É óbvio que numa
crônica sobre Bom Jardim não é possível entrar em todos os detalhes das
andanças dos maragatos em Nova Petrópolis. No máximo há condições de nos
ocuparmos com a Picada Café e das duas paróquias vizinhas de São José e Dois
Irmãos. A opinião e os sentimentos em relação ao pessoal dos Leão e Correa
então dominantes, estava muito dividida entre a população daquele distrito.
Os de tendência federalista viam nos maragatos boa gente, no máximo tropas
irregulares do exército federalista. Por esta razão supunham estarem
autorizados a apoiá-los em larga escala
em tudo o que aconteceu. Em contrapartida
as hordas invasoras mostraram no começo pelo menos consideração, tratando
bem seus aliados. E, por essa mesma razão,
não foi organizada uma defesa comum nas colônias mencionadas, porque
cada comunidade tinha uma posição diferente em relação ao inimigo. Somente
depois que tanto os federalistas quanto os castilhistas foram pilhando,
chegou-se a uma mudança na maneira de encarar e de se portar perante o inimigo
comum. Sem medo de sermos contestados podemos afirmar que, tanto Bom Jardim
quanto as comunidades vizinhas, não teriam sofrido nenhum dano, se a população
como um todo se tivesse unido, logo com as primeiras ameaças, formando uma
aliança harmônica, como aconteceu em Bom Princípio e São Salvador. [1] Nessa
hipótese os assaltos não se teriam repetido e, quem sabe, a presa teria sido
recuperada das mãos dos salteadores. Acontece que, como é conhecido, certas
pessoas só despertam com o prejuízo. Deseja-se que o aprendizado sirva para o
futuro e resulte na convicção geral que só a união faz a força.
Depois dessas
observações preliminares, voltemos a nossa atenção para as investidas dos
maragatos na Picada Café. A primeira aconteceu no dia 19 de agosto de 1894,
portanto, pouco mais de uma semana depois da morte de Gomercindo. Naquele dia
entraram sete homens dos Correa na Picada Holanda. Parece que só poucos os
tomaram como inimigos. acomodaram-se sem alarde na propriedade do vendeiro
Jacob Weber, onde pernoitaram. Ninguém estranhava a passagem de grupos armados
e ninguém se arriscava a um exame mais de perto devido à desunião reinante. As
pessoas sentiam-se felizes quando não
eram molestadas pessoalmente, esquecendo-se com isto de tomar as precauções
indispensáveis. Os maragatos mantiveram-se quietos e a visita não parecia
acompanhada de conseqüências desagradáveis. Mas no dia seguinte de manhã cedo
os maragatos tomaram a estrada. Três deles foram a cavalo até o Schneiderstal,
onde se apresentaram como tropas do governo e
com a maior sem cerimônia requisitaram e levaram 32 cavalos e mulas
escolhidas, além de outros bens. Os quatro que ficaram na Holanda, puseram-se a
agir também, isto é, reuniram na medida do possível, os melhores cavalos e
mulas e desapareceram com eles. Em resistência só se pensou depois da partida
dos ladrões, porque o povo da Picada Café era desunido e não havia acertado
nenhuma medida preventiva contra um eventual ataque.
Como o primeiro
ataque fora tão bem sucedido os salteadores não tardaram em animar-se para um
segundo. No dia 19 de setembro apareceu, sem aviso, um bando de 28 homens. Mas
desta vez não encontraram os moradores da Picada Holanda tão afáveis e benignos
como em 19 de agosto.
Esse bando desceu
pelo Riothal e no Lichtenstein fez alto na propriedade de Johann Hannauer, onde comeram alguma cosa.
Montaram subitamente e correram, o mais rápido possível, até a Picada Café. Sem
demora ouviram-se alguns disparos. O alarme combinado entre os moradores. Mas os
salteadores não se intimidaram, porque delatores os tinham alertado que haveria
resistência. Enfrentaram o primeiro contingente
comandado por Philipp Henrichs. Na escaramuça caíram bastantes tiros,
mas apenas um homem, o já citado Henrichs, foi ferido na mão. Wilhelm Schöfler
que vinha em socorro, caiu nas mãos do bando. Conseguiu evadir-se quando o bando se chocou com o inspetor de
quarteirão Peter Trocourt, que vinha em socorro com seus homens. Do lado dos
salteadores caíram dois cavalos. Não foi possível constatar se houve feridos ou mortos entre os inimigos. Os maragatos
passaram a noite no potreiro de Wilhelm Schabarum onde eles e os cavalos
recompuseram as energias. Em reconhecimento à hospedagem reduziram a cacos
todos os utensílios que lhes caíram nas mãos. Neste meio tempo os moradores da
Holanda não ficaram ociosos. Na quinta feira de manhã reuniu-se um grande
número na casa de Jacob Weber e combinaram a primeira resistência. Mas o bando
fora logo informado sobre a reunião e a decisão. Mandaram comunicar aos
cidadãos que fossem tranqüilamente para
casa que eles, da parte deles, não alimentavam intenções hostis contra a Picada
Café. E, de fato, os moradores da Picada
Café se dispersaram com certeza satisfeitos que os bandidos não os
maltratariam. Mas não tardariam em arrepender-se amargamente da sua bondade e
miopia. Mal os moradores se dispersaram o bando de maragatos atacou a casa de
Jacob Weber. Invadiram a casa, apontaram a pistola no peito do comerciante
ameaçando matá-lo caso não abrisse o cofre. O que restava ao homem senão
atender os hóspedes? Sem a menor
cerimônia tiraram 400 mil réis da gaveta, além disto alguns arreios, peças de
roupa, chapéus, etc. etc. e o que lhes apetecia. Não satisfeitos com a
presa empreenderam uma incursão na casa de comércio de Nikolaus Schneider. Com a
aproximação do perigo este colocou-se
no seguro com o dinheiro. Obrigaram a senhora Schneider a abrir tudo, mas não
havia nada de dinheiro além de alguns
vales. Os salteadores encontraram na venda
o colono Johann Schneider, Peter Becker e o professor luterano. A este
último extorquiram 110 mil réis e depois com os sabres espancaram violentamente
os três colonos. Depois de por pura diversão ameaçarem com a degola e jogarem
Peter Becker no arroio, os heróis sumiram. Da venda de Nikolaus Schneider
rumaram morro acima até a casa do italiano Thomas. Por sorte este se evadira.
Maltrataram a mulher que ficara para trás, para forçá-la a revelar o esconderijo do marido. No caminho
pela Picada São Paulo praticaram ainda outras façanhas, como a surra bárbara
aplicada a Philipp Leonhard e a um homem de 70 anos. Finalmente os salteadores
entraram no Birkenthal, maltrataram o velho Friedrich Peiter e roubaram a
família pobre de Wilhelm Heinricks. Lá roubaram a soma de 200 mil réis a um
vizinho que ele escondera sobre o corpo. Ao Einstweiler roubaram 25 mil réis, alguns vales,
rasgaram-lhe o colete além de lhe aplicar uma surra. Depois de honrarem o
colono Wagner com uma visita, entraram na propriedade de Jacob Sperb onde,
segundo o Deutsches Volksblatt noticiou na ocasião, foram recebidos
amistosamente e servidos de graça.
Enquanto estes fatos
ocorriam na Picada Café e na Picada de São Paulo, os dois chefes dos bandos
Antônio Correa e Leão, estavam reunidos
com subentendente na Picada Quarenta e Oito, confabulando como reunir mais cavalos.
Cai em vista o fato de os salteadores pouparem de propósito alguma casas, isto
é, não extorquiram, por ex., aquelas localizadas entre Einstweiler e Wagner,
cujos nomes estaríamos em condições de citar se fosse o caso. As observações
que acabamos de fazer constam no
Deutsches Volksblatt, nr. 80 de 5 de
outubro de 1894. Não fica claro no registro citado, qual foi o papel real do
subentendente, isto é, se foi vítima de
um engano por parte de Correa, ou se estava com ele mancomunado. Se a gente se
coloca nas circunstâncias de então e considera quão insegura era a situação,
quão pouco se podia confiar nos vizinhos e parceiros de opinião, mesmo na ajuda
do governo, tende-se a não levar tão a sério aquela acusação velada. Na época
faltava a tomada de uma posição clara da parte da colônia em relação aos bandos
de ladrões. Em número posterior, o 88, do Deutsches Volksblatt o comportamento
do subintendente aparece numa outra luz. "No dia 26 de (76) setembro Antônio Correa e um Leão
apareceu na Picada Quarenta e Oito e perguntaram pelo capitão Pedro Cassel e
pediram que fossem levados até ele. Ao
chegarem pediram um desjejum. Declararam o seguinte ao subintendente:
Precisamos de cavalos. Se nos forem dados espontaneamente, partimos, caso
contrário nós os pegamos. pois dentro de poucas horas chegarão outros 40 homens
dos nossos, vindos da Picada Café. O capitão Cassel não sabia o que fazer.
Perplexo convocou vários homens notáveis e lhes comunicou a exigência de
Correa. Para evitar conseqüências piores decidiram entregar os cavalos. O que
aconteceu depois já foi relatado mais acima no nr. 83 da correspondência. Na
dita correspondência uma certa autoridade é acusada de condescendência com o
bando de salteadores. Se o endereço foi o subintendente e subdelegado Peter
Cassel, o correspondente cometeu uma grande injustiça. Apesar de o senhor Peter
Cassel ter inclinações pelos federalistas, o que certamente não é nenhum crime,
cumpriu seu dever como funcionário, seus procedimentos estavam em sintonia com
o chefe do partido local do governo, o sr. Tenente Coronel Jacob Knierin, como
também do nosso intendente municipal.
Como fica claro por
esta explicação e pelo relato acima, na época, nem nos círculos dos
funcionários não havia clareza de como tratar os maragatos. De um lado não se
podia contar com os próprios homens e, do outro, procurava-se não irritar ainda
mais os perturbadores do sossego.
Impunha-se como orientação política
esquivar-se e obedecer às necessidades do momento, para não provocar
ainda mais a fúria e vingança dos
salteadores, por meio de uma resistência muito enérgica. E, na verdade, o que
se poderia esperar naquelas circunstâncias? O governo tinha o bastante para
fazer com as tropas dispersas de Gomercindo e dos outros bandos e não tinha como intervir em favor da
colônia. E na hipótese de enviar tropas
após cada assalto, na maioria dos casos teria significado um incômodo adicional
para os moradores das colônias.
Numa perseguição aos
bandoleiros até Nova Petrópolis e além, nem pensar, mesmo abstraindo do fato de
que as tropas costumavam aparecer com muito atraso no cenário do conflito. O
resultado desta situação foi que os moradores das colônias individualmente
assumiram a própria defesa. Mas, devido às desconfianças mútuas e das opiniões
divergentes sobre a ação dos homens da Serra, não havia como pensar nessa
saída. Antes de mais nada foi preciso que não poucos aprendessem com o prejuízo próprio, para só então tomarem
a decisão simples mas necessária para
obter sucesso, isto é, partir para a ofensiva unindo forças. Uma nova incursão
de rapinagem, noticiada no Deutsches
Volksblatt, nr. 89 de 6 de novembro de 1894, aconteceu no dia 25 de outubro.
"Na quinta feira de manhã um bando de salteadores composto por 22 homens
comandados por Antônio Correa e João Leão, atacou de improviso São José.
Desceram durante a noite de Nova Petrópolis, tomaram o desjejum na casa Ninow
na Linha Nova Olinda e, ao clarear do dia, entraram em São José, enquanto a
maioria ainda dormia. Primeiro atravessaram toda a linha a acavalo, a fim de
fazer um reconhecimento do terreno. Dirigiram-se à venda de Jacob Schmidt onde
prenderam um mulato. Obrigaram-no a mostrar a residência do subintendente
Sebastião Antônio Machado. Este encontrava-se na estrebaria dos cavalos quando,
de repente se viu cercado por homens armados. Conseguiu correr até a casa onde
morava, mas também esta já estava nas mãos dos ladrões e parcialmente saqueada.
Já se tinham apoderado de suas armas e, ao chegar, notou uma winchester
apontada para ele. Qualquer resistência seria inútil. Sebastião foi preso,
amarrado e, mais tarde, quando partiram, libertado em atenção aos pedidos da
mulher. Os maragatos roubaram objetos do
subintendente no valor de mais ou menos
cinco contos: um excelente cavalo com arreios guarnecidos de prata, uma
mula em boas condições, dois contos em espécie, (77) dois ponchos de tecido,
duas notas falsas de 100 mil réis, várias armas, esporas de prata, um relógio
de bolso, chapéus, chicotes de prata, laços e outras coisas mais.
O chefe Antônio Correa estava bem informado sobre tudo, pois
perguntou logo pelo tordilho e culpou o Sebastião por ter escrito contra os maragatos no
jornal. Correa acompanhado por alguns do bando dirigiu-se em seguida para a
casa de comércio de Jacob Schmidt. Apossou-se de quatro mulas além de algumas
miudezas da venda. Com esta atitude pretendiam provavelmente dar a impressão
que não eram ladrões ordinários mas uma força em guerra, autorizada a
requisitar montarias e despojos. Por essa razão libertaram o peão de Jacob
Schmidt em troca de 40 mil réis. Os
bandidos agiram um pouco diferente com o escrivão público João Meisterlin. Este
encontrava-se na horta quando o bando se aproximou. Na sua casa os intrusos deixaram tudo em desordem e levaram
o que bem entenderam, quase três contos em valores, entre eles 900 mil réis em dinheiro vivo. Sob a ameaça de uma
pistola levaram 866 mil réis de Peter Wecker.
Depois de todas
essas presas sua sede por dinheiro acalmou-se um pouco. Contentaram-se depois
em visitar os potreiros dos colonos, à direita e à esquerda da estrada e, sem
mais nem menos, levar os melhores
cavalos. Limparam literalmente a oficina
do seleiro J. Kiefer. Obviamente um destacamento de cavaleiros precisa de
couro, freios e arreios. Além de tudo
levaram o seu cavalo, o que importou num prejuízo adicional de um conto e meio.
Levaram também um cavalo de Adam Kiefer, pai do seleiro. Quando o idoso senhor
pediu que lhe deixassem pelo menos alguns arreios, os monstros o agarraram pelo
cabelo e lhe aplicaram uma surra com as lâminas dos sabres. Em seguida os
sujeitos insolentes dirigiram-se tranqüilamente até a venda de João Gräbin,
onde tomaram café sossegados e, em vez de pagar, levaram uma mula como
recordação. depois de alimentados voltaram ao trabalho. Estranhamente até então
permanecera tudo quieto na picada, nenhum dos roubados teve a idéia de avisar
os vizinhos sobre o perigo iminente. Foi por medo, por traição ou a suspeita
fundamentada que não havia o que fazer contra os inimigos, ou, quem sabe, a
secreta expectativa de que as coisas se passariam piores com os outros? Da propriedade de Gräbin os ladrões partiram com
a tranqüilidade de uma tropa de mercadores de cavalos.
Ao se aproximarem
da residência do professor público
Mathias Steffen, ele encilhava a mula. Também ele não tinha a mínima idéia do
perigo, quando, de repente, viu-se cercado por Antônio Correa e seus sócios de
pilhagens. Com sua presença de espírito conseguiu desviar a atenção de Correa
de suas mulas e assim salvá-las. Contudo foi obrigado a marchar com ele até a
venda de Franz Winter e mais tarde também até a casa de comércio de Nicolaus
Dilli Junior. Depois de várias ameaças
de fuzilamento e surras, foi obrigado a pagar 100 mil réis a Correa.
Correa afastou-se e ele foi liberado. Neste meio tempo roubaram um bom cavalo
de Fraz Winter. Este o comprou de volta por 50 mil réis. Entregue o dinheiro um
dos ladrões montou no cavalo e saiu a galope. Antônio Correa ao ouvir mais
tarde a história teria observado rindo: "Que ladroeira." De Franz Winter
roubaram mais 50 mil réis (78) da gaveta além de outros objetos no valor total
de 600 mil réis.
O golpe mais duro
sofreu o comerciante Nicolaus Dill. Foi roubado no mínimo de 11 a 12 contos.
Entre outras coisas os gatunos levaram cerca de 400 mil réis em dinheiro, 17
relógios de bolso, uma série de correntes de relógio, uma dúzia de panos de
seda, 22 boas mulas, a maioria valendo 500 mil réis, quatro cavalos e outras
coisas mais. Teve sorte com uma soma respeitável de dinheiro que ele conseguiu esconder. Os visitantes não convidados ameaçaram-no várias vezes com a degola, e
mais do que uma vez viu cinco ou seis carabinas apontadas para ele. Quando
pediu pela terceira vez que lhe deixassem pelos menos seis mulas, Correa
respondeu-lhe que calasse a boca sob pena de ser fuzilado. Se continuássemos a
citar homem por homem como foram roubados um por um, iríamos longe demais.
Em
resumo podemos afirmar que os assaltantes visitaram casa por casa e, de acordo
com as circunstâncias e a sua disposição
apropriavam-se dos cavalos. Exigiam dinheiro de todos, mas de vez em quando contentavam-se sem ele. Ao
subirem o Fritzenberg levavam perto de 100 cavalos. A roubalheira continuou
naquele morro. Além de um bom número de cavalos e mulas, levaram de Christian
Adam 265 mil réis e um pelego valendo 25 mil réis. Ao choro da mulher e dos filhos o malfeitor respondeu com ar de
zombaria que se acalmassem porque de qualquer maneira não adiantaria. Na parte
superior da Neuschneis levaram apenas aqui e acolá um cavalo e exigiram de
Peter Spier 100 mil réis a título de despesas de viagem. Seguiram depois em
direção a Nova Petrópolis levando 110 dos mais bonitos cavalos e mulas. A presa
valia em torno de 40 contos.