertar sobre o inimigo, nem sempre eram muito confiáveis ou, então, despreparadas para a tarefa. Manda a justiça, porém,  ressaltar que houve muitas exceções honrosas. Merece destaque especial o serviço de guarda da Picada Café sob o competente comando do corajoso Trocour. Um merecimento inquestionável cabe também a Peter Cassel com sua valente guarda.
No começo todos os colonos foram convocados para o serviço de vigilância. Não demorou para ficar claro que seria muito melhor confiar a vigilância, como tarefa permanente, a um número menor de homens idôneos. É óbvio que os demais colonos liberados para cuidar sem perturbação  dos seus afazeres, seriam por direito obrigados a pagar um soldo condigno aos defensores do território. Mas esta questão do dinheiro trouxe novamente  perturbações para a comunidade, desaparecendo por si mesma logo que os ataques cessaram.
Se não quisermos ser acusados de injustos na avaliação da defesa da colônia, é preciso reconhecer que muitas pessoas fizeram  grandes sacrifícios. Estamos convencidos que todos os cidadãos demonstram o seu reconhecimento e gratidão para com estes homens merecedores de grandes méritos, pela sua disponibilidade. De qualquer maneira é certo  também que a defesa não foi conduzida da melhor maneira. A razão maior está no fato de que as colônias não passaram por nenhuma  evolução nos últimos 50 anos e por isso não tinham noção exata de como se comportar. Das experiências feitas espera-se que tenham aprendido lições úteis para o futuro. É possível e até provável que, no decorrer dos anos, aconteçam circunstâncias semelhantes às dos últimos anos. Neste caso uma posição clara da parte do governo, com certeza será a atitude mais sensata. Pela nossa avaliação a monarquia está morta no Brasil e dificilmente encontrará defensores  dispostos ao sacrifício.
Considerando que o Imperador, detentor da força, não foi capaz de manter-se, (83) com muito menos probabilidade um pretendente ao trono, terá condições de arregimentar  adeptos possuídos de entusiasmo. Sem isto não há condições de arredar o partido republicano com o poder militar nas mãos, especialmente num tempo e num país em que a incredulidade e o desprezo pela autoridade é comum.
O mais sensato no caso é reconhecer sem restrições a República e empenhar todos os esforços para que se estruture de tal forma que todos os direitos civis e religiosos sejam de fato garantidos. A reinstalação da monarquia  como apregoada por revolucionários, não passa de um chamariz, como ficou demonstrado na última revolução. Homens sem consciência, sedentos de poder, tentaram atrair os colonos simples, para utilizá-los como  instrumentos cegos dos seus objetivos e ambições. Todos aqueles que morderam incautamente a isca, sofreram incômodos, quando não a morte.

Deitando Raízes #19

É óbvio que numa crônica sobre Bom Jardim não é possível entrar em todos os detalhes das andanças dos maragatos em Nova Petrópolis. No máximo há condições de nos ocuparmos com a Picada Café e das duas paróquias vizinhas de São José e Dois Irmãos. A opinião e os sentimentos em relação ao pessoal dos Leão e Correa então dominantes, estava muito dividida entre a população daquele distrito. Os  de tendência federalista viam  nos maragatos boa gente, no máximo tropas irregulares do exército federalista. Por esta razão supunham estarem autorizados a  apoiá-los em larga escala em tudo o que aconteceu. Em contrapartida  as hordas invasoras mostraram no começo pelo menos consideração, tratando bem seus aliados. E, por essa mesma razão,  não foi organizada uma defesa comum nas colônias mencionadas, porque cada comunidade tinha uma posição diferente em relação ao inimigo. Somente depois que tanto os federalistas quanto os castilhistas foram pilhando, chegou-se a uma mudança na maneira de encarar e de se portar perante o inimigo comum. Sem medo de sermos contestados podemos afirmar que, tanto Bom Jardim quanto as comunidades vizinhas, não teriam sofrido nenhum dano, se a população como um todo se tivesse unido, logo com as primeiras ameaças, formando uma aliança harmônica, como aconteceu em Bom Princípio e São Salvador. [1] Nessa hipótese os assaltos não se teriam repetido e, quem sabe, a presa teria sido recuperada das mãos dos salteadores. Acontece que, como é conhecido, certas pessoas só despertam com o prejuízo. Deseja-se que o aprendizado sirva para o futuro e resulte na convicção geral que só a união faz a força.
Depois dessas observações preliminares, voltemos a nossa atenção para as investidas dos maragatos na Picada Café. A primeira aconteceu no dia 19 de agosto de 1894, portanto, pouco mais de uma semana depois da morte de Gomercindo. Naquele dia entraram sete homens dos Correa na Picada Holanda. Parece que só poucos os tomaram como inimigos. acomodaram-se sem alarde na propriedade do vendeiro Jacob Weber, onde pernoitaram. Ninguém estranhava a passagem de grupos armados e ninguém se arriscava a um exame mais de perto devido à desunião reinante. As pessoas sentiam-se felizes  quando não eram molestadas pessoalmente, esquecendo-se com isto de tomar as precauções indispensáveis. Os maragatos mantiveram-se quietos e a visita não parecia acompanhada de conseqüências desagradáveis. Mas no dia seguinte de manhã cedo os maragatos tomaram a estrada. Três deles foram a cavalo até o Schneiderstal, onde se apresentaram como tropas do governo e  com a maior sem cerimônia requisitaram e levaram 32 cavalos e mulas escolhidas, além de outros bens. Os quatro que ficaram na Holanda, puseram-se a agir também, isto é, reuniram na medida do possível, os melhores cavalos e mulas e desapareceram com eles. Em resistência só se pensou depois da partida dos ladrões, porque o povo da Picada Café era desunido e não havia acertado nenhuma medida preventiva contra um eventual ataque.
Como o primeiro ataque fora tão bem sucedido os salteadores não tardaram em animar-se para um segundo. No dia 19 de setembro apareceu, sem aviso, um bando de 28 homens. Mas desta vez não encontraram os moradores da Picada Holanda tão afáveis e benignos como em 19 de agosto.
Esse bando desceu pelo Riothal  e no Lichtenstein  fez alto na propriedade de  Johann Hannauer, onde comeram alguma cosa. Montaram subitamente e correram, o mais rápido possível, até a Picada Café. Sem demora  ouviram-se alguns disparos.  O alarme combinado entre os moradores. Mas os salteadores não se intimidaram, porque delatores os tinham alertado que haveria resistência. Enfrentaram o primeiro contingente  comandado por Philipp Henrichs. Na escaramuça caíram bastantes tiros, mas apenas um homem, o já citado Henrichs, foi ferido na mão. Wilhelm Schöfler que vinha em socorro, caiu nas mãos do bando. Conseguiu evadir-se  quando o bando se chocou com o inspetor de quarteirão Peter Trocourt, que vinha em socorro com seus homens. Do lado dos salteadores caíram dois cavalos. Não foi possível constatar se houve  feridos ou mortos entre os inimigos. Os maragatos passaram a noite no potreiro de Wilhelm Schabarum onde eles e os cavalos recompuseram as energias. Em reconhecimento à hospedagem reduziram a cacos todos os utensílios que lhes caíram nas mãos. Neste meio tempo os moradores da Holanda não ficaram ociosos. Na quinta feira de manhã reuniu-se um grande número na casa de Jacob Weber e combinaram a primeira resistência. Mas o bando fora logo informado sobre a reunião e a decisão. Mandaram comunicar aos cidadãos  que fossem tranqüilamente para casa que eles, da parte deles, não alimentavam intenções hostis contra a Picada Café. E, de  fato, os moradores da Picada Café se dispersaram com certeza satisfeitos que os bandidos não os maltratariam. Mas não tardariam em arrepender-se amargamente da sua bondade e miopia. Mal os moradores se dispersaram o bando de maragatos atacou a casa de Jacob Weber. Invadiram a casa, apontaram a pistola no peito do comerciante ameaçando matá-lo caso não abrisse o cofre. O que restava ao homem senão atender  os hóspedes? Sem a menor cerimônia tiraram 400 mil réis da gaveta, além disto alguns arreios, peças de roupa, chapéus, etc. etc. e o que lhes apetecia. Não satisfeitos com a presa  empreenderam uma incursão na casa  de comércio de Nikolaus Schneider. Com a aproximação do perigo este   colocou-se no seguro com o dinheiro. Obrigaram a senhora Schneider a abrir tudo, mas não havia nada  de dinheiro além de alguns vales. Os salteadores encontraram na venda  o colono Johann Schneider, Peter Becker e o professor luterano. A este último extorquiram 110 mil réis e depois com os sabres espancaram violentamente os três colonos. Depois de por pura diversão ameaçarem com a degola e jogarem Peter Becker no arroio, os heróis sumiram. Da venda de Nikolaus Schneider rumaram morro acima até a casa do italiano Thomas. Por sorte este se evadira. Maltrataram a mulher que ficara para trás, para forçá-la a  revelar o esconderijo do marido. No caminho pela Picada São Paulo praticaram ainda outras façanhas, como a surra bárbara aplicada a Philipp Leonhard e a um homem de 70 anos. Finalmente os salteadores entraram no Birkenthal, maltrataram o velho Friedrich Peiter e roubaram a família pobre de Wilhelm Heinricks. Lá roubaram a soma de 200 mil réis a um vizinho que ele escondera sobre o corpo. Ao Einstweiler  roubaram 25 mil réis, alguns vales, rasgaram-lhe o colete além de lhe aplicar uma surra. Depois de honrarem o colono Wagner com uma visita, entraram na propriedade de Jacob Sperb onde, segundo o Deutsches Volksblatt noticiou na ocasião, foram recebidos amistosamente e servidos de graça.
Enquanto estes fatos ocorriam na Picada Café e na Picada de São Paulo, os dois chefes dos bandos Antônio Correa  e Leão, estavam reunidos com subentendente na Picada Quarenta e Oito, confabulando como reunir mais cavalos. Cai em vista o fato de os salteadores pouparem de propósito alguma casas, isto é, não extorquiram, por ex., aquelas localizadas entre Einstweiler e Wagner, cujos nomes estaríamos em condições de citar se fosse o caso. As observações que acabamos de fazer constam  no Deutsches Volksblatt, nr. 80  de 5 de outubro de 1894. Não fica claro no registro citado, qual foi o papel real do subentendente,  isto é, se foi vítima de um engano por parte de Correa, ou se estava com ele mancomunado. Se a gente se coloca nas circunstâncias de então e considera quão insegura era a situação, quão pouco se podia confiar nos vizinhos e parceiros de opinião, mesmo na ajuda do governo, tende-se a não levar tão a sério aquela acusação velada. Na época faltava a tomada de uma posição clara da parte da colônia em relação aos bandos de ladrões. Em número posterior, o 88, do Deutsches Volksblatt o comportamento do subintendente aparece numa outra luz. "No dia  26 de (76) setembro Antônio Correa e um Leão apareceu na Picada Quarenta e Oito e perguntaram pelo capitão Pedro Cassel e pediram que fossem levados  até ele. Ao chegarem pediram um desjejum. Declararam o seguinte ao subintendente: Precisamos de cavalos. Se nos forem dados espontaneamente, partimos, caso contrário nós os pegamos. pois dentro de poucas horas chegarão outros 40 homens dos nossos, vindos da Picada Café. O capitão Cassel não sabia o que fazer. Perplexo convocou vários homens notáveis e lhes comunicou a exigência de Correa. Para evitar conseqüências piores decidiram entregar os cavalos. O que aconteceu depois já foi relatado mais acima no nr. 83 da correspondência. Na dita correspondência uma certa autoridade é acusada de condescendência com o bando de salteadores. Se o endereço foi o subintendente e subdelegado Peter Cassel, o correspondente cometeu uma grande injustiça. Apesar de o senhor Peter Cassel ter inclinações pelos federalistas, o que certamente não é nenhum crime, cumpriu seu dever como funcionário, seus procedimentos estavam em sintonia com o chefe do partido local do governo, o sr. Tenente Coronel Jacob Knierin, como também do nosso intendente municipal.
Como fica claro por esta explicação e pelo relato acima, na época, nem nos círculos dos funcionários não havia clareza de como tratar os maragatos. De um lado não se podia contar com os próprios homens e, do outro, procurava-se não irritar ainda mais os perturbadores  do sossego. Impunha-se como orientação política  esquivar-se e obedecer às necessidades do momento, para não provocar ainda mais  a fúria e vingança dos salteadores, por meio de uma resistência muito enérgica. E, na verdade, o que se poderia esperar naquelas circunstâncias? O governo tinha o bastante para fazer com as tropas dispersas de Gomercindo e dos outros bandos  e não tinha como intervir em favor da colônia. E na hipótese  de enviar tropas após cada assalto, na maioria dos casos teria significado um incômodo adicional para os moradores das colônias.
Numa perseguição aos bandoleiros até Nova Petrópolis e além, nem pensar, mesmo abstraindo do fato de que as tropas costumavam aparecer com muito atraso no cenário do conflito. O resultado desta situação foi que os moradores das colônias individualmente assumiram a própria defesa. Mas, devido às desconfianças mútuas e das opiniões divergentes sobre a ação dos homens da Serra, não havia como pensar nessa saída. Antes de mais nada foi preciso que não poucos aprendessem  com o prejuízo próprio, para só então tomarem a decisão  simples mas necessária para obter sucesso, isto é, partir para a ofensiva unindo forças. Uma nova incursão de rapinagem, noticiada no  Deutsches Volksblatt, nr. 89 de 6 de novembro de 1894, aconteceu no dia 25 de outubro. "Na quinta feira de manhã um bando de salteadores composto por 22 homens comandados por Antônio Correa e João Leão, atacou de improviso São José. Desceram durante a noite de Nova Petrópolis, tomaram o desjejum na casa Ninow na Linha Nova Olinda e, ao clarear do dia, entraram em São José, enquanto a maioria ainda dormia. Primeiro atravessaram toda a linha a acavalo, a fim de fazer um reconhecimento do terreno. Dirigiram-se à venda de Jacob Schmidt onde prenderam um mulato. Obrigaram-no a mostrar a residência do subintendente Sebastião Antônio Machado. Este encontrava-se na estrebaria dos cavalos quando, de repente se viu cercado por homens armados. Conseguiu correr até a casa onde morava, mas também esta já estava nas mãos dos ladrões e parcialmente saqueada. Já se tinham apoderado de suas armas e, ao chegar, notou uma winchester apontada para ele. Qualquer resistência seria inútil. Sebastião foi preso, amarrado e, mais tarde, quando partiram, libertado em atenção aos pedidos da mulher. Os maragatos roubaram  objetos do subintendente no valor de mais ou menos  cinco contos: um excelente cavalo com arreios guarnecidos de prata, uma mula em boas condições, dois contos em espécie, (77) dois ponchos de tecido, duas notas falsas de 100 mil réis, várias armas, esporas de prata, um relógio de bolso, chapéus, chicotes de prata, laços e outras coisas mais.
O chefe Antônio  Correa estava bem informado sobre tudo, pois perguntou logo pelo tordilho e culpou o Sebastião  por ter escrito contra os maragatos no jornal. Correa acompanhado por alguns do bando dirigiu-se em seguida para a casa de comércio de Jacob Schmidt. Apossou-se de quatro mulas além de algumas miudezas da venda. Com esta atitude pretendiam provavelmente dar a impressão que não eram ladrões ordinários mas uma força em guerra, autorizada a requisitar montarias e despojos. Por essa razão libertaram o peão de Jacob Schmidt em troca de  40 mil réis. Os bandidos agiram um pouco diferente com o escrivão público João Meisterlin. Este encontrava-se na horta quando o bando se aproximou. Na sua casa os  intrusos deixaram tudo em desordem e levaram o que bem entenderam, quase três contos em valores, entre eles 900 mil  réis em dinheiro vivo. Sob a ameaça de uma pistola levaram 866 mil réis de Peter Wecker.
Depois de todas essas presas sua sede por dinheiro acalmou-se um pouco. Contentaram-se depois em visitar os potreiros dos colonos, à direita e à esquerda da estrada e, sem mais nem menos,  levar os melhores cavalos. Limparam literalmente  a oficina do seleiro J. Kiefer. Obviamente um destacamento de cavaleiros precisa de couro, freios e arreios. Além  de tudo levaram o seu cavalo, o que importou num prejuízo adicional de um conto e meio. Levaram também um cavalo de Adam Kiefer, pai do seleiro. Quando o idoso senhor pediu que lhe deixassem pelo menos alguns arreios, os monstros o agarraram pelo cabelo e lhe aplicaram uma surra com as lâminas dos sabres. Em seguida os sujeitos insolentes dirigiram-se tranqüilamente até a venda de João Gräbin, onde tomaram café sossegados e, em vez de pagar, levaram uma mula como recordação. depois de alimentados voltaram ao trabalho. Estranhamente até então permanecera tudo quieto na picada, nenhum dos roubados teve a idéia de avisar os vizinhos sobre o perigo iminente. Foi por medo, por traição ou a suspeita fundamentada que não havia o que fazer contra os inimigos, ou, quem sabe, a secreta expectativa de que as coisas se passariam piores com os outros? Da  propriedade de Gräbin os ladrões partiram com a tranqüilidade de uma tropa de mercadores de cavalos.
Ao se aproximarem da  residência do professor público Mathias Steffen, ele encilhava a mula. Também ele não tinha a mínima idéia do perigo, quando, de repente, viu-se cercado por Antônio Correa e seus sócios de pilhagens. Com sua presença de espírito conseguiu desviar a atenção de Correa de suas mulas e assim salvá-las. Contudo foi obrigado a marchar com ele até a venda de Franz Winter e mais tarde também até a casa de comércio de Nicolaus Dilli Junior. Depois de várias ameaças  de fuzilamento e surras, foi obrigado a pagar 100 mil réis a Correa. Correa afastou-se e ele foi liberado. Neste meio tempo roubaram um bom cavalo de Fraz Winter. Este o comprou de volta por 50 mil réis. Entregue o dinheiro um dos ladrões montou no cavalo e saiu a galope. Antônio Correa ao ouvir mais tarde a história teria observado rindo: "Que ladroeira." De Franz Winter roubaram mais 50 mil réis (78) da gaveta além de outros objetos no valor total de 600 mil réis.
O golpe mais duro sofreu o comerciante Nicolaus Dill. Foi roubado no mínimo de 11 a 12 contos. Entre outras coisas os gatunos levaram cerca de 400 mil réis em dinheiro, 17 relógios de bolso, uma série de correntes de relógio, uma dúzia de panos de seda, 22 boas mulas, a maioria valendo 500 mil réis, quatro cavalos e outras coisas mais. Teve sorte com uma soma respeitável de dinheiro  que ele conseguiu  esconder. Os visitantes não convidados  ameaçaram-no várias vezes com a degola, e mais do que uma vez viu cinco ou seis carabinas apontadas para ele. Quando pediu pela terceira vez que lhe deixassem pelos menos seis mulas, Correa respondeu-lhe que calasse a boca sob pena de ser fuzilado. Se continuássemos a citar homem por homem como foram roubados um por um, iríamos longe demais.
Em resumo podemos afirmar que os assaltantes visitaram casa por casa e, de acordo com as circunstâncias e a sua  disposição apropriavam-se dos cavalos. Exigiam dinheiro de todos, mas  de vez em quando contentavam-se sem ele. Ao subirem o Fritzenberg levavam perto de 100 cavalos. A roubalheira continuou naquele morro. Além de um bom número de cavalos e mulas, levaram de Christian Adam 265 mil réis e um pelego valendo 25 mil réis. Ao choro da mulher  e dos filhos o malfeitor respondeu com ar de zombaria que se acalmassem porque de qualquer maneira não adiantaria. Na parte superior da Neuschneis levaram apenas aqui e acolá um cavalo e exigiram de Peter Spier 100 mil réis a título de despesas de viagem. Seguiram depois em direção a Nova Petrópolis levando 110 dos mais bonitos cavalos e mulas. A presa valia em torno de 40 contos.




[1] São Salvador hoje é Tupandi

Deitando Raízes #18

Capítulo onze
A revolução federalista e os assaltos do maragatos
Mesmo que Bom Jardim não tivesse sido envolvido pela fúria da guerra entre castilistas e federalistas, além de 100 cavalos cedidos “espontaneamente” para as tropas do governo, este capítulo da nossa pátria não pode faltar na crônica da nossa paróquia. As notícias do cenário da guerra chegavam  até nossa picada tranqüila por meio dos jornais. Despertavam ora sentimentos de temor e esperança, ora de tristeza, ora de alegria. Do outro lado o leitor amigo agradecerá  ao cronista por este lhe oferecer um panorama abrangente e completo  daquele período conturbado.
Comecemos pelas causas desta guerra. É sabido que o antigo partido liberal, via com má vontade só gente nova e desconhecida, nos mais altos postos do governo republicano. Eram de opinião que cabia a eles ocupar os postos e, sob os auspícios da República,  ocupar os postos vantajosos como foi no Império. Mas os republicanos históricos não concordaram. Não confiavam nem sequer nos que tinham aderido e se empenhavam em mantê-los afastados de todos os postos de influência. A desconfiança dos velhos republicanos foi reforçada pela cisão acontecida no seio dos republicanos, que levou Demétrio Ribeiro e Barros Cassal para o lado dos federalistas. A partir de 17 de junho de 1892 a liderança estava nas mãos de Júlio de Castilhos, Presidente do estado do Rio Grande do Sul. Com o retorno de Silveira Martins em 1893, restabeleceu-se a ordem e a unidade no partido disperso. Muitos dos seus adeptos tinham passada para o lado dos detentores do poder do momento. Bagé que antes já se transformara em sede de um governo paralelo, virou o centro de um movimento que, conforme objetivos anunciados, com a República tornou-se realidade no Rio Grande do Sul, com o lema: Liberdade e Justiça. Na verdade não perseguia outro objetivo além de colocar Silveira Martins no posto de Presidente  em lugar de Júlio de Castilhos e tanto fazia se numa monarquia ou numa república. Acontece que a luta girava, desde o começo, não em torno dos princípios do Direito e da Justiça, mas de interesses pessoais. O ressentimento e a inveja da parte dos velhos liberais, assim como o ódio e a decepção  foram, sem dúvida, os motivos predominantes responsáveis pela eclosão dessa guerra civil, tão ruinosa para o Rio Grande do Sul.
Antes de entrarmos em considerações sobre os principais episódios daquela guerra, é preciso, antes de mais nada, chamar a atenção, que é extremamente difícil, levantar todos os detalhes de cada acontecimento em particular. Ao ler os jornais da época, encontram-se neles tantas mentiras descaradas, que se corre o risco de ser tomado pelo nojo e abandonar a descrição dessa guerra. Não poucas batalhas e, de modo especial, vitórias foram totalmente inventadas. Outros jornais  de prestígio e o telégrafo se prestaram para divulgar essas notícias mentirosas. Entretanto, no que se refere aos acontecimentos mais importantes, prevaleceu sempre o ditado: "A mentira tem pernas curtas." Esse tipo de deformações encontrou espaço em muitos casos nos jornais, mas nenhum livro de história lhes reservou espaço. Por essa razão nos limitamos a uma breve mas clara apresentação dos fatos ocorridos no decorrer dessa guerra.
 Ela pode ser dividida em quatro períodos. O primeiro compreende as lutas nos arredores de Bagé e ao longo da fronteira como o Uruguai. O segundo corresponde à transferência do cenário da guerra para Santa Catarina e Paraná, devido à revolta da armada no Rio de Janeiro. O terceiro ocupa-se com a perseguição do Gomercindo e seus  adeptos, enquanto o quarto período compreende a guerra de guerrilhas do governo contra os restos do exército de Gomercindo e a paz negociada sob a liderança do general Galvão.
Primeiro período: de fevereiro de 1893 a 5 de setembro de 1893. Há muito tempo circulavam rumores de uma invasão a partir do Uruguai. De fato no dia 11 de fevereiro de 1893 os bandos federalistas irromperam na Campanha. Como era de esperar o governo Júlio de Castilhos fez de tudo para sufocar o mais rápido possível os revolucionários. Mas a tarefa não foi tão fácil com se imaginara, porque de um lado o general Joca Tavares passou com seus homens para o lado dos insurretos e, ainda, porque demorou para que o governo central apoiasse o local. Finalmente o próprio Ministro da Guerra viajou para o Rio Grande do Sul, sem que se tivesse obtido uma vitória decisiva. Na verdade não há um motivo de peso para que em nossa obra nos detenhamos nos feitos das armas.
Não aconteceram grandes batalhas. O heroísmo numa luta entre cidadãos do mesmo estado, dificilmente merecerá um louvor sincero. A admiração cede lugar ao lamento e à tristeza por causa do massacre dos filhos da própria terra. O historiador preferiria silenciar (72) sobre as cenas de sangue como aquela de Rio Negro, onde 300 republicanos  se entregaram ao inimigo e foram degolados sem piedade. Mas sua tarefa exige que, em função do todo, as mencione brevemente. Na verdade as inúmeras atrocidades cometidas contra mulheres e crianças indefesas deveriam ser sepultadas num eterno esquecimento. Só servem para desprestigiar o nosso povo diante os olhos dos estrangeiros e até dos daqui de dentro.  Por isso passemos, sem mais, para o segundo período.
Segundo período. É por todos conhecido que no dia cinco de setembro eclodiu a revolta da frota na baía do Rio de Janeiro. Este  levante  encheu os inimigos do governo do Rio Grande do Sul com novo ânimo e renovada vitalidade. No começo as relações amistosas  ente Silveira Martins, Custódio de Mello e Saldanha da Gama, eram quase imperceptíveis. Mas tanto os revoltosos do sul  quanto os insurretos da frota, queriam tirar proveito para a própria causa, por meio de uma aliança aconselhada pelas circunstâncias. A situação fez  com que o cenário da guerra se deslocasse em direção à costa do oceano. Gomercindo, perseguido por Pinheiro Machado e outros corpos de tropas, marchou para o norte, para Santa Catarina. Na ilha do mesmo nome instalou-se em outubro de 1893 um governo provisório. Os ataques dos navios de Custódio de Mello à cidade de Rio Grande em abril de 1894, poderiam ter levado à ruína o governo legítimo. Para a felicidade de Júlio de Castilhos o ataque falhou já no dia 11 de abril. Sem dúvida, porém, o palácio de Porto Alegre deve ter vivido  dias de apreensão. É de se notar que depois do banho de sangue em Rio Negro, os federalistas sofreram uma derrota depois da outra. Parecia que a maldição pairava sobre a falta de fidelidade e de humanidade. Numa rápida sucessão sofreram derrotas, a maioria muito sérias e já em agosto Gomercindo, o ousado general de cavalaria,  por seus admiradores comparado a Aníbal ou Napoleão, tombou sem honra perto de Carovy.
Depois desse embate os atos de bravura tornaram-se cada vez mais raros. A guerra restringia-se à perseguição de pequenos bandos, que mantinham as tropas do governo em permanente sobressalto. Como contrapartida teve começo a intriga para desencadear uma outra campanha toda peculiar. Prudente de Moaraes substituiu o marechal de ferro Floriano Peixoto e não demorou que ele se visse cercado por um bando de indivíduos tomados pelo espírito federalista. Uma parte da imprensa  tomou o partido dos federalistas. Foi nestas circunstâncias que o general Galvão foi mandado para o Rio Grande do Sul, como comandante do sexto distrito militar. A finalidade da sua indicação foi dar início à negociação da paz com os revoltosos, de fato concluída em 23 de agosto de 1895. É difícil saber até que ponto o general Galvão correspondeu à confiança do Presidente Prudente de Moraes. De qualquer forma é de se admitir  que agiu com intenções sinceras, mesmo que as medidas que tomou em geral não tivessem sido das melhores.  Em todo o caso cabe-lhe  o mérito de haver encerado definitivamente a sangrenta luta e, por isso, julgamos nós, que  o Rio Grande do Sul lhe deve muita gratidão.
Até o presente momento não é possível avaliar na sua totalidade as conseqüências  da guerra fratricida que devastou  essa região da nossa pátria. De qualquer forma muitas vidas, inclusive muitas famílias, foram arruinadas, quando sua preservação teria contribuído para o bem desta terra fracamente povoada. Também a criação de gado, com certeza, a maior riqueza do Rio Grande do Sul, sofreu sérios danos com a guerra civil, como o demonstra o aumento fantástico dos preços dos cavalos e do gado vacum, durante e depois da guerra.
Mais danoso do que todos os estragos mencionados foi o aprofundamento da divisão entre os cidadãos da mesma pátria, uma ferida que levará muitos anos para cicatrizar de todo. Como já foi dito no começo do capítulo, Bom Jardim não sofreu o menor dano com a guerra civil. Sua vida fluía tranqüila. Chegou a tirar vantagens porque os produtos agrícolas como o feijão, milho, ovos e  manteiga tiveram um aumento significativo. Mesmo assim a colônia não ficou de todo livre das conseqüências da guerra. Depois que as ações bélicas terminaram com a morte de Gomercindo, começaram as incursões dos maragatos a partir da Serra, levando a intranqüilidade para as colônias. Não se tratava propriamente de uma guerra mas rapinagens em grande estilo. Na maioria dos casos não eram motivações políticas que levavam os maragatos a cometer assaltos, mas desejos rasteiros de roubo e a vontade de satisfazer impunemente o desejo de vingança contra inimigos particulares. Para todos os efeitos os bandos de salteadores eram  federalistas, vistos como tais por eles próprios e pelo governo.  Por isso o tratado de paz de 23 de agosto de 1895 favoreceu igualmente os dois. Os moradores das colônias viam nos bandos de maragatos o que eles de fato eram, bandos de salteadores. Mais tarde, quando a pele de ovelha já não conseguia esconder o lobo, movidos por essa convicção, uniram-se adeptos dos federalistas na colônia  com cidadãos simpáticos ao governo para, em comum, darem combate aos ladrões que se escondiam nos matos.
Tomando como base essas características não fazem parte dos maragatos no sentido mais estrito, os bandos que no decorrer do ano de 1893 (fins de maio), atacaram Estrela e, pelo fim do mesmo ano, uma segunda vez a mesma cidade e, em novembro, a primeira vez Venâncio Aires e Santa Cruz. Esses salteadores de estrada certamente mantinham entendimento com os principais cabeças dos federalistas. O mesmo dificilmente se poderá afirmar dos bandoleiros que infestavam Nova Petrópolis e arredores. Esses verdadeiros maragatos apareceram apenas após a morte de Gomercindo em meados de agosto de 1894, ao menos no que se relaciona com as colônias  dos municípios de São Leopoldo, Santo Antônio da Patrulha, Taquara e Montenegro. Seus líderes foram os irmãos Correa e Leão. Não perseguiam objetivos políticos mas ganhos materiais. É preciso chamar a atenção que os ataques aos municípios de Santa Cruz, Lajeado e Estrela, depois da morte Gomercindo, evoluíram para incursões de selvagem rapina.