Deitando Raízes #11

Florescimento das colônias depois da tempestade
(1845-1846) e
A guerra contra Rosas (1850-1852)
Entende-se por si que, durante a guerra civil, a imigração fosse de todo interrompida. Inclusive o Brasil como um todo era mal visto. Mas quando a paz voltou ao país e a situação das colônias melhorou, a vontade de viver voltou a crescer e renovou-se o  prazer pelo trabalho. As cartas endereçadas aos parentes e conhecidos na pátria, pintavam com cores vivas a situação econômica. Muitos pais de família alemães aos quais a sorte já não sorria na terra natal, começaram a sentir vontade de tentá-la no Brasil. De 1846 em diante pôs-se em movimento uma corrente significativa de imigrantes vindos do Reno, da região do Mosela, do Palatinado e de Hessendarmstadt, para o Rio Grande do Sul. Só naquele ano chegaram, via Porto Alegre 1515 pessoas, a maioria delas assentados na nova picada da Feliz. No ano seguinte a imigração sofreu uma forte redução. Nos anos seguintes o fenômeno se repetiu. Apesar de tudo os imigrantes somavam 11.000 em 1853.
Em 1852 o Presidente da Província adotou medidas em relação ao crescimento das  colônias agrupadas em  de São Leopoldo. Propôs à Assembléia Legislativa que os imigrantes que vinham chegando,  não fossem mais assentados nas colônias antigas, como acontecia até então, mas em áreas afastadas entre si. Um temor equivocado motivou estas medidas, isto é, que surgisse um estado alemão dentro do estado brasileiro. Motivada por este tipo de preocupação, foi formada em 1840  a Colônia de Santa Cruz, financiada pelo governo provincial. Seguindo a mesma orientação um empreendimento privado fundou em 1851 um novo assentamento, chamado de Mundo Novo, nas margens do rio Santa Maria. Quando em 1854 desembarcou novamente um contingente numeroso de imigrantes alemães, com toda a probabilidade não teriam sido  mandados para São Leopoldo, se o então Presidente da Província, senador João Luiz Vieira C. de Sinimbu, não tivesse providenciado por uma boa acomodação. Este excelente funcionário, excepcionalmente bem intencionado para com os alemães, determinou que aqueles colonos que foram assentados após a promulgação da lei de 1855, recebessem terras gratuitamente. Foram-lhes destinados os lotes coloniais não ocupados pelos antigos donos e retornados como propriedade do estado. Entre outras  encontravam-se nesta situação parte das terras da Feliz, da linha Herval, do Travessão do Herval e de Padre Eterno. Entre os recém-vindos  de 1846 e que foram encaminhados para  Bom Jardim, Bohnenthal e Picada Café, encontramos Mathias Schütz, que mais abaixo merecerá um relato mais extenso. Além deles constam ainda as famílias Hans, Reichert, Marx, Sommer, Brass, Benjen, Seibel e Führ. Fixaram-se na picada, ora em grupos de cinco a seis, ora em menor número. Embora a maioria dos colonos tivesse que recomeçar de novo depois das guerras revolucionárias, a situação era muito mais favorável do que na chegado dos primeiros em 1828. Enquanto que antigamente não sabiam nem como plantar, isto lhes era agora perfeitamente claro. Jacob Jung contou-nos como sua gente recebeu o conselho de um vizinho de que derrubasse as árvores e as jogasse no rio, para se livrar delas, assim como ele o fazia. Provavelmente não conheciam o método sumário de queimar o mato para abrir espaço para a plantação. (27) Receavam, com certeza de que se provocaria um incêndio generalizado, o que só agravaria a situação. Naquela época derrubava-se uma árvore depois da outra com infinita paciência, responsável por um progresso muito lento. Foi preciso aprender com a experiência como plantar o milho. Os colonos antigos já dominavam esta experiência  e a compartilhavam sem inveja com os novos que chegavam. A população multiplicara-se fortemente com chegada de novos imigrantes e os nascidos aqui, de matrimônios aqui celebrados. Como conseqüência as pessoas se dispersavam e ocupavam áreas sempre maiores.
 As espécies cultivadas restringia-se à batata inglesa. lonho, feijão, milho. acrescidos da                 mandioca e da cana de açúcar. No começo havia poucas possibilidades de comercialização, mas elas foram crescendo de ano para ano. Já no tempo dos Farrapos as pequenas vendas de Lerner e Eckert encarregavam-se do comércio. Logo que terminou a revolução somaram-se a elas mais duas, as vendas de Reser e Kerber. Karl Holler, um protestante, e Heinrich Müller eram os únicos a terem carroças de duas rodas. Faziam com elas o transporte até o "Passo" em São Leopoldo. Interessantes são as informações dos antigos sobre preços e a comparação e os publicados hoje no "Deutsches Volksblatt". O saco de feijão valia cinco patacas, o milho dois mil réis, uma dúzia de ovos de dois a três vinténs, um galo cinco vinténs, uma galinha poedeira 18 vinténs, a arroba de toucinho dois mil réis. Ninguém se interessava por banha e óleo. Produzia-se o suficiente para cobrir a demanda doméstica (iluminação e comida).
No "Passo" havia dois lanchões que pertenciam a um certo Everts e um certo Roth, que  se encarregavam do transporte de tudo até Porto Alegre. Só mais tarde  o serralheiro Diehl construiu um pequeno navio a vapor, assumindo a maior fatia do transporte. Enquanto já se dispunha de caminhos transitáveis, nas picadas mais afastadas as condições eram precárias. Cada um era obrigado a levar o animal de carga pelas trilhas do mato. O colono carregava ele mesmo, o feijão e o milho nas costas, até a venda horas distante. Era este o caso do nosso Jacob Jung que, mais tarde, comprou um a égua por cinco mil réis e transferiu a carga para ela.
Só havia dois moinhos para trigo e centeio, mas fora da região do mato. Um deles de propriedade do velho Wilke, ficava no campo e um outro pertencente a um certo Hannes Schmitt, na Floresta Imperial. Mais tarde foi construído um perto de Simonis, na pequena ponte, ainda hoje em atividade e pertencente a Fr. Lenk.
Só mais tarde apareceram moinhos para farinha de mandioca depois  de dominadas as técnicas do aproveitamento da mandioca. Um certo Reser construiu a primeira atafona. Foram, por assim dizer, as primeiras iniciativas industriais da época. A elas somava-se  um pequeno número de ferrarias, tecelagens de linho, sapateiros, alfaiates. Os preços eram tão baixos quanto a durabilidade dos produtos.
Antes do período da Revolução circulava pouco dinheiro nas colônias e não havia papel. Encontravam-se "Thalers de prata" com valor equivalente a 48 vinténs, valor que dobrou depois da guerra, devido ao novo mil réis brasileiro que valia a metade do antigo português. Paralelamente circulava muito dinheiro norte americano (dólar) (28) e as ainda mais cobiçadas libras fortes que valiam 16$000, portanto, 32 mil réis brasileiros. Já que os colonos dispunham no começo de pouco dinheiro, com tanto mais parcimônia lidavam com ele. Normalmente adquiriam utilidades e assim melhoravam a situação. Nem nas festas gastavam o dinheiro na quantidade que hoje se tornou um mau hábito. Acontece também que não havia bailes nem cerveja importada. Só de vez em quando organizava-se uma reunião dançante no estabelecimento de Knierin no campo. A juventude que sentia as pernas inquietas, contentava-se, na maioria dos casos, em reunir-se numa casa particular, para acalmar por algumas horas a necessidade de uma movimentação mais vigorosa.

Apesar da falta de dinheiro e  diversões públicas a vida do povo não era menos feliz. Contribuía para isto de modo especial, a grande união que reinava entre todos os católicos. Não havia diferença entre católicos e protestantes, pois na época não havia pessoas mal intencionadas como mais tarde, de modo especial o pastor Rotermund, criando um clima de hostilidade, levando a mil equívocos e mal entendidos. Todos conviviam pacificamente como se fossem irmãos e, oferecendo-se a ocasião, teriam repartido fraternalmente o pão. Com isto não se quer afirmar que entre os católicos não tivesse acontecido  uma diminuição da vida religiosa, como conseqüência  inevitável do isolamento e da ausência de sacerdotes. A situação dos católicos não pode ser comparada a dos protestantes, já que estes não reconhecem o sacerdócio e, por isso, não o precisam para a sua vida religiosa. No cumprimento de suas obrigações religiosas os católicos dependem muito mais da ajuda do sacerdócio e sentem a sua falta muito mais do que o protestante do seu pregador. Por isso os católicos empenharam-se com determinação para conseguir sacerdotes alemães, principalmente a partir do momento em que a situação melhorou. Os batizados e matrimônios não causavam maior problema porque, de alguma maneira, dispensavam o conhecimento do português. Mesmo nestes casos esperava-se normalmente uma boa ocasião, especialmente durante a Revolução. Logo depois de encerrada esta, numa única tarde, o vigário de Sant´Ana, casou 13 pares de noivos, na capela de São José do Hortêncio, entre eles Jacob Jung. Não chegou ao conhecimento do autor destas linhas se o número treze teve a ver com a felicidade matrimonial.

Deitando Raízes #10

Acrescentemos alguma coisa sobre a situação da Picada 48, perto de Bom Jardim, durante a Guerra dos Farrapos. Os primeiros colonos a receberem  terras aí em 1828, tinham combatido contra Portugal na guerra da independência do Brasil. Entre eles encontravam-se: Reichert, Schmedding, Tockhorn, Arndt, Scheibel e Morschel. Por serem solteiros abandonaram em parte as colônias. Na época não era nada fácil encontrar uma moça alemã para noiva e recorrer a um rapto de Sabinas, como Roma resolveu o problema da escassez de  mulheres, nem pensar. Mesmo que tivessem a sorte de entrar no porto do matrimônio, a realização doméstica nem sempre estava garantida, como  o prova o que aconteceu com a mulher de Scheibel. Ela levava uma vida escandalosa e desregrada em companhia de rapazes sem moral. Pouco tempo depois o marido sumiu e, somente por um  encontro casual de um cunhado e um irmão, foi descoberta a pista do abominável crime. Quando depois do mate na casa de Scheibel perguntaram pelo homem, notaram manchas de sangue no assoalho. Quiseram informar-se sobre a origem das manchas de sangue, pelo que a mulher respondeu com sangue frio, que tinha matado um galo. As pessoas desconfiaram e procuraram com maior empenho pelo desaparecido. Lá no alto, no caminho que desce pela viúva Ostien e leva até o Müller, onde se tem uma vista desimpedida  sobre o rio, viram o corpo pendurado numa moita. A intenção fora precipitá-lo na garganta junto com o cavalo sobre o qual estava amarrado. Alertados sobre o assassinato, dirigiram-se até a casa dos suspeitos. Numa das casas encontraram um homem de nome Hans Adam Sander que, ao vê-los, gritou: "Não fui eu, foi este aí", e apontou para alguém que dormia num banco. Sander mal pronunciara estas palavras, dois tiros de pistola destroçaram a cabeça  do que dormia. O castigo seguira sem tardar os passos do criminoso. Assim eram os tempos de então: selvagens e sem lei.
Relembramos um outro (23) episódio relacionado com as 48 Colônias. A avó da hoje senhora Arnold, encontrava-se  na cabana  com sua avó, quando entrou um preto para roubar. Como a avó estava grávida, de susto permaneceu sentada, enquanto a bisavó, rápida e decidida, agarrou uma velha espingarda encostada na parede, decidida a proteger a si e a propriedade. Apavorada que a mãe matasse o preto, a  mulher grávida cobriu o rosto com as mãos. Mais tarde quando a criança nasceu, apareceram no seu rosto as impressões nítidas de mãos humanas, um fato que foi observado mais vezes em outras ocasiões. Os moradores da 48, todos velhos soldados do Imperador, eram Caramurus enquanto  a maioria de Bom Jardim fechava com os Farrapos. Apesar desta posição partidária  da parte dos moradores de Bom Jardim, aconteceu que uma importante família de Hamburgo Velho, de nome Schmitt, de sentimentos imperiais, levantou suspeitas junto aos moradores de Bom Jardim, por causa da insistência com que aliciava em favor do Imperador. Contudo nem todos os moradores de Bom Jardim eram adeptos confessos da revolução. Eles, como todos os demais, tiveram que suportar não pouco da parte de ambas as facções. De preferência não se teriam definido por nenhuma das duas. Mas a crua realidade só poucas vezes correspondeu aos desejos do coração e, desta forma, encontramos muitas vezes as pessoas, ora com os farrapos, ora com os Caramurus.
Bom Jardim mantinha relações com Dois Irmãos semelhantes àquelas com  a Picada 48. Os imperiais sob o comando do capitão Mombach, chegaram em Bom Jardim nos últimos anos da guerra civil, para roubarem do que precisavam. No outro lado do arroio, onde hoje mora João Gehring, funcionava uma atafona junto a um depósito. Sem mais nem menos forçaram a  entrada e carregaram os sacos de que precisavam, enquanto assavam um churrasco na atafona, com a carne do gado roubado dos vizinhos. Inexplicavelmente o então jovem Bauermann tomou parte, pois também seu gado fora roubado. Consolava-se com a certeza que tudo que ele comia, não era levado pelos inimigos. É testemunho da sua força o fato e ter carregado durante esta função, com seus braços a velha Ostien, 14 anos mais nova. Dificilmente ele se lembrará do episódio. De mais a mais não era só gado e farinha que eram carregados, mas tudo que agradava aos rapineiros, fosse o que fosse, como por ex., chinelos e fumo de fabricação caseira do Bauermann. Até tachos para cozinhar eram carregados, tendo-se o cuidado de limpá-los da fuligem para facilitar o transporte. Até a camisinha de uma das crianças da família Mormann escondida sob a criança de peito para protegê-la contra a voracidade dos defensores da pátria, foi roubada. O informante há pouco citado passou-nos uma outra história interessante. Carregava nas costas duas quartas de milho até o moinho de um certo Wilke (morador perto do moinho do senhor Hohendorf). Receberia em troca o volume de duas caixas de chapéu  - a medida usual de farinha. A família Bauermann agia como a maioria  das famílias dos colonizadores alemães, que costumavam praticar a agricultura de acordo com os costumes alemães. Semeavam cereais e trigo e ao lado as culturas próprias da terra, até que mais tarde se convenceram de que dessa maneira não chegariam muito longe. Orientaram depois as culturas agrícolas de acordo com as práticas da terra. Construíram até as casas no estilo alemão o que tinha pouco valor pratico nas circunstâncias brasileiras. Depois desta digressão voltemos aos Farrapos e Caramarus. Quando os revolucionários se fixaram em Viamão, Bom Jardim em peso correu até lá, menos aqueles que se tinham bandeado para o lados dos Caramurus de Dois Irmãos. Durante a marcha dos imperiais contra Viamão (Capela Grande), estes apoderaram-se da cidadezinha de São Leopoldo, considerada farrapa. Na ocasião as casas de comércio de Steinhart, Panitz e Nicolau Stumpf foram pilhadas.
A respeito do assassinato de Morschel, referido  mais acima, tivemos ainda as seguintes informações. Morschel fora um daqueles alemães que o Imperador contratara para lutar contra Portugal. Contava com 30 anos  casara-se com a filha de 15 anos de J. Bauermann e morava na colônia que hoje pertence à viúva Kuhn. Recebera a colônia como recompensa pelo serviço prestado no exército do Imperador. Quatro dias antes da sua captura encontrou-se na colônia vizinha, pertencente a um certo Spindler, com Joh. B. Lavall, marido da assim apelidada Grethe Farrapa. Quando avistou Morschel apontou a espingarda. "Mira bem", gritou Morschel. Errou o tiro e no mesmo momento Lavall caiu morto. Morschel enterrou-o aí mesmo. Dois dias depois Menino Diabo ordenou que os homens do partido se reunissem na casa de Riedel, mais tarde de Bokorny. 30 homens atenderam à convocação. Foi prometido que nenhum mal lhes seria feito. Mas logo que estavam reunidos Menino Diabo deu ordem que se enfileirassem. "Aí", contou uma testemunha ocular, "ficou claro o que viria." Depois que os moradores da casa receberam ordem de abandoná-la, os homens foram levados para dentro. Veio a exigência que aquele que fuzilara Lavall se apresentasse. Um irmão do velho Kehl desmaiou de susto. A suspeita cairia evidentemente sobre ele. Neste momento Morschel adiantou-se e declarou: "Eu sou o responsável." Os homens ficaram durante a noite presos na casa. No dia seguinte o acampamento foi transferido para a casa de Eckart. Aqui Morsche foi estaqueado como relatamos acima.
Quando durante a noite foi solto por uns instantes, a sentinela, um tal de Fries, tentou convencê-lo a fugir. Recusou embora a fuga fosse muito fácil. O torturado foi finalmente amarrado a um poste. Quiseram vendar-lhe os olhos o que ele rejeitou. O velho Peter Kassel disparou o primeiro tiro. Errou de propósito. O infeliz meneou a cabeça com se quisesse dizer: "Atiras mal". O segundo tiro acertou-o num dos olhos. O alvejado tombou morto.
O jovem Johann Dil livrou-se à força das mãos dos arregimentadores. Como se sabe homens casados normalmente não eram  engajados no exército. Permitia-se ao menos que ficassem em casa, mesmo que lá não tivessem vida muito fácil. Na ocasião em que Johann Dill pensou desertar, foi-lhe dado o bom conselho de fundar imediatamente um lar próprio. Foi uma solução inesperada para o nosso Johann. Nunca tinha pensado nesta saída. Casar, portanto, era o remédio certo para ser poupado do serviço militar. E, na verdade, é uma solução muito simples para a maioria das pessoas. Para o nosso bom Dilli Hannes a questão tinha lá suas dificuldades e complicações. Sim, casar? mas com quem? Eis o nó. Mas os bons amigos tinham uma saída. Lá em baixo na Linha 48 morava uma moça excelente, a Margarethe Pohren. "Mas", objetou o casadoiro assustado. "Nem sequer  a conheço." "Não faz mal", foi a resposta. "Hoje à tarde vamos até lá e combinamos tudo." Dito e feito. De tarde se deu a procura da noiva. Foi acertado tudo e, no dia seguinte, os noivos foram a cavalo até São Leopoldo, onde foram casados pelo vigário de então, depois de dispensados dos proclamos. Mesmo que o casamento tivesse acontecido com tamanha rapidez ou, quem sabe por isso mesmo, resultou numa união muito feliz e um grande número de filhos. (25) Esse exemplo ensina que, para um matrimônio feliz não  se requer um longo conhecimento prévio. Pelo contrário num caso desses as conseqüências são muitas. Muitas vezes não se chega ao casamento, mas cobre-se a moça e a família de vergonha, o que pode ser evitado quando  o conhecimento dura menos tempo. O  que mais importa na fundação de uma família é uma juventude de costumes irrepreensíveis da parte dos futuros cônjuges; que tenham o firme propósito de combater com perseverança suas más inclinações; e celebrar a aliança para a vida  para a qual  somente  uma educação cristã é capaz de garantir a solidez.
A única coisa que na colônia se manteve em pé durante a infeliz guerra entre irmãos, foi a união entre os cônjuges. Em não poucos casos as famílias se desfizeram, na medida em que alguns membros passaram para os  Farrapos e os outros para os imperiais. Não raro o pai combatia ao lados dos revolucionários e o filho ao lados dos imperiais. Ora um irmão lutava contra o outro numa batalha. Um caso exemplar aconteceu com a família Schreiner. O filho Pedro apoiava os Caramurus e a mãe viúva os Farrapos e com isso o negócio, uma atafona, andava às mil maravilhas em qualquer situação.  Destas circunstâncias originavam-se os maiores inconvenientes. Além disso a guerra veio acompanhada de outras conseqüências. O gosto pelo trabalho diminuiu, porque já não se podia contar com  um retorno para a tarefa cumprida. Os Imperiais de Dois Irmãos costumavam dizer: "Para que trabalhar. Os Farrapos que o façam por nós. Se nos falta alguma coisa vamos buscá-la junto a eles." Da mesma forma diminuiu drasticamente a solidariedade e, no seu lugar, dominou um comportamento rude e uma selvagem falta de humanidade, que devastou as almas, como a guerra devastou o campo e os prados. O capim no campo entre Bom Jardim e Hamburgo queimado pelos Farrapos, não se recuperou mais e, em seu lugar, cresceu um outro de qualidade inferior. Os danos causados à vida do povo, entretanto, cicatrizaram sob a influência da religião. Prova-se assim que a alma humana é um chão mais propício do que o melhor dos solos. 

Deitando Raízes #9

Poucos dias após a execução do Menino diabo, entrou um destacamento de Farrapos em Dois Irmãos. Abriram a sepultura e encontraram o malfeitor mutilado, obviamente morto. Mas antes que se pudessem vingar a bel prazer, os imperiais estavam nos seus calcanhares. Perseguiram-nos por Carioca, Sapucaia, Aldeia dos Anjos  e Passo Grande, sem contudo  alcançá-los, já que deste último lugar retiraram-se para o alto da Serra. Toda a força de combate dos imperiais, cerca de 3.000 homens, entre eles oito jovens alemães de Bom Jardim, marchou contra Viamão (Capela Grande), onde os rebeldes tinham seu acampamento principal. Os Farrapos dispunham de vários canhões, enquanto os imperiais só contavam com infantaria e cavalaria. Numa elevação, perto do Gravataí,  estava posicionada uma bateria, que deveria dificultar  a travessia e o avanço dos imperiais. Apesar disto estes últimos avançaram. Uma bala de canhão veio assobiando pelo ar e cravou-se  na lama do barranco. (19) Os atacantes pararam assustados, mas o valente oficial Gabriel Gomes gritou: "Não é nada, avancem!" O Ataque começou com destemor apesar dos muitos obstáculos. Só havia duas canoas para levar os 300 homens para ao outro lado. Apesar de tudo obtiveram-se boas vantagens e a aproximação da casa fortemente defendida, progrediu. Nessa altura ocorreu algo inusitado, provocando a ira dos alemães sob o comando do seu coronel dr. Hildeband. Bento Manoel que antes  combatera pela causa dos Farrapos e agora comandava os imperiais, fez saber que mandaria fuzilar todo aquele que molestasse os Farrapos. Estes encontravam-se numa situação difícil e praticamente sem pólvora para o canhão, razão pela qual as balas não tinha força. O velho Noschang, que na época servia sob os Farrapos, veio a ser apelidado de Moisés por causa do seu aspecto venerando, teria declarado que os canhoneiros estavam a ponto de inutilizar as peças de artilharia, se os imperiais tivessem avançado mais. Naquele dia, porém, não aconteceu nenhum ataque sério. Os imperiais foram obrigados a observar sem poder fazer nada, como os Farrapos que, apressados e em desordem como uma manada de gado selvagem, fugiam em direção a Viamão. O assalto somente deveria acontecer no dia seguinte, quando 300 baianos chegaram a Porto Alegre com três canhões.  Antes, porém, houve uma negociação entre os comandantes dos dois exércitos. Bento Gonçalves o cabeça dos revoltosos dirigiu-se  a cavalo até o acampamento de Bento Manoel, onde permaneceu até a anoitecer. O que teriam acerto os dois!? Já antes os alemães não confiavam muito no seu general Bento Manoel e o curso dos acontecimentos reforçaram as suspeitas. Ao clarear o dia os imperiais aproximaram-se da aldeia de Viamão. Primeiro dispararam um tiro cego de uma das suas peças, com a finalidade de, pela última vez, convidar o inimigo para a rendição. A resposta foi um disparo de verdade vindo do acampamento do inimigo. A mira foi tão certeira que a bala arrancou o chifre de um boi de uma das parelhas, depois quebrou alguns raios de uma roda para, finalmente, perder-se no campo. A escaramuça esquentou. A infantaria imperial avançou protegida pelos canhões. Os Farrapos posicionaram dois canhões na beira da estrada para castigar o atacantes com uma saraivada de metralha. Aqueles avançaram e, por duas vezes, estavam a ponto de se apoderar dos canhões. Dos 300 baianos sobraram apenas 50. Em vez de os imperais saírem vencedores foram batidos porque a sua cavalaria não se mexeu. Muitos, principalmente entre os alemães,  gritavam em altos brados que houve traição e, provavelmente, não sem razão. Bento Manoel desconfiou  finalmente da atitude da coluna sob o comando do coronel Hildebrand.
Para ele próprio se livrar da suspeita de traição, ordenou que entrassem em combate. Viu--se forçado a repetir a ordem uma, duas, três vezes. Inútil. Os alemães não se moveram do lugar. O velho Gerling gritou alto: "Ladrão queres vender-nos ao inimigo?" Bento Manoel ameaçou apontar os próprios canhões contra eles, caso não avançassem, mas o oficial de artilharia, um homem com um pequeno quepe, declarou sem reticências, que a coisa era muito arriscada. Bento Manoel deu meia volta com o cavalo e afastou-se a galope. Com isto a escaramuça estava terminada para aquele dia. Na manhã seguinte os alemães  retiraram-se o mais depressa possível e voltaram para as suas picadas. Bento Manoel demorou-se ainda por  alguns  dias perto de Viamão. Finalmente, porém, com o avanço dos Farrapos, retirou-se para Porto Alegre e, depois, via São Leopoldo e Portão até a Freguesia Nova (hoje Taquari ou Triunfo). Como se sabe ocorreu aí um importante combate de três dias, que resultou na derrota dos Farrapos. O troar dos canhões podia ser ouvido até na mata virgem dos alemães que agora se sentiam de fato felizes por terem finalmente conquistado a tranqüilidade em meio às perturbações políticas. (20) O desfecho da guerra é conhecido por todos. Aconteceu da mesma forma como recentemente com a Revolta do Prata e a Guerra dos Maragatos. O soldo de Bento Gonçalves e de todos os seus adeptos foi pago sobre todo o período da revolução e voltaram a apresentar-se como baluartes do trono e tidos em alto conceito. De outra parte os colonos alemães que tinham perdido tudo no conflito, puderam recomeçar.
Depois do malogrado ataque a Viamão Jakob Jung conforme expressão sua, “arrastou-se de volta para a mata virgem”. Certo dia recebeu a inesperada  visita de Farrapos dispersos. Alertado sobre a sua chegada, trancou portas e tampões e esperou que batessem mais vezes. Só quando ameaçaram arrombar a porta, levantou-se  e abriu. Eram três que pediram algo para comer. Jakob Jung, cuja mulher estava grávida, comprara uma libra  de manteiga para o dia do nascimento. Ofereceu-a aos hóspedes indesejados, enquanto se atinha ao princípio: Ao cachorro furioso oferece-se um pedaço de pão enquanto se joga um pau nas costas do manso, sem que se tenha a temer castigo. Os três  revolucionários avançaram na manteiga e cortaram grossas porções que colocaram sobre o pão. No fim da refeição a manteiga tinha sumido. Não satisfeitos levaram  calçados, couros e tudo que encontraram. Mas a experiência não estava terminada. Depois de meia hora bateram de novo na porta. Eram os três velhos conhecidos associados  a mais quatro (vindos do Faxinal em São Sebastião). Carregaram dois cavalos com couros e ouras tralhas. Quando a mulher de Jung desandou em choro, um dos bandidos mostrou o sabre e, enquanto o roçava no pescoço do marido, disse: "Se lhe cortasse o pescoço a senhora teria motivo para chorar, esteja satisfeito por escapar com vida." É verdade. Escaparam com vida mas de resto salvaram miseravelmente pouco. Os salteadores de estrada carregaram até o "Buraco do Diabo" um garrafão de vinho encontrado na vistoria da casa. Tomaram o conteúdo e despedaçaram o casco contra um tronco de árvore. Depois de mais duas semanas apareceram  oito forasteiros que levaram o resto que o casal Jung ainda tinha. Desanimados abandonaram Bom Jardim e mudaram-se para Holanda [1] onde moraram desde então bem isolados. O primeiro morador ficava uma hora distante. Em condições mais difíceis começaram a vida  pela segunda vez. A mulher disse na ocasião: "Quem sabe que, apesar de tudo, talvez vivamos dias melhores. Embora tenhamos perdido quase tudo, a vida nos foi preservada." Deve ter sido um espetáculo comovente quando os dois partiram em busca da nova querência. A mulher carregava a criança pequena num dos braços, no outro a roda de fiar e o homem levava nas costas o que sobrara em utensílios domésticos, o berço da criança e nas mãos roupa de cama  e outros pequenos objetos. Quem naquela ocasião teria adivinhado que este casal conquistaria o bem-estar do qual continuava a desfrutar ainda em 1895. Merece ser lembrado que, não poucas vezes, a jovem mulher ficava sozinha na cabana  por dois dias, protegida apenas pelos cachorros, enquanto o homem providenciava por alimentos.  E, numa determinada ocasião, quando não tinham nada para fazer fogo, colocaram pólvora e espoleta sobre o detonador da espingarda de pederneira e, soprando as fagulhas, obtiveram fogo.
Só mais tarde me foram relatados, por fonte confiável, detalhes interessantes sobre o assassinato de Fritz Renner, pai de Philipp, Fritz Renner era fugitivo dos Farrapos que tinham seu acampamento no "Buraco do Diabo". A mulher quis levar-lhe um cobertor para a noite. Foi aprisionado e arrastado por um trecho pela estrada. Mais tarde o cadáver foi localizado perto da cascata, degolado e sem sinais de bala. Um mecklenburguense de nome Bollmann (21) o teria golpeado várias vezes com o sabre. Todos as tentativas de limpar o sangue da lâmina teriam sido em vão. É ao menos isto que se afirmava.
Johann Nedel, irmão de Joseph Nedel perdeu a vida de uma forma sumamente lamentável. O capitão farrapo Ohnmacht invadiu a picada com 300 homens de infantaria e 100 de cavalaria, enquanto os imperiais se retiraram sob o comando de Totsch. Johann Nedel e Peter Schneider ficaram para trás e foram alcançados pelos Farrapos, quando se preparavam para atravessar o rio feitoria. O capitão entrou com o cavalo na água, agarrou o infeliz e degolou-o. Afirma-se que os estertores foram  ouvidos de longe. Quando mais tarde os imperiais o sepultaram, o corpo já depositado na sepultura, um dos coveiros comoveu-se porque a terra cairia diretamente sobre o corte aberto. Tirou o lenço, amarrou-o no pescoço do morto e só depois o cobriram com terra. Um ato de delicadeza que merece registro num período tão sanguinário.
Com o assassinato do bondoso Peter Ludwig e três dos que o acompanhavam no início de agosto de 1841, uma luz toda peculiar projeta-se sobre a opinião daqueles que, sem uma razão plena, afirmam com Adalbert Jahn, que os católicos estavam do lado dos Farrapos. O assassino foi o capitão Carlos, um português de nascimento, partidário dos Farrapos, motivado por uma razão  banal. Acontece que, certa ocasião o colono em questão, foi à procura do gado que sumira sem explicação, em companhia de outros  companheiros. É óbvio que os Farrapos  tinham-se apossado dos animais e  alimentaram-se em companhia  dos partidários, alemães renegados, cujos nomes preferimos não registrar aqui.  O simples procurar já era suficiente para que os Farrapos  tirassem eliminassem alguém. O episódio aconteceu assim. Peter Ludwig que morava na terra onde hoje se encontra a capela dos 14 Santos das causas impossíveis, tocava um pequeno negócio. Navegava com seu barco no rio Cadeia, entre Campestre e as 14 Colônias, inicialmente até Caí e mais tarde até Porto Alegre. Era o único serviço de navegação de que Bom Jardim dispunha e, mesmo assim, apenas partindo dos seus limites, até as 14 Colônias. Com Peter Ludwig, dono do alambique, encontravam-se Jacob Ludwig da Picada dos Portugueses e  três homens que o acompanhavam, um da picada e outros dois jovens da Linha Nova. O primeiro, como que pressentindo o desastre,  foi  ter com Peter Ludwig na noite anterior à partida, comunicando que pretendia desistir, mas movido pela insistência voltou atrás. A viagem até Porto Alegre transcorreu sem problemas, da mesma forma como a viagem de volta até o local onde o Feitoria se encontra com o Cadeia. Nesse local sumiram as quatro embarcações  e, aparentemente, ninguém soube  de nada. Somente depois da chegada do Pe. Agostinho e 1849 e de alguns sermões muito sérios, acordou a consciência de alguns que sabiam dos fatos. Mostraram para as famílias onde os corpos podiam ser localizados. De fato foram encontrados no local indicado, mas incompletos e os restos mortais espalhados, porque as covas não tiveram mais do que dois palmos de profundidade. Os ossos forma colocados numa urna e sepultados pelo Pe. Agostinho.
Um outro exemplo de boas relações entre os Farrapos e os católicos, fica evidente pelos relatos de famílias católicas da picada. Muitas vezes os Farrapos andavam  precariamente vestidos. Um vestia uma camisa, o outro não, o outro uma peça com duas mangas o outro uma com apenas uma. A situação das calças e casacos não era diferente. O que mais interessava eram ponchos que os protegiam da chuva e do frio. Na maioria dos casos restava para os pobres colonos uma outra dessas peças de roupa, com as quais cobriam as crianças no inverno. Sua preocupação principal era esconder (22) os ponchos dos Farrapos, que bisbilhotavam por tudo. Certo dia  acabavam de procurar ponchos nas casas, nos paióis e nas  estrebarias, quando na casa de um certo Feltes encontraram dois ponchos escondidos no meio do milho. Voltaram imediatamente até as casas dos colonos antes vasculhadas, para procurar em vão a preciosa presa no meio do milho. Nem todos haviam escolhido o mesmo esconderijo, mas o local que pessoalmente parecia o mais seguro para esconder a útil peça. O resultado foi que a vistoria terminou em muitas decepções.
Um outro episódio da época envolveu os irmãos Schmitt e um homem de nome Kohlrausch, três cidadãos de Hamburgo Velho,  vendeiros bem sucedidos. Não residiam em Bom Jardim, mas eram bem conhecidos  pelos moradores de lá.   Dizia-se deles que, como recrutadores e intermediários tinha reunido uma boa soma de dinheiro. Por duas vezes os Farrapos queimaram suas casas de comércio e, por fim, foram feitos prisioneiros, levados a Piratini onde foram obrigados a semear cereais e por fim libertados.
Um outro personagem menos relacionado com Bom Jardim - somente com Catarina Calsinger - foi Mathias Brusch que tinha uma perna de pau. Foi levado para a cadeia porque não  confiavam nele. Nunca foi apanhado porque ninguém desconfiou que levava a perigosa correspondência escondida na perna de pau, como de fato foi.




[1] Picadda Holanda situa-se entre o Morro Reuter e a Picada Café.