Acrescentemos alguma
coisa sobre a situação da Picada 48, perto de Bom Jardim, durante a Guerra dos
Farrapos. Os primeiros colonos a receberem
terras aí em 1828, tinham combatido contra Portugal na guerra da independência
do Brasil. Entre eles encontravam-se: Reichert, Schmedding, Tockhorn, Arndt,
Scheibel e Morschel. Por serem solteiros abandonaram em parte as colônias. Na
época não era nada fácil encontrar uma moça alemã para noiva e recorrer a um
rapto de Sabinas, como Roma resolveu o problema da escassez de mulheres, nem pensar. Mesmo que tivessem a
sorte de entrar no porto do matrimônio, a realização doméstica nem sempre
estava garantida, como o prova o que
aconteceu com a mulher de Scheibel. Ela levava uma vida escandalosa e desregrada
em companhia de rapazes sem moral. Pouco tempo depois o marido sumiu e, somente
por um encontro casual de um cunhado e
um irmão, foi descoberta a pista do abominável crime. Quando depois do mate na
casa de Scheibel perguntaram pelo homem, notaram manchas de sangue no assoalho.
Quiseram informar-se sobre a origem das manchas de sangue, pelo que a mulher
respondeu com sangue frio, que tinha matado um galo. As pessoas desconfiaram e
procuraram com maior empenho pelo desaparecido. Lá no alto, no caminho que
desce pela viúva Ostien e leva até o Müller, onde se tem uma vista
desimpedida sobre o rio, viram o corpo
pendurado numa moita. A intenção fora precipitá-lo na garganta junto com o
cavalo sobre o qual estava amarrado. Alertados sobre o assassinato, dirigiram-se
até a casa dos suspeitos. Numa das casas encontraram um homem de nome Hans Adam
Sander que, ao vê-los, gritou: "Não fui eu, foi este aí", e apontou
para alguém que dormia num banco. Sander mal pronunciara estas palavras, dois
tiros de pistola destroçaram a cabeça do
que dormia. O castigo seguira sem tardar os passos do criminoso. Assim eram os
tempos de então: selvagens e sem lei.
Relembramos um outro
(23) episódio relacionado com as 48 Colônias. A avó da hoje senhora Arnold,
encontrava-se na cabana com sua avó, quando entrou um preto para
roubar. Como a avó estava grávida, de susto permaneceu sentada, enquanto a
bisavó, rápida e decidida, agarrou uma velha espingarda encostada na parede,
decidida a proteger a si e a propriedade. Apavorada que a mãe matasse o preto,
a mulher grávida cobriu o rosto com as
mãos. Mais tarde quando a criança nasceu, apareceram no seu rosto as impressões
nítidas de mãos humanas, um fato que foi observado mais vezes em outras
ocasiões. Os moradores da 48, todos velhos soldados do Imperador, eram
Caramurus enquanto a maioria de Bom
Jardim fechava com os Farrapos. Apesar desta posição partidária da parte dos moradores de Bom Jardim, aconteceu
que uma importante família de Hamburgo Velho, de nome Schmitt, de sentimentos
imperiais, levantou suspeitas junto aos moradores de Bom Jardim, por causa da
insistência com que aliciava em favor do Imperador. Contudo nem todos os
moradores de Bom Jardim eram adeptos confessos da revolução. Eles, como todos
os demais, tiveram que suportar não pouco da parte de ambas as facções. De
preferência não se teriam definido por nenhuma das duas. Mas a crua realidade
só poucas vezes correspondeu aos desejos do coração e, desta forma, encontramos
muitas vezes as pessoas, ora com os farrapos, ora com os Caramurus.
Bom Jardim mantinha
relações com Dois Irmãos semelhantes àquelas com a Picada 48. Os imperiais sob o comando do
capitão Mombach, chegaram em Bom Jardim nos últimos anos da guerra civil, para
roubarem do que precisavam. No outro lado do arroio, onde hoje mora João
Gehring, funcionava uma atafona junto a um depósito. Sem mais nem menos
forçaram a entrada e carregaram os sacos
de que precisavam, enquanto assavam um churrasco na atafona, com a carne do
gado roubado dos vizinhos. Inexplicavelmente o então jovem Bauermann tomou
parte, pois também seu gado fora roubado. Consolava-se com a certeza que tudo
que ele comia, não era levado pelos inimigos. É testemunho da sua força o fato
e ter carregado durante esta função, com seus braços a velha Ostien, 14 anos
mais nova. Dificilmente ele se lembrará do episódio. De mais a mais não era só
gado e farinha que eram carregados, mas tudo que agradava aos rapineiros, fosse
o que fosse, como por ex., chinelos e fumo de fabricação caseira do Bauermann.
Até tachos para cozinhar eram carregados, tendo-se o cuidado de limpá-los da
fuligem para facilitar o transporte. Até a camisinha de uma das crianças da
família Mormann escondida sob a criança de peito para protegê-la contra a
voracidade dos defensores da pátria, foi roubada. O informante há pouco citado
passou-nos uma outra história interessante. Carregava nas costas duas quartas
de milho até o moinho de um certo Wilke (morador perto do moinho do senhor
Hohendorf). Receberia em troca o volume de duas caixas de chapéu - a medida usual de farinha. A família
Bauermann agia como a maioria das
famílias dos colonizadores alemães, que costumavam praticar a agricultura de
acordo com os costumes alemães. Semeavam cereais e trigo e ao lado as culturas
próprias da terra, até que mais tarde se convenceram de que dessa maneira não
chegariam muito longe. Orientaram depois as culturas agrícolas de acordo com as
práticas da terra. Construíram até as casas no estilo alemão o que tinha pouco
valor pratico nas circunstâncias brasileiras. Depois desta digressão voltemos
aos Farrapos e Caramarus. Quando os revolucionários se fixaram em Viamão, Bom
Jardim em peso correu até lá, menos aqueles que se tinham bandeado para o lados
dos Caramurus de Dois Irmãos. Durante a marcha dos imperiais contra Viamão
(Capela Grande), estes apoderaram-se da cidadezinha de São Leopoldo,
considerada farrapa. Na ocasião as casas de comércio de Steinhart, Panitz e
Nicolau Stumpf foram pilhadas.
A respeito do
assassinato de Morschel, referido mais
acima, tivemos ainda as seguintes informações. Morschel fora um daqueles
alemães que o Imperador contratara para lutar contra Portugal. Contava com 30
anos casara-se com a filha de 15 anos de
J. Bauermann e morava na colônia que hoje pertence à viúva Kuhn. Recebera a
colônia como recompensa pelo serviço prestado no exército do Imperador. Quatro
dias antes da sua captura encontrou-se na colônia vizinha, pertencente a um
certo Spindler, com Joh. B. Lavall, marido da assim apelidada Grethe Farrapa.
Quando avistou Morschel apontou a espingarda. "Mira bem", gritou
Morschel. Errou o tiro e no mesmo momento Lavall caiu morto. Morschel
enterrou-o aí mesmo. Dois dias depois Menino Diabo ordenou que os homens do
partido se reunissem na casa de Riedel, mais tarde de Bokorny. 30 homens
atenderam à convocação. Foi prometido que nenhum mal lhes seria feito. Mas logo
que estavam reunidos Menino Diabo deu ordem que se enfileirassem.
"Aí", contou uma testemunha ocular, "ficou claro o que
viria." Depois que os moradores da casa receberam ordem de abandoná-la, os
homens foram levados para dentro. Veio a exigência que aquele que fuzilara
Lavall se apresentasse. Um irmão do velho Kehl desmaiou de susto. A suspeita
cairia evidentemente sobre ele. Neste momento Morschel adiantou-se e declarou:
"Eu sou o responsável." Os homens ficaram durante a noite presos na
casa. No dia seguinte o acampamento foi transferido para a casa de Eckart. Aqui
Morsche foi estaqueado como relatamos acima.
Quando durante a
noite foi solto por uns instantes, a sentinela, um tal de Fries, tentou
convencê-lo a fugir. Recusou embora a fuga fosse muito fácil. O torturado foi
finalmente amarrado a um poste. Quiseram vendar-lhe os olhos o que ele
rejeitou. O velho Peter Kassel disparou o primeiro tiro. Errou de propósito. O
infeliz meneou a cabeça com se quisesse dizer: "Atiras mal". O
segundo tiro acertou-o num dos olhos. O alvejado tombou morto.
O jovem Johann Dil
livrou-se à força das mãos dos arregimentadores. Como se sabe homens casados
normalmente não eram engajados no
exército. Permitia-se ao menos que ficassem em casa, mesmo que lá não tivessem
vida muito fácil. Na ocasião em que Johann Dill pensou desertar, foi-lhe dado o
bom conselho de fundar imediatamente um lar próprio. Foi uma solução inesperada
para o nosso Johann. Nunca tinha pensado nesta saída. Casar, portanto, era o
remédio certo para ser poupado do serviço militar. E, na verdade, é uma solução
muito simples para a maioria das pessoas. Para o nosso bom Dilli Hannes a
questão tinha lá suas dificuldades e complicações. Sim, casar? mas com quem?
Eis o nó. Mas os bons amigos tinham uma saída. Lá em baixo na Linha 48 morava
uma moça excelente, a Margarethe Pohren. "Mas", objetou o casadoiro
assustado. "Nem sequer a
conheço." "Não faz mal", foi a resposta. "Hoje à tarde
vamos até lá e combinamos tudo." Dito e feito. De tarde se deu a procura
da noiva. Foi acertado tudo e, no dia seguinte, os noivos foram a cavalo até
São Leopoldo, onde foram casados pelo vigário de então, depois de dispensados
dos proclamos. Mesmo que o casamento tivesse acontecido com tamanha rapidez ou,
quem sabe por isso mesmo, resultou numa união muito feliz e um grande número de
filhos. (25) Esse exemplo ensina que, para um matrimônio feliz não se requer um longo conhecimento prévio. Pelo
contrário num caso desses as conseqüências são muitas. Muitas vezes não se
chega ao casamento, mas cobre-se a moça e a família de vergonha, o que pode ser
evitado quando o conhecimento dura menos
tempo. O que mais importa na fundação de
uma família é uma juventude de costumes irrepreensíveis da parte dos futuros
cônjuges; que tenham o firme propósito de combater com perseverança suas más
inclinações; e celebrar a aliança para a vida
para a qual somente uma educação cristã é capaz de garantir a
solidez.