Poucos dias após a
execução do Menino diabo, entrou um destacamento de Farrapos em Dois Irmãos.
Abriram a sepultura e encontraram o malfeitor mutilado, obviamente morto. Mas
antes que se pudessem vingar a bel prazer, os imperiais estavam nos seus
calcanhares. Perseguiram-nos por Carioca, Sapucaia, Aldeia dos Anjos e Passo Grande, sem contudo alcançá-los, já que deste último lugar
retiraram-se para o alto da Serra. Toda a força de combate dos imperiais, cerca
de 3.000 homens, entre eles oito jovens alemães de Bom Jardim, marchou contra
Viamão (Capela Grande), onde os rebeldes tinham seu acampamento principal. Os
Farrapos dispunham de vários canhões, enquanto os imperiais só contavam com
infantaria e cavalaria. Numa elevação, perto do Gravataí, estava posicionada uma bateria, que deveria
dificultar a travessia e o avanço dos
imperiais. Apesar disto estes últimos avançaram. Uma bala de canhão veio
assobiando pelo ar e cravou-se na lama
do barranco. (19) Os atacantes pararam assustados, mas o valente oficial
Gabriel Gomes gritou: "Não é nada, avancem!" O Ataque começou com
destemor apesar dos muitos obstáculos. Só havia duas canoas para levar os 300
homens para ao outro lado. Apesar de tudo obtiveram-se boas vantagens e a
aproximação da casa fortemente defendida, progrediu. Nessa altura ocorreu algo
inusitado, provocando a ira dos alemães sob o comando do seu coronel dr.
Hildeband. Bento Manoel que antes
combatera pela causa dos Farrapos e agora comandava os imperiais, fez
saber que mandaria fuzilar todo aquele que molestasse os Farrapos. Estes
encontravam-se numa situação difícil e praticamente sem pólvora para o canhão,
razão pela qual as balas não tinha força. O velho Noschang, que na época servia
sob os Farrapos, veio a ser apelidado de Moisés por causa do seu aspecto
venerando, teria declarado que os canhoneiros estavam a ponto de inutilizar as
peças de artilharia, se os imperiais tivessem avançado mais. Naquele dia,
porém, não aconteceu nenhum ataque sério. Os imperiais foram obrigados a
observar sem poder fazer nada, como os Farrapos que, apressados e em desordem
como uma manada de gado selvagem, fugiam em direção a Viamão. O assalto somente
deveria acontecer no dia seguinte, quando 300 baianos chegaram a Porto Alegre
com três canhões. Antes, porém, houve
uma negociação entre os comandantes dos dois exércitos. Bento Gonçalves o
cabeça dos revoltosos dirigiu-se a
cavalo até o acampamento de Bento Manoel, onde permaneceu até a anoitecer. O
que teriam acerto os dois!? Já antes os alemães não confiavam muito no seu
general Bento Manoel e o curso dos acontecimentos reforçaram as suspeitas. Ao
clarear o dia os imperiais aproximaram-se da aldeia de Viamão. Primeiro
dispararam um tiro cego de uma das suas peças, com a finalidade de, pela última
vez, convidar o inimigo para a rendição. A resposta foi um disparo de verdade
vindo do acampamento do inimigo. A mira foi tão certeira que a bala arrancou o
chifre de um boi de uma das parelhas, depois quebrou alguns raios de uma roda
para, finalmente, perder-se no campo. A escaramuça esquentou. A infantaria
imperial avançou protegida pelos canhões. Os Farrapos posicionaram dois canhões
na beira da estrada para castigar o atacantes com uma saraivada de metralha.
Aqueles avançaram e, por duas vezes, estavam a ponto de se apoderar dos
canhões. Dos 300 baianos sobraram apenas 50. Em vez de os imperais saírem
vencedores foram batidos porque a sua cavalaria não se mexeu. Muitos,
principalmente entre os alemães,
gritavam em altos brados que houve traição e, provavelmente, não sem
razão. Bento Manoel desconfiou
finalmente da atitude da coluna sob o comando do coronel Hildebrand.
Para ele próprio se
livrar da suspeita de traição, ordenou que entrassem em combate. Viu--se
forçado a repetir a ordem uma, duas, três vezes. Inútil. Os alemães não se
moveram do lugar. O velho Gerling gritou alto: "Ladrão queres vender-nos
ao inimigo?" Bento Manoel ameaçou apontar os próprios canhões contra eles,
caso não avançassem, mas o oficial de artilharia, um homem com um pequeno
quepe, declarou sem reticências, que a coisa era muito arriscada. Bento Manoel
deu meia volta com o cavalo e afastou-se a galope. Com isto a escaramuça estava
terminada para aquele dia. Na manhã seguinte os alemães retiraram-se o mais depressa possível e
voltaram para as suas picadas. Bento Manoel demorou-se ainda por alguns
dias perto de Viamão. Finalmente, porém, com o avanço dos Farrapos, retirou-se
para Porto Alegre e, depois, via São Leopoldo e Portão até a Freguesia Nova
(hoje Taquari ou Triunfo). Como se sabe ocorreu aí um importante combate de
três dias, que resultou na derrota dos Farrapos. O troar dos canhões podia ser
ouvido até na mata virgem dos alemães que agora se sentiam de fato felizes por
terem finalmente conquistado a tranqüilidade em meio às perturbações políticas.
(20) O desfecho da guerra é conhecido por todos. Aconteceu da mesma forma como
recentemente com a Revolta do Prata e a Guerra dos Maragatos. O soldo de Bento
Gonçalves e de todos os seus adeptos foi pago sobre todo o período da revolução
e voltaram a apresentar-se como baluartes do trono e tidos em alto conceito. De
outra parte os colonos alemães que tinham perdido tudo no conflito, puderam
recomeçar.
Depois do malogrado
ataque a Viamão Jakob Jung conforme expressão sua, “arrastou-se de volta para a
mata virgem”. Certo dia recebeu a inesperada
visita de Farrapos dispersos. Alertado sobre a sua chegada, trancou portas
e tampões e esperou que batessem mais vezes. Só quando ameaçaram arrombar a
porta, levantou-se e abriu. Eram três
que pediram algo para comer. Jakob Jung, cuja mulher estava grávida, comprara
uma libra de manteiga para o dia do
nascimento. Ofereceu-a aos hóspedes indesejados, enquanto se atinha ao
princípio: Ao cachorro furioso oferece-se um pedaço de pão enquanto se joga um
pau nas costas do manso, sem que se tenha a temer castigo. Os três revolucionários avançaram na manteiga e
cortaram grossas porções que colocaram sobre o pão. No fim da refeição a
manteiga tinha sumido. Não satisfeitos levaram
calçados, couros e tudo que encontraram. Mas a experiência não estava
terminada. Depois de meia hora bateram de novo na porta. Eram os três velhos
conhecidos associados a mais quatro
(vindos do Faxinal em São Sebastião). Carregaram dois cavalos com couros e
ouras tralhas. Quando a mulher de Jung desandou em choro, um dos bandidos
mostrou o sabre e, enquanto o roçava no pescoço do marido, disse: "Se lhe
cortasse o pescoço a senhora teria motivo para chorar, esteja satisfeito por
escapar com vida." É verdade. Escaparam com vida mas de resto salvaram
miseravelmente pouco. Os salteadores de estrada carregaram até o "Buraco
do Diabo" um garrafão de vinho encontrado na vistoria da casa. Tomaram o
conteúdo e despedaçaram o casco contra um tronco de árvore. Depois de mais duas
semanas apareceram oito forasteiros que
levaram o resto que o casal Jung ainda tinha. Desanimados abandonaram Bom
Jardim e mudaram-se para Holanda [1] onde moraram desde
então bem isolados. O primeiro morador ficava uma hora distante. Em condições
mais difíceis começaram a vida pela
segunda vez. A mulher disse na ocasião: "Quem sabe que, apesar de tudo,
talvez vivamos dias melhores. Embora tenhamos perdido quase tudo, a vida nos
foi preservada." Deve ter sido um espetáculo comovente quando os dois
partiram em busca da nova querência. A mulher carregava a criança pequena num
dos braços, no outro a roda de fiar e o homem levava nas costas o que sobrara
em utensílios domésticos, o berço da criança e nas mãos roupa de cama e outros pequenos objetos. Quem naquela
ocasião teria adivinhado que este casal conquistaria o bem-estar do qual
continuava a desfrutar ainda em 1895. Merece ser lembrado que, não poucas
vezes, a jovem mulher ficava sozinha na cabana
por dois dias, protegida apenas pelos cachorros, enquanto o homem
providenciava por alimentos. E, numa
determinada ocasião, quando não tinham nada para fazer fogo, colocaram pólvora
e espoleta sobre o detonador da espingarda de pederneira e, soprando as
fagulhas, obtiveram fogo.
Só mais tarde me
foram relatados, por fonte confiável, detalhes interessantes sobre o
assassinato de Fritz Renner, pai de Philipp, Fritz Renner era fugitivo dos
Farrapos que tinham seu acampamento no "Buraco do Diabo". A mulher
quis levar-lhe um cobertor para a noite. Foi aprisionado e arrastado por um
trecho pela estrada. Mais tarde o cadáver foi localizado perto da cascata,
degolado e sem sinais de bala. Um mecklenburguense de nome Bollmann (21) o
teria golpeado várias vezes com o sabre. Todos as tentativas de limpar o sangue
da lâmina teriam sido em vão. É ao menos isto que se afirmava.
Johann Nedel, irmão
de Joseph Nedel perdeu a vida de uma forma sumamente lamentável. O capitão
farrapo Ohnmacht invadiu a picada com 300 homens de infantaria e 100 de
cavalaria, enquanto os imperiais se retiraram sob o comando de Totsch. Johann
Nedel e Peter Schneider ficaram para trás e foram alcançados pelos Farrapos,
quando se preparavam para atravessar o rio feitoria. O capitão entrou com o
cavalo na água, agarrou o infeliz e degolou-o. Afirma-se que os estertores
foram ouvidos de longe. Quando mais
tarde os imperiais o sepultaram, o corpo já depositado na sepultura, um dos
coveiros comoveu-se porque a terra cairia diretamente sobre o corte aberto.
Tirou o lenço, amarrou-o no pescoço do morto e só depois o cobriram com terra.
Um ato de delicadeza que merece registro num período tão sanguinário.
Com o assassinato do
bondoso Peter Ludwig e três dos que o acompanhavam no início de agosto de 1841,
uma luz toda peculiar projeta-se sobre a opinião daqueles que, sem uma razão
plena, afirmam com Adalbert Jahn, que os católicos estavam do lado dos
Farrapos. O assassino foi o capitão Carlos, um português de nascimento,
partidário dos Farrapos, motivado por uma razão
banal. Acontece que, certa ocasião o colono em questão, foi à procura do
gado que sumira sem explicação, em companhia de outros companheiros. É óbvio que os Farrapos tinham-se apossado dos animais e alimentaram-se em companhia dos partidários, alemães renegados, cujos
nomes preferimos não registrar aqui. O
simples procurar já era suficiente para que os Farrapos tirassem eliminassem alguém. O episódio
aconteceu assim. Peter Ludwig que morava na terra onde hoje se encontra a
capela dos 14 Santos das causas impossíveis, tocava um pequeno negócio.
Navegava com seu barco no rio Cadeia, entre Campestre e as 14 Colônias,
inicialmente até Caí e mais tarde até Porto Alegre. Era o único serviço de
navegação de que Bom Jardim dispunha e, mesmo assim, apenas partindo dos seus
limites, até as 14 Colônias. Com Peter Ludwig, dono do alambique,
encontravam-se Jacob Ludwig da Picada dos Portugueses e três homens que o acompanhavam, um da picada
e outros dois jovens da Linha Nova. O primeiro, como que pressentindo o
desastre, foi ter com Peter Ludwig na noite anterior à
partida, comunicando que pretendia desistir, mas movido pela insistência voltou
atrás. A viagem até Porto Alegre transcorreu sem problemas, da mesma forma como
a viagem de volta até o local onde o Feitoria se encontra com o Cadeia. Nesse
local sumiram as quatro embarcações e,
aparentemente, ninguém soube de nada.
Somente depois da chegada do Pe. Agostinho e 1849 e de alguns sermões muito
sérios, acordou a consciência de alguns que sabiam dos fatos. Mostraram para as
famílias onde os corpos podiam ser localizados. De fato foram encontrados no
local indicado, mas incompletos e os restos mortais espalhados, porque as covas
não tiveram mais do que dois palmos de profundidade. Os ossos forma colocados
numa urna e sepultados pelo Pe. Agostinho.
Um outro exemplo de
boas relações entre os Farrapos e os católicos, fica evidente pelos relatos de
famílias católicas da picada. Muitas vezes os Farrapos andavam precariamente vestidos. Um vestia uma camisa,
o outro não, o outro uma peça com duas mangas o outro uma com apenas uma. A
situação das calças e casacos não era diferente. O que mais interessava eram
ponchos que os protegiam da chuva e do frio. Na maioria dos casos restava para
os pobres colonos uma outra dessas peças de roupa, com as quais cobriam as
crianças no inverno. Sua preocupação principal era esconder (22) os ponchos dos
Farrapos, que bisbilhotavam por tudo. Certo dia
acabavam de procurar ponchos nas casas, nos paióis e nas estrebarias, quando na casa de um certo
Feltes encontraram dois ponchos escondidos no meio do milho. Voltaram
imediatamente até as casas dos colonos antes vasculhadas, para procurar em vão
a preciosa presa no meio do milho. Nem todos haviam escolhido o mesmo
esconderijo, mas o local que pessoalmente parecia o mais seguro para esconder a
útil peça. O resultado foi que a vistoria terminou em muitas decepções.
Um outro episódio da
época envolveu os irmãos Schmitt e um homem de nome Kohlrausch, três cidadãos
de Hamburgo Velho, vendeiros bem
sucedidos. Não residiam em Bom Jardim, mas eram bem conhecidos pelos moradores de lá. Dizia-se deles que, como recrutadores e
intermediários tinha reunido uma boa soma de dinheiro. Por duas vezes os
Farrapos queimaram suas casas de comércio e, por fim, foram feitos
prisioneiros, levados a Piratini onde foram obrigados a semear cereais e por
fim libertados.