Deitando Raízes

Caros amigos e amigas frequentadores do meu Blog.
Depois de uma interrupçãoo de mais de meio ano volto com uma nova série de postagens. Elas têm como objeto um documento histórico publicado no “Deutschess Volksblatt” em sequência semanal que cobre o período de 15 de dezembro de 1896 e março de 1898. Por se tratar de uma crônica que retra em detalhes a situação da colonização alemã da épcoa, tendo como referência Bom Jardim, hoje Ivoti, decidi oferecer ao público sua versão em portugês, com uma apresentação de contextualização e notas de rodapé, como segue. Pelo seu significado histórico optei pelo título: “Deitando Raízes”


Apresentação

Entre as muitas fontes inéditas relacionadas com a imigração alemã no Rio Grande do Sul, figura "a Crônica de Bom Jardim - Chronik von Bom Jardim" - do Pe. Carl Schlitz. Trata-se de um extenso e minucioso relato sobre os acontecimentos dos primeiros 70 anos da colonização alemã de São Leopoldo e arredores, publicado numa seqüência no jornal "Deutsches Volksblatt", entre 15 de dezembro de 1896 e 15 de março de 1898. O título original completo foi "Chronik von Bom Jardim oder kurzgefasste Geschichte der dortigen katholischen Gemeinde - Crônica de Bom Jardim ou história condensada da comunidade católica local." Na média aconteceu um seguimento por semana. Como fica claro no título completo, o foco das atenções do autor veio a ser a comunidade católica de Bom Jardim. É do conhecimento geral dos historiadores que a comunidade católica de Bom Jardim, antes Berghanerschneis e hoje Ivoti, foi uma das primeiras a ser organizada no contexto da imigração alemã para a região. A elevação à categoria de paróquia aconteceu em 1857. Mais antigas no meio imigratório  foram apenas as paróquias de Dois Irmãos em 1849 e de São José do Hortêncio também em 1849, criadas com a chegada dos primeiros jesuítas alemães, o Pe. Augustin Lipinski e o Joseph Sedlac.
A Crônica  de Bom Jardim constitui-se num documento único e numa fonte preciosa para enriquecer os conhecimentos sobre as primeiras décadas da imigração alemã no Rio Grande do Sul. O Pe. Carl Schlitz, seu autor, não foi um amador, nem tão pouco um diletante,  em assuntos históricos. De um lado contava em seu currículo com um elevado nível de formação superior, inclusive de História e, como ele mesmo declara no início da Crônica, um amante da História. Do outro lado como pároco de Bom Jardim da época, vivia em diuturno contato com as questões que envolveram a comunidade em si e as circunvizinhanças em geral.  Embora o seu interesse imediato fosse o bem estar religioso e espiritual dos paroquianos, o envolvimento nos acontecimentos políticos, o bem estar material e cultural, refletiam-se necessariamente sobre a tranqüilidade ou a perturbação do bem estar espiritual. E, como pároco, gozando da confiança dos paroquianos, tinha acesso fácil às fontes que lhe forneciam as informações para a Crônica: os informantes orais. Quando o Pe. Schlitz recolheu os dados no início da década de 1890, um bom número dos "pioneiros da mata virgem" ainda estavam em condições de transmitir oralmente suas vivências, suas experiências e suas reminiscências.
Não há dúvida de que, considerando tanto o autor quanto as fontes orais, o exame do conteúdo merece algumas precauções.
Primeiro. Quanto ao autor Pe. Schlitz. No próprio subtítulo ele explicita que se trata de  "uma breve história da comunidade católica." Como é do conhecimento geral as primeiras comunidades de imigrantes alemães de Dois Irmãos, São José do Hortêncio, Bom Jardim e as demais, eram confessionalmente mistas, com uma leve predominância dos protestantes. Compreende-se assim  que uma boa parte da Crônica se ocupe quase que exclusivamente dos católicos. Ao tratar do desenvolvimento político, revoluções, guerra do Paraguai, progresso econômico, a distinção confessional praticamente desaparece. Considerando esse fato encontramo-nos, sob certo aspecto, diante de uma história confessional, acompanhada de um tal ou qual caráter apologético em pelo menos alguns capítulos. E, relacionado com isso ou, melhor dito, como pano de fundo, o projeto da Restauração Católica, [1] consagrado pelo Concílio Vaticano segundo, encontra-se em plena implantação, também nas paróquias na área de colonização do Rio Grande do Sul. Como se sabe esse Projeto de Igreja tinha como parâmetro a ortodoxia, a pureza da Fé e a volta à disciplina religiosa do Concílio de Trento. O conceito "ecumenismo" não tinha lugar neste contexto. Regras disciplinares rígidas definidas pelo Direito Canônico, encarregavam-se de evitar o trânsito livre entre católicos e protestantes em situações que pudessem facilitar a abertura de brechas na ortodoxia católica. Citamos duas dessas situações. Os casamentos mistos e o convite de padrinhos protestantes para batizados de crianças católicas. Essas duas determinações do Direito Canônico foram uma constante preocupação dos curas de almas dos católicos. Na condição de leis canônicas positivas não havia como negociá-las com os protestantes. Tinham que ser aplicadas como o texto canônico o disciplinava. No caso dos casamentos mistos, se fossem de fato inevitáveis, havia duas saídas. Ou aconteciam à revelia da lei canônica  o que acarretava a expulsão do cônjuge católico da Igreja, com todos as suas seqüelas; ou o casamento era celebrado no rito católico com o compromisso da parte protestante de não impedir o cônjuge católico de praticar a sua religião e batizar e educar os filhos como católicos. Neste caso a parte protestante abdicava na prática da sua confissão para as gerações que nasceriam dessa união. Observe-se, porém, que o casamento misto legitimado pelo rito católico nestas condições, em muitos casos, na prática, não passava de um formalismo que  não era levado a sério e por isso  resultava na diminuição do espírito religioso e, em casos extremos, na perda da fé. E, na verdade, se a convivência entre protestantes e católicos no terreno político, social, econômico e cultural, costumava ser pacífica e até de mútua colaboração e estímulo, os conflitos davam-se mais no plano da disciplina canônica do que propriamente a nível de doutrina e fé.  Foi para evitar esse tipo de inconvenientes que, aos poucos, criou corpo a idéia de em novas fronteiras de colonização, instalarem-se comunidades confessionalmente separadas e identificadas. Os exemplos mais conhecidos são Bom Princípio e São Salvador, hoje Tupandi. E, quando mais tarde, no começo do século vinte, as fronteiras avançaram sobre as matas da região das Missões, Alto Uruguai e Oeste de Santa Catarina, em alguns casos firmaram-se acordos interconfessionais neste sentido, sobressaindo como exemplo a colonização de Serro Azul, hoje Cerro Largo e Porto Feliz e Porto Novo, hoje Mondaí e Itapiranga, respectivamente.
Segundo. A Crônica é uma história com foco local, inserida numa perspectiva regional, cujas fronteiras foram, em grandes linhas, os três estados que hoje formam a  Região Sul do Brasil: Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Paraná. Essa delimitação espacial justifica-se, tomando em consideração, com destaque especial para o Rio Grande do Sul, dos seguintes aspectos.
Em primeiro lugar a Crônica descreve o modelo de ocupação, de povoamento, de organização comunitária, econômica e religiosa, que se tornou paradigma para a presença dos imigrantes alemães e seus descendentes nas décadas que se seguiram. O começo da colonização protagonizado pelos alemães e seus descendentes em todas as frentes de colonização, deu-se em áreas de mata virgem. Certamente não era tarefa para fracos enfrentar a mata virgem do Sul do Brasil. Deste encontro do imigrante alemão com a mata virgem resultou, sem tardar, um cenário de agricultura diversificada, sobre lotes coloniais de tamanho médio a pequeno. Em menos de uma geração as matas quase impenetráveis, cederam lugar a uma paisagem humanizada. E não apenas a uma paisagem nova humanizada, mas ao surgimento e à consolidação  de um modelo de economia rural, até então inédito no Brasil. A pequena propriedade familiar, baseada na policultura no começo visando a subsistência, foi conquistando espaço ao lado das enormes estâncias criadoras de gado. Na medida em que o processo avançava e consolidava-se, os povoadores agruparam-se. organizaram-se e formaram comunidades. Na forma de "picadas" ou "linhas", movimentavam-se em torno dos seus interesses simbolizados pela igreja, a escola, o cemitério, a casa de comércio, os artesanatos, os clubes, as sociedades e associações.
O que a  Crônica conta sobre a gênese de Bom Jardim durante as primeiras décadas, irá repetir-se inúmeras vezes  e em muitos lugares nos três estados do Sul. É um paradigma que, respeitadas as características locais, irá multiplicar-se nos mais de 180 anos, desde a entrada dos primeiros imigrantes. Foi por isso que mais acima falamos numa obra com inspiração local, que na verdade termina como um paradigma na perspectiva no mínimo  regional.
Em segundo lugar. A Crônica quando refere o envolvimento de Bom Jardim,
 de modo especial, na Guerra dos Farrapos, na Guerra do Paraguai e na Revolução Federalista, torna-se novamente  um documento importante para compreender a história regional. Mais detalhes a respeito serão dados mais abaixo, ao analisarmos as informações do Pe. Schlitz, referentes a esses acontecimentos e o envolvimento dos colonos alemães neles.
Em terceiro lugar. Como a Crônica se ocupa, antes de mais nada, com a comunidade católica de Bom Jardim, as referências à comunidade protestante são poucas e só de passagem. Em todo o caso o autor não procura desqualificar os protestantes, muito menos envolver-se em polêmicas e discussões apologéticas, até compreensíveis na época. Tem-se a impressão que neste particular ele evita cautelosamente pontos de desencontro e atrito. Os casamentos mistos e os padrinhos protestantes em batizados de católicos, inegociáveis para um cura de almas católico, mereceram referências apenas periféricas. Sabe-se por outras fontes que foram esses os dois pontos dos maiores e mais dolorosos desencontros entre as duas confissões. Tem-se a impressão de que, salvo melhor juízo, a Crônica, para não acirrar as diferenças, não se fixou na metade protestante de Bom Jardim.



[1] O projeto da Restauração Católica consistiu essencialmente  na reafirmação das bases doutrinárias dogmaticas, morais e disciplinares do Concílio de Trento, concentrando toda a autoridade no papa. Chamado também de projeto ultramontano destinado a fazer frente ao avanço do “modernismo” com  as suas, de modo especial o cientificismo, o socialismo, os diversos tipos de igrejas nacionais, a laicização, etc. O Concílio Vaticano I foi momento culminante pelas iniciativas tomadas e pelos princípios doutrinários impostos a toda a Igreja. Os jesuítas, por assim dizer, a elite de vanguarda da Igreja foram os grandes propagadores implantadores desse projeto, onde quer que exercessem as suas atividades, obviamente também entre os colonos das paróquias que fundavam e administravam

Sobre a floresta #2

E para  mostrar a que ponto o caminhar por uma floresta é capaz de estimular a  as emoções, fazer ferver a imaginação, viajar em espírito  pela história e pinçar momentos em que a simbólica das árvores da floresta se mostra especialmente vigorosa, reproduzimos aqui as impressões registradas pelo Pe. Balduino Rambo em seu diário, quando da visita ao parque das Sequoias nos Estados Unidos.

Em meio a essa floresta sem igual há um pequeno museu no qual o professor universitário Frank Potter e sua esposa explicam aos hóspedes tudo que merece ser conhecido. Onde as sequoias se concentram em grande  número, como em volta do museu, difunde-se por toda a pare na floresta, o brilho marrom-vermelho da sua casca. Centena de árvores que se confundem com ciprestes, ladeiam os caminhos. Misturadas com as sequoias e formando a massa principal da floresta. Crescem milhares de cedros da Califórnia, pinheiros brancos, pinheiros Douglas, que em altura não perdem para os gigantes, embora raras vezes passem de dois metros de diâmetro. Um líquen amarelo-ouro reveste o tronco do pinheiro branco. O reflexo mescla-se com o marrom-claro da casca da sequo ia, e combinado com as manchas  do sol e a sombra, resultam numa luz colorida de estrema suavidade, envolvendo todo o chão da floresta. Sem querer a gente se flagra pequenino como um camundongo entre esses gigantes reunidos em conselho. Que cantos não teriam deixado os poetas e cantores do Antigo Testamento, que falam com tanta empolgação dos cedros do Líbano e dos gigantes do Monte Sião, se tivessem escutado a voz de Deus nessas florestas. Enquanto Davi e Salomão cantavam seus salmos; quando Isaías levava ao seu povo o anúncio a vinda futura do Filho do Homem; quando Ezequiel contemplava o Senhor dos dias sentado no trono da sua glória, mais de mil anos já pesavam sobre muitas dessas árvores. O Grizzly Gigante contava com dois mil anos quando no Gólgota foi erguida aquela árvore da qual cantamos: Verdadeira árvore na qual pendeu o Senhor mergulhado em angustia mortal”. O canto de luto da árvore do Paraíso, o canto da árvore da vida dos deuses germânicos, o canto de vitória da árvore da Redenção, toda a simbólica da árvore nas sagas e na arte da humanidade, toma conta do homem que caminha na penumbra mortiça dessa floresta. Há muitas verdades entre o céu e a terra que não se encontram  nos livros. Revelam-se no silêncio da floresta. [1]

Como se pode ver é na trilha da literatura, e em especial da poética, em que o tema floresta aparece como fonte inspiradora rica e sempre presente. Conclui-se daí que nela  se ocultam muito mais nuances e desdobram-se dimensões que o utilitarismo puro e simples, a percepção estática da curiosidade à procura de causas e efeitos, leis naturais, correlações e interdependências estão em condições de perceber, registrar e interpretar. Uexkühl fornece a dica para aprofundar mais um pouco a reflexão.

Embriagados pelo papel de senhores  da natureza, esquecemo-nos de que, mesmo que tudo fosse obra das nossas descobertas, da nossa criação, a nossa tarefa na natureza não se resumiria  em última análise nem em descobrir, nem em criar, mas que nós próprios somos descoberta e criação da natureza, a qual estamos em condição de usar mal, mas que somos tão pouco capazes de criar com as nossas condições físicas e espirituais. [2]

Data do tempo do barroco a determinação dada por Christian V. von Schleswig-Hostein em 1671, empenhado em impedir a destruição das florestas do ducado: “Para que com o tempo não desapareça uma das grandes  maravilhas com que Deus brindou a natureza do nosso arquiducado. E Hans Carl von Carlowitz escreveu em 1708:

Escritores antigos e recentes testemunham que as belas florestas, também as grandes árvores excepcionalmente belas, sempre foram  consideradas com grandes honras entre os nossos velhos alemães e seus vizinhos. Por isso, não é de admirar muito que a quantidade, a elegância e o tamanho de tantas árvores reunidas, além de reinar permanentemente um silêncio profundo e sombra escura, fossem tomadas por temor sagrado, atribuindo a esses lugares algo de divino. (... ) Entre eles milhões de troncos semeiam-se a si mesmos sem ajudar e sem serem ajudados. Plantam-se sem a ajuda do homem. Deus os semeia, planta, multiplica e os conserva, apesar de todos os obstáculos, intempéries e prejuízos. [3]

E para fechar a série de manifestações que, quem sabe, ajudam numa tentativa de aproximação maior ao âmago complexo  e misterioso  do significado da floresta, Rosegger afirma: “Somente o homem solitário encontra  a floresta. Onde muitos a procuram ela foge e deixa  apenas árvores para trás”. E segundo Ewelk: “Pois a floresta não representa nenhuma alienação da vida. Pelo contrário. A floresta é vida intensa”. E como conclusão, a opinião de Riehl: “Também quando já não precisarmos mais de madeira seca para aquecer por fora, tanto mais indispensável será a verde para o homem, viva e cheia de seiva”. [4]

Depois do registro de todas essas opiniões, interpretações e conclusões, ousamos uma aproximação maior do significado de floresta. Dependendo do ângulo pelo qual se olha e o interesse que subjaz  à análise, a compreensão  que se tem da floresta e do conceito que se formula, vão de uma visão utilitária e mecanicista até aproximar-se de uma concepção panteísta do mundo e da natureza.

A magnitude do desafio que nos espera no esforço da busca de uma definição satisfatória do que seja uma floreta, fica evidente na teorização do problema por Dengels.

A floresta é uma comunidade viva composta por todas as formas  e graus imagináveis de interdependências recíprocas, somadas à competição e à mutua ajuda sob as mais diversas formas imagináveis. Comandado pelo princípio do equilíbrio, o qual, sob a influência dos mais variados condicionamentos externos, incorpora constantemente formas de floresta mais ou menos delimitadas, para as quais, apos perturbações e oscilações, se orienta sempre de novo a biocinose.[5]

Esse tipo de comunidades são tecnicamente definidas como “biocinoses”. No contexto em que o conceito foi criado e está sendo empregado, mostra que seu significado é limitado. Limita-se na sua versão original, à relação mútua que prospera  entre os seres vivos no seio de uma comunidade desse tipo. Oferece, sem dívida, uma compreensão da floresta muito mais compreensiva e muito mais completa do que o conceito de floresta como fábrica de madeira, como refúgio de animais, como abrigo para o homem, como fator de equilíbrio climático e edafológico, de preservação de mananciais de água, etc., etc. Uma análise mais atenta deixa claro de que algumas questões reclamam um aprofundamento maior. O conceito de biocinose, comunidade viva é útil e até certo ponto fundamental. Oferece como que uma macrovisão de ordem, de arquitetura integrada, de funcionalidade interna complementar, entre os elementos que integram uma floresta. Apesar  de todas as vantagens o conceito de “biocinose” oferece riscos e armadilhas nada desprezíveis.

Primeiro, silencia ou desconsidera o lugar decisivo que cabe ao solo, ao ar, à temperatura, à topografia, à região climática, à regularidade e à definição na demarcação das estações do ano, à composição, estrutura e disposição das rochas.

Segundo, atribui um peso exagerado à noção de “comunidade viva”. Além das restrições a serem feitas à origem do conceito emprestado à Sociologia, e por isso mesmo pedindo precaução quando utilizado na definição da floresta. Visto por esse lado não poucos fatos e fenômenos acontecem à margem da “comunidade de vida”. Já em 1943 Fabricius alertou que o conceito é capaz de induzir ao equívoco.

Trata-se de uma definição de floresta que preocupa, porque cada membro dessa comunidade  (portanto seres vivos), exceto poucos casos de uma verdadeira comunidade, somados a casos de parasitismo, cada integrante da comunidade tem perfeitas condições de levar vida autônoma, e conforme cada caso, associa-se a outros seres vivos. Acontece que a acepção alemã do conceito é que cada membro de uma comunidade faz livremente sacrifícios pelo outro e lhe presta serviços, coisas, que em se tratando da floresta, não passam de um grande equívoco. No caso de o conceito não ter sido apresentado com o nome de “biocinose”, provavelmente não teria significado uma grande descoberta. [6]

Conclui-se daí que a floresta significa algo mais, e como realidade, situa-se além de uma simples comunidade de vida. Não poucos estudiosos tentam valer-se  do conceito de “organismo”, no esforço de uma compreensão mais objetiva e mais completa da natureza da floresta. Lemnertz faz  a seguinte consideração:

 O que e torna evidente na comunidade de vida é o que aparece como a somatória dos indivíduos justapostos. Mas as relações biológicas íntimas e a interdependência funcional, escapam inteiramente à percepção e são passíveis apenas de especulação. [7]

A concepção de floresta como organismo autônomo foi pela primeira vez formulada por Alfred Möller, com o objetivo de insistir no ponto de vista de que a floresta representa uma realidade biológica única, em oposição àquelas que a simplificam, reduzindo-a a uma mera fornecedora de matéria prima, perdendo a visão do todo. De tantas árvores e troncos já não se percebe a floresta. Na proposta de Möller nota-se claramente uma reorientação do foco de discussão. Opõe a visão biológica à visão mecanicista e utilitária para superar e compensar as limitações da visão sociológica da floresta. Sinaliza com uma proposta de aproximação da concepção holística, em oposição às tentativas de dissecar as estruturas que compõem uma floresta, dando ênfase à função das partes no todo.

A atividade florestal de caráter permanente percebe na floresta uma entidade viva, uma unidade integrada por inúmeros órgãos, todos operando em conjunto, em regime de reciprocidade. [8]

A concepção organísmica da floresta, conforme Möller, conquistou adeptos entusiastas e incondicionais. Não tardou, porém, que se escutassem vozes  e opiniões fortes apontando para os flancos vulneráveis. Uma dessas opiniões discordantes foi a de Dengler, classificando-a como falsa, como exagerada, capaz de levar a conclusões equivocadas.

De qualquer forma, a ligação é muito frouxa comparada com a de um organismo propriamente dito. Os membros da floresta não são órgãos no sentido estrito do termo (organo-instrumentos), destituídos de uma função e uma destinação própria e a relação superficial com o todo não os priva da sua capacidade vital e funcional.  De outra parte, a floresta não cresce de dentro para fora como um organismo, mas seus membros encontram-se na sua origem numa dinâmica livre,  de fora para dentro, como pode ser  observado em qualquer nova formação de uma floresta. [9]

Para de Fabricius o argumento  mais contundente contra a concepção organísmico de Möller.

Quando se atribui à floresta a natureza de um organismo, transfere-se a ela um conceito inspirado no conhecimento da vida dos indivíduos em determinadas partes constitutivas da floresta totalmente ignoradas. [10]

Seckholzer completa, afirmando que “a floresta é orgânica, isto é, una na sua organização, mas não organísmica, isto é, um ser vivo”. [11] Segundo ele, falta existir o gérmen como potência do todo. A vida acontece por gênese e a floresta por síntese.

De todas essas reflexões, concepções e formulações, é possível tirar algumas conclusões. Começa pelo fato de que todas elas oferecem mais ou menos elementos que iluminam a compreensão do conceito de floresta. Uns conseguem aproximar-se mais, outros menos, do âmago da questão.

Em 1943, um outro estudioso e intérprete da floresta, interessou-se  por mais uma nuança de não pouco significado. Chamou a atenção para o fato de uma floresta manifestar uma busca permanente do equilíbrio na sua economia interna.

Sua existência manifesta a propriedade da auto regulação, e caso as perturbações não tiverem ultrapassado  um determinado  nível, restabelece o equilíbrio, uma característica privativa  dos organismos, e por isso,  fala-se de uma  floresta e com razão se entende um organismo, não no sentido de um ser vivo individual, um indivíduo, mas de um organismo de ordem mais elevada. [12]

Na literatura especializada encontram-se muitas outras formulações, que em última análise, nada mais são do que tentativas para conceituar o que seja um organismo, enriquecendo-o com nuanças mais ou menos significativas. Da grande   diversidade de formulações, conclui-se que a questão não está definitivamente resolvida. Isso não significa  que cada uma delas não acrescente alguma coisa, ou ilumine alguma faceta a mais. Confirma-se o dito quando Aichinger fala em “organismo global”, ou quando Thienemann define o oceano ou a floresta, por exemplo, como uma unidade biológica formada pela comunidade viva mais o espaço vital. Expressões como “totalidade  viva”, “sistema”, “forma”, etc., de um lado mostram  uma direção comum na qual se esboça a tentativa de definição que se aproxima da natureza da floresta. Do outro, a falta de um consenso em torno de um conceito aceito por todos, prova que nem tudo está tão claro e resolvido. Qualquer uma das formulações contem muito de verdadeiro, deixando, porém, margem a questionamentos.

Parece que o conceito de organismo, combinado com o de sistema, tem tudo para oferecer uma compreensão útil, quando  se analisam as marcas que as florestas deixaram nas culturas que nelas se desenvolveram. Na verdade contemplam todos os elementos que de alguma forma tiveram papel importante na configuração cultural. Começa pela matéria prima: madeira, frutas, fibras, insetos, indispensáveis para a subsistência biológica. Passa pelos animais, pássaros, insetos, microbiologia, o clima, enfim, todo o ambiente natural característico que abrigou o homem e suas culturas. Em poucas palavras, todos esses, e certamente muitos outros, formam para o homem o espaço das suas vivências, o palco sobre o qual de desenrolou e ainda se desenrola a sua história, o entorno visível, material, concreto, invisível e imaginário, que marca  o cotidiano dos povos das florestas e perpassa toda a sua maneira de ser e agir. E para concluir esse esforço para formular um conceito aceitável do que seja uma floresta, registramos a opinião de mais três estudiosos do assunto. É de Rosegger a afirmação de que somente o solitário encontra a floresta. Onde muitos a procuram ela foge e só ficam árvores. Para Welh a floresta é vida intensa. Mesmo durante a noite e sob a neve, continua acontecendo a vida nas suas milhares de formas  e Riehl  observa que mesmo quando já não necessitamos  da madeira seca, tanto mais o homem sentirá falta da madeira verde, com a sua seiva e sua vida.

Como se pode ver, as florestas oferecem o  ambiente natural que talvez reúna, numa síntese praticamente todos  os elementos que de alguma forma, acompanharam o homem na sua trajetória histórica e moldaram o perfil das suas culturas. Em meio ao grande cinturão de florestas subárticas que cobriram e cobrem ainda vastas áreas do hemisfério norte, tanto da Ásia, como da Europa, como da América do Norte, as florestas temperadas e as possantes florestas tropicais, gestaram-se dezenas  e milhares de culturas, entre elas das mais importantes e mais decisivas, na moldagem histórica do mundo. Nas florestas os ciclos anuais e mensais adquirem significa todo especial. Nelas fervilha a vida com uma abundancia, numa espantosa profusão e numa variedade de formas. Nela brotam milhões de fontes, são percorridas por córregos, arroios  rios caudalosos. No seu interior escondem-se lagos misteriosos. Em suas planícies, planaltos  e montanhas, a vegetação rasteira, os arbustos e os gigantes da floresta exibem toda a sua exuberância, oferecem seus frutos e essências e convidam o homem a viver à sua sombra  e ao seu abrigo, a fantástica história da sua existência. A prodigalidade da floresta lhe garante o alimento, a matéria prima para construir os abrigos, a segurança contra os inimigos naturais e contra os próprios homens. Entre os povos das florestas, revela-se com nitidez , talvez maior do que em outras circunstâncias, o convívio simbólico, a relação existencial do homem com seu hábitat. As fontes tornam-se sagradas, nos lagos moram espíritos e monstros, duendes e deuses povoam a florestas e as grandes árvores transformam-se em símbolos. Os ciclos que regem  a dinâmica  do multicolorido  e multifacetado mundo animal e vegetal  terminam por traçar a trajetória do homem que nelas vive a sua história.



[1] Rambo, Balduino. Três meses na América. Manuscrito inédito p. 205-206
[2] in  Horsmann, Erich. op. cit. p. 7
[3] Mantel, Wilhelm. Wald und Forst. Op. cit. p. 12
[4] As três citações encontram-se em Manatel, Wilherlm. Wald und Forst. Op. cit. p. 12-13
[5] in Horsmann, Erich.  Der Wald. op. cit. p. 12
[6] in Wolfath, Erich. op. cit. p. 13
[7] in Wolfarth, Erich. op. cit. p. 13
[8] in Wolfarth, Erich. op. cit. p. 13-14
[9] in Wolfarth, Erich. op. cit. p. 14
[10] in Wolfarth, Erich. op. cit. p. 14
[11] in Wolfarth, Erich. Op. cit. p. 14
[12] in Wolfarth, Erich. Op. cit. p. 14

Sobre a floresta #1

O homem filho desta terra, que lhe fornece o pão de cada dia e os símbolos da sua vida espiritual,  sente um respeito inato perante a fisionomia desta sua mãe e pátria. (Balduino Rambo)

 As florestas tropicais da Ásia, África, América e Austrália, as florestas subtropicais, especialmente do Brasil, as florestas temperadas e subárticas, as mais extensas do mundo cobrindo em grande parte o hemisfério norte, na Ásia, Europa e América do Norte, assistiram ao nascimento e à evolução de milhares de povos e culturas. 

Pela sua própria natureza, as florestas oferecem um ambiente peculiar, formam uma “morada”, proporcionam um “estar em casa”, uma “Heimat”, uma “querência”, transmitem a sensação de pertencimento a um todo mais amplo, mais vasto, mais universal, mais rico do que qualquer outro entorno geográfico.

As florestas existiram antes do homem e provavelmente continuarão a existir depois dele. Entre esses dois extremos situa-se o tempo em que o homem e as florestas foram obrigados a conviver. A floresta que no passado cobria o chão da nossa terra natal nada tinha de amigável. Era terrível e hostil. Do conflito originou-se, apos muitos desencontros, maus tratos e danos para os dois lados, a certeza: na  terra há espaço tanto para o homem quanto para a floresta. Importa para o próprio homem que haja espaço para ambos. As florestas subsistem sem nós homens, não nós homens sem a floresta.  

Em poucas linhas, e principalmente nas entrelinhas,  o autor conseguiu condensar todo o potencial oculto nas entranhas de uma floresta. À primeira vista e ao primeiro contato ela assusta pela sua imponência e desperta sentimentos de temor perante o desconhecido que oculta e o mistério que a povoa. Um longo e penoso aprendizado se faz necessário  até que o homem consiga estabelecer uma relação existencial de parceria com a floresta, para que o susto, quem sabe pânico do primeiro contato, evolua para uma convivência mutuamente útil, e finalmente, consolide uma síntese, uma simbiose entre a floresta, o homem, sua cultura e sua história. 

O autor descreve a sensação vivida por um personagem jovem, que saindo da ilha de Heligoland, coberta apenas com ervas rasteiras e arbustos, se defrontou pela primeira vez, com as florestas do continente.

Apos poucos minutos de caminhada, encontrava-me bem na entrada da floresta sem fim. As árvores elevavam-se à altura do farol da terra natal. Apesar de silenciosas, falavam de alguma forma. Incontáveis elas o rodeavam, cercando pelos lados e o fechavam pelo alto. Tolhiam a visão e o apequenavam de tal modo que o suor começou a escorrer. Para fora! Correndo livrou-se do sufoco. Somente fora, ao ar livre, o peito tornou a encher-se. Meu pai costumava  referir-se seguidamente  a essa primeira experiência com a floresta. Décadas foram necessárias até perceber que é possível descansar bem na sombra de uma árvore da floresta.  

Essas observações levam a uma pergunta de difícil resposta: “Afinal o que vem a ser uma floresta?” Dependendo da perspectiva  da qual se observa, das intenções do espectador, do nível de leitura que é capaz de fazer da floresta, da intimidade ou estranheza, da atração ou do temor perante o desconhecido, sua compreensão será mais pragmática, mais utilitária, mais interesseira, mais sentimental, mais romântica, mais épica, mais mística. 

Para o madeireiro  a floresta não passa de um pedaço de chão destinado a produzir madeira e todos os objetos que nela encontram a matéria prima. Acontece que a inegável utilidade prática da floresta é incapaz sequer de ultrapassar a epiderme dessa complexa realidade. Além e mais a fundo dessa compreensão utilitária, ocultam-se dimensões que somente um observador atento que se aproxima da floresta e estabelece com ela relações mais íntimas como o cientista, o filósofo, o poeta, o místico, é capaz de perceber, intuir e vivenciar.

O madeireiro entra na floresta munido com os instrumentos de trabalho, localiza a árvores que lhe oferece a madeira desejada. Anima-o apenas a preocupação de, o mais rápido possível, pôr abaixo o gigante que levou séculos para crescer, não importando, ou nem suspeitando o que o seu ato significa na verdade em meio àquela aparente confusão de troncos, galhos, arbustos, ervas, insetos, pássaros e animais. Esse nível de  relacionamento com a floresta, obviamente não tem condições de fornecer elementos, nem quantitativos nem qualitativos, para formular um conceito com uma abrangência mínima.

O cientista entra na floresta e começa a observá-la, armado com o espírito e objetivos muito mais ambiciosos. Para ele a floresta não se resume àquela  infinidade de troncos, cipós, arbustos, árvores caídas, ao ponto de subtrair a capacidade de perceber que, a tudo isso, subjaz um sentido, realiza-se uma processo, cumpre-se   uma finalidade, enfim, é capaz de avaliar até certo ponto o que é um floresta. Desde os fenômenos  e as realidades mais simples e mais singelas, até as mais grandiosas, mais espetaculares, os troncos gigantescos, a abóbada moldada pelas copas, a perpétua penumbra povoada de sons, ruídos, urros, gritos e cantos, tudo deixa de ser um aglomerado em que a multidão dos indivíduos mascara a harmonia e a percepção da totalidade. Pouco a pouco fica claro que:

A experiência vivida na floresta que oferece apenas proveitos imediatos, não responde à indagação pela sua natureza. Aprende que o chão, as plantas, os animais e um clima adequado também fazem parte dessa realidade. E fazem parte também as nuvens que velejam no alto, o raio do sol que se infiltra pelas copas das árvores, o ruído da chuva que cai e o gelo que verga os galhos? Quando, finalmente soubermos de tudo o que lhe pertence, será que então penetramos na sua natureza? E a que ponto tudo isso se insere na dinâmica do tempo que avança sem conhecer descanso?  

Aprofundemos um pouco mais a reflexão. A busca pela natureza da floresta está completa? Satisfaz? Parece que não. A intuição nos sugere que falta algo, algo mais profundo, algo mais indevassável, para conferir ao conceito a sua plenitude. Sua compreensão integral, exaustiva e completa nos leva para além dos interesses dos que retiram da floresta a matéria prima para construir  seus abrigos ou suprir a alimentação. Constatamos  também que a curiosidade  e os métodos dos cientistas conseguem penetrar apenas até uma determinada profundidade. Acontece que a floresta é uma realidade que, de alguma forma, interessa a todos. No  quotidiano das culturas que emergem das florestas ainda hoje flui a seiva vitalizadora e regeneradora, haurida de suas entranhas fecundas e lhe garante fôlego para enfrentar e superar com êxito as calmarias e tempestades de milhares de anos de história. Nela as incógnitas da vida encontram contrapartida. O eterno e inexorável ciclo do germinar, nascer, crescer, florescer, amadurecer frutos, declinar e morrer, num vir e devir ininterrupto, fazem com que o homem se veja espelhado na floresta. E ao mesmo tempo em que se reconhece na floresta, esta lhe oferece todo um universo povoado de incógnitas, ameaças e mistérios. A literatura universal está repleta de referencias a essa face mais íntima da natureza. Tácito ao descrever a Germânia assim se expressou. “No seu todo essa terra é assustadora, ou por suas florestas ou por seus pântanos”. Sêneca deixou registrado na ep. 14.: “Ao te aproximares de uma floresta muito antiga, formada por árvores vigorosas, na qual a proximidade sobrepõe um galho ao outro, através dos quais não se enxerga nem a luz, nem o céu. A imponência, o silêncio e a penumbra da floresta te convencem de que algum deus deve habitar nela”. E Bermardo de Claraval: “Acredita-me, eu mesmo o experimentei. Encontrarás mais para ser lido nas florestas do que nos livros. Árvores e pedras te ensinarão o que nenhum mestre é capaz de transmitir”.   A floresta serve também de pano de fundo dos versos de Eichendorf em “Lorelei”: “A floresta é grande  e estás sozinha, bela noiva ( ... ) Conheces-me bem. Do alto do penhasco meu tranquilo castelo contempla o Reno. É tarde. O frio aumenta. Jamais sairás dessa floresta”. Também os versos de Friedrich Rückert. “Deparei-me com uma área   coberta de mata e um homem junto à caldeira. Com o machado em punho tomba a árvore. Pergunto que idade tem essa floresta? Ele fala: A floresta é uma protetora eterna! Moro nesse lugar há uma eternidade e as árvores continuam crescendo sem parar. Há quinhentos anos, percorro o mesmo caminho”. E os versos de Anette von Dorste-Hülsdorf: “Como é assustadora a penumbra da floresta nos dias de bruma em novembro. Maravilhoso é o gemido dos galhos e o queixume do vento”. As folhas da floresta tornam-se cúmplices do homem nos versos de Eduard Morike: “Vós, milhares de folhas na floresta sois testemunhas que beijei a boca da bela Rothraut”. O poeta teuto-brasileiro Hans Grimen, nascido em São Leopoldo, legou uma impressionante metáfora nos versos de uma poesia intitulada: “Die Kirche im Walde”-  “A Igreja na Floresta”, comparando a floresta a uma catedral.
 
Pôs-se de pé e subiu até o alto onde a estrutura se confunde com a penumbra das copas. Examina polegada por polegada as paredes cobertas de verde ao ponto de mal perceber as paredes ao ponto de mal perceber os blocos de rocha vermelha. As colunas redondas com capitéis formados pelos rabos do macacos acocorados sob a pesada  cumeeira, e por sobre o portal, uma cruz de ametistas incrustadas na parede. O portal de entrada tem a soleira desgastada como se muitas pessoas  passassem diariamente por ele. Fiquei com receio de cruzar apressado por causa do tapete úmido, intocado, estendido sobre ela. Afastado o último medo, entrei. Um grande espaço abriu-se diante de mim. Encontro-me numa igreja. Na minha frente ergue-se o altar-mor de pedra, sem toalhas e sem velas, nos nichos figuras imóveis de santos. Tudo verde, tudo verde, da cabeça aos pés e lá o Menino Jesus no colo da mãe. Com a mão estendida, iluminado por um claridade mística que penetra nas fendas da cobertura, oferece-me uma orquídea cor de fogo. São José com uma coroa de samambaias na cabeça reverencia a Rainha do céu. É assim com todos. A floresta os adorna com seus adereços. O verde penetra por janelas sem vidro. Os cipós envolvem os ramos trincados. O clima que envolve e paralisa ao ponto de meus passos me assustarem e o eco reverberar de leve nas paredes. Olho para o alto e procuro as ladainhas petrificadas do sacerdote e  a oração dos fieis, o incenso  aqui queimado e que ficou retido em algum lugar na abóbada. Espera. Algo se movimenta como se fosse o leve farfalhar dos enfeites. Foi um passarinho que bebeu na pia de água benta. Em lugar do brilho pálido e bandeiras de amarelo vivo, balançam grinaldas e cipós com suas flores vivas que pendem da abóbada.