Deitando Raízes #20

Todas essas rapinagens e atos de violência foram praticados, por apenas 22 homens em apenas algumas horas, sem que fossem perturbados. A  espoliação só pode ser explicada por alguma traição. E nem é de se admirar. O que o colono quer é tranqüilidade e trabalho. Não destacaram sentinelas e não possuíam amas. Além disto um pequeno bando, gente armada até os dentes não tinha dificuldade em levar São José do Hortêncio de roldão. 
Antes que os moradores se dessem conta do repentino ataque, os salteadores recolheram-se para os seus esconderijos. É mais fácil imaginar do que descrever o alvoroço que tomou conta das picadas próximas. Os colonos viviam com grande medo e apreensão, tanto de dia quanto principalmente de noite. Quem poderia garantir que a moradia onde viviam os cidadãos individualmente, não seria cercada sem aviso pelos bandoleiros, que levariam o dinheiro ganho com suor ou  seus animais de montaria, ou as mulas, ou lhes tirariam a vida? Ao lado do aspecto desagradável essas preocupações tinham também um lado bom. Resultaram no lento despertar em muitos da convicção de que o enfrentamento deste tipo de violências só teria chance de êxito com uma coesão solidária.  A gota de água que levou à decisão de salvar a pele por meio de uma ação conjunta, foi um outro episódio  acontecido pouco depois em Nova Petrópolis. Peter Haas por todos conhecido como partidário dos federalistas, foi severamente maltratado pelos companheiros, que se apresentaram como seus  amigos políticos e muitas vezes se hospedaram em sua casa. Na ocasião em que os bandoleiros estavam sendo servidos na casa de Haas, atraíram-no para um quarto do lado e, com a faca no pescoço, obrigaram-no a entregar três contos  e setecentos mil réis. Não satisfeitos com essa grande soma em dinheiro vivo, esvaziaram a venda, carregaram várias mulas com as presas  e se foram. Com isto também os colonos míopes abriram os olhos. Convenceram-se de que não estavam lidando com partidários leais, mas com uma gentalha de gatunos ordinários. Finalmente postaram-se sentinelas e combinaram-se senhas para a eventualidade de um novo assalto. Agora quando corriam rumores de ataques, as pessoas reuniam-se em casas sólidas, enviavam emissários para espiar a aproximação do inimigo. Chegou-se finalmente ao ponto de socorrer os concidadãos em perigo, como de fato aconteceu com a notícia que Nova Petrópolis sofreria um novo assalto. Acontece que na ocasião ficou claro que se tratava de um alarme falso. Mas o plano de uma defesa comum permaneceu em pé, embora os indecisos e suspeitos somassem um bom número.
Como em São José também na Picada Café cuidou-se da defesa, tanto mais que a ousadia dos salteadores, em vez de diminuir tornava-se cada vez mais atrevida, ao ponto de anunciarem a incursão na Picada Café para 15 de novembro. Os moradores da Holanda foram notificados por carta pelo próprio Antônio Correa, que faria a visita no dia 15 de novembro com seus homens: que não se colocassem empecilhos para a sua passagem; que  eles não tinham nada de mal em mente contra s moradores da Picada Café; que apenas lhes interessava passar sem complicações pela Picada.
Tratava-se naturalmente de uma isca para atrair as pessoas para a armadilha, pois, quando, no dia 15 de novembro Correa entrou de fato na Picada Café, exigiu com insolência sem igual os cavalos que lhe teriam prometido. Os colonos que se achavam perto da ponte para recepcioná-lo dignamente, mandaram dizer que ele mesmo fosse buscá-los. Os moradores da Holanda estavam de posse de um bom plano de guerra. Um pouco acima da ponte estava acampado o corajoso Peter Trocour, com um destacamento que recebera a orientação de deixar passar todos os maragatos e assim colocá-los no meio de dois fogos.
Contudo mal os primeiros  bandidos tinham passado ouviu-se um tiro, infelizmente um pouco prematuro e começou um tiroteio generalizado. Depois de os colonos terem disparado sua espingardas de um cano carregadas pelo boca, os ladrões que conheciam o armamento ruim dos adversários, partiram para um ataque duplo no qual tombou o filho do colono Spengler, com o braço e o corpo varado por uma bala. Do lado dos maragatos caíram dois cavalos e três homens foram feridos.
Já que os colonos com suas espingardas não estavam em condições  de enfrentar os bandidos em campo aberto, estes levaram na retirada cinco ou seis belos cavalos e saquearam as casas dos colonos Sommer, Laux e Norwitz. Na casa deste último fizeram serviço limpo. Apoderaram-se de roupas, relógios e outros objetos no valor de oito contos e carregaram com eles a mula de carga. Ao modo de vândalos fizeram em pedaços o que não conseguiram carregar. A procura de dinheiro cortaram sacos de farinha de trigo, cobertores de penas, colchões de palha etc., esvaziaram-nos e espalharam o conteúdo. Antes de retirar-se realizaram um fandango ao som de uma harmônica.
Na mesma época dos acontecimentos na Picada Café, o negro Malachias, um arqui-ladrão  exercia sua profissão em Dois Irmãos,  em companhia de sete comparsas. Também lá os colonos pegaram em amas. Malachias  e seu bando foi preso depois de tentar em vão abrir caminho pelo Morro Reuter para unir-se ao bando do Correa.
Ao serem aprisionados aconteceu infelizmente um lamentável acidente. Um negro tentou fugir. O corajoso Otto Sperb correu em sua perseguição e quando já agarrara o malandro pelo ombro, ouviram-se vários tiros vindos do lado dos colonos. (80) Otto Sperb tombou mortalmente ferido por várias balas, provavelmente vindas dos próprios colonos,  enquanto o negro, embora ferido, embrenhou-se no mato. Toda a picada lamentou a morte  do jovem e robusto Otto Sperb. Contava apenas com 27  anos e deixou viúva com dois filhos. Os salteadores aprisionados, inclusive o negro culpado pela morte de Otto Sperb, logo depois da prisão, levaram o castigo definitivo como mereciam.
Depois de muito titubear e constantes admoestações, chegou-se finalmente a um certo entendimento e uma tal ou qual ação em conjunto. Ao menos para os momentos de maior urgência estava providenciado. Mas quem imaginasse que todos os moradores estavam dispostos a cerrar fileiras contra os maragatos, sofreria uma grande ilusão. Sempre havia amigos secretos em número suficiente, mesmo que a partir deste momento se mostrassem mais cautelosos nas suas manifestações. Os sustos causados pelos repetidos ataques  praticados por Correa, em fins de 1894 e inícios de 1895, sobre Taquara do Mundo Novo, Santa Maria do Butiá e Sapiranga, assim como as ameaças a São Leopoldo, resultaram em reflexos positivos na colônia alemã. Tiveram como conseqüência a da "União dos Cidadãos" - o Bürgerverein de Bom Jardim, São José e Dois Irmãos, ao modelo do já existente em São Salvador. O Deutsches Volksblatt, nr. 20 de 8 de março de acentuou no editorial de forma muito clara e incisiva que a auto defesa da colônia era uma necessidade, um direito inalienável e uma exigência do próprio bem estar.
Além disto note-se que naquele tempo e durante todo o período revolucionário, foi o único órgão da imprensa que alertou aberta e claramente para esta necessidade. A nova Associação do Cidadão escolheu  numa assembléia no Bohnenthal, o sr. Joseph Steffens como presidente e Joseph Finger como vice presidente. Com certeza contribuiu muito para que em pouco tempo voltasse a crescer a tranqüilidade e a segurança na picada. Um grande número de associados passou pela prova de fogo, quando em começos de fevereiro se reuniram por causa do rumor de um ataque a Nova Petrópolis. Marcharam para lá com o pessoal da Picada Café. Os bandidos encontravam-se no potreiro de Procópio da Silva preparando um churrasco, quando os colonos se aproximaram vindos dos dois lados. Lamentavelmente o bem planejado ataque não teve pleno êxito. Mais uma vez entrou em jogo a traição que fizera chegar aos maragatos um alerta amigo. O contingente  pioneiro dos colonos mal acabara de trancar a porteira, quando apareceram os ladrões para empreender a fuga. Foram recebidos com uma salva dos colonos e o negro João Macaco caiu morto. Em meio a uma gritaria furiosa despejaram um fogo rápido  sobre os colonos. Vendo que não conseguiriam nada, retiraram-se vociferando e praguejando, em busca de uma rota de fuga pelo lado oposto. Também aí encontraram o caminho bloqueado por um outro contingente. A cada tentativa eram inflexivelmente rechaçados. Finalmente emudeceu a selvagem algazarra e chegaram a pedir que fossem poupados. Mas como os pedidos não deram resultado, irromperam pelas macegas e sumiram no mato. No  local ficou o negro acima nomeado. Cinco gravemente  feridos que os salteadores arrastaram consigo morreram na fuga. O número de levemente feridos  da parte deles deve ter sido muito maior. Nenhum dos colonos teve um ferimento a lamentar, embora tivesse enfrentado corajosamente e de peito aberto o fogo dos bandidos. A presa somou 32 cavalos e mulas, algumas carabinas comblain, um certo número de pistolas, sabres, ponchos e algumas selas. No dia seguinte, dois de fevereiro um mensageiro trouxa a notícia que os maragatos haviam voltado com um grande número de homens - 200 ou 300 - o que levou à suspeita que tivessem chamado em auxílio o chefe do bando (81) Demétrio Ramos. Os colonos tiveram ocasião de fazer valer seus preparativos também contra este inimigo. Durante a noite de sábado  para domingo e no domingo o dia todo, os contingentes dirigiram-se até a Linha Araripe. Concentraram-se aí cera de 1.000 homens de Nova Petrópolis, Linha Nova, São José, Picada 48, Picada Café, Linha São Paulo, Dois Irmãos e até do Windhof e Erval. Dos maragatos, porém, nem rasto e, por isso, a maioria dos colonos voltou para casa. Entretanto, mal os homens de São José tinham chegado em casa, ouviu-se  na quarta feira, dia cinco de fevereiro de manhã a notícia, que o inimigo reaparecera. Sem perder tempo a movimentação  tomou a direção de Nova Petrópolis. Na Linha Nova foram informados que Demétrio Ramos se aproximava. 40 homens da guarda municipal reuniram-se  aos colonos armados e, com eles, o avanço foi feito em três colunas. A primeira passou por Araripe, a segunda por Marcondes enquanto a terceira tomou o velho caminho dos serranos. Durante  a marcha encontraram nesta trilha estreita, meio tomada pelo mato e íngreme, uma clareira no mato com uma cabana miserável, cujos moradores os observavam com desconfiança. Nas proximidades de Campestre somaram-se a eles sete caboclos. Estes, como se  soube mais tarde, eram maragatos, mas querendo aparentar boa gente diante dos colonos. No Campestre os aliados colheram informações e souberam que o lugar estava limpo; que não encontrariam nem um único animal para abater e matar a fome. Deram meia volta, mas tomaram o caminho de retorno pela Linha Araripe. Durante a marcha surpreendeu-os um forte aguaceiro, impróprio para elevar o entusiasmo pelo combate. Numa subida íngreme encontraram uma boa extensão do caminho obstruído por árvores pequenas e grandes, tornando a passagem impossível. Em meio a mais forte chuva  foi preciso abrir uma trilha pelo lado. Só com o maior esforço os cavalos conseguiram passar. Os defensores da terra chegaram em Araripe exaustos e esfomeados. Mas que decepção. A maioria dos moradores fugira, deixando  para trás as casas vazias, de forma que não havia quase nada para comer. Não encontrando em parte alguma os ladrões, os colonos decidiram voltar para casa. Antes, porém, foram informados que Demétrio Ramos estava de fato acampado no mato de Leôncio Leão, lá no alto; que Maneca Leão fora ferido perto de Taquara e Antônio Correa morrera no mesmo local; que no mato havia mais de 300 cavalos em boas condições e os homens de Correa obedeciam agora ao referido Leôncio. Este perdera seis homens no assalto ao mato além de mais quatro gravemente feridos; que, para vingar-se  deste revés, procurara Demétrio Ramos e com isto previa-se, com certeza, um ataque.
A "Associação dos Cidadãos" fora com certeza bem intencionada ao se  constituir para defender Bom Jardim e, ao mesmo tempo, uma premente necessidade naqueles dias conturbados. Acontece que nunca chegou a  consolidar-se numa realidade acabada. De um lados a explicação está no fato que a unidade deixava a desejar e, do outro, que desde abril de 1895 as incursões dos salteadores, tornaram-se cada vez mais raras e os bandos de assaltantes foram perdendo cada vez mais homens. Neste meio tempo o governo foi adquirindo fôlego e com isto estava em condições de mandar pequenos destacamentos de soldados em auxílio dos colonos, No País era dominante a opinião de que o período revolucionário caminhava para o seu término e que não demoraria que a ardentemente desejada paz se estabeleceria nos municípios. A Paz! Sim aprendera-se a valorizá-la devidamente. Pois a que ponto as circunstâncias dos últimos dois anos foram radicalmente diferentes, comparadas com as do passado, no tempo do Império e nos primeiros anos da República.

Naquela época reinava (82) em toda a parte a tranqüilidade e a segurança.  Mesmo à noite podia-se viajar sem medo e agora nem dia pode-se arriscar a sair para o campo ou entrar no mato. À unidade e à confiança de antigamente, seguiram-se o desentendimento e a desconfiança de hoje. Muitas famílias sofreram pesadas perdas e não  poucas vezes foram submetidas a angústias mortais. A maioria dos colonos sentia-se insegura na sua propriedade e muitos pediam em suas orações o antigo sossego e segurança de volta.  Felizmente portaram-se com coragem nos piores dias, a fim de salvar-se e garantir-se pelos próprios esforços. Sabemos, porém, como assinalamos acima, que não chegou a ser posto  em pratica um projeto de autodefesa de grande abrangência. A "Associação de Autodefesa" não logrou evoluir para uma forma e força definida. Assim os colonos das diversas picadas ajudavam-se a criar Associações de Autodefesa, sob a orientação das autoridades. Foi assim em São José, em Bom Jardim, na Picada Café e Dois Irmãos. Depois dos primeiros ataques foram instalados  postos de sentinelas nas localidades citadas. Por se situarem de preferência em vendas terminaram em pouco tempo por mostrarem ser de pouco proveito. Em vez de  permanecer na guarda, o jogo de cartas andava tão solto que, os inimigos, caso tivessem aparecido, teriam acabado com a guarda, como se esvazia um ninho de passarinho. Além disto as sentinelas nem sempre se mostravam dispostas a ocupar o seu posto e, não raro, foi preciso forçá-los a cumprir o seu dever. As patrulhas encarregadas de percorrer os caminhos à noite e alertar sobre o inimigo, nem sempre eram muito confiáveis ou, então, despreparadas para a tarefa. Manda a justiça, porém,  ressaltar que houve muitas exceções honrosas. Merece destaque especial o serviço de guarda da Picada Café sob o competente comando do corajoso Trocour. Um merecimento inquestionável cabe também a Peter Cassel com sua valente guarda.
No começo todos os colonos foram convocados para o serviço de vigilância. Não demorou para ficar claro que seria muito melhor confiar a vigilância, como tarefa permanente, a um número menor de homens idôneos. É óbvio que os demais colonos liberados para cuidar sem perturbação  dos seus afazeres, seriam por direito obrigados a pagar um soldo condigno aos defensores do território. Mas esta questão do dinheiro trouxe novamente  perturbações para a comunidade, desaparecendo por si mesma logo que os ataques cessaram.
Se não quisermos ser acusados de injustos na avaliação da defesa da colônia, é preciso reconhecer que muitas pessoas fizeram  grandes sacrifícios. Estamos convencidos que todos os cidadãos demonstram o seu reconhecimento e gratidão para com estes homens merecedores de grandes méritos, pela sua disponibilidade. De qualquer maneira é certo  também que a defesa não foi conduzida da melhor maneira. A razão maior está no fato de que as colônias não passaram por nenhuma  evolução nos últimos 50 anos e por isso não tinham noção exata de como se comportar. Das experiências feitas espera-se que tenham aprendido lições úteis para o futuro. É possível e até provável que, no decorrer dos anos, aconteçam circunstâncias semelhantes às dos últimos anos. Neste caso uma posição clara da parte do governo, com certeza será a atitude mais sensata. Pela nossa avaliação a monarquia está morta no Brasil e dificilmente encontrará defensores  dispostos ao sacrifício.
Considerando que o Imperador, detentor da força, não foi capaz de manter-se, (83) com muito menos probabilidade um pretendente ao trono, terá condições de arregimentar  adeptos possuídos de entusiasmo. Sem isto não há condições de arredar o partido republicano com o poder militar nas mãos, especialmente num tempo e num país em que a incredulidade e o desprezo pela autoridade é comum.
O mais sensato no caso é reconhecer sem restrições a República e empenhar todos os esforços para que se estruture de tal forma que todos os direitos civis e religiosos sejam de fato garantidos. A reinstalação da monarquia  como apregoada por revolucionários, não passa de um chamariz, como ficou demonstrado na última revolução. Homens sem consciência, sedentos de poder, tentaram atrair os colonos simples, para utilizá-los como  instrumentos cegos dos seus objetivos e ambições. Todos aqueles que morderam incautamente a isca, sofreram incômodos, quando não a morte.

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