Capítulo onze
A revolução federalista e os assaltos do maragatos
Mesmo que Bom Jardim
não tivesse sido envolvido pela fúria da guerra entre castilistas e
federalistas, além de 100 cavalos cedidos “espontaneamente” para as tropas do
governo, este capítulo da nossa pátria não pode faltar na crônica da nossa
paróquia. As notícias do cenário da guerra chegavam até nossa picada tranqüila por meio dos
jornais. Despertavam ora sentimentos de temor e esperança, ora de tristeza, ora
de alegria. Do outro lado o leitor amigo agradecerá ao cronista por este lhe oferecer um panorama
abrangente e completo daquele período
conturbado.
Comecemos pelas
causas desta guerra. É sabido que o antigo partido liberal, via com má vontade
só gente nova e desconhecida, nos mais altos postos do governo republicano.
Eram de opinião que cabia a eles ocupar os postos e, sob os auspícios da
República, ocupar os postos vantajosos
como foi no Império. Mas os republicanos históricos não concordaram. Não
confiavam nem sequer nos que tinham aderido e se empenhavam em mantê-los
afastados de todos os postos de influência. A desconfiança dos velhos
republicanos foi reforçada pela cisão acontecida no seio dos republicanos, que
levou Demétrio Ribeiro e Barros Cassal para o lado dos federalistas. A partir
de 17 de junho de 1892 a liderança estava nas mãos de Júlio de Castilhos,
Presidente do estado do Rio Grande do Sul. Com o retorno de Silveira Martins em
1893, restabeleceu-se a ordem e a unidade no partido disperso. Muitos dos seus
adeptos tinham passada para o lado dos detentores do poder do momento. Bagé que
antes já se transformara em sede de um governo paralelo, virou o centro de um
movimento que, conforme objetivos anunciados, com a República tornou-se
realidade no Rio Grande do Sul, com o lema: Liberdade e Justiça. Na verdade não
perseguia outro objetivo além de colocar Silveira Martins no posto de
Presidente em lugar de Júlio de
Castilhos e tanto fazia se numa monarquia ou numa república. Acontece que a
luta girava, desde o começo, não em torno dos princípios do Direito e da
Justiça, mas de interesses pessoais. O ressentimento e a inveja da parte dos
velhos liberais, assim como o ódio e a decepção
foram, sem dúvida, os motivos predominantes responsáveis pela eclosão
dessa guerra civil, tão ruinosa para o Rio Grande do Sul.
Antes de entrarmos
em considerações sobre os principais episódios daquela guerra, é preciso, antes
de mais nada, chamar a atenção, que é extremamente difícil, levantar todos os
detalhes de cada acontecimento em particular. Ao ler os jornais da época,
encontram-se neles tantas mentiras descaradas, que se corre o risco de ser
tomado pelo nojo e abandonar a descrição dessa guerra. Não poucas batalhas e,
de modo especial, vitórias foram totalmente inventadas. Outros jornais de prestígio e o telégrafo se prestaram para
divulgar essas notícias mentirosas. Entretanto, no que se refere aos
acontecimentos mais importantes, prevaleceu sempre o ditado: "A mentira
tem pernas curtas." Esse tipo de deformações encontrou espaço em muitos
casos nos jornais, mas nenhum livro de história lhes reservou espaço. Por essa
razão nos limitamos a uma breve mas clara apresentação dos fatos ocorridos no
decorrer dessa guerra.
Ela pode ser dividida em quatro períodos. O
primeiro compreende as lutas nos arredores de Bagé e ao longo da fronteira como
o Uruguai. O segundo corresponde à transferência do cenário da guerra para
Santa Catarina e Paraná, devido à revolta da armada no Rio de Janeiro. O
terceiro ocupa-se com a perseguição do Gomercindo e seus adeptos, enquanto o quarto período compreende
a guerra de guerrilhas do governo contra os restos do exército de Gomercindo e
a paz negociada sob a liderança do general Galvão.
Primeiro período: de
fevereiro de 1893 a 5 de setembro de 1893. Há muito tempo circulavam rumores de
uma invasão a partir do Uruguai. De fato no dia 11 de fevereiro de 1893 os
bandos federalistas irromperam na Campanha. Como era de esperar o governo Júlio
de Castilhos fez de tudo para sufocar o mais rápido possível os
revolucionários. Mas a tarefa não foi tão fácil com se imaginara, porque de um
lado o general Joca Tavares passou com seus homens para o lado dos insurretos
e, ainda, porque demorou para que o governo central apoiasse o local.
Finalmente o próprio Ministro da Guerra viajou para o Rio Grande do Sul, sem
que se tivesse obtido uma vitória decisiva. Na verdade não há um motivo de peso
para que em nossa obra nos detenhamos nos feitos das armas.
Não aconteceram
grandes batalhas. O heroísmo numa luta entre cidadãos do mesmo estado,
dificilmente merecerá um louvor sincero. A admiração cede lugar ao lamento e à
tristeza por causa do massacre dos filhos da própria terra. O historiador
preferiria silenciar (72) sobre as cenas de sangue como aquela de Rio Negro,
onde 300 republicanos se entregaram ao
inimigo e foram degolados sem piedade. Mas sua tarefa exige que, em função do
todo, as mencione brevemente. Na verdade as inúmeras atrocidades cometidas
contra mulheres e crianças indefesas deveriam ser sepultadas num eterno
esquecimento. Só servem para desprestigiar o nosso povo diante os olhos dos
estrangeiros e até dos daqui de dentro.
Por isso passemos, sem mais, para o segundo período.
Segundo período. É
por todos conhecido que no dia cinco de setembro eclodiu a revolta da frota na
baía do Rio de Janeiro. Este
levante encheu os inimigos do
governo do Rio Grande do Sul com novo ânimo e renovada vitalidade. No começo as
relações amistosas ente Silveira
Martins, Custódio de Mello e Saldanha da Gama, eram quase imperceptíveis. Mas
tanto os revoltosos do sul quanto os
insurretos da frota, queriam tirar proveito para a própria causa, por meio de
uma aliança aconselhada pelas circunstâncias. A situação fez com que o cenário da guerra se deslocasse em
direção à costa do oceano. Gomercindo, perseguido por Pinheiro Machado e outros
corpos de tropas, marchou para o norte, para Santa Catarina. Na ilha do mesmo
nome instalou-se em outubro de 1893 um governo provisório. Os ataques dos
navios de Custódio de Mello à cidade de Rio Grande em abril de 1894, poderiam
ter levado à ruína o governo legítimo. Para a felicidade de Júlio de Castilhos
o ataque falhou já no dia 11 de abril. Sem dúvida, porém, o palácio de Porto
Alegre deve ter vivido dias de
apreensão. É de se notar que depois do banho de sangue em Rio Negro, os
federalistas sofreram uma derrota depois da outra. Parecia que a maldição
pairava sobre a falta de fidelidade e de humanidade. Numa rápida sucessão
sofreram derrotas, a maioria muito sérias e já em agosto Gomercindo, o ousado
general de cavalaria, por seus
admiradores comparado a Aníbal ou Napoleão, tombou sem honra perto de Carovy.
Depois desse embate
os atos de bravura tornaram-se cada vez mais raros. A guerra restringia-se à
perseguição de pequenos bandos, que mantinham as tropas do governo em
permanente sobressalto. Como contrapartida teve começo a intriga para
desencadear uma outra campanha toda peculiar. Prudente de Moaraes substituiu o
marechal de ferro Floriano Peixoto e não demorou que ele se visse cercado por
um bando de indivíduos tomados pelo espírito federalista. Uma parte da imprensa tomou o partido dos federalistas. Foi nestas
circunstâncias que o general Galvão foi mandado para o Rio Grande do Sul, como
comandante do sexto distrito militar. A finalidade da sua indicação foi dar
início à negociação da paz com os revoltosos, de fato concluída em 23 de agosto
de 1895. É difícil saber até que ponto o general Galvão correspondeu à
confiança do Presidente Prudente de Moraes. De qualquer forma é de se
admitir que agiu com intenções sinceras,
mesmo que as medidas que tomou em geral não tivessem sido das melhores. Em todo o caso cabe-lhe o mérito de haver encerado definitivamente a
sangrenta luta e, por isso, julgamos nós, que
o Rio Grande do Sul lhe deve muita gratidão.
Até o presente
momento não é possível avaliar na sua totalidade as conseqüências da guerra fratricida que devastou essa região da nossa pátria. De qualquer
forma muitas vidas, inclusive muitas famílias, foram arruinadas, quando sua
preservação teria contribuído para o bem desta terra fracamente povoada. Também
a criação de gado, com certeza, a maior riqueza do Rio Grande do Sul, sofreu
sérios danos com a guerra civil, como o demonstra o aumento fantástico dos
preços dos cavalos e do gado vacum, durante e depois da guerra.
Mais danoso do que
todos os estragos mencionados foi o aprofundamento da divisão entre os cidadãos
da mesma pátria, uma ferida que levará muitos anos para cicatrizar de todo.
Como já foi dito no começo do capítulo, Bom Jardim não sofreu o menor dano com
a guerra civil. Sua vida fluía tranqüila. Chegou a tirar vantagens porque os
produtos agrícolas como o feijão, milho, ovos e
manteiga tiveram um aumento significativo. Mesmo assim a colônia não
ficou de todo livre das conseqüências da guerra. Depois que as ações bélicas
terminaram com a morte de Gomercindo, começaram as incursões dos maragatos a
partir da Serra, levando a intranqüilidade para as colônias. Não se tratava
propriamente de uma guerra mas rapinagens em grande estilo. Na maioria dos
casos não eram motivações políticas que levavam os maragatos a cometer
assaltos, mas desejos rasteiros de roubo e a vontade de satisfazer impunemente
o desejo de vingança contra inimigos particulares. Para todos os efeitos os
bandos de salteadores eram federalistas,
vistos como tais por eles próprios e pelo governo. Por isso o tratado de paz de 23 de agosto de
1895 favoreceu igualmente os dois. Os moradores das colônias viam nos bandos de
maragatos o que eles de fato eram, bandos de salteadores. Mais tarde, quando a
pele de ovelha já não conseguia esconder o lobo, movidos por essa convicção,
uniram-se adeptos dos federalistas na colônia
com cidadãos simpáticos ao governo para, em comum, darem combate aos
ladrões que se escondiam nos matos.
Tomando
como base essas características não fazem parte dos maragatos no sentido mais
estrito, os bandos que no decorrer do ano de 1893 (fins de maio), atacaram
Estrela e, pelo fim do mesmo ano, uma segunda vez a mesma cidade e, em
novembro, a primeira vez Venâncio Aires e Santa Cruz. Esses salteadores de
estrada certamente mantinham entendimento com os principais cabeças dos
federalistas. O mesmo dificilmente se poderá afirmar dos bandoleiros que
infestavam Nova Petrópolis e arredores. Esses verdadeiros maragatos apareceram
apenas após a morte de Gomercindo em meados de agosto de 1894, ao menos no que
se relaciona com as colônias dos
municípios de São Leopoldo, Santo Antônio da Patrulha, Taquara e Montenegro.
Seus líderes foram os irmãos Correa e Leão. Não perseguiam objetivos políticos
mas ganhos materiais. É preciso chamar a atenção que os ataques aos municípios
de Santa Cruz, Lajeado e Estrela, depois da morte Gomercindo, evoluíram para
incursões de selvagem rapina.