Deitando Raízes #19

É óbvio que numa crônica sobre Bom Jardim não é possível entrar em todos os detalhes das andanças dos maragatos em Nova Petrópolis. No máximo há condições de nos ocuparmos com a Picada Café e das duas paróquias vizinhas de São José e Dois Irmãos. A opinião e os sentimentos em relação ao pessoal dos Leão e Correa então dominantes, estava muito dividida entre a população daquele distrito. Os  de tendência federalista viam  nos maragatos boa gente, no máximo tropas irregulares do exército federalista. Por esta razão supunham estarem autorizados a  apoiá-los em larga escala em tudo o que aconteceu. Em contrapartida  as hordas invasoras mostraram no começo pelo menos consideração, tratando bem seus aliados. E, por essa mesma razão,  não foi organizada uma defesa comum nas colônias mencionadas, porque cada comunidade tinha uma posição diferente em relação ao inimigo. Somente depois que tanto os federalistas quanto os castilhistas foram pilhando, chegou-se a uma mudança na maneira de encarar e de se portar perante o inimigo comum. Sem medo de sermos contestados podemos afirmar que, tanto Bom Jardim quanto as comunidades vizinhas, não teriam sofrido nenhum dano, se a população como um todo se tivesse unido, logo com as primeiras ameaças, formando uma aliança harmônica, como aconteceu em Bom Princípio e São Salvador. [1] Nessa hipótese os assaltos não se teriam repetido e, quem sabe, a presa teria sido recuperada das mãos dos salteadores. Acontece que, como é conhecido, certas pessoas só despertam com o prejuízo. Deseja-se que o aprendizado sirva para o futuro e resulte na convicção geral que só a união faz a força.
Depois dessas observações preliminares, voltemos a nossa atenção para as investidas dos maragatos na Picada Café. A primeira aconteceu no dia 19 de agosto de 1894, portanto, pouco mais de uma semana depois da morte de Gomercindo. Naquele dia entraram sete homens dos Correa na Picada Holanda. Parece que só poucos os tomaram como inimigos. acomodaram-se sem alarde na propriedade do vendeiro Jacob Weber, onde pernoitaram. Ninguém estranhava a passagem de grupos armados e ninguém se arriscava a um exame mais de perto devido à desunião reinante. As pessoas sentiam-se felizes  quando não eram molestadas pessoalmente, esquecendo-se com isto de tomar as precauções indispensáveis. Os maragatos mantiveram-se quietos e a visita não parecia acompanhada de conseqüências desagradáveis. Mas no dia seguinte de manhã cedo os maragatos tomaram a estrada. Três deles foram a cavalo até o Schneiderstal, onde se apresentaram como tropas do governo e  com a maior sem cerimônia requisitaram e levaram 32 cavalos e mulas escolhidas, além de outros bens. Os quatro que ficaram na Holanda, puseram-se a agir também, isto é, reuniram na medida do possível, os melhores cavalos e mulas e desapareceram com eles. Em resistência só se pensou depois da partida dos ladrões, porque o povo da Picada Café era desunido e não havia acertado nenhuma medida preventiva contra um eventual ataque.
Como o primeiro ataque fora tão bem sucedido os salteadores não tardaram em animar-se para um segundo. No dia 19 de setembro apareceu, sem aviso, um bando de 28 homens. Mas desta vez não encontraram os moradores da Picada Holanda tão afáveis e benignos como em 19 de agosto.
Esse bando desceu pelo Riothal  e no Lichtenstein  fez alto na propriedade de  Johann Hannauer, onde comeram alguma cosa. Montaram subitamente e correram, o mais rápido possível, até a Picada Café. Sem demora  ouviram-se alguns disparos.  O alarme combinado entre os moradores. Mas os salteadores não se intimidaram, porque delatores os tinham alertado que haveria resistência. Enfrentaram o primeiro contingente  comandado por Philipp Henrichs. Na escaramuça caíram bastantes tiros, mas apenas um homem, o já citado Henrichs, foi ferido na mão. Wilhelm Schöfler que vinha em socorro, caiu nas mãos do bando. Conseguiu evadir-se  quando o bando se chocou com o inspetor de quarteirão Peter Trocourt, que vinha em socorro com seus homens. Do lado dos salteadores caíram dois cavalos. Não foi possível constatar se houve  feridos ou mortos entre os inimigos. Os maragatos passaram a noite no potreiro de Wilhelm Schabarum onde eles e os cavalos recompuseram as energias. Em reconhecimento à hospedagem reduziram a cacos todos os utensílios que lhes caíram nas mãos. Neste meio tempo os moradores da Holanda não ficaram ociosos. Na quinta feira de manhã reuniu-se um grande número na casa de Jacob Weber e combinaram a primeira resistência. Mas o bando fora logo informado sobre a reunião e a decisão. Mandaram comunicar aos cidadãos  que fossem tranqüilamente para casa que eles, da parte deles, não alimentavam intenções hostis contra a Picada Café. E, de  fato, os moradores da Picada Café se dispersaram com certeza satisfeitos que os bandidos não os maltratariam. Mas não tardariam em arrepender-se amargamente da sua bondade e miopia. Mal os moradores se dispersaram o bando de maragatos atacou a casa de Jacob Weber. Invadiram a casa, apontaram a pistola no peito do comerciante ameaçando matá-lo caso não abrisse o cofre. O que restava ao homem senão atender  os hóspedes? Sem a menor cerimônia tiraram 400 mil réis da gaveta, além disto alguns arreios, peças de roupa, chapéus, etc. etc. e o que lhes apetecia. Não satisfeitos com a presa  empreenderam uma incursão na casa  de comércio de Nikolaus Schneider. Com a aproximação do perigo este   colocou-se no seguro com o dinheiro. Obrigaram a senhora Schneider a abrir tudo, mas não havia nada  de dinheiro além de alguns vales. Os salteadores encontraram na venda  o colono Johann Schneider, Peter Becker e o professor luterano. A este último extorquiram 110 mil réis e depois com os sabres espancaram violentamente os três colonos. Depois de por pura diversão ameaçarem com a degola e jogarem Peter Becker no arroio, os heróis sumiram. Da venda de Nikolaus Schneider rumaram morro acima até a casa do italiano Thomas. Por sorte este se evadira. Maltrataram a mulher que ficara para trás, para forçá-la a  revelar o esconderijo do marido. No caminho pela Picada São Paulo praticaram ainda outras façanhas, como a surra bárbara aplicada a Philipp Leonhard e a um homem de 70 anos. Finalmente os salteadores entraram no Birkenthal, maltrataram o velho Friedrich Peiter e roubaram a família pobre de Wilhelm Heinricks. Lá roubaram a soma de 200 mil réis a um vizinho que ele escondera sobre o corpo. Ao Einstweiler  roubaram 25 mil réis, alguns vales, rasgaram-lhe o colete além de lhe aplicar uma surra. Depois de honrarem o colono Wagner com uma visita, entraram na propriedade de Jacob Sperb onde, segundo o Deutsches Volksblatt noticiou na ocasião, foram recebidos amistosamente e servidos de graça.
Enquanto estes fatos ocorriam na Picada Café e na Picada de São Paulo, os dois chefes dos bandos Antônio Correa  e Leão, estavam reunidos com subentendente na Picada Quarenta e Oito, confabulando como reunir mais cavalos. Cai em vista o fato de os salteadores pouparem de propósito alguma casas, isto é, não extorquiram, por ex., aquelas localizadas entre Einstweiler e Wagner, cujos nomes estaríamos em condições de citar se fosse o caso. As observações que acabamos de fazer constam  no Deutsches Volksblatt, nr. 80  de 5 de outubro de 1894. Não fica claro no registro citado, qual foi o papel real do subentendente,  isto é, se foi vítima de um engano por parte de Correa, ou se estava com ele mancomunado. Se a gente se coloca nas circunstâncias de então e considera quão insegura era a situação, quão pouco se podia confiar nos vizinhos e parceiros de opinião, mesmo na ajuda do governo, tende-se a não levar tão a sério aquela acusação velada. Na época faltava a tomada de uma posição clara da parte da colônia em relação aos bandos de ladrões. Em número posterior, o 88, do Deutsches Volksblatt o comportamento do subintendente aparece numa outra luz. "No dia  26 de (76) setembro Antônio Correa e um Leão apareceu na Picada Quarenta e Oito e perguntaram pelo capitão Pedro Cassel e pediram que fossem levados  até ele. Ao chegarem pediram um desjejum. Declararam o seguinte ao subintendente: Precisamos de cavalos. Se nos forem dados espontaneamente, partimos, caso contrário nós os pegamos. pois dentro de poucas horas chegarão outros 40 homens dos nossos, vindos da Picada Café. O capitão Cassel não sabia o que fazer. Perplexo convocou vários homens notáveis e lhes comunicou a exigência de Correa. Para evitar conseqüências piores decidiram entregar os cavalos. O que aconteceu depois já foi relatado mais acima no nr. 83 da correspondência. Na dita correspondência uma certa autoridade é acusada de condescendência com o bando de salteadores. Se o endereço foi o subintendente e subdelegado Peter Cassel, o correspondente cometeu uma grande injustiça. Apesar de o senhor Peter Cassel ter inclinações pelos federalistas, o que certamente não é nenhum crime, cumpriu seu dever como funcionário, seus procedimentos estavam em sintonia com o chefe do partido local do governo, o sr. Tenente Coronel Jacob Knierin, como também do nosso intendente municipal.
Como fica claro por esta explicação e pelo relato acima, na época, nem nos círculos dos funcionários não havia clareza de como tratar os maragatos. De um lado não se podia contar com os próprios homens e, do outro, procurava-se não irritar ainda mais os perturbadores  do sossego. Impunha-se como orientação política  esquivar-se e obedecer às necessidades do momento, para não provocar ainda mais  a fúria e vingança dos salteadores, por meio de uma resistência muito enérgica. E, na verdade, o que se poderia esperar naquelas circunstâncias? O governo tinha o bastante para fazer com as tropas dispersas de Gomercindo e dos outros bandos  e não tinha como intervir em favor da colônia. E na hipótese  de enviar tropas após cada assalto, na maioria dos casos teria significado um incômodo adicional para os moradores das colônias.
Numa perseguição aos bandoleiros até Nova Petrópolis e além, nem pensar, mesmo abstraindo do fato de que as tropas costumavam aparecer com muito atraso no cenário do conflito. O resultado desta situação foi que os moradores das colônias individualmente assumiram a própria defesa. Mas, devido às desconfianças mútuas e das opiniões divergentes sobre a ação dos homens da Serra, não havia como pensar nessa saída. Antes de mais nada foi preciso que não poucos aprendessem  com o prejuízo próprio, para só então tomarem a decisão  simples mas necessária para obter sucesso, isto é, partir para a ofensiva unindo forças. Uma nova incursão de rapinagem, noticiada no  Deutsches Volksblatt, nr. 89 de 6 de novembro de 1894, aconteceu no dia 25 de outubro. "Na quinta feira de manhã um bando de salteadores composto por 22 homens comandados por Antônio Correa e João Leão, atacou de improviso São José. Desceram durante a noite de Nova Petrópolis, tomaram o desjejum na casa Ninow na Linha Nova Olinda e, ao clarear do dia, entraram em São José, enquanto a maioria ainda dormia. Primeiro atravessaram toda a linha a acavalo, a fim de fazer um reconhecimento do terreno. Dirigiram-se à venda de Jacob Schmidt onde prenderam um mulato. Obrigaram-no a mostrar a residência do subintendente Sebastião Antônio Machado. Este encontrava-se na estrebaria dos cavalos quando, de repente se viu cercado por homens armados. Conseguiu correr até a casa onde morava, mas também esta já estava nas mãos dos ladrões e parcialmente saqueada. Já se tinham apoderado de suas armas e, ao chegar, notou uma winchester apontada para ele. Qualquer resistência seria inútil. Sebastião foi preso, amarrado e, mais tarde, quando partiram, libertado em atenção aos pedidos da mulher. Os maragatos roubaram  objetos do subintendente no valor de mais ou menos  cinco contos: um excelente cavalo com arreios guarnecidos de prata, uma mula em boas condições, dois contos em espécie, (77) dois ponchos de tecido, duas notas falsas de 100 mil réis, várias armas, esporas de prata, um relógio de bolso, chapéus, chicotes de prata, laços e outras coisas mais.
O chefe Antônio  Correa estava bem informado sobre tudo, pois perguntou logo pelo tordilho e culpou o Sebastião  por ter escrito contra os maragatos no jornal. Correa acompanhado por alguns do bando dirigiu-se em seguida para a casa de comércio de Jacob Schmidt. Apossou-se de quatro mulas além de algumas miudezas da venda. Com esta atitude pretendiam provavelmente dar a impressão que não eram ladrões ordinários mas uma força em guerra, autorizada a requisitar montarias e despojos. Por essa razão libertaram o peão de Jacob Schmidt em troca de  40 mil réis. Os bandidos agiram um pouco diferente com o escrivão público João Meisterlin. Este encontrava-se na horta quando o bando se aproximou. Na sua casa os  intrusos deixaram tudo em desordem e levaram o que bem entenderam, quase três contos em valores, entre eles 900 mil  réis em dinheiro vivo. Sob a ameaça de uma pistola levaram 866 mil réis de Peter Wecker.
Depois de todas essas presas sua sede por dinheiro acalmou-se um pouco. Contentaram-se depois em visitar os potreiros dos colonos, à direita e à esquerda da estrada e, sem mais nem menos,  levar os melhores cavalos. Limparam literalmente  a oficina do seleiro J. Kiefer. Obviamente um destacamento de cavaleiros precisa de couro, freios e arreios. Além  de tudo levaram o seu cavalo, o que importou num prejuízo adicional de um conto e meio. Levaram também um cavalo de Adam Kiefer, pai do seleiro. Quando o idoso senhor pediu que lhe deixassem pelo menos alguns arreios, os monstros o agarraram pelo cabelo e lhe aplicaram uma surra com as lâminas dos sabres. Em seguida os sujeitos insolentes dirigiram-se tranqüilamente até a venda de João Gräbin, onde tomaram café sossegados e, em vez de pagar, levaram uma mula como recordação. depois de alimentados voltaram ao trabalho. Estranhamente até então permanecera tudo quieto na picada, nenhum dos roubados teve a idéia de avisar os vizinhos sobre o perigo iminente. Foi por medo, por traição ou a suspeita fundamentada que não havia o que fazer contra os inimigos, ou, quem sabe, a secreta expectativa de que as coisas se passariam piores com os outros? Da  propriedade de Gräbin os ladrões partiram com a tranqüilidade de uma tropa de mercadores de cavalos.
Ao se aproximarem da  residência do professor público Mathias Steffen, ele encilhava a mula. Também ele não tinha a mínima idéia do perigo, quando, de repente, viu-se cercado por Antônio Correa e seus sócios de pilhagens. Com sua presença de espírito conseguiu desviar a atenção de Correa de suas mulas e assim salvá-las. Contudo foi obrigado a marchar com ele até a venda de Franz Winter e mais tarde também até a casa de comércio de Nicolaus Dilli Junior. Depois de várias ameaças  de fuzilamento e surras, foi obrigado a pagar 100 mil réis a Correa. Correa afastou-se e ele foi liberado. Neste meio tempo roubaram um bom cavalo de Fraz Winter. Este o comprou de volta por 50 mil réis. Entregue o dinheiro um dos ladrões montou no cavalo e saiu a galope. Antônio Correa ao ouvir mais tarde a história teria observado rindo: "Que ladroeira." De Franz Winter roubaram mais 50 mil réis (78) da gaveta além de outros objetos no valor total de 600 mil réis.
O golpe mais duro sofreu o comerciante Nicolaus Dill. Foi roubado no mínimo de 11 a 12 contos. Entre outras coisas os gatunos levaram cerca de 400 mil réis em dinheiro, 17 relógios de bolso, uma série de correntes de relógio, uma dúzia de panos de seda, 22 boas mulas, a maioria valendo 500 mil réis, quatro cavalos e outras coisas mais. Teve sorte com uma soma respeitável de dinheiro  que ele conseguiu  esconder. Os visitantes não convidados  ameaçaram-no várias vezes com a degola, e mais do que uma vez viu cinco ou seis carabinas apontadas para ele. Quando pediu pela terceira vez que lhe deixassem pelos menos seis mulas, Correa respondeu-lhe que calasse a boca sob pena de ser fuzilado. Se continuássemos a citar homem por homem como foram roubados um por um, iríamos longe demais.
Em resumo podemos afirmar que os assaltantes visitaram casa por casa e, de acordo com as circunstâncias e a sua  disposição apropriavam-se dos cavalos. Exigiam dinheiro de todos, mas  de vez em quando contentavam-se sem ele. Ao subirem o Fritzenberg levavam perto de 100 cavalos. A roubalheira continuou naquele morro. Além de um bom número de cavalos e mulas, levaram de Christian Adam 265 mil réis e um pelego valendo 25 mil réis. Ao choro da mulher  e dos filhos o malfeitor respondeu com ar de zombaria que se acalmassem porque de qualquer maneira não adiantaria. Na parte superior da Neuschneis levaram apenas aqui e acolá um cavalo e exigiram de Peter Spier 100 mil réis a título de despesas de viagem. Seguiram depois em direção a Nova Petrópolis levando 110 dos mais bonitos cavalos e mulas. A presa valia em torno de 40 contos.




[1] São Salvador hoje é Tupandi

Deitando Raízes #18

Capítulo onze
A revolução federalista e os assaltos do maragatos
Mesmo que Bom Jardim não tivesse sido envolvido pela fúria da guerra entre castilistas e federalistas, além de 100 cavalos cedidos “espontaneamente” para as tropas do governo, este capítulo da nossa pátria não pode faltar na crônica da nossa paróquia. As notícias do cenário da guerra chegavam  até nossa picada tranqüila por meio dos jornais. Despertavam ora sentimentos de temor e esperança, ora de tristeza, ora de alegria. Do outro lado o leitor amigo agradecerá  ao cronista por este lhe oferecer um panorama abrangente e completo  daquele período conturbado.
Comecemos pelas causas desta guerra. É sabido que o antigo partido liberal, via com má vontade só gente nova e desconhecida, nos mais altos postos do governo republicano. Eram de opinião que cabia a eles ocupar os postos e, sob os auspícios da República,  ocupar os postos vantajosos como foi no Império. Mas os republicanos históricos não concordaram. Não confiavam nem sequer nos que tinham aderido e se empenhavam em mantê-los afastados de todos os postos de influência. A desconfiança dos velhos republicanos foi reforçada pela cisão acontecida no seio dos republicanos, que levou Demétrio Ribeiro e Barros Cassal para o lado dos federalistas. A partir de 17 de junho de 1892 a liderança estava nas mãos de Júlio de Castilhos, Presidente do estado do Rio Grande do Sul. Com o retorno de Silveira Martins em 1893, restabeleceu-se a ordem e a unidade no partido disperso. Muitos dos seus adeptos tinham passada para o lado dos detentores do poder do momento. Bagé que antes já se transformara em sede de um governo paralelo, virou o centro de um movimento que, conforme objetivos anunciados, com a República tornou-se realidade no Rio Grande do Sul, com o lema: Liberdade e Justiça. Na verdade não perseguia outro objetivo além de colocar Silveira Martins no posto de Presidente  em lugar de Júlio de Castilhos e tanto fazia se numa monarquia ou numa república. Acontece que a luta girava, desde o começo, não em torno dos princípios do Direito e da Justiça, mas de interesses pessoais. O ressentimento e a inveja da parte dos velhos liberais, assim como o ódio e a decepção  foram, sem dúvida, os motivos predominantes responsáveis pela eclosão dessa guerra civil, tão ruinosa para o Rio Grande do Sul.
Antes de entrarmos em considerações sobre os principais episódios daquela guerra, é preciso, antes de mais nada, chamar a atenção, que é extremamente difícil, levantar todos os detalhes de cada acontecimento em particular. Ao ler os jornais da época, encontram-se neles tantas mentiras descaradas, que se corre o risco de ser tomado pelo nojo e abandonar a descrição dessa guerra. Não poucas batalhas e, de modo especial, vitórias foram totalmente inventadas. Outros jornais  de prestígio e o telégrafo se prestaram para divulgar essas notícias mentirosas. Entretanto, no que se refere aos acontecimentos mais importantes, prevaleceu sempre o ditado: "A mentira tem pernas curtas." Esse tipo de deformações encontrou espaço em muitos casos nos jornais, mas nenhum livro de história lhes reservou espaço. Por essa razão nos limitamos a uma breve mas clara apresentação dos fatos ocorridos no decorrer dessa guerra.
 Ela pode ser dividida em quatro períodos. O primeiro compreende as lutas nos arredores de Bagé e ao longo da fronteira como o Uruguai. O segundo corresponde à transferência do cenário da guerra para Santa Catarina e Paraná, devido à revolta da armada no Rio de Janeiro. O terceiro ocupa-se com a perseguição do Gomercindo e seus  adeptos, enquanto o quarto período compreende a guerra de guerrilhas do governo contra os restos do exército de Gomercindo e a paz negociada sob a liderança do general Galvão.
Primeiro período: de fevereiro de 1893 a 5 de setembro de 1893. Há muito tempo circulavam rumores de uma invasão a partir do Uruguai. De fato no dia 11 de fevereiro de 1893 os bandos federalistas irromperam na Campanha. Como era de esperar o governo Júlio de Castilhos fez de tudo para sufocar o mais rápido possível os revolucionários. Mas a tarefa não foi tão fácil com se imaginara, porque de um lado o general Joca Tavares passou com seus homens para o lado dos insurretos e, ainda, porque demorou para que o governo central apoiasse o local. Finalmente o próprio Ministro da Guerra viajou para o Rio Grande do Sul, sem que se tivesse obtido uma vitória decisiva. Na verdade não há um motivo de peso para que em nossa obra nos detenhamos nos feitos das armas.
Não aconteceram grandes batalhas. O heroísmo numa luta entre cidadãos do mesmo estado, dificilmente merecerá um louvor sincero. A admiração cede lugar ao lamento e à tristeza por causa do massacre dos filhos da própria terra. O historiador preferiria silenciar (72) sobre as cenas de sangue como aquela de Rio Negro, onde 300 republicanos  se entregaram ao inimigo e foram degolados sem piedade. Mas sua tarefa exige que, em função do todo, as mencione brevemente. Na verdade as inúmeras atrocidades cometidas contra mulheres e crianças indefesas deveriam ser sepultadas num eterno esquecimento. Só servem para desprestigiar o nosso povo diante os olhos dos estrangeiros e até dos daqui de dentro.  Por isso passemos, sem mais, para o segundo período.
Segundo período. É por todos conhecido que no dia cinco de setembro eclodiu a revolta da frota na baía do Rio de Janeiro. Este  levante  encheu os inimigos do governo do Rio Grande do Sul com novo ânimo e renovada vitalidade. No começo as relações amistosas  ente Silveira Martins, Custódio de Mello e Saldanha da Gama, eram quase imperceptíveis. Mas tanto os revoltosos do sul  quanto os insurretos da frota, queriam tirar proveito para a própria causa, por meio de uma aliança aconselhada pelas circunstâncias. A situação fez  com que o cenário da guerra se deslocasse em direção à costa do oceano. Gomercindo, perseguido por Pinheiro Machado e outros corpos de tropas, marchou para o norte, para Santa Catarina. Na ilha do mesmo nome instalou-se em outubro de 1893 um governo provisório. Os ataques dos navios de Custódio de Mello à cidade de Rio Grande em abril de 1894, poderiam ter levado à ruína o governo legítimo. Para a felicidade de Júlio de Castilhos o ataque falhou já no dia 11 de abril. Sem dúvida, porém, o palácio de Porto Alegre deve ter vivido  dias de apreensão. É de se notar que depois do banho de sangue em Rio Negro, os federalistas sofreram uma derrota depois da outra. Parecia que a maldição pairava sobre a falta de fidelidade e de humanidade. Numa rápida sucessão sofreram derrotas, a maioria muito sérias e já em agosto Gomercindo, o ousado general de cavalaria,  por seus admiradores comparado a Aníbal ou Napoleão, tombou sem honra perto de Carovy.
Depois desse embate os atos de bravura tornaram-se cada vez mais raros. A guerra restringia-se à perseguição de pequenos bandos, que mantinham as tropas do governo em permanente sobressalto. Como contrapartida teve começo a intriga para desencadear uma outra campanha toda peculiar. Prudente de Moaraes substituiu o marechal de ferro Floriano Peixoto e não demorou que ele se visse cercado por um bando de indivíduos tomados pelo espírito federalista. Uma parte da imprensa  tomou o partido dos federalistas. Foi nestas circunstâncias que o general Galvão foi mandado para o Rio Grande do Sul, como comandante do sexto distrito militar. A finalidade da sua indicação foi dar início à negociação da paz com os revoltosos, de fato concluída em 23 de agosto de 1895. É difícil saber até que ponto o general Galvão correspondeu à confiança do Presidente Prudente de Moraes. De qualquer forma é de se admitir  que agiu com intenções sinceras, mesmo que as medidas que tomou em geral não tivessem sido das melhores.  Em todo o caso cabe-lhe  o mérito de haver encerado definitivamente a sangrenta luta e, por isso, julgamos nós, que  o Rio Grande do Sul lhe deve muita gratidão.
Até o presente momento não é possível avaliar na sua totalidade as conseqüências  da guerra fratricida que devastou  essa região da nossa pátria. De qualquer forma muitas vidas, inclusive muitas famílias, foram arruinadas, quando sua preservação teria contribuído para o bem desta terra fracamente povoada. Também a criação de gado, com certeza, a maior riqueza do Rio Grande do Sul, sofreu sérios danos com a guerra civil, como o demonstra o aumento fantástico dos preços dos cavalos e do gado vacum, durante e depois da guerra.
Mais danoso do que todos os estragos mencionados foi o aprofundamento da divisão entre os cidadãos da mesma pátria, uma ferida que levará muitos anos para cicatrizar de todo. Como já foi dito no começo do capítulo, Bom Jardim não sofreu o menor dano com a guerra civil. Sua vida fluía tranqüila. Chegou a tirar vantagens porque os produtos agrícolas como o feijão, milho, ovos e  manteiga tiveram um aumento significativo. Mesmo assim a colônia não ficou de todo livre das conseqüências da guerra. Depois que as ações bélicas terminaram com a morte de Gomercindo, começaram as incursões dos maragatos a partir da Serra, levando a intranqüilidade para as colônias. Não se tratava propriamente de uma guerra mas rapinagens em grande estilo. Na maioria dos casos não eram motivações políticas que levavam os maragatos a cometer assaltos, mas desejos rasteiros de roubo e a vontade de satisfazer impunemente o desejo de vingança contra inimigos particulares. Para todos os efeitos os bandos de salteadores eram  federalistas, vistos como tais por eles próprios e pelo governo.  Por isso o tratado de paz de 23 de agosto de 1895 favoreceu igualmente os dois. Os moradores das colônias viam nos bandos de maragatos o que eles de fato eram, bandos de salteadores. Mais tarde, quando a pele de ovelha já não conseguia esconder o lobo, movidos por essa convicção, uniram-se adeptos dos federalistas na colônia  com cidadãos simpáticos ao governo para, em comum, darem combate aos ladrões que se escondiam nos matos.
Tomando como base essas características não fazem parte dos maragatos no sentido mais estrito, os bandos que no decorrer do ano de 1893 (fins de maio), atacaram Estrela e, pelo fim do mesmo ano, uma segunda vez a mesma cidade e, em novembro, a primeira vez Venâncio Aires e Santa Cruz. Esses salteadores de estrada certamente mantinham entendimento com os principais cabeças dos federalistas. O mesmo dificilmente se poderá afirmar dos bandoleiros que infestavam Nova Petrópolis e arredores. Esses verdadeiros maragatos apareceram apenas após a morte de Gomercindo em meados de agosto de 1894, ao menos no que se relaciona com as colônias  dos municípios de São Leopoldo, Santo Antônio da Patrulha, Taquara e Montenegro. Seus líderes foram os irmãos Correa e Leão. Não perseguiam objetivos políticos mas ganhos materiais. É preciso chamar a atenção que os ataques aos municípios de Santa Cruz, Lajeado e Estrela, depois da morte Gomercindo, evoluíram para incursões de selvagem rapina. 

Deitando Raízes #17

Capítulo décimo
O episódio dos Mucker e da varíola
Neste capítulo queremos relatar dois acontecimentos que causaram tristeza e pavor em vez de júbilo e alegria em nossa picada. Primeiro foi o episódio dos Mucker. Não atingiu tão duramente Bom Jardim quanto o outro flagelo. A epidemia da varíola causou um enorme alvoroço e consternação. O fato  de como se originou a assim denominada seita dos Mucker ficou amplamente conhecido pelos jornais de 1874, entre eles o Deutsches Volksblatt. (65) Primeiro foi tratado como uma interpretação errônea  em que incorreram  os colonos, devido a uma aberração na explicação da Bíblia e depois foi terminar numa espécie de delírio religioso. O cenário do movimento foram as colônias localizadas nas proximidades do Ferrabraz. Mais tarde espalhou-se para a vizinhança mais afastada. Não raro defende-se o ponto de vista de que as idéias, de modo especial as religiosas, não tem grande importância ou seriam de todo inofensivas. Parece tratar-se de um grande engano como ficou lamentavelmente provado com os Mucker. A imaginação desvairada de Jacobina em julgar-se a Messias, transpôs, em pouco tempo, o âmbito das idéias, para alastrar-se para o terreno social. Legitimada pela plenitude do próprio poder e pela infalibilidade da sua pessoa, declarou inválidos vários matrimônios legítimos. Seguiram-se desordens, desavenças e inimizades entre as famílias do lugar. As  idéias aparentemente desandaram e mostraram a sua força destrutiva. Não demorariam para florescer e depois espalhar a  semente destruidora por toda a redondeza. Com o aumento do poder, a heresia partiu para a perseguição. Com a finalidade de angariar adeptos lançou mão da violência, incluindo assassinatos, provocando a intervenção das autoridades. A essa altura as idéias aberrantes passaram a constituir-se num perigo para a comunidade. Os hereges revelaram-se abertamente como revolucionários. Perdura ainda hoje na memória do povo a ridícula campanha empreendida pelas tropas imperiais, sob o comando do coronel Genuíno, apoiado por um bando de colonos alemães voluntários. Até artilharia foi levada ao campo, para dobrar o punhado de  rebeldes. Estes sucumbiram finalmente, não pela tática de guerra das tropas regulares, mas pela valentia dos colonos alemães, revoltados contra os atos de violência dos Mucker.
Em Bom Jardim os Mucker não encontraram eco nem sequer entre os protestantes, ordeiros demais para fazer causa comum com essa perturbação da paz. Uma única família associou-se aos assassinos, mas não demorou para mudar-se de Bom Jardim. Não aconteceram incursões de rapinagem  dos Mucker em nossa picada, mas se afirmássemos que não há adeptos, faltaríamos à verdade. Na verdade o medo e o pavor perante esses malfeitores, que assassinavam e incendiavam  em outras picadas, foi muito grande e por vezes muito próximo. Repetidas vezes  correu a notícia de que os Mucker pretendiam formar uma ramificação em Bom Jardim, mas sempre se mostrou infundada. Contudo nunca se deixou de adotar as medidas de segurança que a prudência exigia em tais circunstâncias. Durante a noite montava-se guarda em alguns pontos. O velho Johann Finger se encarregava de um posto destes lá em cima perto da igreja. Na hipótese de uma ameaça de ataque, reuniria a linha toda tocando o sino. Felizmente nunca foi notado algo de suspeito e a paróquia ficou livre de tal provação. Na verdade, porém, o alívio geral veio com a notícia de que os Mucker haviam sido vencidos, mortos ou aprisionados.
Um inimigo muito mais perigoso, a varíola, invadiu a região de Bom Jardim. Nenhuma vigilância contra ela se mostrou eficaz. Ainda hoje, quando se fala no assunto, um suspiro sai do peito daqueles que presenciaram a terrível epidemia. E com razão pois, foram tempos negros e tristes.
Não é possível precisar com exatidão quando a moléstia entrou. Com toda a probabilidade aconteceu assim. Uma das meninas do  professor Schütz, de nome Maria, que fora com o professor brasileiro (sua escola ficava perto da casa paroquial) adoeceu repentinamente. O velho professor não conhecia a doença e não deu muita importância, (66) Uma vez melhor, sentada na cama, recebeu a visita de outras crianças que levaram cana de açúcar. Em seguida adoeceram 12 crianças. Percebeu-se então que não se tratava de erupção inofensiva da pele, mas da letal varíola. Com as crianças o mal entrou em muitas famílias. a escola ficou fechada durante quatro ou cinco meses, mas o mal estava feito. Pelo fato de atribuir-se a culpa ao professor, não demorou que ele se transformasse em bode expiatório. Ninguém o recebia em casa, o que, sem dúvida causou uma grande amargura no bom homem. A varíola assumiu uma proporção assustadora. A feição da pequena cidade, a fileira de casas  lá embaixo  no Buraco do Diabo, perto da ponte em direção à Picada Café, mostrava um quadro de desolação. Todas as casas estavam trancadas, o que dava uma impressão sobremodo triste. Até os caminhos de entrada na picada foram trancados com árvores derrubadas e nenhum estranho, além de algum padre, ousava entrar no território tomado pela epidemia. Os laços familiares e de amizade pareciam rompidos. Os estragos da doença eram de tal ordem que incutiam medo. Muitas famílias perderam vários dos seus membros. O velho Cassel, por ex., perdeu três filhos, dois solteiros e um casado. Contudo, como costuma acontecer em tais situações, de um lado exagerava-se o medo e, do outro, cometia-se a maior insensatez. Ninguém além do Pe. vigário Steinhart pensou numa ação defensiva organizada, recorrendo a meios sensatos. Como pouco tempo antes fora fundada a Associação para Homens, o Pe. Steinhart dirigiu-se ao seu presidente, o sr. Herzer para movê-lo a adotar os meios necessários. Já que este nada fez, o vigário não perdeu tempo e tomou a causa para si. Viajou imediatamente até Porto Alegre para aconselhar-se com médicos experientes e, se fosse o caso, providenciar por medicamentos. O velho Dr.  Heinzelmann mostrou-se extremamente receptivo e insistiu muito que se partisse o mais rapidamente possível para a vacinação dos sãos. Mas quem em Bom Jardim se encarregaria da vacinação? Não havia médico nem outra pessoa  que entendesse da arte. Sem perder tempo o Pe. Steinhart aprendeu a vacinar com o Dr. Heinzelmann e depois ensinou outras pessoas. Como o procedimento não é dos mais difíceis aprendeu-o logo. Depois o Pe. Steinhart voltou à Picada Berghan, feliz por poder prestar um grande serviço a sua paróquia.
No começo só uma minoria quis ouvir falar em vacina. Achavam-na mais perigosa do que a proximidade dos doentes  de varíola. Acontece que antigamente já se aplicara a vacina e, na ocasião, o remédio se mostrara de efeito duvidoso. Evidentemente os procedimentos não foram de acordo com a orientação dos médicos. Injetara-se o pus de doentes adultos sob a pele de pesas sadias, o que resultou em que todos os vacinados contraíssem a varíola. Com a insistência do pároco e em vista dos evidentes resultados positivos ligados à vacinação e, como o contágio se tornou mais raro, veio, finalmente, a reviravolta na atitude doa população. As pessoas  desejosas de serem vacinadas afluíam  em tal número que o padre foi obrigado a pensar em entregar sua função de médico a auxiliares leigos. Entre estes Philipp Becker teve méritos especiais. Na mesma ocasião uma modesta moça  da Picada 48, Anna Maria Horn,  fez-se credora de muitos méritos. Como a varíola afetara sua família com virulência, ela adquirira uma certa familiaridade coma doença e seu tratamento. Além disto, pulsava em seu peito um coração magnânimo tomado de sentimento cristão em relação ao amor ao próximo. Entrava sem medo nas  moradias, onde os doentes de varíola jaziam normalmente sós e abandonados e lhes dava assistência. Com certeza ninguém se admira ao tomar conhecimento de que a moça entrou mais tarde no convento das (67)  franciscanas para dedicar toda a sua vida ao serviço dos doentes e a outras práticas de caridade cristã.
O vigário tomou para si o cuidado dos pobres doentes de varíola. Faz parte da missão do sacerdote católico, portar-se como o bom pastor da comunidade, de modo especial em ocasiões de perigo e necessidade. Não demorou e ele próprio  contraiu a doença, sem no começo dar-lhe muita importância. Finalmente a doença o prostrou e, durante quatro dias, sua vida estava a perigo. Mas não demorou, restabeleceu-se com a ajuda de Deus e ter condições de entregar-se outra vez com destemor à sua nobre missão. A melhor compreensão da sua sublime atuação nos dá o diário da paróquia, do qual destacamos literalmente a respectiva parte. Na sua singeleza produz uma forte impressão no leitor simples, ainda mais porque não foi redigido com a intenção de uma futura publicação:
No dia 15 de junto de 1874 espalhou-se  inesperadamente a notícia que a seita dos Mucker devastara o Leonerhof [1] com fogo e assassinatos. A notícia encheu de grande susto e pavor  a população inteira. As pessoas não quiseram mais  permanecer nas casas durante a noite e de dia andavam armadas.
26 de junho notícias ruins aumentam a consternação.
28 de junho. Poucas pessoas se fizeram presentes na missa. Orações públicas foram feitas  para que Deus afastasse tamanha desgraça. À tarde algumas pessoas vieram para a confissão. 
29 de junho. Hoje é a festa de São Pedro e São Paulo, mas o medo abafou o clima festivo.
Na mesma data lê-se a observação: Já no começo deste mês os fiéis  pediram a Deus para que os sacerdotes não lhes fossem tirados. [2] Os  bispos estavam sendo encarcerados e os sacerdotes hostilizados. Muitos vieram confessar-se e receber a comunhão e nas sextas-feiras organizaram devoções em favor desta causa. Enquanto a maioria dos colonos abandonava as casas, confiando em Deus, julgamos mais sensato permanecer em nossa moradia, sem descuidar das precauções indispensáveis. Johann Finger, nosso vizinho lá acima, caminhava para cá e para lá. na frente da sua casa.
1. de julho. Perdura a mesma situação.
18 de julho. Espalha-se o boato que alguns colonos contraíram varíola. Por não julgar a situação grave, dirigi-me até a Picada dos Portugueses para o meu retiro anual, enquanto o superior da Missão, P. Wilhelm Dörlemann substituía-me no posto.
28 de julho. Quando voltei fui informado de que a varíola irrompera na picada.
29 de julho . Sepultamento de uma criança de escola de nome Gölzer, vítima da varíola. De hoje em diante visito diariamente os doentes de varíola.
2 de agosto. Hoje à tarde (domingo) veio a notícia de que os Mucker foram derrotados e fugiram.
6 de agosto. Viajo até Dois Irmãos e na ida e na volta visito os doentes de varíola.
8 de agosto. Assisto aos doentes ministrando-lhes os santos sacramentos.
8 de agosto. (domingo). À tarde dirijo-me até o Bohnenthal para ministrar os Santos Sacramentos aos enfermos.  Só tarde volto para casa.
10 de agosto. Fico com os enfermos enquanto mando o irmão leigo até a Picada dos Portugueses, com a finalidade de colher conselhos respectivos à epidemia com o P. Blees, um homem muito experimentado.
12 de agosto. Durante a noite eu próprio fui acometido pela doença. Apesar disto atendo o chamamento do Bohnenthal para socorrer o enfermo Jacob Kehl.
De manhã dia 10 coube-me  o sepultamento da esposa de Heinrich Schmitt, nascida Wolfart. Quase não consegui terminar a missa. Depois da Santa Missa chegou o P. Blees e, imediatamente, despachamos um mensageiro a São Leopoldo, para trazer um substituto para mim.
13 de agosto. Apesar de doente vejo-me forçado a realizar um sepultamento. À tarde apresentou-se o P. Joseph Haag, qual anjo mandado do céu.
15 de agosto. Foi Celebrada uma missa em ação de graças pelo término da guerra dos Mucker, mas só poucas pessoas apareceram.
16 de agosto. Encontro-me  novamente em condições  de rezar a Santa Missa. O P. Joseph administra os Santos Sacramentos no Bohnenthal. Quase todos os dias ocorre um enterro.
21 de agosto. Carl Sänger chama-me para o  Bohnenthal. O jovem casal Jacob Link e Carolina Sänger, os dois acometidos pela mesma doença, faleceram no mesmo momento. Depois de atender a mulher, dirigi-me ao homem doente, o qual não parecia correr perigo, mas no mesmo instante ele faleceu.
22 de agosto. Enterro no  Bohnenthal.
23 de agosto. O pavor diante da epidemia é tão grande que as pessoas ficam longe até da igreja e fogem o mais longe possível das casas dos contaminados. Só poucos participam dos enterros.
27 de agosto. À tarde viajo a Porto Alegre para informar-me junto aos médicos sobre remédios contra a doença. Pergunto sobre vacinação e informo-os sobre a resistência dos colonos a ela. Com muita simpatia o Dr. Heinzelmann ensinou-me os procedimentos da vacinação e presenteou-me com alguns livros úteis sobre medicamentos.
29 de agosto. Sepultamento de Johannes Dilly Ur. Depois explico às pessoas a utilidade da vacinação e exorto-os a seguir as determinações dos médicos.
30 de  agosto. Philipp Becker começa com a vacinação partindo da nossa casa. Eu o instruíra bem no assunto.
1. de setembro. Philipp Becker leva adiante a vacinação e aos poucos os preconceitos desaparecem.
Parece ser de grande utilidade para muitos, pois enquanto antes todos contraíam a doença quando um dos membros da família era contaminado, isso agora já não acontecia. Pelo menos os vacinados resistiam por mais tempo à doença e esta já não se mostrava tão virulenta.
2 de setembro. Ontem passou por aqui o  professor Marschall da Holanda para aprender a vacinar. Ocorreu também o enterro de Mathias Kunzler, casado há pouco tempo e para hoje está marcado o do jovem Johannes Sewald.
8 de setembro. Realiza-se uma procissão para implorar  a Divina Misericórdia. Os moradores do Bohnenthal chegaram antes da missa. Depois da missa os bomjardinenses os acompanharam até a ponte  do Buraco do Diabo. A partir deste dia cresceu novamente o número de freqüentadores da igreja.
13 de setembro. Começou um movimento contra o professor Schütz. Algumas pessoas mal intencionadas espalharam o boato de que ele, devido à sua imprudência, era o responsável pela disseminação da varíola. Esclareci tudo no sermão e as pessoas se acalmaram.
19 de setembro. O número de doentes diminui significativamente.
25 de setembro. Sou chamado para atender a uma senhora protestante, para verificar se ela talvez contraíra varíola, porque os médicos diziam que não, mas não se confiava no seu diagnóstico.
26 de setembro. Abaixo de forte chuva sou chamado para assistir a uma moça doente. Só ouvi sua confissão por não julgá-la tão doente. Ela contudo faleceu inesperadamente. Trata-se de Catarina Sewald. Seu enterro será amanhã.
Até aqui o diário com seus registros curtos mas comoventes.
Se os esforços do padre foram grandes no exercício da caridade corporal, o católico deve valorizar ainda mais o que ele realizou em defesa da fé  por ocasião do dogma da infalibilidade e da guerra Mucker. A nuvem de poeira que a questão da infalibilidade do papa levantou na Alemanha, atravessou o  oceano e chegou a baixar sobre a mata virgem, como um denso nevoeiro. Também em Bom Jardim algumas cabeças desorientaram-se, porque imaginavam a infalibilidade como algo perigoso. Mas o vigilante pároco abriu a tempo os olhos dos fiéis de lá. Nos seus sermões voltava sempre de novo ao dogma, explicando-o sob todos os seus aspectos. Mostrou que por meio dele o papa não estava sendo transformado num ser sem pecado ou numa espécie de  deus na terra, mas exatamente como aconteceu com os apóstolos, assistido pelo Espírito Santo, seria preservado de qualquer erro referente à doutrina. No começo as explicações não deram muita clareza e ocasionaram não poucas discussões.
Contaram-me como, de modo especial dois membros da comunidade, Jacob Finger e Johannes Dilly, se encontraram na sombra junto a uma fonte no potreiro do Schneck e, repassaram até altas horas da noite, o que tinham escutado no sermão. Na ocasião um dos teólogos leigos esqueceu o guarda-chuva novo em folha, no local da discussão. Ao procurá-lo logo em seguida ele tinha evaporado. Um outro ficou com a cabeça confusa, provavelmente como conseqüência das muitas  reflexões, um aviso para que os católicos aceitem  docilmente os ensinamentos da fé, em vez de cismar sobre eles. Como se tratava de um homem de excepcional piedade, não nos cabe evidentemente culpá-lo por sua desgraça.
Bom Jardim, como a região da mata virgem inteira, permaneceu fiel à Igreja e sua fé tornou-se mais sólida, como se pode avaliar pela festa do papa que se seguiu. O P. Steinhart portou-se com a mesma vigilância  em relação ao movimento Mucker. Repetia o alerta de manter-se afastado  dos encontros da seita, porque a simples curiosidade nestas coisas pode levar à ruína. Seguido  chamava a atenção para o evangelho de Mateus 24-23 onde se fala dos falsos profetas: "Quando então alguém vos diz: Cristo está aqui ou acolá, não lhe deis crédito. Pois apresentar-se-ão falsos cristos e falsos profetas e operarão grandes feitos e grandes milagres, ao ponto de os escolhidos serem induzidos ao erro, se isto fosse possível. Eu já vos disse antes. Mesmo que vos digam. Reparem ele está no deserto, não ide procurar; reparem ele se encontra dentro de casa, não acrediteis." Nesta passagem os acontecimentos do Ferrabraz estão colocados com surpreendente clareza, porque a pessoa que lá se apresentou como Cristo  de fato apareceu em recintos  domésticos diante dos seus seguidores. Onde se encontra a carniça aí se reúnem as águias. isto é, os gaviões e os abutres. Os católicos foram preservados desta aberração por seu destemido cura de almas. Mesmo entre os de outra confissão, como já foi relatado mais acima, apenas dois atenderam ao aliciamento. (70) Um terceiro que mais observara do que aceitara a doutrina da seita, não demorou em afastar-se. A atitude dos "cristos" acima citados o teriam levado a esta decisão.  A defecção poderia ter-lhe custado caro, pois os sectários o teriam morto se o muckerismo como um todo não se tivesse afogado no próprio sangue, com a intervenção da força pública.
Faz parte do ofício do cronista cristão, a partir dos acontecimentos narrados, elevar de vez em quando os olhos a Deus, a fim de meditar  sobre eles à luz da Fé. Queremos fazê-lo também em relação   ao escândalo dos Mucker e da epidemia da varíola. Perguntamos em primeiro lugar o que nos cabe pensar como católicos sobre o muckerismo. Conforme o apóstolo (1Cor. 11,11) é necessário que ocorram aberrações religiosas, para que os cristãos sejam postos à prova, isto é, é altamente provável que devido à fraqueza, ao orgulho, à inconstância,  à sede de novidades do homem,  ocorram divisões e doutrinas errôneas.
Deus permite tais coisas para confirmar  os fiéis na verdadeira fé e na sua fidelidade à Igreja. E foi o efeito que  aquelas perturbações religiosas produziram sobre os fiéis de Bom Jardim e, assim, de fato do mal resultou o bem.
Como qualquer outra provação a epidemia da varíola teve o efeito de chamar a atenção dos fiéis sobre Deus e a eternidade. As mortes não esperadas e as incertezas da vida, constituem-se num poderoso alerta para afastar-se  do caminho do pecado e praticar o bem. Para a prática do bem são exatamente os tempos de perigo para a vida corporal, que oferecem em abundância, as mais belas ocasiões. Essa prova foi também de grande utilidade para Bom Jardim e, por isso mesmo, é preciso reconhecer com gratidão neste flagelo a mão da providência divina, visando em primeiro lugar a salvação da alma.




[1] Hoje Sapiranga
[2] Referência à Questão Religiosa na qual os bispos de Olinda e Maranhão foram presos e tramitava um projeto de lei na Assembléia Nacional visando a expulsão dos jesuítas do Brasil.